P/1 – Bom Viviani, primeiro, eu queria agradecer por você ter se deslocado até aqui, ao nosso estúdio, para contar a sua história e pra gente começar, eu queria que você falasse seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Viviani Cristina Oliveira de Souza. Eu nasci dia 24 de março de 1975 na cidade de Assis, São Paulo.
P/1 – Qual que é o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai é Carlos Pimenta de Souza e o da minha mãe é Valdemira de Oliveira de Souza.
P/1 – E o dos avós, você sabe?
R – Dos meus avós paternos, é Abadia Pimenta de Souza e Alberico Paula Souza, da minha mãe é Claudenira Barra de Oliveira e meu avô é Francisco Gomes de Oliveira.
P/1 – E conta um pouquinho a história da sua família pra gente.
R – A minha família, eu acho engraçado porque foi sempre de muitas viagens, porque nós moramos agora em Assis, mas a minha mãe nasceu em Belém do Pará, minha avó materna veio de Belém e foi para Três Corações, de Três Corações para o Rio de Janeiro, do Rio de Janeiro para Ribeirão Preto. Meu pai é de Barretos, na verdade, eles moravam numa vila perto de Barretos, mas meu pai nasceu no município de Barretos, meu pai foi criado em Olímpia. Olímpia é a capital internacional do folclore no estado de São Paulo. Depois, ele foi fazer faculdade em Ribeirão Preto. Daí foi lá que o meu pai e a minha mãe se encontraram e se casaram, o meu pai terminou a faculdade na USP [Universidade de São Paulo] de Ribeirão, ele se formou em medicina, ele veio fazer residência de Radiologia aqui em São Paulo no Servidor Público e a minha mãe veio terminar a faculdade de Serviço Social na USP, aqui em São Paulo também. E nisso, nasceu a minha irmã, a Vanessa, primeira filha. Daí, foi em 72 [1972] isso que eles vieram pra cá, e minha irmã nasceu. Eles ficaram aqui até 75 [1975]. Em 74 [1974], meu irmão Júnior nasceu. Eles tiveram uma mudança para Taubaté numa época que eu não vou me lembrar, também, porque eu não tinha nascido. Daí, em 74 meu irmão nasceu com problemas respiratórios e o médico falou que eles precisavam mudar daqui. Daí o meu pai já tinha terminado a residência aqui no Servidor Público e viu proposta de trabalho no sudoeste paulista. Eles mudaram para Assis, São Paulo. Uma semana que eles mudaram para Assis eu nasci e o meu irmão tinha nove meses quando eu nasci. Depois que meu irmão tinha nove meses, eu nasci em março de 75 [1975]. Setembro de 76 [1976] o meu outro irmão nasceu, o Vagner, mas aí ele faleceu. Nós moramos até 2015, eu estou na minha 27ª casa em sete cidades diferentes, mas em 75 [1975], nós mudamos para a casa da Amador Bueno e lá, minha mãe ficou doente logo que o meu irmão faleceu e o pai dela também ficou doente e também faleceu e é uma saga de… Eu falo que o meu pai teve um baita sofrimento e não sei porque sempre sorrindo, sempre sorrindo, sempre trabalhando e sempre falando que estava tudo bem. Minha mãe ficou doente três anos na cama e faleceu. Ele ficou dois anos viúvo e casou com uma pessoa maravilhosa, que é a minha madrasta Mara e teve uma filha linda que é a minha irmã Paula em 1986. Que a minha mãe faleceu em 83. A vida começou a ter mais cores. Em 88 [1988], a minha irmã Vanessa, morávamos todos na mesma casa, isso no Jardim Europa, na primeira casa própria que a gente teve, lá em Assis, a Vanessa veio falando que uma amiga dela ia fazer intercâmbio e hospedava o estudante em casa se quisesse, era voluntariado, não era obrigatório e que era super legal, que ela ia para os Estados Unidos e ela falou: “Pai, eu vou também”, aí eu falei: “Então, eu também vou, se você vai, eu também vou”, daí o meu pai falou: “Tem que ver quanto custa”, ele falou assim: “Mas vocês têm que fazer por merecer, se é voluntariado, tem que fazer serviço voluntário. Vocês têm que ver o que essa organização, o AFS, o que eles fazem de voluntariado aqui em Assis – na década de 80 [1980] – para vocês participarem, porque não vai ser só eu pagar e vocês irem e está tudo certo, não”.
P/1 – Viviane, eu já vou perguntar mais um pouquinho dessa sua história com o AFS, mas antes eu só queria voltar para você me contar um pouquinho da sua infância, quais as coisas que você gostava de brincar, como que era essa sua casa cheia com vários irmãos e todas essas mudanças que aconteceram na sua vida.
R – A minha casa era cheia de gente porque antes da minha mãe ficar doente, ela trabalhava na APAE – Associação dos Pais e Amigos das Crianças com Síndrome de Down, nos finais de semana sempre tinha uma família com uma criança especial lá em casa para brincar, porque a minha mãe achava muito importante as crianças especiais terem contato… Essa inclusão familiar, para achar natural a convivência entre… Quem vê o preconceito são os adultos criança não vê. Isso a minha mãe sempre falava, a maldade vem dos adultos, não vem das crianças. Daí minha casa vivia cheia, os meus primos passavam meses, as férias de julho, se não estavam em Assis, estavam em Olímpia, a minha casa sempre estava com os sobrinhos da parte de mãe ou da parte de pai, era todo mundo lá porque nós éramos em três filhos, a gente brincava entre si, a vizinhança vinha também e meu irmão sempre teve muitos amigos, eles iam brincar de bicicleta, subiam os muros dos terrenos, eu achava interessante, eu queria brincar igual a ele. A minha irmã não brincava muito de casinha, eu brincava de casinha, mas a minha casinha era assim… Eu colocava as minhas bonecas na minha bicicleta e eu ia dar volta no quintal, cada quina do quintal era um país, só que isso eu tinha cinco anos… Eu falava: “Eu cheguei em Portugal, eu cheguei na Argentina”, eu não sabia localização, mas eu achava que eu chegava em países diferentes, brincando de boneca, não sei se é porque minha avó materna tinha irmãs em Cabo Verde, o pai dela casou de novo e foi embora para o Cabo Verde, eu acho que a pessoa vai falando e a criança abstrai do jeito que ela quer. E a gente sempre brincou com criatividade, como meu pai foi criado num sitio, sempre teve a horta e nunca menos do que seis cachorros, o pomar, o cavalo, a vaca… Em casa tinha o pomar, a vaca, o cavalo, a horta. A gente vivia em contato com a natureza, então a nossa infância era muito voltada para a natureza. E daí, em Assis, nós três estudamos numa escola que tem até hoje, minhas sobrinhas estudam lá, é um sítio. Tem o sistema de ensino especifico, só que é um sítio. Desde da década de 70 [1970], a gente sempre estudou nesse lugar e tem muito espaço, muita abertura, não tem parede, o corredor das escolas… A rampa era a rampa e as árvores... Não tinha ar condicionado, acho que agora deve ter, mas enquanto as outras escolas tinham, lá eles prezavam mais esse contato com a natureza, essa vivência de correr, de brincar, de criar… As nossas maquetes eram sempre na areia, não era no isopor, a gente tinha que criar um ambiente de uma zona rural, não era no isopor que a gente tinha que trazer, era todo mundo trazer para fixar na areia ou no gramado, entendeu, cada um fazia um pedacinho, [falavam]: “Não pode comprar nada, você tem que utilizar o que você tem em casa”. Você tinha que criar, daí tinha que pintar… Uma vez, a gente fez uma zona rural, eu fiquei encarregada de fazer os postes, eu falei: “Meu Deus, mas eu não posso comprar nada”, eu achei linha, eu achei lápis, pintei de cinza, virou poste. Para criança, tudo vira (risos).
P/1 – E assim, além dos irmãos, como é que era a vizinhança da sua casa na infância, fala um pouquinho da cidade.
R – Quando a gente morava na Amador Bueno era mais no centro, na Santa Cecília lá de Assis, era mais urbano e tinha uma praça e nessa praça, o meu irmão foi sempre muito companheiro meu de infância, eu só brincava com o que ele podia brincar, nós dois éramos… A gente ia brincar de bicicleta, brincar de castelinho, a gente resolveu que a gente ia colecionar alguma coisa na praça, a gente achou o que a gente ia colecionar na praça que foi tatu-bola, aquele inseto, mas a gente juntou duas bacias cheias de tatu-bola, começou a cheirar mal, porque morriam os tatus-bola lá em casa. Daí, eles viram porquê que estava fedendo a casa, o quintal da casa e era porque a gente tinha catado todos os tatus-bola que a gente tinha achado na praça. Tinha um vizinho que batia sempre na gente, a gente combinou que se o vizinho batia na gente era porque a gente estava separado, a gente se juntou, quando o vizinho veio, a gente se juntou e bateu no vizinho. Mas a gente foi feliz. Mas isso era brincadeira, a gente continua amigo do vizinho. A chuva, a gente amava quando chovia porque minha mãe e o meu pai deixavam a gente brincar na enxurrada, ficar com o pé, até que eu peguei uma micose enorme no pé e tive que parar, foi feio. Uma vez, sempre eu e o Júnior, que a Vanessa fazia balé, fazia flauta, fazia inglês, fazia francês, a Vanessa fazia tudo, tudo que era acadêmico e eu e o Júnior brincávamos. O Júnior uma vez, eu tinha quatro, ele tinha cinco, na sala de televisão, a gente tinha acabado de chegar da praia e o meu pai tinha emprestado aqueles colchonetes e a gente viu aqueles colchonetes e ele falou: “Vamos brincar de índio”, só que os colchonetes eram emprestados, não eram do meu pai e da minha mãe e a gente brincou de índio, a gente montou a oca, montou a cerca, montou tudo, só que daí ele falou: “Falta a fogueira”. A gente fez a fogueira, ele falou: “Só que agora a gente tem que acender a fogueira”. No que acendeu, pegou fogo em tudo, na sala de televisão inteira, a gente teve que gritar para tirar-nos de lá do fogo. Eu tinha quatro, ele tinha cinco.
P/1 – E vocês não levaram bronca por causa disso?
R – Então, qual que era a nossa paixão quando crianças? Era festa junina, bombinha, caminho de rato, dança, e daí naquele ano a gente não foi, nossa! Foi o fim, foi horrível não participar, inesquecível!
P/1 – E tinha uma festa junina na cidade?
R – Na escola, mas a gente levava bombinha. Aquele ano, a gente não pode usar fogo, e duas crianças que eram apaixonadas por fogo… Soltar bombinha, era divertido. A gente mudou de casa e fizemos novas amizades. Ah, eu e o meu irmão fazíamos amizades com o bairro inteiro, mas não tinham meninas naquele bairro. Ah, daí eu aprendi a andar de bicicleta, bicicross, skate, corrida no muro, subir em árvore, porque não tinha menina, mas tinha criança, daí eu brinquei com o meu irmão. Mas no mesmo ano foi quando a minha mãe ficou de cama. A minha casa da casa pra dentro ficou um hospital, da casa para fora a gente brincava. A gente via por aquele mundaréu de gente que era câncer, 1980, um entra e sai de laboratório, um entra e sai do padre, a minha vó desesperada trazia o candomblé, trazia tribos indígenas, quando as pessoas estão desesperadas, elas apelam. Agora eu posso falar, mas não aceitam, não tinha mais jeito, era o cuidado, qualidade de vida enquanto estava, mas as crianças podiam brincar e as crianças podiam ir lá em casa brincar com a gente e a gente podia ir na casa… Meu pai conversou com o psicólogo, eu acho, e ele não permitiu que a rotina mudasse, a gente tinha escola normal e atividade de crianças normais, regulares que era de ir para a escola, voltar, participar de festa de aniversário, participar de festa de final de ano e a minha mãe ia. Na cadeira de rodas, minha mãe ia, ela faleceu em 83 [1983], foi difícil, mas assim, a gente vendo ela sofrer três anos, cega, surda, muda, tetraplégica, o que o câncer de cabeça faz, daí descansou. Ver o meu pai triste... Eu pensei: “Ele tem que ser feliz, porque ela foi embora”. Ainda bem que ele encontrou uma pessoa que ama ele, porque senão, o quê que faz a solidão? A tristeza? Ainda bem que ele conheceu a Mara e a Paula nasceu e eu brinquei de boneca com a Paula. A Paula foi minha boneca.
P/1 – E conta como foi ter uma irmãzinha pequena?
R – Gente, pra mim foi tudo! Eu tive uma boneca viva (risos). Eu fico pensando agora: “Mara, ela vai ficar linda num vestido laranja”, a Mara ia lá e comprava o vestido laranja pra eu brincar de boneca com o vestido laranja. “Mara faz o um ano dela o tema de boneca”, a Mara ia lá e fazia o tema da boneca. A Mara grávida: “Mara, eu quero o meu aniversário com tema de Coca-Cola”, interior de São Paulo não tem nada! Lá foi ela fazer tudo grávida, gente! Agora, a gente volta a memória, você fala: “Que anjo!”. Largou… Era funcionaria pública do Banespa, exonerou para cuidar dos filhos do marido, é um anjo mesmo. Ela é um anjo. E eu penso que os cuidados que ela teve com a gente são… Eu aprendi com ela, agora os cuidados que eu tenho com a minha filha, eu aprendi com ela. Eu gosto bastante. A minha irmã Vanessa é um barato, muito responsável, muito exemplo… “Eu vou ser médica igual o meu pai”, é médica igual o pai. “Eu vou estudar igual o meu pai”, estuda igual o meu pai. Eu falo pra ela: “E eu vou ser feliz” (risos), daí ela fala: “Mas tem que pensar na profissão” “Mas eu vou pensar na profissão” “Você tem que estudar bastante” “Mas eu estudo”, eu falei: “Não vou estudar o quanto você estuda, mas eu estudo”. Eu tinha numa professora que eu acho que ela não gostava de mim, não, no Fundamental I. Não sei porquê que ela falou o que ela falou, mas ela falou que eu era muito burra, uma professora de Matemática, então claro que eu travei na Matemática, claro que eu fui para humanas. [Falou] que eu não ia passar da quinta série, que eu nunca ia chegar a fazer faculdade, falei: “Nossa!”, eu tinha dez anos, não contei para o meu pai, não sei porquê que a gente não contava na época, fiz um abaixo-assinado na sala para tirar a professora, mas eu não sabia que ela era a dona da escola, olha que cabeça! Eu falei: “Gente, como que eu ia imaginar que aquela professora era a dona da escola?”, por isso que ela falava o que ela falava. Abuso de poder. Mas eu pensava: “Se um dia eu for educadora, eu nunca vou falar isso para um ser humano, nunca!”. Há 18 anos eu sou professora e eu nunca falei isso para alguém nunca! Isso não se fala. E claro que não fui para Exatas, óbvio, fui para Humanas. Agora a minha mora na casa que a gente morou, minha irmã ficou com a casa, comprou a casa e ela achou os meus materiais de maternal, cadernos dessa professora minha, e é engraçado que é “Muito bem”, “Parabéns” nas tarefas, a professora sempre passava e colocava, são todas com a minha letra, ela não passava nada para mim, eu que marcava. Ela não gostava de mim mesmo, porque ela não colocava (risos). Eu vi as provas que estavam coladas, nossa, eu perdia um, dois pontos nas provas, eu: “nossa, mas eu não ia mal, por que será que ela…?”. Sei lá! O que eu penso é assim, a educadora que ela foi na época, eu não sou e eu tinha certeza disso. É engraçado, o meu pai sempre colocou a gente para ir para a escola de perua, não tinha van na época, era perua, Kombi e eu pensava assim: “quando eu tiver uma filha ou um filho, nunca meu filho vai andar de perua”, mas pensando quem mora no interior, porque quem mora na cidade grande não dá para tirar. E é engraçado que eu moro no interior e a minha filha não anda de perua, porque eu lembro os beliscões que eu levei, eu lembro das palavras que feriam. Então assim, criança não esquece um monte de coisas. A gente que pensa que criança esquece, criança não esquece. Mas eu lembro que uma criança me bateu na perua, mas a minha irmã, a Vanessa, ela é dois anos mais velha do que eu, ela bateu tanto no menino: “Você nunca mais bata na minha irmãzinha”, engraçado. Tem, coisas que a gente não esquece, de eventos...
P/1 – E Viviane, dessas memórias escolares, tem algum professor que tenha marcado pela parte positiva, que tenha te inspirado?
R – Claro! Senão eu não seria professora. Eu acho que quem tem essa coragem de ser educador no Brasil, alguém muito especial participou da vida, porque é incrível você ter esse dom de transformar a vida de um ser humano, dele sair de um desconhecimento de alguma coisa e você clarear a vida para ele, você clarear esse conhecimento para ele, isso é mágico, é mágico e é engraçado assim, eles falam assim para você: “Muito obrigado”, eles não sabem que é a minha obrigação, eles falam “Muito obrigado” para uma coisa que eu tenho certeza que eu tenho que ensinar, mas eles falam assim com uma gratidão: “Eu nunca mais vou esquecer o que você fez”, é muito bom. 18 anos dando aula, eu já dei aula, nossa, tantos fatos lindos que me encorajam a continuar. A minha professora de primeiro ano, Vanessa Fantim, ela tinha um amor na gente que era incrível! Olha como que ela falava pra gente: “Olha gente, tem esse poema da macaquinha…”, eu tinha sete anos, “Tem esse poema da macaquinha, aqui tá falando que vocês precisam ler e depois vir aqui na frente falar, mas só vai vir na rente falar quem quiser, eu não vou obrigar”, isso já deixou todo mundo relaxado. Nisso, não sei se era todo mundo, mas nisso o quê que acontecia? Todo mundo ficava com vontade, as pessoas queriam tentar, pelo menos, porque não tinha aquela pressão em cima: “Você tem que fazer”, esse “ter que fazer” é muito pesado. E ela sempre com um sorriso no rosto, sempre com cores, com magia, com música, eu falava: “Nossa, que gostoso que é aprender”, com ela era tudo muito gostoso, nossa! (risos).
P/1 – E Viviane, você contou um pouquinho dessa primeira infância, dos seus primeiros professores, e conforme você foi crescendo, você foi ficando adolescente, no geral, o quê que você fazia na cidade? Qual que era a diversão de Assis mais para os adolescentes?
R – Cidade rural, cidade agrícola. Não tinha muita coisa pra fazer. Eu percebi que pertencia a algum lugar e eu via que as pessoas gostavam de passar o tempo e esse “passar o tempo” pra mim era muito chato, eu não gostava de passar o tempo. Eu tinha 12 anos, eu falei: “Pai, o senhor pode fazer a minha carteirinha da biblioteca municipal, que lá tem Veja, lá tem jornal do estado, e lá tem livros para ler, porque os meus amigos gostam de ir no clube e eu não gosto. Eu gosto de ir no clube quando tá calor, mas não para ficar batendo papo”, mas eu fui algumas vezes e eu achei um tédio. Eu percebi que esse passar tempo para mim era muito chato. Essa coisa do: “Eu vou dar o meu mínimo”, esse “dar o mínimo”… Eu falo pra minha filha hoje: “Dê seu máximo, mostra que é gostoso você saber, porque daí você eleva o nível do grupo que você está”. Eu tentei pertencer a grupos religiosos, daí não deu certo, eu não consegui. Eu fui tocar, tinha aprendido a tocar violão, minha professora de violão é uma fofa, ela dá aula, é a Nesia, ela me ensinou e ensinou tocar violão só com MPB [Música Popular Brasileira], ela me ensinou com rock brasileiro e MPB, ela não ensinou com sertanejo universitário, com nada dessas coisas, nada! Eu me apaixonei pela música popular brasileira quando eu tinha nove anos e eu aprendi a tocar violão e eu achei que eu ia servir na igreja, de tocar violão na igreja. As pessoas falavam assim: “Mas você tem que respirar a igreja, você tem que ser fanática”, daí: “Gente, eu não consigo ser fanática”, eu acho que Deus… Na época eu não sabia disso. Deus é todo dia, você tem que viver todo dia e você tem que viver nas pessoas, não ficar adorando… Sei lá, eu vi que as pessoas iam competir dentro da igreja, elas não queriam ficar ali porque elas estavam fazendo alguma coisa por alguém, elas queriam falar: “Olha, eu estou aqui porque eu estou melhor do que o outro, eu quero mostrar para todo mundo o quanto que eu sou bom aqui na igreja”. Eu comecei a ver que as pessoas eram hipócritas, que o que elas viviam na igreja na sociedade, no trabalho, na casa, nada a ver. Eu desisti. Tinha uma boate muito famosa em Assis chamada Porão, que na década de 70 [1970], lotava, a região inteira ia, era a época da discoteca, era um porão de navio, era muito boa. Eu comecei a ir em 89 [1989]. Foi assim, na década de 90 [1990] ela já foi parando, depois fechou. A gente ia nesse lugar. Tinha em Assis a calçada, passava à noite o pessoal na calçada, cidade do interior o pessoal fica andando na rua… Mas eu via e falava: “Eu estou fazendo isso agora, mas eu sei que não é para sempre, porque isso aqui não é para mim”. Eu sempre pensava: “Eu não quero isso”. Eu tinha um grupo de amigas, aí esse grupo de amigas se desentendeu, não sei como que foi a história, que eu sei que quando eu voltei da Austrália, cada um no seu canto, aí acabou tudo. Na verdade, como eu jogava basquete, eu nadei, dancei, toquei violão, o quê que aconteceu? Eu tinha vários grupos de amigas, cada época eu estava num grupo, eu não ficava só num grupo, eu ano era uma pessoa que tinha assim só aquele grupinho de amigas, eu gostava de estar em vários. Eu comecei a jogar basquete com o time da cidade, a professora falou assim: “Por que você não joga com o time da escola do Estado?”. E eu estudava na escola particular, eu amava, fechava as minhas notas rapidinho na escola particular, pedia para o meu pai: “Por favor, eu tenho que jogar basquete pelo Climas”, eu fechava as minhas notas no bimestre, porque daí eu podia migrar durante o horário de aula para jogar de manhã na escola do estado. A gente se dobra, mas é isso. É engraçado que naquela época não tinha problema com bebida alcoólica, a gente saía para tomar sorvete, saía para tomar um guaraná, sei lá, paquerar os meninos, não tinha essa… A gente não apelava para roupa, não apelava para maquiagem, a gente saía para se divertir. Assis tinha épocas que tinha cinema, tinha épocas que não tinha. Shopping, só foi ter shopping que para vocês deve ser uma galeria, quando fechou a loja Riachuelo, a loja Riachuelo virou shopping, aí que começou a ter cinema, mas em Assis, o cinema é dublado, não tem legenda. Depois que eu sai de Assis, em janeiro de 92 [1992], eu tinha 16 anos, fui morar em Ribeirão Preto, eu e meu irmão, meu primo e a minha prima no apartamento do meu pai pra gente fazer o terceiro ano do Ensino Médio. Em março, eu já fiz 17, eu cheguei em Ribeirão Preto, eu vi aquele monte de cinemas, no final de semana, o que eu fazia? Eu juntava um horário no outro para ficar assistindo três, quatro filmes no mesmo dia, porque eu queria ficar ouvindo inglês… Ah, esqueci de contar! Tinha férias em Assis que eu falava para o meu pai: “Nós vamos viajar?” “Não, não vamos” “Então, vou arrumar alguma coisa para fazer” “Tá precisando de alguém no recadastramento de uma empresa para trabalhar, mas não vai receber”, falei: “Não tem importância, vou ficar um mês fazendo alguma coisa é muito bom, melhor do que ficar em casa”. Eu ficava, eu amava. No Natal, uma conhecida dos meus pais visitava os asilos para passar à tarde com os idosos, a gente ia para passar à tarde, porque ela tinha feito alguma promessa, alguma coisa, mas ela chamava os filhos dos amigos para irem junto. E naquela época, tinha orfanato dos meninos e das meninas e eu lembro que a gente ia no orfanato dos meninos e toda vez pegava piolho no orfanato dos meninos. “Ah, eu vou lá com o cabelo preso? Não vou". Vou lá e não vou brincar com os meninos? Também não”, Se você tá lá é porque você tá a fim de conviver, são fatos, eram esporádicos durante o ano, mas aconteciam. E nas férias também, eu não sei se era final de semana, não era final de semana, não sei qual foi, eu sei que eu fiz duas vezes isso, na minha época não era DVD, era fita cassete, quando começaram as locadoras de filmes. Tinha uma televisão lá em casa e tinha um vídeo cassete. E eu queria aprender inglês naquelas férias, então o quê que eu fazia? Eu colocava fita crepe na televisão para não ver a legenda em português e alugava filmes para colocar, só que eu alugava de dois a três por dia, ficava vendo os filmes e sem ler a legenda e com o meu inglês da escola, porque eu não fazia inglês particular. Depois que eu terminava o filme, eu anotava o nome do filme, os atores, qual que era o enredo e porque eu tinha gostado e eu tentava fazer isso em inglês, depois e eu fazia em inglês, eu sei que em uma semana, eu assistia três vezes, sete, 21, eu assistia 21 filmes por semana. Isso começou o gosto pela língua inglesa, eu comecei por aí, nas férias de ficar ouvindo e assistindo.
P/1 – E depois desse terceiro ano que você foi para Austrália, conta pra gente como é que foi esse primeiro contato com o AFS, essa preparação para viajar, você falou que a sua imã já tinha ido, né?
R – Foi. Minha irmã foi em 90/91 [1990/1991] para os Estados Unidos. Em 91, no que ela foi, a gente recebeu a Karen da Nova Zelândia. Meus pais escolheram receber, se a gente está querendo que uma família hospede a nossa filha, a gente vai querer hospedar a Karen da Nova Zelândia, descendente de chineses, ficou um ano na minha casa, ela dormia na cama da minha irmã e ela ficou lá um ano, depois que ela voltou, depois de um mês ela faleceu por conta do remédio da bronquite, que ela tomou, mas ela ingeriu bebida alcoólica depois de ingerir o remédio e entrou em coma e morreu, mas isso depois que ela já tinha voltado do intercâmbio dela na Nova Zelândia.
P/1 – E como que foi a experiência de ter uma irmã de fora, de ter alguém na sua casa?
R – Era diferente porque a cultura dela era chinesa em 1990. Ela gostava de carne com legumes e amendoim, a gente achava aquilo um barato, só que ela era muito educada, ela era muito educada, ela tinha uma paciência com a minha irmãzinha, ela tinha uma paciência, porque ela era mais velha que todo mundo lá e ela ia no colégio… No mesmo colégio que a gente, sempre sorrindo, sempre, não reclamava de nada, era incrível, chorava, batia saudades de casa, sentava assim, sempre quietinha… Era diferente porque foi a primeira que a gente recebeu e aquela coisa da Vanessa ter ido. Vanessa foi, depois de um tempo, estourou a Guerra do Kuwait os soldados da cidade dela foram. Eu lembro que quando a Guerra do Kuwait começou, eram cinco horas da manhã, eu acordei, meu pai estava na televisão em pânico de ver a guerra começando e os Estados Unidos enviando, medo de ter alguém bombardear os Estados Unidos, alguma coisa assim. No começo, a adaptação, os estrangeiros têm costumes diferentes, a adaptação demora no chuveiro, naquela época não tinha essa coisa de não poder demorar, então tudo tinha que explicar, a gente viu que era natural, que tinha que explicar, mesmo, ele não pertencia a nossa cultura. A minha madrasta falou assim: “Já que ela não sabe português, vamos fazer a nossa casa virar uma escola”, na casa inteira tinha a tradução, então: “Cozinha - kitchen”, tinha: “Garfo - fork”, tudo tinha inglês - português na casa inteira e isso ficou assim, uns 40 dias. Perfeito, foi perfeito para ela, foi um laboratório de línguas. Ela era muito legal. Foi muito triste a gente ver que quem conviveu com a gente depois faleceu. A Vanessa voltou e depois em 92 [1992] a Mahaika veio. Alemã, despojada, imatura… Cada um tem uma qualidade, cada um tem um defeito, só que como a gente já morava em Ribeirão Preto, eu e o meu irmão, quem sofreu com a imaturidade dela foram os meus pais e a Paula, a mais nova. Mas eu gostava dela, ela era muito criativa, ela foi para a praia com a gente, o meu cunhado falou assim: “Vamos pegar jacaré?” “Onde? Onde?”, ela achou que jacaré fosse o bicho e não pegar onda, mas ela falou: “Bolacha recheada de doce de leite é muito bom, vou ter que comer todo dia”. Comeu todos os dias em que estava no Brasil bolacha recheada de doce de leite e um tablete de chocolate branco Laka, até que deu seis meses comendo, ela começou a passar mal, o corpo não aguentou. Mas levou um pé de mandioca embora para plantar no banheiro, para você ver como que eles gostam… E nisso, eu fui. Porque Vanessa foi, Karen veio. Mahaika veio, eu fui. Eu fui para a Austrália em janeiro de 93 [1993].
P/1 – E por que Austrália?
R – Por que Austrália?
P/1 – Foi você que escolheu ou foi o AFS que te designou?
R – Eu não queria ir para os Estados Unidos. Eu não queria Estados Unidos, ou Europa ou Oceania. América do Norte, Canadá, Estados Unidos não, não sei, eu fiz a prova quando eu tinha 14 anos, o AFS começou a ser muito forte na década de 80 [1980] lá em Assis, de ter dez, 12 intercambiários por ano na cidade de 80 mil… Agora tem 100 mil, numa cidade de 100 mil, você ter 12 intercambiários, quer dizer que são 12 famílias envolvidas, é muita coisa e é receber, é enviar, é conselheiro, então envolve muita coisa. Era muito forte e as provas... Para cada vaga tinha dez candidatos, as provas que você tinha que fazer na faculdade municipal que tem lá de tantos candidatos que tinham, agora fazem em escola de línguas, em salas pequenas. Antes, era enorme. Tem entrevista, tem a parte em inglês, tem conhecimentos gerais, tem que saber o que tá acontecendo no mundo… Você tem que ter bons argumentos, você tem que ler bastante. Eu falo que nunca é demais você saber. Quando eu fiz, tinha uma Bolsa 100% de graça para os Estados Unidos, e quem ganhou foi a Andrea. A Andrea vem de uma família carente e ela levou 100%… Isso foi crucial na vida dela, ela fez USP depois voltou, fez mestrado, fez doutorado. É muito inteligente, uma graça, eu encontro com ela até hoje. Me perguntaram, quando eu passei, me perguntaram: “Tailândia ou Austrália, qual dos dois países você gostaria de ir?”, com a nota que eu tirei na prova do AFS, eu podia escolher um desses dois países. Como eu estava envolvida naquela época… Eu estava com 15 anos, eu estava envolvida com o inglês por causa dos filmes, então eu escolhi Austrália. Até eu tinha um namoradinho, e ele falou: “Se você for para a Austrália, o nosso namoro acaba”, eu falei: “Então acabou, porque eu vou e ninguém vai me impedir, agora que eu passei”.
P/1 – E como que foi a sua chegada lá na Austrália? Fala só um pouquinho da sua experiência.
R – No total, foram 48 horas de viagem. Sai do Rio de Janeiro, Rio–São Paulo, São Paulo–Buenos Aires, pega o pessoal da Argentina. Nisso, entrou a Ana Carolina Torales, que é a mãe da Virginia Torales que eu fui mãe hospedeira agora, que fez intercâmbio comigo. Daí, Argentina–Terra do Fogo, Terra do Fogo–Nova Zelândia, Nova Zelândia–Sydney, Sydney–Brisbane onde eu fiquei. Eu fiquei na capital do estado do nordeste. A gente chega lá, tudo diferente, é cheiro diferente, som diferente, tudo lá é diferente, mas as pessoas são simpáticas como os brasileiros e gostam de ser solicitas com os brasileiros, não é difícil viver na Austrália. Eu morei nessa família, o pessoal falava assim: “Nossa, você vai morar em Hamilton”, eu falava: “Ué! Hamilton” “Nossa!”, era o bairro das mansões de Brisbane. Eu fui ver que a minha mãe era jornalista da BBC [British Broadcasting Corporation], meu pai desembargador, meu pai processou alguém que deu até seriado de televisão, meu pai processou alguém lá, a minha mãe sempre aparecia na mídia. Eles descobriram na a minha ficha, que eu era filha de médico e eu tive que fazer, até que eu aprendi, o curativo de uma cirurgia de coluna do meu irmão, mas a paciência que eles tiveram comigo, a vontade de me ensinar o que eles me ensinaram é incrível. E eles me falavam… Tinham dois filhos e fizeram festa e fizeram um jantar muito legal: “A gente fez um jantar de boas vindas, porque amanhã nós vamos para praia” “Tá bom” e eu cansada. “Porque depois, a semana que vem você tem escola, você vai estudar num colégio de 600 meninas”, eu era a mais velha de 600 meninas, imagina! O jantar era uma folha de alface, uma lichia e um camarão cozido, porque se você for ver, é a proteína, é a fibra, se você for ver bem, aquilo alimenta. E sorvete de manga e ginger beer, refrigerante de gengibre. Era muito típico e para mim foi muito estranho. Depois, no café da manhã é manteiga de maracujá, nossa, foi incrível assim, a convivência de tudo o que é diferente lá. Eu fui para a escola, o bom de eu ter feito intercâmbio depois de terminar o terceiro do Ensino Médio, que era terceiro colegial foi que eu já tinha concluído tudo mesmo, não precisava de nota, não precisava de frequência, eu tinha que ir à escola, mas eu já tinha fechado, aí eu experimentava uma matéria, não gostava, eu pulava. Eu tinha as obrigatórias, que eram Inglês, Literatura Inglesa e Informática e uma língua estrangeira que eu fiz Alemão. Mas eu não gostei de culinária, me colocaram na culinária, achei uma chatice aquilo. A professora achava que eu tinha que ficar medindo tudo, porque britânico é muito preciso e eu fazia tudo do jeito brasileiro, mais ou menos e dava certo. Aí as meninas ficavam: “Ela tá fazendo mais ou menos, tá dando certo igual o nosso, então não precisa fazer mais”, aí eu falei: “Deixa eu sair daqui senão vai dar rolo”, daí eu fui fazer Artes, amei Artes. Fiz Alemão, fui fazer Produção de Filmes. A gente foi lá na Warner Bros que tem lá no litoral, no Gold Coast, Produção de Filmes, a professora era uma fofa, ela gostava de ensinar e ela me ensinou fazer um vídeo para eu trazer para o Brasil. Na Austrália e Nova Zelândia eles são fortes no ecoturismo, tinha um professor de Ecoturismo e ele falou: “Você não quer participar do Ecoturismo?” “Quero” “A gente vai dormir na montanha, a gente vai andar de canoa, vai fazer rock climbing”, não sei como chama, escalar montanhas, descer, rapel: “Vamos fazer?” “Vamos!”, no dia da canoagem eu perdi o remo, tive que ir atrás do remo na correnteza, cheguei na escola toda aberta, ferida, as pedras no rio… Foi uma experiência muito boa. Numa cidade de um milhão de habitantes na época, agora tem dois milhões, mas ela era assim, o ícone da família era a mídia. Eu pedi para mudar porque eu queria experimentar uma família australiana, uma família real, não uma família celebridade. Eu apareci no jornal, apareci na televisão, viajava de avião, ia para tal restaurante, tal hotel. Eu falei: “Mas isso não é uma experiência real, assim. Quero uma experiência real, eu não quero sempre as formalidades”, eu pedi para mudar e eu até mudei de lado do rio, eu fui de um lado do rio de Brisbane para outro. Eu mudei de bairro, fui morar na casa da Merlin, Merlin White. Lá na primeira família eles tinham três Mercedes, mansão… Lá, era uma casa comum, um carro na garagem, sabe, pagar as contas, sabe, era uma típica família australiana. A mãe era sozinha, era recepcionista de uma imobiliária, uma graça de pessoa, os filhos ajudavam ela na casa, não tinha empregada, lavavam o que tinha, entendeu. Eu queria viver essa realidade. Me falaram: “Mas você vai perder avião, vai perder viagem” “Não interessa, eu quero viver”. Eu fui para essa casa e foi muito bom, ela é minha amiga até hoje, a minha mãe, meus irmãos são meus amigos, a gente conversa até hoje. A outra família eu não tenho contato, eles não gostaram que eu sai, mas eu sai, eu acho que para mim valeu a pena, valeu assim, eu agradeço… Agradeci a família antes de sair. Nessa escola de 600 meninas que eu estava no terceiro do Ensino Médio, tinha uma menina, a Melissa Pimenta, era portuguesa, família de portugueses que nasceu na África do Sul e fugiu para a Austrália por causa do Apartheid. A escola em que eu estudei era de imigrantes que fugiram dos países por questões de violência, eu aprendi muito. Tem uma semana lá falando sobre a saudade do país de origem, são histórias assim, muito profundas num discurso de criança, eram crianças, menores. Você via meninas de 15, 16, 17 anos falando assuntos de adultos e a saudade de casa: “A gente fugiu, a gente veio de barco, a gente…”, num país, Austrália tinha 200 anos, um país novo que precisa da imigração, aceita as diferenças, existe a tolerância, porque ali são todos imigrantes. É um país de aprendizado. E essa família, o casal era separado, mas eu fui jantar uma vez com o ex-marido, a mãe uma graça e a filha estava meio assim, porque eu acho que os dois tinham acabado de se divorciar, o filho era muito legal, o Tom. O Tom agora tem três filhas, gêmeas e mais uma, três meninas, um paizão. A Suzy é uma arquiteta, muito bem humorada, a Merlin sempre experimentando as coisas. Eu amo doce de leite, goiabada, eu gosto de coisas brasileiras e eu lembro deles me inserirem em todas as atividades. A minha mãe: “Eu estou indo visitar os meus pais lá em Gold Coast na praia, vamos?” “Vamos”, ela podia simplesmente falar: “Fica o final de semana que eu estou indo visitar os meus pais”, me inseria. Eu ia com ela. E ficava lá, e conversava e tinha paciência: “Você entendeu tudo o que eu falei?” “Não”, ela me explicava tudo de novo, tudo que ela falava para a mãe dela, ela me explicava tudo de novo. “Você tem tarefa para fazer?” “Tenho” “Quer que eu te ajude?” “Quero”, sentava, chegava cansada do trabalho, chegava e me explicava tudo. Essa humanização e era engraçado porque eu chegava da escola, primeiro dia me deixaram a chave da minha casa, primeiro dia que eu cheguei na casa dela, a chave da minha casa. Cheguei, ela falou assim: “Se você não quiser ficar sozinha, a vizinha do lado não trabalha porque eles têm uma fábrica de sabão em pó na Malásia, eles sempre estão aqui. Se você não quiser ficar sozinha, vai lá na casa deles”. Tinha dias que eu chegava, não queria ficar sozinha, eu batia lá e ficava na vizinhança, diferente do outro lado do rio, que lá, as mansões, cada um por si, lá no Chelmer era um bairro maravilhoso, arborizado, inesquecível! Essa família me ensinou, eles eram vegetarianos, tipo, a mãe me ensinou o quê que era Brussels sprouts. Coisa que eu nunca tinha experimentado, couve de Bruxelas, imagine 20 e poucos anos atrás, experimentar couve de Bruxelas, falei: “Nossa!”. E ela falou assim: “Aqui é uma pasta de dentes sem química, eu não pinto o cabelo porque tem química”, eu falava assim: “Mas vocês têm uma fábrica de sabão em pó na Malásia, como é que vocês não usam nada de química?”. “Não, porque você vai com a gente lá no ponto mais extremo da Austrália, onde mora o Paul Hogan, que a gente tem um sítio lá, lá não tem luz elétrica, você vai viver um fim de semana totalmente natural, foi muito legal. Nem a água… nada tinha eletricidade, sabonete, tudo era natural, tudo não tinha química… São experiências únicas que a gente vive e não acredita.
P/1 – Bom, Viviane, a gente tem aí uma trajetória para passar, infelizmente, a gente não tem como ficar muito em cada coisa, mas assim, eu queria te fazer umas perguntinhas agora. Quando você voltou, conta pra gente um pouquinho do seu retorno e uma geral assim dessa sua trajetória como voluntária…
R – Ah tá! Esse é legal (risos). É legal, é engraçado porque o meu intercâmbio eu aproveitei porque eu estava madura, eu fiz 18 lá. Eu acho que com maturidade deu pra aproveitar bastante, porque as reuniões do AFS lá são muito boas e o mundo num acampamento só, você aprende um monte. Eu voltei em janeiro de 94 [1994], eu lembro. E fui morar em Ribeirão Preto, voltei para Ribeirão Preto, fiquei um pouco com a minha família lá em Assis, voltei para Ribeirão Preto. Eu gostava muito… Meu pai perguntou: “Você quer ficar em Assis ou Ribeirão Preto?”, eu falei: “Pela parte cultural…”,eu gosto muito de teatro, cinema, show e Assis não tem muito, eu gosto de lugar que tenha, e como lá em Ribeirão Preto a gente não pagava aluguel então tinha como fazer isso. Eu fui morar lá em Ribeirão, uma prima minha que tinha largado a faculdade e passou em Psicologia lá na USP veio morar comigo também, Maria Antônia, uma graça e eu fui morar lá em Ribeirão Preto, fiz cursinho e passei… Meu pai perguntava: “O que você vai fazer?”, falava: “Pai, eu só me vejo como professora, como educadora” ”No Brasil professor não é valorizado”, eu falei: “Ah… eu quero Letras”. Daí eu prestei Letras na UNESP [Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho] de Araraquara, prestei em São Paulo, na USP, prestei PUC [Pontifícia Universidade Católica], eu passei lá e aqui, aqui em São Paulo e lá. O meu pai perguntou assim: “E agora?”, apesar de gostar do movimento cultural, eu falei: “Não…”, mas acho que valeu a pena, eu me formei e é engraçado que dentro da UNESP, eu fui bolsista e eu continuei com o inglês na Cultura Inglesa de São Carlos e dentro da UNESP tinha um ERIC – Education Resource Information Center, era um trabalho voluntário. É engraçado que sempre estava me envolvendo com algum trabalho voluntário, alguma coisa do voluntariado. E esse trabalho era ensinar as pessoas da UNESP a usar esse processo que vem do conselho britânico a estudar, ser autodidata em inglês. Nesse lugar a gente trabalhava e era muito legal. Eu me formei, dei aula no Estado, dei aula na rede pública, dei aula particular, mas eu comecei a dar aula e cai num acampamento sem terra, numa escola em Matão e aprendi muito. Meus alunos tinham nove anos e eu perguntei um dia para eles, no final do ano, o que eles tinham vontade de comer, porque eles já tinham me falado que na casa deles não tinha janela, então eles falaram assim: “Queijo com goiabada”. Eu fiz um dia a festa do queijo com goiabada, eles falaram que foi uma festa inesquecível, depois eu fui para um orfanato, eu descobri uma aluna minha no Estado que ela não decodificava nada, nem uma sílaba, nem uma letra, eu fui na secretaria da escola e perguntei porquê que ela não lia: “Ela é do orfanato”, eu fui nesse orfanato e nesse orfanato, eles falaram: “A mãe dela gerou ela no crack, deu perda, ela nunca vai aprender porque a mãe usou muito crack”. Eu fui voluntária um ano nesse orfanato nos finais de semana. Eu ia lá dar reforço pra as crianças de português. Eu voltei para Assis, dei aula na escola de línguas e encontrei a Fátima Segarra que é da regional agora do AFS e ela falou: “O quê que você quer?” “Eu quero trabalhar na sua escola” “Tá bom, você vai trabalhar na minha escola, mas o AFS tá aqui” “Aí que beleza!”, ela falava assim: “Vivi, tem que buscar… você vai ser voluntária?” “Vou” “Vai voltar?” “Vou” “Tem que buscar os estudantes lá em Guarulhos, você vai?” “Vou” e ia, porque tem que falar inglês. “Vivi, tem acampamento”, uma professora da UNESP trazia os intercambiários e os professores do Estado pra fazer oficina na Cultura Inglesa de Higienópolis: “Vivi, você pode?” “Posso”, esse envolvimento sempre de estrangeiros e voluntariados. Eu voltei para o AFS e eu comecei a trabalhar. Eu sai de lá da Fátima, mas eu comecei a trabalhar em Palmital. Eu vi que em Palmital tinham pessoas interessadas em receber intercambiários, eu montei um comitê lá do AFS. Veio a Bibeká do Japão junto com o Titos que chegou na minha casa em 2002. A Bibeká morou em Palmital. Era muito legal. Eu falo que eu gosto de ser voluntária do AFS, agora papelada, eu não gosto, documentos assim, não. Me fala que eu tenho que levar o estudante intercambiário no Museu do Índio lá em Tupã, eu levo. Eu levei a Bibeká, levei o Titos, levei a Zoradina, levei a Anastina, levei o Noburo. Pensa numa viagem no interior do estado de São Paulo, Museu do Índio. É fantástico, porque lá tem uma reserva da FUNAI [Fundação Nacional do Índio], tem uma escola indígena, uma escola estadual que a língua materna é o indígena, tem os indígenas lá e lá tem o Museu do Índio e depois, nós fomos para Borá, que é a menor cidade do estado de São Paulo, a gente quase chegou em Bastos, capital do ovo… Como chama aquela cidade que tem colonização europeia também, mas não vou lembrar, é muito legal. Eles viram assim que tem coisas interessantes para mostrar, não é só na capital, não, no interior tem coisas interessantes. Eu falo: “Se quisesse levar para Poços, sei lá, eu levo, mas não fala para eu preencher…”, falei: “Fátima, me coloca, mas você faz os papeis”, ela fala: “Deixa comigo”. Eu gosto dessa coisa da convivência, essa convivência é muito legal. O Titos não ia ficar na minha casa, eu fui conselheira dele, ele não poderia ter sido meu irmão, então eu deixei de ser conselheira dele. Ele ia ficar numa outra família, mas a família estava reformando a casa, ele pediu para ficar um pouco, daí depois que ele reformou, falaram: “Agora pode trazer”, aí a gente falou: “Mas agora você arruma outro que agora, ele é nosso filho”, os meus pais falaram: “Agora a gente não manda embora”, até hoje, tanto que a gente vai encontrá-lo. Lembra quando teve o Fome Zero do Betinho? O AFS participou lá em Assis com os intercambiários e com os candidatos a viajar. Eu lembro que a gente subiu no caminhão, a gente foi arrecadar nos bairros e eu cai justo num bairro de portugueses lá em Assis, foi uma experiência muito boa.
P/1 – E como que surgiu essa coisa de você dar aula para os intercambista?
R – Na UNESP de Assis tem uns estudantes, eles têm esse voluntariado e têm essa parte de estágio que eles precisam fazer lá e eles dão aulas de português para estrangeiros. Tem livros para você aplicar, mas tem que pesquisar, porque não é só o livro, você tem que inserir a cultura, o uso diário das palavras, a gente usa termos, gírias atuais, as passadas então tem que pesquisar, não é só dar o livro. Os alunos estavam indo lá, só que a UNESP é longe da cidade e esse ano, eu comecei esse ano, esse ano, eu comecei a dar aula de inglês… Mas ano retrasado, quando eu fiquei sabendo eu passei no concurso da prefeitura como professora de inglês e quando eu ficava sabendo que tinha intercambiário de qualquer país, eu ligava para a família ou para a Fátima e perguntava: “Ele pode ir lá na Escola do Fundamental I falar sobre o país? Ele pode?” “Claro que pode”, ele ia na escola que eu dava aula e eu sempre, de 2008 a 2011, só dei aula em periferia, então estrangeiro lá, estudante, quase nunca vai. Eu combinava com o estudante e ele preparava um datashow, um power point com música, eu falava assim: “Fale do seu país e da sua cultura para crianças carentes, você vai ter que explicar muito bem, vai ter que explicar no mapa, vai ter que ser bem didático. Mas assim, fala sobre o que você acha importante do seu país, da sua cultura” “Quantas crianças?” “Trezentas”, porque elas iam no pátio e ele apresentava. E assim, as crianças mudavam o conceito, a visão de mundo, mudavam. Eu vi que era muito importante, daí o Titos veio… E ele ia na minha escola, eu falava assim: “Quanto tempo você vai ficar aqui em Assis?” “Uma semana” “Ah, então um dia você vai nas escolas, né?” “Vou” “Você vai nas minhas escolas que as minhas crianças estão te esperando. Eu falei que você já tá no Brasil”, ele ia. Na Copa, ele veio trabalhar com uma TV alemã, ele veio visitar os meus pais. Eu falei assim: “Você vai ficar quanto tempo?” “Vou ficar tantos dias”, “um dia você vai na minha escola", as minhas crianças estão te esperando”, eu sempre falo e ele adora, isso que é legal. Ele gosta de criança e é a coisa da boa vontade, de mostrar. Me chamaram para dar aula numa escola para crianças… É educação especial, mas educação especial para crianças com altas habilidades e talentos, são aquelas crianças que têm uma facilidade para o aprendizado, são crianças que não precisa registrar, eu falo uma vez, se eu perguntar para ela, não registrou nada, se eu perguntar para ela, ela vai me falar tudo o que eu falei, porque a memória… O caderno dela tá aqui [cabeça, mente] certo? A memória, o aprendizado é rápido. Eu vi que eles tinham muito conhecimento, mas pouco contato, porque a maioria das crianças com habilidades que estão nesse centro, chama CEDET [Centro para Desenvolvimento de Potencial e Talento] lá em Assis, são carentes. E o que aconteceu? Eu vi que não tinha uma movimentação com intercambiário. Eu pedi permissão, falei com a Fátima do AFS e falei: “não tem como eles frequentarem aqui?”, porque o CEDET é um projeto, projeto é horário inverso da escola, quer dizer, que eles não perdem a escola, e aqui tem aula de Pintura, aula de Música, aula de Inglês, aula de Espanhol, tem aula de Química, aula de Laboratório, o que você pensar, teria, aula de Paleontologia, aula de Jardinagem, o que você pensar, tinha. Falei assim: “Os alunos não podem vir aqui?”, ela falou: “Claro!”, ela falou assim: “E português para estrangeiro?”, eu falei: “Ué, mas não tem na UNESP?” “Mas é longe”, daí eu falei assim: “Ah, então a gente começa aqui também”, mas o quê que eu fiz? Eu comecei a chamar os alunos das outras unidades, falei: “Gente, os intercambiários vão começar a frequentar aqui e a aula de português é toda terça-feira das três às cinco,. Eu falei assim: “Eles têm muito a passar”, eu procuro a semana da Tailândia, semana da Hungria, semana da Eslováquia, eu propus e eles começaram a frequentar a minha aula de inglês foi trocada como aula de cultura. Eu falei: “Ninguém tem nada para passar para os intercambiários?”, um aluno falou assim: “Eu faço capoeira, eu não posso falar sobre capoeira?” “Claro que pode, o que vocês quiserem passar”, eles toparam, e um dia o João Pedro falou sobre capoeira e levou os instrumentos, ensinou alguns passos e eu tenho essa foto da Nissia, da Tailândia e da Tania da Tailândia curiosas, mexendo no berimbau durante a aula de português para estrangeiros. E essa aula foi muito boa porque eles vão falando as coisas, eles vão aprendendo de outra forma. A primeira aula que eu tive com eles foi muito interessante, eu perguntei para eles: “O quê que vocês querem fazer? O quê que vocês têm vontade de fazer?”, eles falaram assim: “Conviver com jovens”, depois da escola, conviver com jovens. Lá era um lugar que tinha jovem. Uma quis teatro, outra quis violão, são atividades e a aula de português para estrangeiros, eles falavam que era para aprender a história do Brasil até hoje: “Eu quero aprender sobre o carnaval no Brasil” “Eu quero aprender sobre gírias passadas que não se usam mais e gírias de agora”, cada um quis aprender uma coisa, é muito legal.
P/1 – Viviane, eu vou fazer umas perguntas agora mais pessoais e já vou entrar na parte final, que infelizmente a gente não tem muito tempo, que o tempo passou super rápido, mas é tão legal assim, você tem tanta coisa pra falar. Eu queria te perguntar, antes de eu fazer umas últimas perguntas sobre o AFS para encerrar, eu vou te perguntar só como foi para você ser mãe?
R – Ah que legal! Por falar nisso, minha filha quer ser uma intercambiária e trabalhar no AFS, você acredita? Adora conviver com o AFS, é mesmo, eu não falei, que engraçado! Tanta coisa na vida da gente, 40 anos, muita história para contar! Eu fui mãe faltava uma semana para eu fazer 30 anos. Eu sou casada com o Marcelo, nós somos casados até hoje. Foi engraçado que eu cheguei uma fase para o meu pai e falei: “Pai…”, porque eu namorei duas pessoas por cinco anos, falei: “Pai, eu acho que eu não vou casar, não, não vai dar certo, porque eu já tentei duas vezes e não deu certo, chega. Eu vou trabalhar”, daí ele falou: “Calma Vivi”, daí eu encontrei o Marcelo, nós namoramos seis meses e eu comecei a ver que ele foi tio aos sete anos e os sobrinhos dele amavam ele, eu falei: “Ah, ele é bom pai, porque ele é carinhoso”, até que ele morre por ela e ela morre por ele. Eu engravidei e a gente estava namorando e aí eu falei: “E agora, Marcelo?” “Agora eu sou pai”, eu era voluntária no AFS, mas daí eu pedi, falei: “Agora eu vou ser mãe, então vou curtir minha filha”, fiquei dez anos sendo mãe, trabalhando sendo mãe, mas eu fui mãe, eu queria dar atenção para ela. Eu acho que porque eu não tive mãe por dez anos, pode ser isso, não tinha pensado nisso, então eu não me dediquei ao AFS. Eu vi que a Veridiana começou: “Mãe, eu gosto de língua estrangeira, mas eu gosto de espanhol”, eu falei: “Ótimo, não interessa a língua, interessa que você goste de alguma coisa”. E eu falo pra ela: “Você foi a coisa mais importante que aconteceu na minha vida”, ser mãe… Eu tive outro filho também mas eu perdi, grávida de cinco meses, eu perdi, mas não era para ser também. Veridiana tinha quatro anos. E ela falou: “mãe, sempre teve intercambiário na casa do vô e da vó?”, ela começou a me questionar sobre essa coisa do… E eu sempre falo pra ela assim… Eu ensinei para ela: “Quando você tá com muitas bonecas, muitas roupas lá em casa, você nunca venda, você tem que doar, para você ganhar mais você tem que doar, você não pode ganhar um e acumular, nós vamos pegar isso, vamos na favela em Assis e nós vamos doar”. Ela sabe o quê que é doar, ela sabe o que é se voluntariar. Um final de semana para levar, ela acha normal isso, esse voluntariado e dela viu quando eu entrei no CEDET teve o Intercultural. O Intercultural foi um sábado na UNESP onde os intercambiários falaram sobre o próprio país lá no teatro e nesse dia, os alunos aprendem, perguntam, teve um debate e tudo mais e eu falei assim para eles no final: “Vocês já foram no museu de Assis?” “Não” “Vocês já foram no parque de Assis?” “Não” “Foram no Museu de Arte de Assis?” “Não” “Foram na Biblioteca Municipal de Assis?” “Não” “Vocês nunca fizeram passeio?” “Não” “Foram no Museu da Ferroviária de Assis?” “Não” “Foram na UNESP?” “Fomos porque a gente tem aula lá”, eu falei: “Nossa!”, daí eles falaram: “Você tá falando tantas coisas que a gente [não fez]. Naquele dia eu chamei três intercambiários para dormir na minha casa, foi a alemã, a Virgínia e um outro, nesse dia tinha uma festa junina, eu já levei na festa junina (risos), e nisso, a minha filha junto. Ela falou assim: “Mãe, é muito legal. Mãe, olha que legal a minha casa, as pessoas conversando e eu estou entendendo e eles estão falando”, daí eu percebi que ela curte. E eu percebi que tudo que é do AFS… Teve confraternização agora entre os adultos: “Mãe, eu quero participar do amigo secreto dos adultos”, ela foi na confraternização do AFS, ela quis participar do amigo secreto. Falei: “Nossa, ela é minha companheira”. Ela falou assim: “Você vai deixar eu fazer intercâmbio”, falei assim: “Eu vou”. Nesse dia, a Virgínia falou: “Eu estou com problemas na minha família, minha irmã tem muitos ciúmes de mim”, a presidente do AFS, a Suelen me ligou e falou: “Virgínia tá com muitos problemas com a irmã, ela pode passar o final de semana aí?”, falei: “pode”, daí eu falei para o meu marido: “Má, a Virgínia tá sofrendo muito, pelas coisas que ela está me contando, ela está sofrendo muito”. A gente ia ter um outro filho, a gente fez um quarto em casa a mais, tem um quarto lá, ele falou assim: “Chama ela para morar aqui”. A Fátima perguntou: “Vocês não gostariam de receber a Virgínia?”, eu falei assim: “Sim”, no outro final de semana, aquela menina que eu tinha convidado para passar o final de semana para passear, já era minha filha hospedeira. Eu falei: “Virgínia, é normal, eu também quando fiz intercâmbio e fui para a Austrália, eu mudei de família”, ela falou: “Minha mãe também fez intercâmbio para a Austrália”, falei: “Nossa, que legal”, daí ela falou assim: “Mas a minha mãe não mudou”, falei: “Mas eu mudei, é normal”, eu falei assim: “Pergunta pra sua mãe se ela foi em 1993”, ela perguntou e: “Foi”, falei: “Nossa, que estranho, que eu saiba só foi um voo para a Austrália de intercâmbio do AFS, 1993”, eu falei assim: “pergunta pra sua mãe se ela foi dia 20 de janeiro de 1993”, ela falou: “Foi”, a mãe dela foi no mesmo voo que eu. Eu hospedei a filha de uma companheira de intercâmbio, foi incrível e a gente não se conhece, só que a gente já tem um encontro marcado em Córdoba, na Argentina, na casa deles, porque foi muito emocionante a gente ver que a filha dela ficou bem, ela disse: “Que bom que a minha filha está bem aí”, e a gente fez intercâmbio juntas, não conheci porque ela foi para perto de Sydney, mas é incrível assim, como as famílias vão se entrelaçando. E a gente só se conversou pelo Skype, mas ela mostrava para a mãe dela: “Olha mãe, bolo de pão de queijo, olha aqui, mãe”, feliz da vida. É incrível ver a felicidade de intercambiário. E outra cultura, a gente pensa que porque o país tá grudado na gente não tem cultura para ensinar, ela é vegetariana, ela ensinou churrasco vegetariano na Argentina. Mínimas coisas, ela ensinou o sentido de se, eu fiquei muito emocionada, foi aquela choradeira no aeroporto, foi incrível!
P/1 – Agora, a gente vai precisar fazer uma parte final para encerrar. É que infelizmente, a gente não tem muito tempo. Eu queria te perguntar o quê que o AFS significa para você, para a sua vida.
R – É engraçado, porque eu acho que você já ouviu. As pessoas não podem negar, porque a minha vida antes do AFS e depois tem um significado, tem um sentido. A minha vida tendo contato com o AFS, aprender a se doar, aprender a tolerar, querer aprender tudo, o outro. É o que eles pregam, a paz no mundo e essa paz no mundo não é discurso para você falar um dia em alguma escola, mas assim, é uma paz diária, é a tolerância diária, eu só vou aceitar as qualidades do outro diariamente porque conviver não é fácil, mas se você quiser conviver, é fácil! É isso que é interessante. A minha família convive com o AFS desde 1989, até hoje, porque quando tem intercambiários na minha casa, tem almoço na irmã, tem almoço no pai, tem convivência, a gente convive com o AFS até hoje. E é diferente, tem um gostinho a mais, tem um gosto bom. Eu nunca iria imaginar que a minha filha iria falar para mim: “Eu vou fazer intercâmbio, eu vou fazer intercâmbio do AFS porque a Virgínia é minha irmã pelo AFS”, quando a gente fala assim: “Nós somos em três na casa”, ela fala: “Não, a Virgínia é minha irmã”, entendeu, ela coloca no Facebook, status: uma irmã. É irmã dela e é incrível a consideração. A gente não vê mais, não tem a fronteira, não tem a fronteira da língua, não tem a fronteira do amor, entendeu? O amor brota. É legal. Não tem mais certas diferenças.
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Os meus sonhos?
P/1 – É.
R – (risos) O meu sonho agora, que dia que é hoje?
P/1 – Hoje é 16.
R – É 16, porque no Museu da Frida Kahlo, eu coloquei 16 lá no Tomie Otake. Dia 29 eu e a minha filha estamos indo para a Europa e nós vamos ficar cinco dias na casa do Titos que morou na casa dos meus pais e ele falou: “Eu não admito vocês virem para a Europa sem ficar na minha casa, porque vocês fazem parte da minha família, e a minha família tem que vim me visitar na Europa”, então a gente pôs no roteiro e a minha filha não fala alemão, a irmã do Titos não fala português e as duas são amigas. Essa possibilidade de fronteiras, o AFS possibilita, além de fronteiras. Nós vamos lá, eu tinha um sonho de conhecer a mãe do Titos, eu gosto de conviver com pessoas, mais do que coisas, eu gosto de pessoas e esse é um sonho que vai se realizar. E eu estou muito feliz porque a minha filha vai poder ir comigo. Meu marido não vai porque vai estar trabalhando, vai eu, minha filha e minha cunhada. E um outro meu sonho é conhecer a casa azul da Frida Kahlo, que depois que eu for visitar a Virgínia na Argentina e a mãe da Virgínia, eu vou para o México no museu… Tomara que vá, vamos ver! O Museu da Casa Azul lá em Coyoacán na Cidade do México. De leitura, eu conheço tudo, agora, eu quero viver, eu quero ver, sentir a casa da Frida Kahlo. Meu ícone de arte mundial.
P/1 – E o que você acha do AFS fazer esse projeto resgatando essas histórias, gravando as histórias de vocês que fazem parte desses 60 anos de história?
R – Nossa, que honra! Nunca ia imaginar que alguém ia pensar na minha história (risos), eu falei: “Devem ter histórias muito mais interessantes”. O que eu acho do AFS estar fazendo isso? Perfeito, esplêndido, olha não tinha como comemorar melhor, porque eu já tinha ouvido falar do Museu da Pessoa pela televisão, mas depois que a gente lê e fica sabendo que vai acontecer de resgatar memórias, registrar memórias para falar dos 60 anos do AFS aqui nessa situação, não tem exemplo melhor do que ficar falando de lugares, de fatos, mas você colocar a experiência, o vivo, quem viveu alguma coisa com o AFS. Assis tem uma história muito antiga, a Fátima foi pelo AFS em 75 [1975], mas a gente sabe que foi antes, teve antes. É muito louvável essa atitude de resgatar memórias, muito legal. Ouvi falar de um livro, a gente com certeza, vai ter alguma coisa de alguém que a gente conviveu, mas isso para quem já viveu experiências… Várias experiências do AFS, é importante registrar com uma gravação, com memórias.
P/1 – E como é que foi para você contar a tua história para a gente? Fazer essa retrospectiva?
R – Quando a Fátiima me falou, eu falei: “Fátima vai você” “Não”, eu falei: “Mas você já recebeu…” “Não, não. Eu acho legal porque você gosta de viver com pessoas que vão e com pessoas que vem”, eu falei: “É, eu gosto. Gosto bastante”, eu falei: “Gosto bastante, não me fala de papel, mas me fala de saber”, de passar o final de semana, aqueles intercambiários lá em casa, colchão na sala. Cada um falando da sua saudade, falando das suas preferências, o que gostou do Brasil, o que tem vontade de fazer mais no Brasil, eu gosto da prática que o AFS proporciona, essa convivência com a cultura do outro na prática e a gente poder se doar um pouco, é proporcionar um dia legal. Menina, olha, a última vez que eu fiz foi com esse pessoal depois do Intercultural, acho que foi em agosto. Eu marquei com eles num sábado, a gente foi no Museu Ferroviário, que depois tem um grafite lindo do Anderson Alemão, nós fomos numa fábrica de picolé de frutas tropicais, pra quem é do hemisfério norte, isso é incrível! A gente foi na Chácara Bela Vista, que é uma chácara que vende plantas brasileiras, nós fomos à biblioteca, daí nós fomos no museu de Assis que é a primeira casa de Assis, casa mais velha de Assis, casa de taipa. Nós fomos no Buracão, que é um parque, onde as pessoas caminham no centro da cidade, era uma erosão, fizeram o reflorestamento e transformaram num parque para o pessoal ter o lazer. Eles falaram que foi o melhor sábado. Gente, é só passear. Pegar o carro, sair e passear, tomar sorvete e voltar. Passear não tem preço, porque eles falaram: “Que sábado gostoso”, nós começamos às oito horas da manhã e terminamos às quatro horas da tarde e para ele, todo mundo apertado no carro, minha filha no chiqueirinho no carro, porque não cabia, um monte de adolescentes e eles achando o máximo! O mínimo, dentro da cidade. Proporcionar isso é mágico e a minha filha falou assim: “É isso que eu quero fazer fora, eu quero ter essa experiência de ser intercambiária em outro lugar”, falei: “Que legal. Tá bom”.
P/1 – Então, em nome do Museu da Pessoa e do projeto, eu agradeço de você ter contado um pedacinho da sua história pra gente. Parabéns pela história.
Recolher