Um Memorável Natal e a Tristeza da Maternidade Infantil Trucidada. Além de ser minha prima, Marlene era ainda, a minha melhor amiga, bem como o seu irmão André .
Festejávamos o Natal de 1959. Muitas crianças ganhavam presentes da CSN, conforme critérios adotados pela assistência social daquela empresa. Todos os pais escondiam os presentes até chegar o grande dia; era uma praxe em nossa comunidade. Não me lembro de quem quer que fosse quebrando a surpresa e os encantos desse dia. Depois do dia de natal é que misturávamos os brinquedos e todos ficavam conhecendo os presentes uns dos outros, brincando e analisando; era uma interação que acontecia com naturalidade. Era costume na tarde de natal minhas tias, irmãs de minha mãe, e cunhadas, reunirem-se lá em casa para tomar café. Aquele café era tradicional; elas não faltavam e, às vezes, levavam um ou doisfilhos, porém não vinham todos, somente os pequeninos de colo ainda lactentes.=
Era sempre assim: um no colo; um ainda pequeno e outro já no ventre. Coitadas já tinham passado uma trabalheira no natal e queriam descansar. Nesse dia elas não faltavam lá em casa. Nossa mãe caprichava na mesa e nos \\\"comes e bebes\\\". Aquela mesa com toalha de natal, toda engomada, as xícaras e pratinhos com bordas douradas tornavam a mesa ainda mais bonita; sem contar as coisas deliciosas como: caçarola italiana, pastéizinhos, empadinhas, etc; e o bolo grande que chamavam de torta, feita pelas habilidosas mãos de Dona Alba Medeiros, excelente doceira.
Costumeiramente, em épocas natalinas, nossa mãe encomendava essa torta e lembro dela escolhendo os recheios: ameixa seca com coco ralado; noutra camada amendoim torrado com leite condensado cozido - naquele tempo ainda não existia o pronto da Nestlé - e a cobertura também com leite condensado cozido salpicado de coco natural.
O natal de 1959 foi marcante; eu ganhara mais um afilhadinho que só iria conhecer no dia 26: era o boneco que minha...
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Um Memorável Natal e a Tristeza da Maternidade Infantil Trucidada. Além de ser minha prima, Marlene era ainda, a minha melhor amiga, bem como o seu irmão André .
Festejávamos o Natal de 1959. Muitas crianças ganhavam presentes da CSN, conforme critérios adotados pela assistência social daquela empresa. Todos os pais escondiam os presentes até chegar o grande dia; era uma praxe em nossa comunidade. Não me lembro de quem quer que fosse quebrando a surpresa e os encantos desse dia. Depois do dia de natal é que misturávamos os brinquedos e todos ficavam conhecendo os presentes uns dos outros, brincando e analisando; era uma interação que acontecia com naturalidade. Era costume na tarde de natal minhas tias, irmãs de minha mãe, e cunhadas, reunirem-se lá em casa para tomar café. Aquele café era tradicional; elas não faltavam e, às vezes, levavam um ou doisfilhos, porém não vinham todos, somente os pequeninos de colo ainda lactentes.=
Era sempre assim: um no colo; um ainda pequeno e outro já no ventre. Coitadas já tinham passado uma trabalheira no natal e queriam descansar. Nesse dia elas não faltavam lá em casa. Nossa mãe caprichava na mesa e nos \\\"comes e bebes\\\". Aquela mesa com toalha de natal, toda engomada, as xícaras e pratinhos com bordas douradas tornavam a mesa ainda mais bonita; sem contar as coisas deliciosas como: caçarola italiana, pastéizinhos, empadinhas, etc; e o bolo grande que chamavam de torta, feita pelas habilidosas mãos de Dona Alba Medeiros, excelente doceira.
Costumeiramente, em épocas natalinas, nossa mãe encomendava essa torta e lembro dela escolhendo os recheios: ameixa seca com coco ralado; noutra camada amendoim torrado com leite condensado cozido - naquele tempo ainda não existia o pronto da Nestlé - e a cobertura também com leite condensado cozido salpicado de coco natural.
O natal de 1959 foi marcante; eu ganhara mais um afilhadinho que só iria conhecer no dia 26: era o boneco que minha prima ganhou, o qual eu ainda não tinha visto. Eu era chegada a um batizado; naquelas ocasiões eu exultava de tanta alegria!
Assim transcorreu mais um natal maravilhoso; dos muitos que passamos em nossa casa, com nossos pais, vizinhos, parentes e amigos ...
Eu aguardava ansiosa pelo dia seguinte, para ir correndo à casa de Tia Olga. Era lá que estava meu lindinho que eu nem conhecia. Fiz minhas tarefas rapidamente: levar todas as violetas para o banheiro para molhá-las e trazê-las de volta para as janelas, tudo no maior dos cuidados! Ai de mim se quebrasse uma folhinha; nossa mãe, Dona Chininha, supervisionava tudo; ela era deveras exigente! Carreguei toda a lenha para dentro e varri o quintal. Agora já podia sair, minha mãe deixou.
Corri que corri; entrei na Vila General Mendonça Lima e fui logo distribuindo sorrisos e cumprimentos: oi Graça e Agenor; oi Amauri (Pinduca) e Irma; oi Wahita e Walace; oi Tarcisio; oi Nena e Zinha; oi Quinha e Alba; oi Liége e Lieninha; Mililic
; Filhinha; Aidée, oi Ricardo e Raulzinho, oi Zula e Edilamar; oi Cau e .Dico....., oi Dilma; Lolo; olá Dona Libertina, bom dia Dona Teka Bordadeira ... ufa ...cheguei na esquina do Seo Bepp.
- Seo Bepp a Rosinha está? ... nem esperei a resposta, saí correndo, a próxima casa era a da Tia Olga.
- Cheguei: Marlene, Marlene!
Ela insistia:
- Venha olhar o Seo Nonô e veja se não é parecido com meu filhinho?
Eu respondi:
- É parecido mesmo; forte como ele! - Está bem, respondi; vamos chamá-lo de Nonôzinho!
- Vamos sim; respondeu ela.
Os planos continuavam e o dia do batizado estava marcado. Eu ia visitá-lo todos os dias e cada dia ele estava maior e mais bonitinho. Eu andava sempre às pressas para chegar em tempo, pois nosso pai almoçava em casa às 11:30, assim como a maioria dos funcionários da CSN.
Certa feita eu estava feliz porque ganhara um shortinho de minha amiga Maria Lídia. Vesti o dito shortinho novo e já saí correndo; sentia-me envergonhada porque minhas pernas estavam \\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\"de fora\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\". Mas nem bem saí pela porta da cozinha minha mãe gritou:
- Este short está muito curtinho; não serve em ti!
Tive que voltar para ela olhar bem e me dar o \\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\"alvará\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\".
- É, não está tão pequeno assim.
E lá sai eu com o shortinho azul marinho com dois bolsinhos laterais e com botõezinhos também em marinho. A minha pressa fazia eu enxergar a Mendonça Lima quilometricamente.
- Puxa vida como a Tia Olga foi morar longe da gente, eu preciso ver o Nonôzinho.
Na correria fui abordada por um dos pequenos da Dona Jurema e do Seo Plínio Souza, o qual assim falou:
- Meu irmão mandou dizer que gostou muito desse shortinho. E eu:
- Ô seu mentiroso!
- Ele ... ele está escondido atrás da árvore.
Aí foi a vez do outro falar:
- É, eu gostei muito desse shortinho mesmo; é muito bonitinho!
Respondi berrando:
- Vagabundo, vaga ... vou já chamar a Dona Jurema!
Mas eu precisava ganhar tempo e ver meu Nonôzinho. Como eu precisava arranjar a tal da mantilha para o batizado, que estava me preocupando, esqueci dos guris atentados.
- Cheguei: Marlene! Marlene!!! Como custaram a abrir o portão. Depois é que vi o que o dito cujo estava aberto. Fui entrando e logo me dirigindo para nosso canto da casinha atrás do rancho, no picador de lenha. Fui chegando de mansinho e ... mas o que eu estava vendo? Minha prima com o machado em punho não me viu de tão empenhada que estava em sua tarefa ... Mas meu Deus, o que era aquilo, parecia que ela estava picando meu Nonôzinho. Não, não podia ser verdade! Era aquilo mesmo que os meus olhos estavam a mirar. Já estava tudo nublado e eu com as pernas moles. Ela continuou a picar o boneco e me cumprimentou:
-Ah, estás aí? Já estou terminando para \\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\"nós brincar\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\".
Fiquei ali parada sem nenhuma ação, petrificada. E ela:
- Ei não vais falar nada? - O gato comeu a tua língua?
Eu então respondi-lhe:
- Porque tu fizestes isto?
Resposta:
- Porque nunca gostei dele!
Fui embora; não conseguia enxergar mais nada; somente o caminho de casa. Quando cheguei minha mãe notou minha palidez apesar de eu já ser, naturalmente, muito branca. Fui correndo para a cama com muito frio e febre. O quartel feminino estava espantado, pois perdi a fala também. Minha mãe foi correndo fazer um chá e dizia:
- Se ela não melhorar vou ter que levá-la para uma consulta com o Dr. Firmino! Se ao menos ela contasse o que aconteceu ...
Depois disso fiquei \\\"de mal\\\" com ela.Depois de muito tempo, a cada vez que eu via a minha prima, vinha em meus olhos aquela horripilante cena de nosso filhinho Nonôzinho sendo trucidado a golpes de machado.
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo\\\" (...)\\\\\\\"A leitura do mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele”
(Paulo Freire)
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