Projeto 30 anos Alunorte
Entrevista de Samuel Willy dos Santos Amorim
Entrevistado por Lígia Scalise
Barca Arena, 4 de julho de 2025
Transcrito por Selma Paiva
(00:16) P1 - Samuel, então eu vou começar pedindo pra você me falar seu nome completo, o dia, mês e ano e a cidade que você nasceu.
R1 - Eu sou Samuel Willy Santos Amorim, eu sou nascido em 24 de janeiro de 1996, em Barcarena, Pará.
(00:37) P1 - Samuel, vamos lá, o dia que você nasceu, te contaram como foi? Foi parto natural, foi em casa, foi no hospital?
R1 - A minha mãe fala que foi cesárea, por ela ter tido já três filhas antes de mim, então não tinha a possibilidade de ela ter um parto normal. Foi no hospital, no hospital municipal de Barcarena, mesmo.
(00:58) P1 – Então, ela já tinha três filhos?
R1 - Já tinha três filhos. Meus dois irmãos mais velhos e eu tenho uma irmã mais velha, que é a primeira. Tinha um que faleceu, que era o segundo e tenho o que ainda está vivo hoje, que é o meu irmão... vamos dizer, o mais velho em cima de mim e tenho uma mais nova, que nasce após a mim, então eu sou... eu era o caçulo, na época. (risos)
(01:18) P1 - Tudo do mesmo pai e mãe?
R1 - Não, de pais diferentes. A gente costuma falar que, por ser uma cidade onde sempre teve muita proximidade de pessoas vindo de fora, então é aquilo, a gente é de pais diferentes.
(01:34) P1 - Você nasceu aqui em Barcarena?
R1 - Nasci em Barcarena.
(01:36) P1 - E seus pais são de onde?
R1 - A minha mãe é de Barcarena, né? O meu pai, na época, trabalhava numa empresa que prestava serviço para Alunorte, por incrível que pareça, ele era inspetor de solda. Então, é tipo aquela ‘parada’ que o típico que vem do sul conhece a moça bonita no norte, tem relação com ela, acaba criando um vínculo afetivo, deixa um filho e depois some, né? Que tem sua família lá no sul. E é isso, até onde eu sei eu considero só minha mãe como meu pai e minha mãe, que fui criado...
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Entrevista de Samuel Willy dos Santos Amorim
Entrevistado por Lígia Scalise
Barca Arena, 4 de julho de 2025
Transcrito por Selma Paiva
(00:16) P1 - Samuel, então eu vou começar pedindo pra você me falar seu nome completo, o dia, mês e ano e a cidade que você nasceu.
R1 - Eu sou Samuel Willy Santos Amorim, eu sou nascido em 24 de janeiro de 1996, em Barcarena, Pará.
(00:37) P1 - Samuel, vamos lá, o dia que você nasceu, te contaram como foi? Foi parto natural, foi em casa, foi no hospital?
R1 - A minha mãe fala que foi cesárea, por ela ter tido já três filhas antes de mim, então não tinha a possibilidade de ela ter um parto normal. Foi no hospital, no hospital municipal de Barcarena, mesmo.
(00:58) P1 – Então, ela já tinha três filhos?
R1 - Já tinha três filhos. Meus dois irmãos mais velhos e eu tenho uma irmã mais velha, que é a primeira. Tinha um que faleceu, que era o segundo e tenho o que ainda está vivo hoje, que é o meu irmão... vamos dizer, o mais velho em cima de mim e tenho uma mais nova, que nasce após a mim, então eu sou... eu era o caçulo, na época. (risos)
(01:18) P1 - Tudo do mesmo pai e mãe?
R1 - Não, de pais diferentes. A gente costuma falar que, por ser uma cidade onde sempre teve muita proximidade de pessoas vindo de fora, então é aquilo, a gente é de pais diferentes.
(01:34) P1 - Você nasceu aqui em Barcarena?
R1 - Nasci em Barcarena.
(01:36) P1 - E seus pais são de onde?
R1 - A minha mãe é de Barcarena, né? O meu pai, na época, trabalhava numa empresa que prestava serviço para Alunorte, por incrível que pareça, ele era inspetor de solda. Então, é tipo aquela ‘parada’ que o típico que vem do sul conhece a moça bonita no norte, tem relação com ela, acaba criando um vínculo afetivo, deixa um filho e depois some, né? Que tem sua família lá no sul. E é isso, até onde eu sei eu considero só minha mãe como meu pai e minha mãe, que fui criado por ela, até onde que eu me entendo como gente.
(02:16) P1 - Você chegou a conhecer o seu pai?
R1 – Não. Já cheguei a ter notícias, ter ideias dele agora, se eu não me engano, depois de 2016, onde apareceu uma pessoa que se falava ser meu irmão mais velho, por parte dele. E, por incrível que pareça, é a mesma situação de que aconteceu. Mas, diferente daqui do norte, a gente não tinha aquela proximidade, tanto. Ele é de São Paulo. A gente não tinha tanta essa proximidade dele, desse meu irmão mais velho, como ele tinha da gente... como ele tinha dele, lá. Ele veio para o norte, teve aquele envolvimento, ficou anos e anos aqui, trabalhando por ser um inspetor de solda da região, bom e ter um grande nome nessa parte da solda. Ele fez essa mesma coisa com eles. Então em 2016, através de Instagram, Facebook, a gente conhece um rapaz e o rapaz fala, conta a história e até se declara: “Esse rapaz aqui, esse senhor é meu pai, tal, José Elias de Mendonça”. Que aí depois eu converso com a minha mãe e ela fala: “Não, esse é teu pai, tá? Só que está mais velho, tal, tal”. Na época não era assim. Já era um senhor, tal. Acho que devia ter os seus quarenta, cinquenta anos, 45 pra cinquenta anos, mas hoje em dia é assim. Então, aí o que a gente tem ideia, mais ou menos, que eu tenho ideia de quem é através, desse conhecido meu.
(03:32) P1 – Então, você chegou a ter o nome do seu pai no seu documento?
R1 - Não, não, não. Eu só fui registrado, na época, pela minha mãe, né? Porque ele vai embora de Barcarena, a minha mãe acha que está com uns dois meses de grávida, né? Ela ainda chega a falar pra ele que está grávida dele, mas aí acho que ele... não sei qual foi a reação, né? Logo depois acaba o contrato, na época, da empresa... eu não vou lembrar o nome da empresa, mas ele vai embora pra outro contrato, pro sul, deixa Barcarena, que já tinha acabado o serviço de solda, de inspeção de solda dele aqui em Barcarena e ele vai embora de Barcarena.
(04:08) P1 - E quando você nasceu, qual que era a realidade da sua mãe? O que ela fazia? Como que ela cuidava desses filhos?
R1 - A minha irmã mais velha, quando ela teve, a avó decidiu cuidar, até por minha mãe ser uma mulher jovem, inexperiente com a vida, sempre trabalhou. A gente tem uma cultura muito forte aqui no norte, antigamente, das famílias não terem condições de criar suas filhas, no caso quando eu falo de não conseguir sustentar porque, por se viver em sítios, aqui é onde minha mãe e minha família sempre moraram, nesse local. A minha avó teve cerca de 13 filhos. Então, como a cidade estava se desenvolvendo, vinha aqueles que eles falam que são os doutores de Belém: doutor fulano, doutor ciclano e nisso a minha mãe é dada, para estudar na capital, que é a realidade que acontece. E ela foi estudar e, pra estudar ela virou foi empregada doméstica, criança. E é aquilo: sempre trabalhou de empregada doméstica, onde ela também conheceu o rapaz que foi o primeiro relacionamento da primeira filha dela, que é a Marcela, a minha irmã mais velha e nisso conviveu com eles lá, ainda a criou um tempo, mas depois de um tempo decidiu que ela tinha que fazer algo pra mudar de vida. Deixou, então, a avó quis pegar pra criar a criança, a minha irmã mais velha e a minha mãe foi trabalhar, como sempre trabalhou, como empregada doméstica. Ela sempre trabalhou como dona de casa, sempre vendendo alguma coisa. Quando ela volta pra Barcarena, que já tinha tido meu irmão mais velho depois de mim, ela trabalhava de cozinheira industrial. Sempre trabalhou também como cozinheira industrial.
(05:51) P1 - Você falou que teve um irmão que faleceu.
R1 – Sim. Esse meu irmão que faleceu, se eu não me engano, não sou muito bom em recordar essas datas, até porque eu acredito que seja uns cinco anos... cinco, não, uns sete anos atrás que ele faleceu, ele trabalhava também em indústrias, era bacharelado em Administração. Então, ele trabalhava muito pro sul do Pará. E lá, nesse sul do Pará, ele pegou uma doença que a gente acha que pode ter sido tipo uma forma de malária e ele demorou pra se cuidar. Ele é tipo daquela pessoa que queria entregar o serviço e a empresa tinha acabado de (06:26) contrato, aquele empregado novo, a empresa queria dedicação e, quando ele veio procurar ajuda, já era tarde demais, tanto que ele chega numa semana e falece na outra. Então, foi uma parte que, pra gente, pesou muito, mesmo a gente não ter tido uma criação junto, mas é sangue. Esse meu irmão mais velho, que faleceu, já foi criado pela minha avó, a minha mãe sempre teve aquela convivência próxima dele, sempre viveu, sempre ajudou, tudo, mas a minha avó, por parte de mãe, que já decidiu criá-lo, então ele era um ‘filho-vó’ da minha avó. E a minha mãe sempre esteve próxima. É aquilo: a minha mãe era aquela mulher que queria sempre buscar o sonho, a realidade dela, para proporcionar o melhor para ele, para a gente. Então, a minha avó decidiu criar justamente porque a minha avó já tinha uma estabilidade financeira, podia cuidar dele. Então, ele sempre foi criado pela minha avó. Ele veio morar com a gente já depois de velho, em 2012 para 2014. Ele já veio morar com a gente, onde conviveu com gente, até ele falecer.
(07:29) P1 - Quando você nasceu, qual era a situação da sua mãe? Como estava a vida dela, aqui em Barcarena? Ela estava trabalhando?
R1 - A minha mãe sempre trabalhou em casas domésticas, empregada doméstica. Eu lembro que ela fala que até mesmo ela ia trabalhar de mim buchuda, fazer faxina, cozinhar. A minha mãe é uma ótima cozinheira, não assim, por... eu falo que é por dom também, mas é porque ela conviveu em casa de muitas pessoas mineiras, pessoas que vinham do sul aqui pra Barcarena, então essas mulheres a ensinavam cozinhar, então ela sabe fazer uma ótima comida. Toda comida que você colocar pra ela fazer, ela sabe fazer. Independente, pode ser uma comida de um restaurante cinco estrelas ou de uma comida feita no interior do Piauí, exemplo. Porque ela conviveu com pessoas que sabiam todos os gostos, né? Então, ela sabe fazer uma ótima comida mineira, uma ótima comida nordestina, uma ótima comida paraense, que é nossa, inclusive a melhor maniçoba que eu gosto é a dela. Pode ter outras, mas é a melhor maniçoba que eu sempre gostei é dela. Não sei, não posso falar porque eu sou filho, tempero de mãe, nunca vai ter tempero melhor que de mãe. Então, ela fala que, quando a gente... a nossa gravidez, ela estava trabalhando de empregada doméstica, né? Não tinha ainda essa questão de trabalhar de carteira assinada.
(08:45) P1 - Como que ela chama?
R1 - Sandra Amorim.
(08:46) P1 - Me descreve sua mãe.
R1 - Minha mãe é uma mulher nortista, né? A gente vai trazê-la como uma indígena, vai ser uma mulher guerreira, batalhadora, que hoje em dia não é... a gente vê que, quando a gente tem um filho, a gente sabe que nasce algo dentro da gente. Eu te falo isso de experiência própria. E hoje em eu vejo a minha mãe dessa mesma maneira. Quando o meu irmão faleceu, eu vejo que ela também perdeu uma parte dessa essência forte que ela tinha, mas ela não deixou de ser aquela mulher forte, guerreira, batalhadora, que ainda vai atrás do que ela quer, mesmo que não seja aquela mesma intensidade que ela tinha antes, mas ela ainda vai. É uma pessoa que ainda luta muito pelo social, mesmo muitas vezes eu sendo individualista, porque eu vejo que às vezes a gente luta tanto pelo social e gente acaba perdendo fatos que a gente poderia estar aproveitando nosso ali, lutando pelo coletivo, que muitas das vezes a gente vê que aquele coletivo não está nem aí pra gente. Então, eu a vejo - que ainda, mesmo com toda essa ingratidão do coletivo - essa guerreira lutando ainda pelo coletivo, por algo, por igualdade social, que eu ainda trago isso também, acho que pela parte do sangue dela ser assim, o meu também tem essa mesma maneira.
(10:00) P1 - E você sabe por que ela escolheu o seu nome da maneira que é?
R1 - Olha, ela fala que o Samuel ela escolheu porque durante a minha gravidez ela estava passando por uns problemas e ela leu na Bíblia o caso de Ana, que Ana falava que, se ela tivesse um filho, passando por aquela humilhação de não conseguir dar um filho para o marido dela, Ana (risos) fala que aquele filho seria para Deus, que seria um profeta, que seria dedicado para Deus. E ela fala que é por isso que ela escolheu Samuel. Que Samuel seria, se eu nascesse e fosse um homem, para que eu servisse Deus naquele metodicamente da igreja, da Bíblia, porque ela tinha essa forma de fé dela, de acreditar, que ela estava passando por situações difíceis. Então, se Deus a ajudasse naquela gravidez, o filho seria para servir Deus, no caso Samuel. Por isso que ela escolheu.
(10:57) P1 – E o resto do nome, Willy?
R1 - Ah, o Willy eu acredito que seja por causa do filme, né, Free Willy, mas eu não sei, (risos) na verdade, porque esse sobrenome. E se, na verdade, a gente for reparar, os nomes dos filhos homens delas têm W no meio. O nome do meu irmão mais velho, que faleceu, é Sandro William. William, né? Aí o nome do meu segundo irmão mais velho é Tiago Werbert, né? Só não as meninas que não têm nada com W, né? Mas os filhos homens sempre têm um W. Eu não sei se nessa época era bonito colocar com W, né? (risos) Então, acho que pode ter sido por isso que ela colocou esse Willy. (risos)
(11:30) P1 - Você sabe quantos anos ela tinha quando você nasceu?
R1 - Olha, hoje em dia ela tem 56, 57. Ela deveria ter uns vinte, 25, 27 anos. Jovem. A gente não tinha ainda... não era mulher velha, trinta, 32, quarenta. Não, ela era uma moça jovem ainda.
(11:55) P1 - Você teve essa criação da sua avó também, por perto?
R1 - Não, porque a gente... a verdade é que nossa família sempre teve uns conflitos pessoais em relação a forma da minha mãe ser, a forma dela ser a filha mais revoltada, vamos dizer, filha ‘ovelha negra’ da família. Então, a gente não teve essa proximidade muito em relação de vó e neto. Eu tive mais a relação entre mãe e filho. Vó e neto a gente não teve essa proximidade da minha avó.
(12:23) P1 - E você nasceu nessa casa aqui? Não na casa, eu digo, no hospital, mas você já nasceu e cresceu aqui?
R1 - Na região de Barcarena?
(12:29) P1 - Nessa casa.
R1 - Não, não. A gente volta pra cá em 2008, aí a gente entende que a nossa... a gente morava, sempre morou em Barcarena, em casas alugadas, a gente não tinha moradia própria, a gente sempre foi, assim, uns nômades, né? (risos) Então, uns seis meses gente estava numa casa. Exemplo: aqui tem um bairro, seis meses a gente estava no Jardim Cabano, outros a gente estava no Novo Horizonte, outros a gente estava no Beira Rio, ou a gente estava no Pioneiro, ou a gente ia Vila dos Cabanos, a gente sempre estava morando de aluguel. E a nossa família sempre teve essas terras, mas a gente entra no contexto histórico de Barcarena, por ser uma cidade que estava, na época, em desenvolvimento, com a chegada das empresas, das indústrias, as famílias tradicionais de algumas localidades foram retiradas dessa forma. Uma dessas famílias foi, na época, com meu avô, com a minha avó e aí vem meus tios e a minha mãe, com a família, foram retirados desse local e foram colocados dentro de um território menorzinho. Famílias que tinham hectares de terra, vamos dizer, 73 hectares de terra, foram colocadas em terrenos de dez por trinta. Pessoas que viviam de plantações, nessa época, tiveram que aprender a conviver de outra maneira, forçadamente. Então, tem todo um contexto histórico que gente viveu para gente, depois, em 2008, poder retornar onde a gente está hoje, nessa localidade, aqui onde gente está, dando essa entrevista, hoje.
(13:50) P1 - Quando você pensa na tua infância, lá no começo dela mesmo, os primeiros anos, primeira infância, o que te vem à memória?
R1 - Ah, vem assim... eu vou acostumar assim que eu lembro da creche onde eu ia, ainda tenho essas recordações boas, que eu era uma criança muito ativa, que nem meu filho hoje em dia, então: “Tu é muito atentado, moleque”. Mas é porque eu me lembro que eu era muito, era demais, né? Até uns quatro, cinco anos eu era muito travesso, vamos dizer assim. Então, eu lembro de ir para a escola. Eu lembro muitas das vezes a mamãe já trabalhando, de carteira assinada. E era bom que, na época, só não lembro se era integral, que nem hoje em dia tem, mas muitas das vezes ela saía tarde do trabalho e eu ficava com o vigia, porque não tinha quem me buscasse, não tinha ninguém para me pegar na creche e eu ficava lá e o vigia já era amigo nosso, muitas das vezes já levava para casa. E ela: “Não, porque saí tarde e desentendi”. Então, eu lembro dessa parte da minha infância boa, era uma parte que... eu estava até conversando com um amigo meu: “Saudade do tempo que a gente era criança, né? (risos) Que a gente não tinha toda essa luta da vida”, né? Mas aí eu lembro, foi uma fase muito boa da minha vida. Até meus cinco anos, mais ou menos. Depois a gente teve que ... a gente cresce, tem que trabalhar desde cedo.
(15:03) P1 - Você gostava de brincar do que, quando você podia?
R1 - Olha, a gente sempre teve aquelas brincadeiras, né? A gente sempre teve os brinquedos, mas aí durante o dia tinha a pira-se-esconde, durante a noite pira-se-esconde, pira-garrafão, tinha brincadeira pega-pega, essas coisas antigas, que não tinha esse negócio de videogame, que nem hoje em dia meu filho, eu tiro muito exemplo que meu filho hoje em dia: “Ah, eu quero celular, quero isso, quero aquilo”. E eu não, a gente ia pra rua, o negócio era pra estar na rua, a mãe tinha que estar brigando pra eu entrar: “Vem tomar banho, não sei o quê”. A gente saía, às vezes, quatro horas da tarde, pra empinar pipa. Aí já se emendava com as outras crianças da rua, brincava bola na rua, porque não tinha quadra e Barcarena sempre foi uma cidade que, desde quando foi desenvolvida, a única quadra que a gente conhecia, boa, que tinha, era o Cabana Clube, que era o... na época todo mundo queria jogar bola. Aí eu, desde molecote, na época o companheiro que a minha mãe tinha jogava bola, futsal, então ele ia jogar pra lá e muitas das vezes eu ia olhar. Como não tinha bola, não tinha futebolzinho pra criança, na época, a gente brincava na rua mesmo, era o que tinha: pira-garrafão, pira-pega, aquelas brincadeiras de moleque travesso dessa época, que hoje em dia não tem. (risos)
(16:05) P1 - E você brincava com os seus irmãos? Vocês tinham essa vida juntos?
R1 - Tinha, sim. A gente sempre teve essa proximidade com meu irmão, o mais velho em cima de mim, Tiago, a gente sempre teve esse negócio. A gente ia pra rua, brincava, ‘azarava’ na rua, ficava até tarde. Sempre uma forma da gente se aproximar. Sempre essa aproximação, quando criança.
(16:23) P1 - E sua irmã?
R1 - A minha irmã mais velha não convivia com a gente, só a minha irmã mais nova, mas também não tinha a idade de brincar, nessa época, com a gente. Ela vem a ser... eu tenho 29 anos hoje, ela tem 24. Então, quando eu tinha cinco ela era uma bebê então e, nessa época, a gente não brincava. Só depois de velho, já depois dos meus 13, 14 anos que a gente já brincava tudo junto.
(16:46) P1 - E você tem uma idade que se aproxima muito da idade da própria , que está fazendo trinta anos. Como que era isso aqui antes?
R1 – Sim, sim. Olha, eu não vou saber falar a princípio até meus quatro anos, mas eu acredito que até meus cinco eu lembro um pouco da questão de Barcarena, como é que era, a questão... porque querendo ou não a gente sempre anda de vã, essas coisas, então a gente sabia como é que era a cidade. Nessa época, vamos dizer, nos meus cinco anos, há uns 24 anos, as empresas, a cidade toda só vivia em prol da Alunorte, Albras, sempre teve essa única exclusividade. A gente via muitas pessoas chegando, pessoas de fora de Barcarena chegando à Vila dos Cabanos, né, para trabalhar na empresa, seja num ramo de mão de obra para trabalhar diretamente na empresa, ou seja através de uma contratada, que viesse para fazer alguma manutenção industrial, até porque então Barcarena, em si, por ser uma cidade que estava começando o desenvolvimento, não tinha mão de obra local capacitada para trabalhar dentro da empresa. A gente não tinha pessoas que soubessem ainda soldar, que soubessem a questão de mecânica, ou então mesmo até com a própria infraestrutura que tinha que trabalhar dentro da empresa. A gente não tinha, então a gente via muito essa questão das pessoas vindo de fora, para Barcarena, para Vila dos Cabanos, trabalhar nessa região. A gente vê que era uma cidade, um vilarejozinho pequeno, já tinha asfalto em certos lugares, em outros não tinha, né? Então, a gente vê que era uma cidade que não tinha desenvolvimento até esse tempo, há 24 anos.
(18:17) P1 - Era uma cidade sem desenvolvimento, imagino que todo mundo meio que se conhecia, quem era daqui, né?
R1 – Sim. A gente sabe que fulano, filho de beltrano, filho de ciclano, que Barcarena, nessa questão dessas comunidades que cortam o Rio Murucupi, todo mundo era praticamente família. Filho de beltrano, filho de ciclano, então todo mundo se conhecia, nessa região. Então, todo mundo era conhecido. Sempre teve uma rixa em Barcarena, com a Barcarena velha, que é a Barcarena antiga, com a Barcarena nova, que vem em seguida dos Cabanos. Então, o pessoal daqui não gostava do pessoal de lá e o pessoal de lá não gostava do pessoal daqui. Então, era uma coisa assim, que então as famílias daqui eram unidas, justamente por causa dessa confusão, que aqui sempre teve o pessoal que convivia da agricultura, não tinha essa proximidade de trabalhar em empresas, porque na época não tinha questão de empresas, ainda tinha questão de madeireiro, trabalhava com a questão de madeira. As frutas, verduras, o que produzia: carvão, farinha, tudo levava pra Belém, pra vender, através de barco, então não tinha essa questão em volta da indústria. Aí vai se industrializar, vai aprender, entrar como ajudante, depois da chegada da empresa, né? Então, é mais ou menos isso.
(19:22) P1 - E você lembra da tua sensação de ver essas pessoas diferentes, de outros lugares, chegando? Era curioso? Era esquisito?
R1 - A gente nota por causa... pelos traços, né? Pessoas, exemplo: a gente morava numa vila onde tinha uns baianos. Hoje em dia a gente tem vizinho baiano, então pra mim hoje em dia não é novidade, mas eu lembro da forma que falavam, de pessoas ser mais escuras do que a gente, né? A gente tinha aquela cor de pessoas, de ser e falar palavras que a gente não entendia, não compreendia. Da gente falar, muitas das vezes, no nosso sotaque, que sempre traz égua. “Tu tá me xingando, moleque?”. (risos) Mas não é uma forma de xingar, é uma forma nossa de se expressar. E a gente não entendia deles: “Que isso, ô pai”, não sei o que e tal. E ai, ‘véi’!” “E aí, ‘véi’, o que, ‘véi’?” Tipo: são traços que eles trazem deles lá, que gente ficava assim: “O que isso?” A comida dele ser uma comida diferente, né? Então, o churrasco ser diferente do nosso. A gente ter aquela intimidade de comer o nosso açaí com peixe, só a farinha, não precisar muito do arroz, do feijão na nossa alimentação e eles não, tem aquele arroz com feijão, aquele feijão deles forte, que é com pedaço de carne, vem calabresa, vem isso, vem bucho, vem um bocado de coisa, sabe? Então, essa troca cultural, pra mim, era muito interessante, eu gostava de ver, desde criança.
(20:35) P1 - E quando você era criança, eles vinham com família? Você brincava com os filhos deles?
R1 - Geralmente vinha primeiro o marido, quando tinha a família, tinha a esposa, se aproximava da gente, não demorava muitos meses e chegava a mulher com os filhos. E aí a gente tinha aquela convivência com os filhos dele, aquela troca cultural. Já, muitas das vezes, por ter escolas próximas, estudávamos juntos e era aquilo. A gente aprendia com eles e eles aprendiam com a gente, conviver na Barcarena, na época.
(21:04) P1 - E Barcarena, naquela época, tinha energia elétrica, tinha escolas já construídas, tinha toda essa estrutura?
R1 - Não, não tinha. Em alguns bairros sempre teve a questão da energia, acho que na Vila dos Cabanos, quando a empresa chega, ela constrói como se fosse umas casas para alguns trabalhadores, então sempre teve infraestrutura em Vila dos Cabanos, sempre teve escolas boas em Vila dos Cabanos. Vai ter uma escola municipal em Barcarena, boa, se eu não me engano em 2006, 2007, acho que posso estar pecando, em errar, que vem a ser a Laurival Magno Cunha, que foi a primeira escola que eu estudei, que eu lembro que eu estudei, que foi uma escola boa, na época. Mas nos bairros em volta, Pioneiro, sempre teve energia, a Vila dos Cabanos sempre teve energia e depois, com essa chegada da empresa, vai chegando também pessoas de fora e vai tendo, havendo as invasões. Aí, nas invasões vai tendo energia, mas daquela forma precária, daquela forma que a gente vai puxar, meter a força aqui e o estado, depois, o município vai ter que dar energia pra gente. Então, mais ou menos isso.
(22:08) P1 - Eu imagino que, pela tua idade, você viu um antes e depois muito claro de quantidade de pessoas, da construção dessa cidade, né?
R1 - Sim, sim. A gente vê a questão. Eu lembro muito bem de um bairro que está aqui próximo, que a gente via que as ruas não eram de asfalto, eram de piçarras. Era a rua aberta ‘na braba’, as casas de madeira, muitas casas de lona. O Jardim Cabano. Hoje em dia é um bairro que a gente vê que cresceu, que tem asfalto, tem pracinha, tem creche, onde tem uma escola infantil, que é das crianças de cinco, acho, até dez anos e tem creche também, uma creche que é de um a quatro anos, que é até onde meu filho estuda, que é de forma integral. Então, a gente vê a diferença. No bairro onde eu morei anos atrás, que a gente tinha que brincar na rua de bola, alguma coisa, não tinha infraestrutura pra gente sair de casa, que chovia, alagava tudo. Hoje em dia é um bairro que tem asfalto, tem pracinha, tem quadra de esporte pra pessoa que quiser jogar bola, tem campo, tem creche, né? Então, a gente vê que teve uma diferença, não só nesse bairro, assim como em toda Barcarena, justamente quando essa empresa chega, traz... a gente costuma falar, algumas pessoas falam que traz malefício, no começo, traz, mas depois também ela traz um benefício, que vai se estruturando pelo resto da vida, a gente vê que houve melhorias e continua tendo melhorias.
(23:35) P1 - Ainda enquanto você está pequenininho, que a gente vai chegar nesse hoje, você era essa criança que ia nadar na praia de rio, você corria pela natureza de Barcarena?
R1 - Quando eu volto aqui para o sítio... antes disso também a gente sempre teve muita ligação com os igarapés próximos. Então, a gente juntava algumas crianças, ia tomar banho no rio, ou então a gente ia para a praia de bicicleta, então era uma forma da gente, que a gente achava muito segura, a gente tinha bicicleta, na época. Pegávamos o antigo furo do Caripi e varávamos no Caripi, tomávamos banho no igarapé, no rio que tinha lá, até mesmo, às vezes, na praia. Voltávamos à tarde para casa, muitas das vezes faltávamos à aula, (risos) para ir tomar banho na praia. Então, a gente sempre teve essa ligação com a natureza, com os igarapés, em cuidar e a sempre teve uma atividade muito próxima da natureza.
(24:22) P1 - Você foi uma criança solta, então?
R1 - Sim, sim, não ficava parado, não ficava dentro de casa, até porque não tinha como ficar dentro de casa, tinha que procurar alguma coisa para fazer. A gente tem aquela proximidade de ter um dia calorento, então procurar alguma coisa para fazer, para tirar aquele calor. Enquanto a mãe e o pai... na época o companheiro da minha mãe estava trabalhando, então a gente procurava: “’Bora pro igarapé?” “’Bora” “’Bora’ ali no mato, atrás de frutas?” A gente ia. Sempre teve essa questão, em Barcarena tem muitos sítios, da gente procurar frutas próximas, em lugares que gente já sabia onde achar. Então, a gente ia, aproveitava, tomava banho no rio, andava no mato, mexia e aquela perturbação.
(24:56) P1 - Samuel, você falou que você não teve o contato com o seu pai, mas você está falando bastante de um parceiro da sua mãe. Você teve uma presença paterna?
R1 - Eu não considero paternidade, eu considero que ela teve um companheiro, que é o pai da minha irmã mais velha... minha irmã mais nova, perdão, que teve aquele convívio, mas não tinha convívio relacionado a pai, né? Tipo de criação, de... eu nunca chamei de pai, nem de padrasto, nada, até porque eu não vi aquela proximidade dele. Era o companheiro dela, teve uma filha com ela, mas não foi em algo relacionado, que eu pudesse trazer pra mim como pai, como uma figura paterna.
(25:36) P1 - Você sentiu falta de ter um pai?
R1 - Em alguns momentos a gente sente, ainda mais quando a gente é criança pequena e a gente tem datas comemorativas, exemplo, Dia dos Pais, que todo mundo está ali, comemora. Aqui em Barcarena a gente não tem essa cultura de, no Dia dos Pais, levar os pais pra lá, mas sempre fazer uma lembrança ou falar dos pais. Naquele momento a gente sentia, né? Mas sempre tive uma professora que falava: “Ah, você não tem pai, mas você tem ‘pãe’, que é o pai e a mãe, né? Não tem problema, importante é isso: a sua mãe é seu pai e sua mãe. Não é porque você não teve um ‘cara’ que é isso, aquilo outro”. Então, a gente sempre teve um apoio, vamos dizer, emocional e psicológico das professoras, na época, de falar que a nossa mãe era o nosso pai também, era o nosso ‘pãe’. Então: “Tu é mais privilegiado, tu tem o teu pai, a tua mãe”. Nessas horas que fazia falta, mas na mesma hora que fazia falta tinha alguém pra passar a mão ali, pra saber como cobrir aquele vazio que a gente sentia ali, no momento.
(26:25) P1 - E a escola, como que era essa escola?
R1 - Eu lembro da creche. Na creche a gente tem pouca recordação daquela criança atentada. E na escola também não muda muito, né? Estudioso, mas não era tão estudioso. ‘Gazetava’ aula, é atentado, mas nas horas de fazer as lições eu era muito bom em matemática, sempre gostei muito de matemática, na época. E estudioso era. ‘Gazetava’ aula para ir para Educação Física de outras turmas, que estava tendo, ou então sempre teve aquelas amizades que a gente juntava, levava uma bola escondida e jogava bola na hora. A gente tinha aquela questão: as amizades da escola que até hoje a gente traz também, por lembrar de tudo isso. Então, a gente sempre foi meio estudioso, meio trapaceiro, meio atentado, meio de tudo, né? A gente era do ‘corre’, vamos dizer assim, fazia tudo para a gente estar ali feliz, estudando, ter boas notas. Mas era bom.
(27:18) P1 - Era escola estadual ou municipal?
R1 - Não, municipal. Era a Laurival Magno Cunha. Eu sempre estudei nessa escola, até os meus 14, 15 anos.
(27:29) P1 - Como que você ia e voltava para a escola?
R1 - Olha, a gente, quando morava no Pioneiro, que é um bairro longe daqui, a gente ia, às vezes, de bicicleta, ou às vezes andando, mesmo. Tinha várias pessoas, vários alunos da escola, a gente se juntava e ia andava. Saía um pouco mais cedo. Quando gente veio morar no Jardim Cabano, que é um bairro mais próximo da escola, a gente tinha o ônibus escolar. Quando o ônibus escolar não vinha, que furava o pneu, alguma coisa, a gente ia andando também, tinha essa locomoção. Depois comprei uma bicicleta, através do meu trabalho. Então, a gente tinha essa questão de bicicleta, que era uma coisa mais, vamos dizer, burguesinha, na época, quem tinha uma bicicleta, a gente ia de bicicleta pra escola. Aí até depois que roubaram a bicicleta, tive que voltar usando ônibus. (risos) E aí era essa forma de locomoção até a escola.
(28:13) P1 - E vocês se juntavam? Iam os amigos que moravam perto, os seus irmãos? Vocês iam tudo, numa caravana?
R1 - A gente, quando o ônibus atrasava pra gente ir pra escola, juntava e ia todo mundo andando. Muitas das vezes, quando o ônibus não ia buscar a gente na escola, a gente voltava todo mundo andando. Ou era o pessoal da mesma rua, ou era o pessoal do bairro todo, aí vinha aquelas crianças, monte de pré-adolescente tocando campainha, puxando, chutando cachorro, chutando lixo, vinha pegando pedra, jogando na casa dos outros. Que aí a gente tinha aquela revolta, porque a nossa escola ficava no bairro de Vila dos Cabanos, que a gente falava na época que era o dos burguesinhos e a gente morava praticamente que a gente falava invasão ainda, que era o Jardim Cabano. Então, a gente juntava aquela molecada toda, vamos dizer, da periferia e vinha zoando na casa dos mais ricos, vinha apertando campainha, jogava pedra nos cachorros dele e puxava lixo. Era aquela coisa de criança atentada mesmo, né? Não tinha que fazer, jogava. Época de São João a gente pegava, comprava bomba e saía jogando nas casas dele, voltando da escola, era aquela perturbação.
(29:15) P1 - Era perto ou longe desse trajeto?
R1 - Era questão de uns cinco quilômetros da escola até o bairro onde que a gente morava, a gente vinha andando.
(29:24) P1 – Bastante!
R1 - Sim, não era algo assim perto, não. A gente vinha. É que quando a gente é criança, a gente não está vendo, a gente não vê aquela sacanagem, então pra gente era rápido. Se fosse pra vir normal, a gente gastava uns vinte, trinta minutos. Como a gente vinha aquele monte de criança atentada, a gente gastava 15, vinte minutos, no máximo. A gente vinha perturbando e vinha roubando fruta do meio do caminho, que tinha árvores frutíferas na beira da pista. A gente vinha pegando manga, acerola. Todas as vezes pegava coco e trazia. É questão das crianças mesmo, atentadas. (risos)
(29:56) P1 - Você lembra de algum momento, alguma história dessas voltas da escola, desses momentos dessa infância e adolescência, que te marcou?
R1 - Eu lembro que era época de São João, então a gente tinha mania de tocar a campainha e sair correndo. Eu lembro que uma vez a gente tocou um dia a campainha de uma certa pessoa e ele não gostou, xingou a gente, falou palavrão, falou isso e aquilo outro e tal, beleza. No outro dia a gente já mais revoltado, apertamos a campainha e pegamos aquelas bombas de São João e jogamos dentro da casa dele. A gente saiu correndo, quando gente está saindo correndo, a gente vê o portão abrindo e o carro saindo. E ele veio atrás da gente até o Jardim Cabano, só que a gente entrou no meio do mato, se escondeu, apareceu, varou em outro lugar, onde não era nossa casa, ficamos escondidos e ele rodando atrás do bairro, atrás da gente, né? Porque a gente fez aquilo no intuito de tentar se vingar do que ele falou pra gente. Tipo: a gente era criança, não pensava muito no que a gente fazia, né? Não tinha ideia das consequências que ia ter. Acho que, hoje em dia, se eu vejo uma questão dessa, se eu vejo que uma criança que vai apertar minha campainha, eu não vou lá xingar, não vou fazer isso. Eu vou relevar, é o momento dela, uma fase da vida dela, que vai passar. A gente não tinha essa noção que aquilo era só... então, a gente ficou com raiva pela forma que ele tratou a gente, xingou a gente, que até no dia que ele xingou a gente quis bater, quis correr atrás. E no outro dia a gente tinha uma forma de se vingar, foi, pegou a bomba e jogou, pá. (risos) E aí ele veio atrás com raiva, foi tentar procurar mãe e pai, mas como é que vai achar pai e mãe de quase 15, vinte crianças, né? E a gente escondido no meio do mato, o esperava passar de carro, esperando-o vir embora, nunca mais a gente veio por essa rua. Já passamos fazer outro trajeto, que a gente já sabia que, se passasse por lá, ia estar esperando a gente.
(31:41) P1 - Você nunca esqueceu?
R1 – Não. Isso aí fica marcado na vida. Essa forma de ser travessa foi demais. (risos)
(31:46) P1 - Como é que sua mãe lidava com as suas travessuras?
R1 - A minha mãe, por trabalhar muito, então quando ela chegava, assim, muitas das vezes ela não sabia de certas histórias, ela ia saber de coisas na escola, que eu faltava. Teve uma época que ela foi saber que eu tinha faltado mais de seis meses quando ela foi pegar meu boletim, no final do ano. Foi uma época que começou a chegar negócio de cyber em Barcarena, jogos online, eu falava que ia estudar e ia pro cyber. E nisso passou intervalos de coisa, deu uns seis meses que eu não fui pra escola e aí eu fui, na época, reprovado, foi um ano que eu fiquei até de dependência em uma matéria só, por causa que eu faltei. Aí, o que ela sabia era quando ela ia na escola, quando era chamada, que ela sabia das minhas travessuras, mas nunca chegaram em casa para falar: “Olha, teu filho fez isso, aquilo outro”. Não. Sempre foi através dela indo na escola. Por ela trabalhar, na época saía às sete horas da manhã e voltava às sete da noite, às vezes tinha essa falta... não uma falta de atenção, mas é porque acho que não tinha como lidar, devido a um trabalho cansativo, não julgo. Essa falta de atenção não foi por querer, mas por necessidade, porque tu sai pra trabalhar, na época que enfrentava um trânsito terrível pra chegar na empresa e pra voltar também e passar praticamente oito horas em pé, cozinhando pra aquelas pessoas, às vezes virava plantão, às vezes a pessoa faltava e por ela ser uma pessoa que tinha mais experiência na parte do restaurante, ela ficava lá, cobrindo outro horário, às vezes chegava de madrugada em casa, então ela não sabia muito dessas travessuras que eu fazia, na rua. (risos)
(33:27) P1 - Seis meses sem ir a escola?
R1 – Sim. Somando tudo, tipo: um mês eu ia, o outro não, um mês... mas tinha a parte boa dessa questão dela não ter atenção, que ela ia olhar o meu caderno. Muitas vezes eu falava com um amigo, eu ia, ‘colava’ dele, então ela pensava que eu estava indo pra escola, que eu estava lá na escola, indo estudar tranquilo. No final do ano quem tinha que buscar o boletim era a mãe, quando chega no final do ano: “Está aqui ó, pá. Estava com ‘sarampo’ o meu boletim, todo vermelho. (risos) Falta, desistência. Foi complicado.
(34:00) P1 - Como que era as condições de vida de vocês? Vocês passavam alguma necessidade?
R1 - Olha, eu acredito que até os meus seis... até os meus cinco anos de idade, até os meus oito, a gente passou muita dificuldade financeira, né? Acho que, por ela ter três filhos e ela ser a mulher batalhadora que é, então a gente tinha muitas das vezes... a gente chegou a passar fome em uma época da vida que eu lembro muito bem, acredito que eu tinha uns quatro, cinco anos, que as coisas estavam bem difíceis, não tinha trabalho, ela não conseguia nem... que a gente tomava... até uma vez... hoje em dia a gente acha graça das situações, quando a gente... quando eu falo até pra minha irmã, pra filha dela, que não é pra estragar comida, aquilo outro, eu falo até pro meu filho, eu falo: “Teve uma época que a gente tomava caribé”. O caribé é o mingau de farinha, coloca a farinha na água, coloca pra ferver, coloca um pouco de sal. Quando tinha manteiga era algo gostoso, então a gente tomava aquilo muitas vezes como café da manhã e como almoço e às vezes até janta. Então, a gente passou uma dificuldade, nessa época. Isso quando a minha mãe convivia comigo e com a minha irmã. Ela sempre tem essa questão de ir pra igreja, ela conheceu um rapaz que trabalhava no restaurante, então quando sobrava comida do restaurante, ela passava lá e ele já separava para ela, né? Arroz, feijão. Então, a gente... eu falo que gente passou, nessa questão, necessidade e tal, mas não deixamos: “Ah, hoje não comemos nada”. Não, a gente sempre teve algo para comer. E depois disso acredito que a gente não passou mais necessidade. Passamos dificuldade, como toda pessoa passa, mas a gente já tinha o que comer, já tinha nossa... sempre morou de aluguel, querendo ou não, na época o salário não era alto, então o aluguel tira uma parte muito grande, que é algo que pode investir em outra coisa e a gente acabava passando essas necessidades. Aí a gente... ela trabalhava, teve uma época que ela saiu do emprego, ela arrumou um box na feira, começou a vender comida na feira e aí as coisas melhoraram, mas mesmo assim também eu já reparava bicicleta. A gente ia pra frente do supermercado. Hoje em dia tem um supermercado que sempre existiu, chamado Real, eu molecote, acho que meus sete, oito anos, ia pra frente, reparar bicicleta. Pegava 25, dez centavos, na época, que era cinquenta, quando vinha uma moeda de um real era uma alegria, né? Então, querendo ou não ia pra casa com o bolso cheio de moeda: “Está aqui, mãe, pra ajudar” e dava pra ela o dinheiro. Então, a gente vê, passou necessidade, passou dificuldade, passamos, mas não... foi uma época ruim, mas com muito aprendizado, pra hoje em dia a gente trazer pra vida, assim.
(36:27) P1 - Quando você era menino, você pensava... você tinha um sonho de quando você crescer, você ia trabalhar com alguma coisa específica?
R1 - Eu tive aquele sonho que a gente sempre teve, né? Eu tinha três profissões que eu queria ser: médico, advogado e arquiteto. Não sei por que, sempre tive essa questão de estudo, tal. Quando eu estava na igreja, quando eu ia pra igreja, queria ser bispo, na época. Eu lembro que teve uma consagração de crianças que colocava, os pastores, as crianças em cima do altar da igreja e perguntavam assim: “O que você quer ser, quando crescer?” Um falava policial, outro médico, outro isso, aquilo outro. E um: “Eu quero ser obreiro, quando eu crescer”. Aí, quando chegava na minha vez, por eu ser uma criança, que o pastor na época me chamava, tinha um apelido que ele me dava, Batatinha, por eu ser uma criança quieta, (risos) entre aspas: “E aí, Batatinha, o que tu quer ser?” Eu falei: “Eu quero ser bispo”. Eu lembro disso, assim, a minha mãe fala também, eu tenho essa memória, que o pastor falava assim: “Rapaz, não quer ser nem obreiro, não quer ser nem pastor, já quer pular etapa, quer ser logo bispo”. E aí eu lembro disso, mas os sonhos, quando volta para área de estudo, eu sempre quis ser médico, ou advogado, ou arquiteto. Sempre tive esses sonhos, que acho que eram profissões que, na época, por assistir novelas, essas coisas, certos filmes que a gente via que era algo que todo mundo queria ser, né? “Quero ser médico”. Era algo bom que, naquela época, a gente pensava de ser, né?
(37:47) P1 - Batatinha era o apelido?
R1 - Batatinha. Agora eu não sei o porquê. Ele fala porque era muito atentado, né? Tipo: era que nem uma batata fritando, não parava, agitava. Era por isso. (risos)
(37:59) P1 - Você falou que com sete anos você começou a consertar bicicleta. Esse foi o seu primeiro, digamos, trabalho?
R1 - Não, consertar não. Comecei a reparar. A bicicleta, na época, era o maior meio de transporte. Hoje em dia é carro, é moto. Tem os Ubers, hoje em dia, antigamente não tinha, era a bicicleta. Quem tinha bicicleta era uma pessoa que tinha condições, na época. Então, as pessoas, muitas vezes, iam para o supermercado, para não deixar a bicicleta sozinha fora, que já começou a ter assaltos, a gente ficava na frente, lá. Às vezes era só eu, tinha mais um conhecido meu, a gente ficava: “Tio, deixa eu reparar sua bicicleta, enquanto você vai lá dentro?” Aí: “Não, está bom, repara”. Aí deixava a bicicleta, a gente ficava olhando a bicicleta, limpava e tal. Quando voltava de lá, ele achava o que ele achasse bom de dar, dava: 25 centavos, cinquenta centavos, um real, alguns vinham com compra, porque não queria dar dinheiro, tal: “Olha, vou comprar no meu ticket, vou comprar no cartão, não tenho dinheiro, posso trazer a biscoito?” Trazia essas questões de alimentação, né? Era mais essa questão de...
(38:58) P1 – Então, esse reparar é sobre cuidar da bicicleta...
R1 - ... enquanto a pessoa ia fazer as compras dela, né? Porque você vai entrar no supermercado e você passa ali uns vinte, trinta minutos, né? Então, muitas das vezes, naquele trajeto desses trinta minutos lá, a bicicleta... não tinha essa questão de cadeado muito, na época, não tinha aquele negócio de corrente, não tinha... então, a pessoa achava na confiança de deixar lá fora, que ninguém ia levar, mas aí começou a ter muito assalto de bicicleta, roubarem a bicicleta e a gente ficava reparando a bicicleta, para impedir que esses assaltos acontecessem, que a pessoa ia ver que tinha alguém reparando, que iria gritar. O ladrão que ia chegar pra assaltar a bicicleta ia ver que tinha alguém olhando ali, não ia chegar e pegar. Então, era mais nesse intuito, de ficar reparando.
(39:34) P1 - E de onde que surgiu essa ideia?
R1 - Ah, eu vi outra criança fazendo, lá, eu falei assim: “Vou fazer isso também”. Fui fazer isso na feira de Vilas de Cabanas, antigamente, fazia na frente do Supermercado Real. Geralmente teve uma época que ficou só eu, então ganhava muito dinheiro, nessa época. Pra minha idade, uma criança acho que de sete pra dez anos, reparando bicicleta, eu chegava em casa com, na época, uns 15 reais. Isso era muito dinheiro, na época. Com um real, antigamente a gente ia na padaria e comprava dez pães. Tinha poder de compra. Dez centavos era um pão. Então, eu chegava em casa com dez, 15 reais, era muito dinheiro para fazer as compras. Dava à mamãe, pra fazer as compras, ajudava. Às vezes até para comprar material para ela trabalhar na feira ajudava, nessa questão.
(40:15) P1 - A sua mãe apoiava?
R1 - Por uma parte sim, por outra não, que muitas vezes ela pensava que eu estava em casa, fazendo coisa, eu não, eu estava lá, sempre fui meio ‘banda voou’, né? Ah, me deu vontade de ir lá fazer, porque às vezes ela aparecia em casa, então às vezes ela chegava em casa eu não estava. Eu estava lá, reparando bicicleta, né? Ela não sabia, muitas vezes, que eu estava lá, outras ela já sabia. Quando ela trabalhava na feira, ela sabia que eu estava reparando bicicleta na feira, mas em questão do supermercado, ela não sabia que eu estava no supermercado, né? Muitas vezes ela não sabia.
(40:45) P1 - Mas aí você chegava com o dinheiro e dava pra ela, por exemplo.
R1 - Aí eu falava, aí que ela ia saber que eu estava reparando bicicleta, né? “Onde você estava?” E naquela época não tinha essa questão tanto de mão de obra escrava, de trabalho de criança, acho que era uma... hoje em dia, claro, eu penso que eu não... eu me esforço para ter uma condição para não deixar meu filho passar por isso, mas naquela época eu não tinha esse esforço, né? Então, pra mim era uma coisa que eu gostava de fazer. Era uma forma que eu até me divertia, não ficava em casa sem fazer nada, ou ia procurar. Era uma forma também que eu ganhava dinheiro, que eu poderia comprar minhas coisas, né? Desde criança, comprar sapato, uma sandália, uma roupa.
(41:21) P1 - Você lembra de alguma coisa que você comprou, que foi muito importante pra você, com esse dinheirinho?
R1 - Olha, eu lembro de uma coisa de sandálias, né? Que eu gostava de comprar sandálias, então eu trabalhava nessa questão. Depois que eu parei de reparar bicicleta, eu comecei trabalhar numa fruteira. Lá, no início eu juntei dinheiro, que era pra minha mãe ir em Belém, ela sempre ia pra Belém, pra ela comprar um brinquedo pra mim, que era na época um carro de controle remoto, né? E aí eu consegui, através do meu dinheiro, trabalhando na feira, carregando caixa de tomate, caixa de... atendendo alguma coisa, limpando, fazendo todo aquele trabalho braçal com as verduras, com as frutas, vendendo também, eu consegui juntar dinheiro pra comprar roupa, comprava... eu lembro muito bem de um carro de controle remoto que, na época era um Porschezinho amarelo, pequeno, que o carro ia embora e voltava mais de cem metros. Aquilo era um luxo pra mim, né? Então, o meu dinheiro, (risos) nessa época, eu consegui comprar um Porsche. (risos) De brinquedo, mas é um Porsche. (risos)
(42:16) P1 - Com o que mais você trabalhou? Porque você começou... eu tô chamando de trabalho entendendo que é esse trabalho informal, tá? Me conta as coisas que você fez aí, da infância pra adolescência.
R1 - Eu trabalhei, no caso, reparando bicicleta, trabalhei em fruteira. Eu trabalhei vendendo fruta, verdura, trabalhei limpando, carregando. Trabalhei vendendo churrasco. Ajudava, no caso, vender churrasco. Eu falo que um companheiro da minha mãe na época pegou um ponto bom, na época, de esquina e começou a vender churrasco e não tinha ninguém para ajudá-lo, eu ia para lá, assar churrasco para ele, lá. Eu assava churrasco, ele fazia questão do baião, da farofa e do vinagrete lá. Ele vendia lá e eu assava. Então, ali ele me dava uma quantia para trabalhar com ele todo dia, à noite. Durante o dia eu já estava estudando, então o ajudava mais à noite e vendia essa questão. Até a minha adolescência eu trabalhei com isso. Trabalhei numa época que tinha muita castanha nos sítios nossos, trabalhava vendendo castanha. Tirava do ouriço, a vendia como só castanha, pro pessoal quebrar, então muitas vezes já oferecia, exemplo assim: “Ah, você quer castanha descascada? Eu vendo o quilo” “Ah, quanto é que é o quilo?” “Oitenta reais” “Ah, eu quero meio quilo”. Então descascava as castanhas, vendia. Então, sempre tive meu dinheirinho ali, até meus 14, 15 anos nessa forma informal, até meus 15 anos dessa forma, fazia esses ‘correzinhos’, né? Porque não tinha muita coisa pra se fazer. Não tinha um trabalho de carteira assinada, não tinha coisa que poderia ser feito, nessa época.
(43:41) P1 - E nesses trabalhos você atendia a própria comunidade de Barcarena?
R1 - Sim, mas essa parte nossa aqui, mesmo, não era pra fora. Não tinha essa visão de mandar esses produtos pra fora. Se eu tivesse, na época, uma forma de contato, acredito que hoje já teria uma coisa maior, porque frutas, verduras nessa época, era uma coisa que sempre teve pra sair daqui de Barcarena, pra ir pra capital, mas nunca tive essa ideia. Só vendia pra mais conhecidos, tinha muitas pessoas conhecidas. A sempre teve envolvimento com muitas pessoas em relação por ser da igreja, estar na igreja. Então, a gente teve muito conhecido, que a gente coloca... eu oferecia justamente quando comecei a vender a castanha ou a amêndoa, eu vendia pra algumas senhoras de idade, que sabia que não tinha aquela força pra cortar, né? Então, eu falei assim: “Olha, tô vendendo castanha e tal. Você não quer comprar? Descascada, já” “Quanto é o quilo?” “Olha, setenta reais o quilo” “Ah, eu quero meio quilo, meu filho, eu quero um quilo”, aí eu vendia e ia embora. (risos)
(44:35) P1 - E fez de porta em porta?
R1 - Não, eram pessoas conhecidas, já. Como tinha essa questão de ir na igreja, aí um exemplo: “Dona Ana, a senhora quer comprar castanha? Eu tô vendendo castanha. A senhora não quer me ajudar comprando castanha?” Aí eu oferecia pra ela, ela já oferecia pra outra pessoa: “O Samuel está vendendo castanha”. E eu não tinha balança nessa época, é engraçado. E o que eu fiz? Eu peguei uma quantidade de castanha, contei, fui até um mercadinho próximo da minha casa, onde tinha uma balança lá. Meio quilo dá, exemplo: duzentas castanhas. Então, como eu não tinha balança e eu tinha que dar para a Dona Ana meio quilo amanhã e eu não sabia como ia dar esse meio quilo para ela e para Dona Bel tinha que dar meio quilo também e não ia usar a balança da senhora de novo, se aqui deu meio quilo, deu duzentas, aqui eu vou colocar 202, que vai dar um pouco, passar mais. Aí assim eu ia fazendo meus ‘corres’ da vida. (risos)
(45:20) P1 – Então, você era bom de matemática e bom de negócio.
R1 - Sim. (risos) Até hoje a gente tenta ser.
(45:26) P1 - E até os seus 15 anos você foi ‘se virando’?
R1 - Sim, até os meus 15 anos eu fui fazer essas ‘correrias’ todas, assim que eu costumo falar, trazer uma... capinava quintal também, não tinha tempo ruim. Juntava frutas para vender porque, por ser uma cidade próxima de muitos sítios antigos, então a gente vai ter muito próximo aqui bacuri, piquiá, castanha, uxi. Então, vão ser frutas de época que pessoas compram e não têm acessibilidade àquela quantidade, né? Então, eu juntava muito uxi, vendia uxi, uma sacolinha de uxi, cinco reais, tinha aquilo, era uma quantidade certa. Ia pro mato, trazia uma saca de frutas. Ah, o bacuri que é o mais caro, né? Vendia. “Quanto é que é? Olha, me dá aí” - na época – “três por um real”, que era dinheiro. Então, eu tinha essa proximidade com as pessoas e tinha um negócio de fazer esses negócios.
(46:22) P1 - E você fazia isso com seus irmãos ou era tudo ideia tua?
R1 - Olha, com a questão das frutas era só eu. Com outras pessoas envolvendo, quando era questão do açaí, para vender o açaí. Tinha muita árvore de açaí e eu não sabia subir no açaizeiro. (risos) Mesmo sendo paraense nato, nem todo mundo que nasce no Pará sabe subir no açaizeiro. E eu chamei um rapaz que sabia, que era da minha idade, mais ou menos: “Sabe subir no açaizeiro?” “Sei” “’Bora’ tirar açaí, pra gente vender a saca?” “Quanto que é a saca?” “Olha, está quarenta reais”, que é a rasa que eles falam. Quarenta reais, na época, estava a rasa. “Mas tu tem pra quem vender?” Eu falei: “Não, tenho uma bicicleta, mas eu vou oferecer” “’Bora’, então”. Ele subia, tirava o açaí e a gente pegava, eu pegava, vendia já, já era certo pra entregar. Tipo assim: “Ah, ‘seu’ Antônio, olha, eu tô com uma saca de açaí, o senhor quer comprar?” “Quanto tu quer?” “Eu quero oitenta. Tem duas rasas e meia. O senhor sabe que é cem, mas o senhor me dá oitenta, tal, pra ajudar” “Não, está bom, traz lá”. Levava açaí pra ir lá e dividia, dava metade pra ele, metade pra mim. Eu fazia o trabalho mais leve, (risos) e ele fazia o trabalho mais pesado, que era de tirar e desbulhar, tudo isso aí. O meu negócio era só vender, era só oferecer o negócio. (risos) Mas aí não tinha disso, né? Até meus 15 anos foi mais ou menos isso.
(47:32) P1 - Você era a parte da cabeça.
R1 – Cabeça. (risos) A parte do negócio que fazia pra vender, que não adianta ter o produto ali e não saber como vai vender aquele produto, aí sempre foi nessa parte.
(47:42) P1 - A sua mãe te dava algum conselho, que hoje você lembra que foi importante pra você nessa fase da... até seus 15 anos?
R1 – Olha, eu não vou lembrar, eu acredito que ela só falava assim a questão que era pra eu acreditar no que eu quisesse, né? Tipo assim: se eu tinha um sonho, que era pra eu ir atrás. E acho que até meus 15 anos eu fui... aos meus 16 eu fui emancipado, como eu era da igreja... eu falo assim a igreja foi uma parte fundamental na minha vida, porque ela me ensinou a ter uma parte do caráter que eu tenho hoje em dia. E até essa questão de negócio também a gente aprende, nessa questão de igreja. Hoje em dia eu tenho meio um sarcasmo com essa questão de igreja e negócios, mas foi uma parte onde eu quis ser pastor. Eu fui ser obreiro da igreja com 12 anos, fui um obreiro novo. Até meus 11 eu era aquela criança perversa, mas depois disso eu me conserto, venho ser uma criança cristã, andando pelos caminhos que a gente acreditava e acredita ser certos. Me torno obreiro, me torno uma liderança jovem na igreja. Aos meus 16 anos eu tive a vontade de ser pastor, mas pra eu ser pastor, tinha que ser emancipado. E aí minha mãe fala: “Se quer isso que tu quer, pode ir, segue os seus sonhos. A gente sempre vai estar aqui, de portas abertas para ti, caso um dia tu queira voltar”. E aí foi isso que eu lembro, dela falar para eu seguir meus sonhos. (risos)
(49:13) P1 – Em relação aos estudos?
R1 - Em relação aos estudos ela, na época, ficou com o ‘pé atrás’, porque quando a gente decide ir para essa questão do rumo evangélico, a gente teve que largar tudo. Então, eu venho concluir meu ensino médio só depois que eu volto, depois dos meus 18 anos, praticamente. Dezoito para 19, para vinte anos, eu vim concluir meu ensino médio, já da forma do EJA e da forma que tive que pagar. Ela falava que a questão dos meus estudos sempre apoiou, né, que ela sempre quis. Tanto que depois, quando eu volto a ser, quando eu volto de pastor, que eu não quero mais aquela vida de pastor para mim, eu volto a estudar, me envolvo nos movimentos sociais e começo a estudar, fazer faculdade.
(49:58) P1 - E o que era ser pastor? Você tinha que sair da escola e ir para algum lugar?
R1 - Nessa época que eu fui pastor, eu era obreiro na igreja. Então, nessa questão de ser obreiro, você se dedica a um certo momento de convidar pessoas para a igreja, de ajudar na igreja, de arrumar a igreja. Ser pastor é aquilo que você larga tudo que você tem, larga a sua vida, por isso a questão da emancipação que, tipo: eu deixava o direito de tudo que eu tinha da minha família, tinha aquela responsabilidade que era da minha mãe passa a ser minha. Tipo: quando você é emancipado, você não tem direito a mais nada, a sua mãe não pode... as decisões que eu tomasse, naquela época, eu fizesse alguma coisa que fosse preso, não era a minha mãe que respondia, seria eu. Da mesma forma, a questão da emancipação para ser pastor era isso: eu teria que sair de Barcarena, para ir até a sede da igreja, ficar passando pelo treinamento lá, para depois eu ir para outras igrejas, em outros municípios, em outros estados, para eu ficar disponível da igreja, pra eu ser pastor daquela igreja, naquele determinado local. Não era exatamente aqui em Barcarena.
(50:59) P1 - Qual que era a igreja?
R1 - A igreja Universal.
(51:01) P1 - E aí você foi pra onde?
R1 - Eu fui pra Belém. Eu fui ser, no caso que eles falavam, na época, iburdi, que está aprendendo a ser pastor. Fica lá durante um tempo e depois a gente aprende, vira auxiliar de pastor. Aí já é um... quando é iburdi já recebe um salário, na época recebia um salário. Quando é auxiliar também continua com o mesmo salário e depois você vai crescendo, como se fosse uma coisa de empresa, vai crescendo gradativamente, com o tempo, o tempo vai passando.
(51:31) P1 - E o que te interessava em ser pastor?
R1 - Era a questão de ajudar o próximo. Quando a gente era obreiro, a gente levava uma esperança para as pessoas, de falar da palavra de Deus, falar da Bíblia, falar de Jesus, falar aquilo outro e a via que as pessoas, por ouvir aquela palavra, por ter uma fé, milagres acabavam acontecendo. A gente via aquilo e achava aquilo bom, bonito, legal de se fazer. Então, isso a gente sabe que até o momento, pro obreiro, era limitado. Se a gente queria algo a mais a gente teria que procurar, ser um pastor que tomava conta de várias pessoas. Eu sempre quis algo a mais, nunca quis só ficar naquilo, naquele negócio. Até então que, quando eu entro pra ser obreiro, eu não quero mais ser... largo meus estudos, praticamente, de mão, né? E queria me dedicar justamente àquilo, só pra ajudar as pessoas, ajudar o próximo.
(52:27) P1 - Em ações voluntárias?
R1 - Ações voluntárias. Tipo: a gente tinha muita questão de levar a palavra a uma mãe que, muitas das vezes, o filho estava preso, a levar a uma pessoa que estava no leito de dor. Às vezes a gente pensa em muitas pessoas angustiadas, que uma palavra que ela ouve da outra ajuda muito. Então, a gente tinha aquela coisa de convidar uma pessoa, levá-la para a igreja num dia que tinha uma sessão de cura, exemplo, e aquela pessoa saia dali muito melhor do que ela estava sentindo. Às vezes a pessoa usar a fé dela em certas situações, ela era curada e a gente via aquilo. Muitas pessoas vão falar que é mentira, mas eu cheguei a ver certas situações que a gente vê que não tinha como para os olhos humanos aquilo acontecer. Então, aquilo despertou em mim uma vontade de fazer algo a mais.
(53:08) P1 - Você ficou quanto tempo?
R1 - Olha, contando toda a trajetória eu fiquei praticamente mais de 11, 12 anos nessa questão do Evangelho, desde onde eu me encaixo como obreiro, até a questão que eu fiquei como pastor.
(53:23) P1 - Mas como pastor você ficou quanto tempo?
R1 - Fiquei uns quatro anos, cinco anos.
(53:28) P1 - Em Belém?
R1 - Em Belém. Não cheguei a sair da... tem várias igrejas em Belém, então eu fiquei um tempo, quase um ano e pouco na catedral, por ser uma pessoa bem comunicativa, bem... na época eu tinha uma fisionomia boa, tal, para ser pastor de igreja grande, onde está ali, ajudava bem. E eu fui pra... fiquei só na capital, não cheguei a ir para interiores, outros estados, só ficava nas igrejas na capital, mesmo.
(53:53) P1 - E até então na sua vida você tinha essa frequência de ir para Belém e voltar, ou foi algo novo?
R1 - Para mim foi algo novo, né? Não sabia andar em Belém, onde foi... comecei a ter essa frequência de ir e voltar quando eu tinha uma folga, que eu comecei a visitar minha mãe. Eu tinha uma folga, exemplo, numa quarta-feira, que era minha folga, eu tinha que sair de Belém cedo, eu pegava o barco, ou na época van e tinha que sair daqui no máximo quatro horas, para ir e voltar. Então, só vinha almoçar, passava um pouco com a minha mãe, o dia e já tinha que voltar à noite, estar às sete e meia na igreja, lá, de volta.
(54:23) P1 - Como é que foi viver em Belém? Porque muda tudo, né?
R1 - Sim, muda a ‘correria’, né? A gente sai de um lugar pacato, que não tem tanto trânsito, não tem tanta movimentação, não tem um fluxo de pessoas como tinha aqui. A questão da realidade de alimentação é diferente: ou tu compra, ou tu faz e tinha aquela alimentação da minha mãe, tudo aquilo, aquela facilidade. Então, muitas vezes eu tinha que sair para comprar minha comida, ou fazer e se adaptar também, tipo: “Quem tem boca vai à Roma”, como a gente conhece hoje em dia, mas eu usava a boca pra ir aonde eu queria. Eu tinha a boca pra ir à Roma. Então, eu saía perguntando, pegava ônibus errado, ia parar em fim de linha. Queria sair, conhecer o comércio, ir andando no comércio. Queria ir pro shopping: “Eu quero ir no Boulevard, vou pegar um ônibus”. Às vezes eu parava lá, na doca mesmo, ou às vezes eu parava na Presidente Vargas e ia andando até o Boulevard, pegava toda aquela questão do comércio. Ou às vezes eu parava na Cidade Velha e ia conhecer o Iguatemi, que é o Pátio Belém. Então, saía... tive que me adaptar à força, tive que aprender na brutalidade. E sempre fui bom, além de ser bom de matemática, era muito bom de geografia. Então, soube me localizar, né? Então, na época não tinha forte o Google Maps, então... mas tinha de cabeça: tal rua agora aqui, vai, sempre soube me localizar onde eu estava.
(55:50) P1 - Passou algum perrengue lá?
R1 - Olha, perrengue eu passei quando fui assaltado, que na época a igreja ficava na BR, a igreja principal e sempre tinha reunião de auxiliares, na época que eu era. Então, eu pegava o ônibus pra voltar pra igreja onde eu estava, que era no Jurunas. Da BR até o Jurunas é mais de uma hora de ônibus. E, por incrível que pareça, eu fui inventar de pegar um ônibus que eu nunca tinha pegado, pra tentar chegar mais rápido. Foi um ônibus que era pela Senador Lemos, que ia me deixar perto da igreja e ia chegar, coisa. Nesse dia eu fui assaltado. Um rapaz entrou no ônibus, invadiu, anunciou assalto e nisso eu fiquei agoniado. Aí levou meu celular, eu fiquei agoniado. Saí correndo pela traseira do ônibus e parei num bairro lá chamado... perto do Umarizal. Aí pegou, a polícia chegou, eu encontrei os policiais, na verdade, falei que tinha sido assaltado, tal. Eles foram atrás do ônibus, o ônibus já tinha parado, o pessoal desceu. Esse foi o perrengue que eu passei. E sorte que lá perto de onde a gente foi assaltado tinha uma outra Igreja Universal e o pastor que estava nessa igreja era amigo do pastor que estava na minha igreja. Eu falei: “Pastor, eu fui assaltado, não tenho dinheiro pra ir pra casa, os ‘caras’ levaram até meu celular, levaram tudo e eu... tem como o senhor ligar para o pastor aí, para ele... o senhor me dá o dinheiro aí, o senhor conversa com ele lá”. Aí foi esse perrengue maior que eu passei em Belém, nessa questão.
(57:24) P1 - Imagino que te assustou, né?
R1 – Ixi, muito, né? Que a gente nunca tinha passado por aquilo, nunca tinha sido assaltado, nunca fui... a única abordagem que eu tive até por polícia foi aqui em Barcarena, mas isso era voltando da igreja, né? Então, eu nunca tive essa conexão com ser assaltado, de sofrer essa violência assim, não.
(57:43) P1 - E alguma coisa que foi muito gostoso, que foi uma realização, uma descoberta nessa cidade grande, aí?
R1 - Conhecer, né? Aquela primeira - quando tu chega - impressão que tu tem na cidade grande, coisa bonita, aqueles prédios, né? Tu sai de Barcarena, não tinha nenhum prédio. Hoje em dia tem vários prédios em Barcarena, mas quando tu chega em Belém, tu chega de barco, no Ver o Peso, que tu vê aquela... já tinha ido outras vezes em Belém, passear com a mamãe e tal, mas é coisa só no Ver o Peso. Mas quando tu sai andando, tu vê aqueles carros diferentes, tu vê aquele negócio, aquilo pra ti, tu te encanta, né? Tu vê aqueles prédios, vários assim, tal: “Um dia eu quero morar num desse, um dia eu quero ter um apartamento num lugar desse. Ah, eu quero conviver assim”. Pra mim era aquilo, aquilo foi maravilhoso pra mim, viver lá, conviver. O primeiro choque com aquela realidade, aquilo foi bacana.
(58:28) P1 - Teve alguma coisa que te emocionou nessa história, morando em Belém? Algum momento que você falou: “Uau! Realizei um sonho aqui” ou “realizei uma vontade”?
R1 - Eu acredito que não teve essa marcação, porque eu não tinha tipo um sonho de morar em Belém. Eu fui morar em Belém mais por questão da necessidade, a questão da coisa, porque eu queria ser aquilo, né? Eu vou morar em Belém duas vezes. Eu vou morar em Belém quando eu vou ser pastor e depois que eu saio que eu vou trabalhar lá, por causa de uma namorada que eu conheci lá. Então, nunca tive aquela proximidade de Belém. Aí, quando eu vou a primeira vez, que eu tenho aquele choque da realidade, que eu convivo em Belém e tal, depois eu volto pra cá, eu vejo que não é tudo aquilo, né? Que a gente prefere a nossa paz mesmo, aqui, sabe? Às vezes a gente está dormindo de madrugada, aquele barulho na rua, era ônibus passando, era gritaria, pessoal voltando de festa. E aqui não, a gente pega, dorme, até quando bem entende, acorda, toma o nosso café tranquilão, tem um supermercado próximo, a gente vai tranquilo, se quiser ir andando, quiser ir correndo e tal, se quiser pegar bicicleta. É uma coisa tão próxima, que a gente não tinha lá, não tem aquele apavoro todo. Se a gente quer chegar em outro bairro e tu pega trânsito, perde tempo. Então, hoje em dia eu vejo que eu não tinha aquele sonho, aquela coisa que me inspirasse, porque acho que eu nunca tive essa visão de querer algo em Belém.
(59:48) P1 - É, mas às vezes a gente, sei lá, vê uma coisa pela primeira vez, come uma coisa pela primeira vez, experimenta algum passeio pela primeira vez e o olho brilha.
R1 – Sim, mas pra mim, acho que o brilhar foi chegar em Belém a primeira vez e ver aqueles prédios.
(59:59) P1 - Como é que você se sentiu? Você era um menino de Barcarena. Como é que você se sentiu naquilo?
R1 - Sente perdido, uma novidade, algo novo, ver aqueles arranha-céus que tem ali, aqueles prédios. Eu gostava de andar muito na doca e gostava de ver aqueles prédios, assim, bonitos, sabe? Aqueles carros luxuosos saindo. É outra realidade, né? Uma coisa assim: a gente andava ali por Nazaré também, pela Governadora José Malcher, que tem a Basílica, a gente passava ali. Eu não era nem católico, mas gostava de ficar vendo a Basílica, aquela coisa bonita. Cristão, que odiava esses católicos que falavam, mas gostava de ver aquilo ali. Gostava porque, muitas vezes, o Evangelho destorce a outra região, né? E eu ficava vendo assim: “’Cara’, que prédio lindo, que igreja linda, né?” Ficava vendo a Igreja da Sé ali, eu fiquei: “Olha, coisa bacana”, assim. Aquilo me dava um choque de realidade diferente, que aí me traz, acho que é essa questão que tu fala que: “Pô, eu quero isso aqui pra mim”, entendeu? Acho que eu queria aquilo pra mim, mas no momento eu não podia ter, né?
(01:00:58) P1 - Parece que expande a cabeça.
R1 - Sim, é outra realidade. Tu sai de um lugar onde tu vê que não tem aquilo, né? Tipo: é uma coisa, tu vai no shopping, limpar a mão, puf puff. Tu vai aqui: “Pega um pano aí, ‘bora’”. São coisas assim que, pro caboclo que sai do interior, chega e vê uma realidade muito diferente, né?
(01:01:18) P1 - Você deu um exemplo ótimo: o elevador, a escada rolante, né?
R1 – Sim. Vai lavar a mão, cadê a coisa pra abrir a torneira? Pô, tem que passar, ou então tem que tocar na torneira. E o caboclo que chega pra lavar a mão lá no banheiro do shopping. Na época tinha acabado de ser do toque da torneira, não era de detector ainda. Rapaz, agora lascou. Não tinha aquelas placas informativas, né, tal. Aí eu falei: “Vou ficar por aqui, não quero nada”. E aí (01:01:42) ficavam me olhando, tal. Aí que eu vi que chegou alguém que só tocou, eu esperei sair, pá, é assim, (risos) aprendi a lavar a mão.
(01:01:50) P1 – Então, você ficou em Belém ainda nessa primeira fase com a igreja, por quatro anos, foi isso?
R1 - Sim, quatro anos fiquei na igreja. Fiquei como auxiliar na catedral, que eles falam, dois anos... um ano e sete meses, mais ou menos. Depois fui destinado a uma igreja da capital mesmo, que era uma igreja grande na região, lá no Jurunas. Lá eu fiquei dois anos e uma fração. Já tinha outra coisa, outra convivência, já era mais reconhecido, já tinha uma boa... já fazia reuniões para muitas pessoas, então eu tive uma coisa melhor para mim, ali.
(01:02:27) P1 - Ganhava?
R1 - Ganhava um salário, na época. Era ajuda de custo, na época, um salário, acho que era mil e trezentos, eu nem lembro. Mil e duzentos, uma fração, não tenho valor exato.
(01:02:38) P1 - Pagava aluguel?
R1 - Não, porque os auxiliares moravam na igreja, tinha seu quarto lá, a sua privacidade lá, na própria igreja. Toda igreja tinha um quarto do auxiliar da igreja. O trabalho, justamente, do auxiliar era abrir e fechar a igreja, organizar, juntamente com os obreiros. Era um obreiro que recebia e tinha a responsabilidade a mais do que os outros, no caso, assim, auxiliar de pastor é essa.
(01:03:02) P1 - E você podia se relacionar a ter namorada?
R1 - Não. Aí, tipo: como eu era novo ainda, só pode praticamente depois dos 18 anos ter namorada e aquele namoro cristão, né? Máximo um beijo e olhe lá. Então, a gente não tinha, não podia ter relacionamento sexual com ninguém, não podia até mesmo conversar. Tinha que ser uma vida que tinha como se fosse uma forma de... eu falo que gente era um padre que podia fazer as coisas só depois que casasse, né? Então, a gente não tinha essa questão de relacionamento.
(01:03:34) P1 - E por que você deixou de trabalhar nisso? Por que você decidiu voltar?
R1 - Acho que chegou uma hora da vida que a gente para, que a gente deixa certos tipos de níveis de emoções na nossa vida e a gente vê que a gente tem muito mais pra fazer, do que ficar preso àquilo. Eu lembro que o que me ajudou a tomar uma decisão foi um livro que eu li do Augusto Cury, que fala que nunca deixe de sonhar. E muitas vezes a gente deixa de sonhar nossos sonhos, para sonhar de outras pessoas. E a gente... eu li aquele livro, eu lembro até hoje, peguei aquele livro, reli, reli, reli e falei: “Caramba!” E eu vi que eu não estava mais feliz ali, naquele momento. Estava vivendo em lugares onde estavam me oprimindo, que eu não estava mais feliz, que eu não estava me sentindo mais à vontade. Não fiz nada, eu não pequei para poder sair, para me fazer... não, não me relacionei, eu só decidi falar: “Sabe uma coisa? Eu vou voltar para a minha vida. Eu tenho casa, minha família tem terra, minha família tem coisa. Eu estou novo ainda, eu posso estudar, eu posso fazer as coisas ainda, eu posso acho que estudar para ser um advogado, posso estudar ainda para ser um médico, para ser um engenheiro. Posso fazer uma coisa da minha vida, eu posso ter meu carro, porque na época o pastor não podia ter carro, não pode ter casa, não pode ter moradia, tem que viver em prol daquilo e eu queria ter aquilo, eu queria proporcionar uma coisa melhor, muitas das vezes, até para a minha família e naquela situação que eu estava eu não podia, eu não poderia. Então, eu decidi, falei: “Sabe de uma coisa? Eu vou voltar para minha casa”.
(01:04:57) P1 - E de quem que era o sonho de ser pastor, se não era teu?
R1 - Eu acredito que era o convívio. Acho que o convívio onde tu está, ali, as pessoas com que tu te relaciona, tu acaba te empolgando muito. Eu lembro que o círculo que eu tinha, de amizade, na igreja, quando eu era obreiro, todo mundo queria aquilo. E às vezes, pra tu não pensar contra isso, tu quer aquilo também. E às vezes tu acaba te esforçando mais do que eles e tu consegue o sonho que era deles e eles não conseguiram. Depois, quando eu fui e voltei, aí o pessoal ficava: “Ah, tu voltou” “É, aquilo não era pra eu estar ali. Se fosse pra eu estar ali, eu estaria até hoje”. É isso que eu penso, nessa questão desse sonho.
(01:05:35) P1 - Não aconteceu nenhuma decepção, alguma coisa que te fez ‘acordar’?
R1 – Não. Decepção também acontece em tudo porque, quando gente trabalha com pessoas, a trabalha nessa coisa, a gente vê que ser humano é falho. Muitas vezes a gente não espera certas falhas de certas pessoas e gente acaba se decepcionando e isso contribui, muitas vezes, para certas tomadas de decisões na nossa vida.
(01:05:52) P1 - E você lembra do momento que você anunciou talvez para sua mãe, por telefone? Como é que foi?
R1 - Eu lembro que eu liguei para ela. Eu falei: “Mãe, eu não quero mais. Vou voltar pra casa”. E em momento algum ela brigou: “Não, você foi praí, vai ficar aí e tal, isso e aquilo”? Não. Ela falou assim: “Tu é meu filho, a porta está aberta, o que tu escolher eu tô te apoiando, eu vou te apoiar, que a vida é tua, né? O que eu posso fazer por ti é te apoiar”. E eu lembro que eu não pensei muitas coisas, eu falei: “Está bom então, mais tarde eu tô por aí”. Peguei minhas coisas, coloquei tudo, minha roupa, tudinho. Eu estava na igreja onde eu estava, tive que ir até a catedral anunciar para o pastor, para o bispo, na época, que tomava conta, que não queria mais, eu queria voltar para minha casa, eu queria apenas ser um obreiro, de volta. E aí ele conversou comigo, perguntou se era isso que eu queria, eu falei que sim: “Está bom, você pode ir. Você fez alguma coisa?” Falei: “Não” “Então, você procura o seu pastor lá, pode voltar para lá, não tem problema”.
(01:06:57) P1 – Então, foi fácil.
R1 - A princípio sim, né? Pra mim, peguei e só vim embora. Estava angustiado, agoniado, depois teve tipo como se fosse uma forma de... não sei se pode... querer saber o porquê. Foram falar com os pastores, tal, pra querer saber o porquê eu quis, aquilo outro. Me ligaram, perguntaram e eu falei que era aquilo, que eu estava cansado, pra mim não dava mais.
(01:07:21) P1 - Quanto tempo você começou a pensar nessa ideia, a partir da leitura do livro?
R1 - Ah, questão de semanas. Não foi... aquilo já estava dentro de mim, então eu acredito que, às vezes, uma leitura boa, bem-feita, faz tomar certas atitudes, que impulsionam mudar a tua vida, te dá um impulso ali, que tu tá precisando, às vezes e tu não tem um apoio moral, pra te dar. Às vezes tem que ser um apoio intelectual, né? Uma forma literal de tu ler, alguém falando. Uma poesia ou um conto de vida ou uma forma de realidade que pessoa viveu e escreveu ali e aquilo me tornou: “Eu vou lutar pelo que é o meu sonho”.
(01:07:59) P1 - Como é que foi o dia que você voltou? Me lembra desse dia.
R1 - Eu lembro que eu cheguei, a nossa casa ainda era uma casa de madeira. Eu lembro que nem tinha lugar pra dormir, porque não tinha por que ter lugar pra mim, que não era meu lugar. E tinha uma rede e tal. Eu chego todo social, que eu só tinha roupa social, mas tudo social no sol quente, assim, de umas três horas. Aquele verão amazônico que não é que nem agora, que só chove. Aquele sol brabo, mesmo. Todo social, de táxi aí, tal. Deixei, peguei minhas coisas. A mamãe veio, abriu o portão. A porta de casa, que na época não tinha muro, não tinha portão, nada. Abriu a porta de casa, entrei, guardei minhas coisas, conversei: “Quer comer?” Comi. Tomei um banho, fui me deitar. À noite me arrumei e já fui para a igreja, conversar com o pastor da igreja. Foi algo que ficou marcado, né? Lembro eu cheguei, fiquei deitado fora de casa, pensando, na rede, fiquei pensando na vida: “O que é eu vou fazer agora? Tomei a primeira atitude, para onde eu vou agora?” E aí, segui a vida. (risos) Tive que seguir, não pode, não tinha como voltar mais, foi uma decisão que eu tomei. Tempos depois tentei voltar, mas não deu mais certo e eu segui a vida.
(01:09:04) P1 – Então, você tomou essa primeira decisão e aí depois oscilou um pouquinho?
R1 - Sim, porque é um convívio, né? Você passa quatro anos numa realidade, mas quando tu volta para a tua realidade que tu vivia antes desses quatro anos, tu não te adapta fácil. Eu fui me adaptar depois acho que de uns quatro, cinco meses, que eu fui cair tipo na realidade e tal: “Eu tô aqui, é aqui meu lugar agora, é isso que eu tenho que fazer”. E aí que eu comecei seguir de novo: trabalhar, voltei, já sabia pintar, fazer pintura, essas coisas. Pintava certas casas de pessoas na vida que eu conhecia, em Barcarena: “Senhor, posso pintar seu muro?” Falava mesmo, sem vergonha mesmo. Eu voltei com o intuito de trabalhar de carteira assinada, nunca tive essa visão de trabalhar de carteira assinada, porque não achava para mim viável aquilo. Se eu tinha um conhecimento que eu podia fazer dinheiro, se num dia de trabalho meu eu podia fazer uns duzentos reais, para que eu vou passar um mês para eu ganhar, na época, um salário-mínimo? Eu sempre tive esse pensamento. Eu sempre fiz muito dinheiro, assim, questão de mão de obra minha, do que trabalhar de carteira assinada. Passar sete horas, oito horas dentro de uma empresa, de uma fábrica, ou dentro de um escritório, assim, vendendo aquela minha hora ali, sendo que eu posso fazer mais, eu tinha sempre essa visão de empreender.
(01:10:16) P1 - E aí você voltou pra morar com a sua mãe?
R1 – Sim. Eu saio de casa com 14 para 15 anos, eu volto pra casa com 19 para vinte. Ainda tinha meu lugar, não era que ela dependesse de ter. Não pensava em namorada, não pensava nada disso ainda. Tinha cabeça só de voltar e tentar organizar minha vida, fazer dinheiro nessa época. Só isso.
(01:10:43) P1 - Aí você voltou pros estudos?
R1 - A princípio eu não voltei pros estudos. O estudo que eu tive que voltar, pra concluir meu ensino médio. Então, em menos de um ano consegui fazer uma prova, tal, consegui fazer o meu ensino médio, aí quando eu comecei a procurar emprego, como eu tinha os conhecidos em Belém, a gente fez amizade, gente viveu naquele meio do pastoral, mas a gente fez amizade. Aí, nesse meio termo, eu já conhecia uma pequena em Belém e aí a gente começa a namorar e arrumo um emprego em Belém e vou embora de volta, para Belém. Agora para morar em Belém, trabalhando em Belém. É coisa doida, né? (risos)
(01:11:21) P1 - Quanto tempo depois?
R1 - Acho que uns seis meses depois de voltar para cá, para Barcarena, eu volto à Belém de novo, no intuito de namorar com a pequena, casar. Era da igreja também, eu era da igreja, a gente era, ambos, obreiros, né? Eu volto para trabalhar no shopping, né? Eu recebia um salário abaixo do que eu recebia como pastor, pra trabalhar no shopping, mas pra ter minha vida, ter minha liberdade. Acho que também aquela idade, nunca tinha namorado, nunca tinha feito nada dessas coisas, então era um namoro cristão, fui de volta. Se eu quero namorar, não fica namorando a menina à distância. A menina já mora em Belém, eu tô morando em Barcarena, então falei: “Vou arrumar um emprego e vou pra aí”. Aí lá eu morei na casa de uns amigos, depois morei na casa com a minha prima, então segui a minha vida.
(01:12:09) P1 – Você ficou muito pouquinho aqui, então nem deu muito pra se adaptar?
R1 – Sim. Não, nem deu. Acho que foi questão, eu caí com a minha realidade, tinha que arrumar um emprego e tal, se tem que arrumar um emprego, então eu vou arrumar um emprego aqui. Eu já estava conhecendo-a, perguntei pra ela: “Tu quer namorar comigo?” Ela falou assim: “Olha, eu quero, eu tô solteira” “Então, ‘bora’”. A gente namorava, fomos namorar e eu fiquei trabalhando em Belém. Passei acho que mais um ano em Belém, tal, a gente namorou, tal, vinha pra cá. Aí ela era muito ciumenta, não gostava que eu vinha pra cá, visitar minha família, tal. Aí a gente pegou, tinha uma diferença de idade acho de dois anos, ela era um pouco mais velha do que eu, dois anos. Ela tinha uma cabeça mais assim e eu tinha aquela cabeça mais jovem. Então, querendo ou não essa questão de idade interfere um pouco com o relacionamento. Ainda mais assim, quando gente é novo, imaturo, não sabe, nunca namorou, nunca teve uma parceira, coisa pra saber o que fazer e como não fazer. ‘Cara’ novo, primeira namorada, quer impressionar, quer isso, aquilo ou outro. Flores e aquilo, chocolate. Aquele romântico, apreciador de filmes românticos, comédias românticas, então tem aquela visão que o relacionamento é aquilo, mas quando vai viver não é isso não, meu filho. (risos) Não cai nessa realidade... não cai pensando que é assim, que não é não, é muito diferente. Então, depois de um ano, assim, eu já vi que não era aquilo que eu queria de novo, vamos embora pra Barcarena, de novo. Vim embora, ainda fiquei namorando tempo com ela e depois falei assim: “Não dá mais não, não dá pra gente conviver nisso, tenho minha família aqui”. Aí foi quando eu vim de volta pra Barcarena, isso já depois de um ano, acredito, já vim de volta de vez e estou aqui, até hoje.
(01:13:42) P1 – Então, espera. Você trabalhou do que, no shopping?
R1 - Eu trabalhava como auxiliar de cozinha, era atendente chapista, fazia hambúrguer, em uma coisa chamada Big X Picanha, que era uma marca de Belém.
(01:13:55) P1 - Então, imagino que era uma rotina...
R1 - Ixi, Deus é mais! Eu falo que trabalhar em shopping não é trabalho pra gente, não. Pode ser digno pra quem achar que é digno, mas não é digno, não. Eu saía de casa... o shopping era na Augusto Montenegro e eu morava no Guamá. Então, os trajetos, pra quem sabe, eram muito longos. Eu tinha que pegar um ônibus que ia até chegar... eu saía do shopping dez horas, chegava em casa meia-noite e meia pra uma hora. Quase duas horas de ônibus, né? E às vezes eu entrava no shopping 15 horas, eu tinha que sair meio-dia de casa. Então, pô, era uma correria, muitas vezes, um dia de folga e era muito complicado. E o salário não era muito, não tinha benefício que tem no mundo industrial, não tem também no shopping, então era uma correria. Isso tudo vai cansando, aquele negócio: se tu não tem um motivo pra tu lutar, de tu trabalhar, pra tu estar ali, naquele trabalho... pra mim já vi, depois de um tempo que foi passando, eu já não vi que não tinha mais motivo pra eu estar ali, não. Tanto que eu não demorei trabalhando em shopping. No shopping eu trabalhei acho que uns quatro meses no máximo, cinco meses.
(01:15:01) P1 - E depois?
R1 - Depois eu conheci um senhor na feira, trabalhei com ele na feira, vendendo peixe. E fui, ganhava melhor. (risos) Trabalhava todo dia de manhã até meio-dia, de umas seis horas até meio-dia, todo dia. Ele me dava uma folga, geralmente na segunda-feira e terça-feira ele não abria lá, mas trabalhava, mas ele me pagava praticamente todo dia. Me dava peixe, pra eu levar pra casa, então era melhor. Não tinha certos benefícios, não tinha carteira assinada, mas questão de qualidade de vida era muito melhor do que aquela. Tinha uma folga boa, tipo: eu trabalhava meio-dia. Fazia o que eu bem entendia até as seis horas da manhã e no outro dia eu estava lá. E isso, fui trabalhando lá um tempo e fiquei isso nesse um ano para lá. Tinha minha convivência na igreja, minha vida na igreja lá também, que eu, querendo ou não, fui para a igreja lá, fiquei na igreja lá e a vida seguiu lá.
(01:15:47) P1 - E você, mesmo voltando e não estando mais como pastor, ficava tranquilo, que era aquilo que você tinha decidido mesmo?
R1 - Sim, sim. Eu tive que aceitar. Chega um momento da nossa vida que gente toma certas escolhas, que a gente tem que aceitar as consequências daquela escolha, entende? Tinha que aceitar, não tem mais como, está bom, de bom tamanho. Aceitei e a vida seguiu. Foi um tempo que eu perdi? Não, eu acho que não foi um tempo que eu perdi. Foi um tempo que aprendi o que serviu muito para minha vida, para eu ser o que eu sou hoje em dia. E até mesmo naquela época, para ter o conhecimento, porque se eu não tivesse convivido todo aquele tempo em Belém, naquela parte, servindo, eu não tinha os conhecidos que fizeram ter onde eu estava. Se eu estava ali, trabalhando no shopping, se eu estava trabalhando na feira, é porque eu tive certos conhecidos, que me ajudaram.
(01:16:28) P1 - E o romance?
R1 - Ah, e o romance também foi através da igreja, né? (risos) Mas também, quando acabou e cada um foi para o seu lado, eu vim embora para Barcarena, ela ficou para Belém e a gente cortou os elos. Não teve mais aquele negócio.
(01:16:43) P1 - E foi uma decisão sua?
R1 - Foi. Eu vi que eu já não estava mais me sentindo bem, porque quando eu vinha visitar minha família era uma briga. Aí uma vez, pra ver que não tinha outra pessoa, que é aquilo: pessoal de capital pensa que interior a gente tem um bocado de mulher, um bocado disso e aquilo outro. Mesmo sendo da igreja, pensava que tinha outra obreirinha por aqui, mas não, eu a trouxe, pra conhecer Barcarena. Trouxe, ela veio, conheceu minha família, a gente foi, visitou a igreja, tal. Então, a gente... mesmo assim não deu certo, eu falei: “Minha filha, então vá pro seu lado, vou pro meu, embora, segue a vida”.
(01:17:14) P1 - E aí mais uma vez você ligou pra sua mãe: “Mãe, tô voltando”?
R1 - Ah, eu só falei: “Ó, eu tô voltando pra casa”. Ela falou: “Vem”. Já tinha meu quarto, já estava tudo... eu fiquei, né? Eu voltei pra Barcarena mais uma vez. Volta o corno arrependido. (risos) E a gente volta.
(01:17:29) P1 - Você sentia saudade?
R1 - A gente sempre sente saudade da nossa casa. É o nosso lugar acolhedor, que a gente sempre sente saudade. Sempre vai ter aquela possibilidade que a gente não tem noutro lugar. O nosso sono. A gente pode viajar em outro lugar, mas a nossa cama a gente nunca vai... parece que tem um negócio que o nosso... é o nosso ambiente, que está a nossa energia, que a gente sempre se sente à vontade. É onde a consegue dormir até tarde. É nossa casa, nosso quarto, nossa cama, a nossa família, ali.
(01:17:56) P1 – Tá. Em que ano você voltou, então?
R1 - Eu volto pra cá em 2022. Não, minto. Não volto pra cá em 2022. Volto em 2019. 2019 pra... volto de vez pra Barcarena em 2019, mas em 2018 já estava vindo pra cá, direto. Volto em 2019 pra cá.
(01:18:16) P1 - E aí, conta como que você começou a reconstruir tudo.
R1 - A gente começa a reconstruir tudo a partir do momento que eu vou para São Paulo, através de uma formação. Nesse tempo todo eu fui para São Paulo, em uma formação, em 2016. Em 2016 eu vou para São Paulo numa formação, numa escola nacional do MST, que é em Guararema, que é a Escola Nacional Florestan Fernandes. Eu passei formação lá de uns 45 dias, né? Então, isso aí abre um ‘leque’ da tua mente, pro social. E nisso eu estava na igreja.
(01:18:54) P1 - Foi pela igreja?
R1 - Não. Isso foi pelo movimento social. Pelo MAM, que é o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração.
(01:19:02) P1 – Então, você já fazia parte desse movimento?
R1 - Já. Estando na igreja, nesse meio tempo que eu saio de pastor, porque eu saio de pastor da igreja, vou nessa formação, que eu volto pra cá, pra Barcarena, eu vou para essa formação em São Paulo, onde eu passo 45 dias e aí abre outro ‘leque’ da minha vida. Se eu já tinha uma visão social na questão evangélica, eu abro uma questão social, social mesmo, para o mundo da realidade, da desigualdade social, de formas que a gente vê que pessoas vivem injustiças, né? Então, aquilo já me faz voltar com uma ‘outra cabeça’, de São Paulo.
(01:19:40) P1 - Qual que é a formação?
R1 - Era a primeira turma de formadores de formação do MAM, sob introdução mineral, que é onde a gente vai saber, tipo aqui: Barcarena é uma... ela não minera bauxita, ela beneficia a alumina... a bauxita. No caso, vem a bauxita de Paragominas para cá ou vem de Santarém, através de navio, chega aqui em Barcarena, ela passa por um processo onde é retirada a alumina, vai para a Albras, uma parte da alumina, para ser transformada em lingote de alumínio, ou muitas das vezes vai pelo navio, pra Noruega, ou outros portos, onde ele tem essa questão de transformar a alumina em alumínio. Então, a gente entende um pouco essa questão mineral, tanto no sul do Pará, onde trabalha os carajás, que trabalha com a questão dos ferros e tudo, em outros locais do Brasil, onde tem essa questão da matriz mineral, seja de urânio, de ferro, de cobre, toda essa questão de mineração a gente passou pela introdução, para gente ser formadores de pessoas que vêm tentar entender o que a mineração causa de malefícios e benefícios para as comunidades que vivem em volta desses pontos minerais, ou esses pontos beneficiadores da mineração.
(01:20:50) P1 - Então, já é algo que te interessa?
R1 - Me interessou bastante, na época, me interessou muito foi que essa questão de eu ver a questão do mineral, da forma de agir, da forma de se ver, de entender a questão dos royalties, porque muitas cidades que recebem royalties absurdos e vivem numa condição miserável, tipo: tem cidades no Brasil que recebe royalties de bilhões e tem uma população passando fome, necessidade. Tem uma coisa errada aí, entendeu? A gente tem que... pô, dois pesos e duas medidas, então tem que ver. E isso pra mim foi muito interessante, descobrir, saber. E nesse intuito eu estava na igreja, né? Quando eu volto de lá, já volto com ‘outra cabeça’, né? Já me deixo um pouco de pegar questão de igreja, vou mais pelo lado social.
(01:21:35) P1 - E aí, então, você está em Barcarena, em 2019, olhando pro social.
R1 - Já, já estou com ‘outra cabeça’. 2019 eu já não sou mais nem obreiro. Já deixo de ser obreiro, já não me interessa mais a igreja. Interessa lutar pelo social. Mas no social do lado que quer, em vez de fazer boas ações, em levar a cesta básica, proporcionar àquela pessoa que a igreja leva a cesta básica, eu tenho a visão de proporcionar aquela pessoa ter condições dela mesmo comprar a cesta dela. A diferença de levar, ou então aquele velho ditado: “Vou te dar o peixe”. Não, às vezes a gente tem que ensinar a pescar, sim, da forma certa da pessoa, levando uma qualificação, uma formação, que a pessoa às vezes está numa condição de miséria não é porque ela quer. Tem muitas pessoas que, por causa de vícios, certas dependências químicas, que estão naquela condição, porque não conseguem vencer o vício, mas tem pessoas que estão passando fome, necessidade, porque não sabem o que fazer, não têm como seguir adiante, não tem alguém que indique pra elas o que elas fazerem. Então, eu saio dessa questão social da igreja, ao invés de levar cesta básica, levar uma Palavra, de tentar levar pra pessoa mesmo: “’Bora’ fazer, ‘bora’ tentar entender como é que tu pode arrumar um emprego, ou como é que tu pode qualificar, como é que tu pode formar um projeto que tu vem te beneficiar, pra tu sair dessa condição que tu está”.
(01:23:04) P1 – Mas, Samuel, em 2019 você já tinha terminado os seus estudos?
R1 - Já. Quando eu saio da igreja, quando eu venho de Belém, logo em seguida eu já faço o EJA. Já saio maquinando o que eu vou fazer da minha vida. A questão de vir foi de uma hora para outra, mas aquele pensamento não estava com o começo ali, né? Já estava, então já estava pensando o que fazer. Se eu vou sair, eu tenho que estar com meus estudos. Então, já saí matriculado, já fiz a prova, já consegui meu certificado e já saí decidido do que eu queria fazer.
(01:23:38) P1 - Que era?
R1 - Que era, na época que eu saí, arrumar um emprego de carteira assinada. Quando eu saí, que eu vi que não era aquela realidade, não era aquela diferença, tal. Aí logo o tempo depois eu já vou, volto pra Belém e volto depois, em seguida, participo dessa formação, aí termino meu relacionamento e através desse relacionamento é o que faz eu ir para essa formação, né? Que, quando gente termina o relacionamento, pensa que não dói, não vai sofrer e sofri. A minha mãe via aquilo: “Não, ‘bora’ para São Paulo. Vai passar um tempo lá, tu vai ver, vai esquecer”. Então, quando eu volto também já volto com essa ‘cabeça’ para o social, já tinha esquecido um pouco o sofrimento pela ex, então eu pego e sigo nesse rumo social, né? (risos)
(01:24:20) P1 - E como é que desenrola? O que você começa a fazer?
R1 - Olha, eu começo, através da formação de 2016, a trabalhar muito com a questão de participar de formações em Barcarena, em Belém, em Moju. Em 2018 acontece o que para empresa ela reconhece como um acidente e para a comunidade, ela vai reconhecer como um crime ambiental. Através dessa participação em movimento social de mineração e também essa atividade com as comunidades, eu recebo um convite, através do MST, para participar de um intercâmbio na Noruega, de três meses, isso em 2018.
(01:25:00) P1 - Pelo MST?
R1 - Pelo MST. Mas aí porque o movimento da mineração é muito próximo ao MST. Como o foco naquele ano, 2018, era Barcarena, então a gente vai representando o MST, mas para falar da problemática mineral em Barcarena, o que tinha acontecido, tal.
(01:25:21) P1 - Você pode me contar o que aconteceu mais ou menos em 2018?
R1 - Em 2018 houve uma forte chuva. Na verdade, essas fortes chuvas sempre tiveram na Amazônia. Em 2009, só para a gente entrar no contexto de 2018, a gente teve um grande vazamento - ainda não era Hydro, era Alunorte, na época, ainda era Vale - que o Rio Murucupi foi poluído pelo rejeito. Foi comprovado, a gente via muitos peixes mortos, cobras. A gente via a mortandade de peixes nos rios, de animais, por causa desse rejeito que é criado. Em 2008, algumas comunidades em volta, aqui, relataram que houve um vazamento de rejeito no rio. A gente viu a coloração do rio diferente, mas a gente não viu tanta mortandade de peixe como em 2009. E, por ser um ano político, eu trago essa teoria comigo, foi o que agravou mais para que viesse se desenvolver uma teoria que houve a poluição, contaminação, um crime ambiental. Tanto que a empresa até assinou um TAC, que é o Termo de Ajuste de Conduta, foram feitos vários estudos através da UFPA, através de institutos não só brasileiros, mas também fora, que comprovaram que houve vazamento, houve... a empresa falou que foi acidente, que o que tinha era um duto, que estava jogando águas da chuva. Através desse contexto todo de ser um ano de eleição, acho que era para governador, na época, 2018, de ter tudo... até o governador chegou a estar aqui, nessa região nossa.
(01:26:50) P1 - 2018 ou 2008?
R1 - 2018. Até o governador chegou...
(01:26:54) P1 – Você falou 2008, 2009...
R1 - Que foi o primeiro crime que a gente viu, que a gente estava aqui, nessa localidade.
(01:27:01) R1 - Aí passa um tempo e tem essa questão desse vazamento de novo, em 2018, né? E aí as pessoas aproveitaram, certas instituições, certas organizações que já... por Barcarena ser um polo industrial, tem vários acidentes, crimes ambientais que ocorrem. Teve em 2016 o Haidar, que foi um navio onde mais de cinco mil cabeças de boi caíram e teve aquela questão toda, foi algo mundialmente reconhecido. Teve a questão quando era a Imerys, que hoje em dia é a Artemyn, que foi o vazamento de cal ali, no Rio Dendê. Então, Barcarena é um lugar reconhecido por um grande polo industrial, um grande crescimento para o desenvolvimento da Amazônia, mas também que tem vários crimes ambientais, porque onde chega esses grandes polos, infelizmente vão se ajustar e a gente sabe que isso não é agora, a gente vai passando os anos e sempre vai ter uma coisa, até se adequar àquela localidade que está no meio da Amazônia, com produção que seja de portos que vai escoar grãos, carros, minérios, que vai escoar o que, ou seja a empresa que está beneficiando a bauxita para alumina, sempre vai ter, até se adequar ao tempo certo de chegar e não ter aquela perfeição. Não vai ter 100%, mas vai conseguir 98%, para conseguir que não tenha impactos ambientais. Em 2018 a gente pega, através desse crime que teve, eu falando como comunidade ambiental, a gente vai para a Noruega discutir sobre o que pode ser feito e também ser uma representatividade jovem da comunidade, para falar o que houve e, como houve em Barcarena, falar um pouco sobre a minha comunidade, falar a proximidade que a gente tem sobre a DRS-1, que é o primeiro depósito de rejeito sólido da Hydro que, da minha casa até a DRS-1 é cerca de uns novecentos metros, então a gente é uma comunidade muito próxima. E aí também acho que é em 2016 ou 2017 que tem Mariana, então tem essa questão, essa confusão toda e pensando que poderia acontecer o mesmo e a gente, por ter um conhecimento lá em 2016, por passar pela formação do MAM e saber a diferença de barragens, que é montante, para bacias de rejeito, então a gente tem a diferença na nossa oratória em falar o seguinte: “Olha, há uma diferença entre Mariana e Barcarena. A gente tem que entender que uma bacia foi escavada, foi colocada uma manta, então não tem nem questão do rejeito conseguir ultrapassar aquela manta e furar e poluir o solo, do que ela poder quebrar e vir que nem Mariana, que quebrou a barragem. Não. Então, essa nossa fala sempre chamou muita atenção, porque a gente passou por uma formação e entendeu a diferença de barragem para bacia. Então, a gente sempre falou que em Barcarena não existe barragem de rejeito, existe bacia de rejeito, que é completamente diferente. Se as pessoas tivessem esse conhecimento todo, a gente não causaria o pânico que aconteceu em 2018, das pessoas pensarem que vai acontecer que nem Mariana, vai cobrir minha casa. Caso... foi feito um estudo que eu não estou lembrado do nome desse estudo, mas que a Hydro fez, que uma possível quebra da bacia, aqui na minha casa, o rejeito da coisa, se tivesse na forma líquida, chegaria com um metro e pouco, não chegaria com quatro, cinco metros, para cobrir minha casa. E isso tudo foi criada a Brigada de Emergência e tal, então tem todo um em volta. Em 2018 a gente vai para a Noruega discutir sobre isso, vai falar sobre a questão mineral, conheço muito a forma de luta deles lá também, porque lá na Noruega eles têm um sindicato muito forte com a questão e trabalham diretamente da empresa, os trabalhadores - o sindicato, tem um sindicato dentro da empresa mesmo - lá, de formas pra cuidar da saúde, para cuidar da forma material, da forma dos EPIs. Então, a gente vê a forma de produção, a alumina que sai de certos lugares do mundo para ir para lá produzir o alumínio, na Noruega mesmo. Conheci lá Sunndalsora, passamos por lá, conheci várias cidades, várias formas como a empresa trabalha lá. Conheci também a forma como o governo deles age em questão do social e da questão do cuidado com a natureza porque, querendo ou não, a Hydro, o maior acionista dela é o governo norueguês. Acho que foi por isso importante a gente participar, ir lá e conhecer. E também fui um dos grandes importantes... eu vejo assim que fui uma importante peça em questão do social aqui, quando eles estavam pedindo 50%, para fechar a produção. Peguei lá, eu soube lá, acho que conversava com a minha mãe - acho que é de duas horas de diferença, ou é mais, quatro horas de diferença, não lembro agora - e ela falou assim: “O pessoal vai fazer uma publicação, vão pedir 50% da empresa”. Eu falei: “Não, pode parar com isso”. Que queriam que a empresa fechasse, reduzisse a produção dela em 50%. Com isso aí, tu vai colocar mais de 2 mil pessoas na rua. Ou mais. Você está jogando na... então eu falei assim: “Não, não, pode parar com isso aí. Mãe, olha, conversa com o pessoal aí e tal”. Da mesma forma que vai uma brigada do Brasil fazer, conhecer, estudar toda essa questão da Noruega, vem uns grupos de estudantes noruegueses também para cá, com forças, né? São o governo deles, então... e eles queriam fazer protesto, juntar esse movimento social, eu falei: “Não, junta esse pessoal aí, então, tira de perto desses...”, porque sempre teve, em todo lugar tem extremistas, que queriam que fechasse a empresa. Eu falei: “Não, está louco, vai fechar, vai viver de quê? Não é assim, não, acho que tem que entrar no consenso, ver como que pode ser feito pra empresa se adequar”. Aí que a empresa assina o TAC, o Termo de Ajuste de Conduta, aí tem todo um processo judicial, que até hoje está rolando aí e a empresa começa, na época, cumprir o TAC dando um cartão de alimentação para as famílias que vivem em volta do Murucupi, cumpre alguns deveres com o estado, com o governo e até hoje o TAC está rolando aí.
(01:34:22) P1 - Eu acho muito interessante te ouvir como comunidade, sabendo que você tem toda essa consciência do que você viu, do que você acredita, dessa luta. Por outro lado, também entendendo que existe um impacto, mas também se fechasse a empresa de maneira radical, qual seria o impacto?
R1 - A gente vê, não adianta, a gente que convive, eu vejo assim: “Não adianta”. Eu não sou extremista. Eu convivi em lugares onde teve várias reuniões, ou a gente pode falar em encontros, que pessoas falavam: “Por que a gente não vai invadir? Por que a gente não vai ocupar? Por que a gente não estoura um navio desses?” Então, são coisas extremistas. Pô, a gente está ali, tem famílias. Tu vai fechar uma empresa desse porte, desse tamanho, tu vai colocar medidas judiciais, vai colocar coisas desse tamanho, que vai impactar pessoas. Quer dizer que uma cidade que hoje em dia consegue produzir um PIB bom, consegue ter... hoje em dia a gente tem 123 ou deve ter 124 mil habitantes em Barcarena, ou mais, pode estar cento e trinta, já, em 2025, a gente consegue ver que a maioria, mais de metade da população depende dessa empresa. Não só de Barcarena, Belém, regiões aqui próximas: Moju, Acará, Abaetetuba. Então, se tu coloca um embargo de 50% vai prejudicar muitas pessoas, terceirizadas que dependem daquele... não importa se a terceirizada está roçando o mato na frente da empresa, mas vai afetar alguém que depende daquele emprego ali. Então, eu tenho essa consciência que tem como se conviver do social e o empresarial juntos. Eu acho que é só... sempre vai ter conflito de interesses. Mas, no final, se o empresarial quiser e o social também, vão encontrar uma solução pra ambos trabalharem juntos ali, tanto a empresa querendo mostrar a parte social dela, dando os benefícios, fazendo o que tem que fazer para os seus empregados, quanto também o social tendo os benefícios dele para a comunidade, seja na parte ambiental, seja na parte socioeconômica, para contribuir com melhoras de certos lugares, com casa, com moradia, seja com empregos, de certa maneira. Sempre tem, a gente tem... sempre eu penso que a gente tem uma forma de ter um mediador que consiga encontrar uma maneira que os dois saiam ganhando.
(01:36:33) P1 - Você começou a trabalhar nessa mediação?
R1 - Em certo momento, sim. Tanto que, quando eu volto do Noruega, eu começo a estudar Relações Internacionais.
(01:36:41) P1 – Na faculdade?
R1 - Na faculdade. Começo a estudar Relações Internacionais, nesse intuito. Começo a estudar em 2019, se eu não me engano. Em 2019 eu começo a estudar. Eu volto do Noruega em setembro ou em novembro, então não tinha como, mas em 2019 eu já começo a estudar Relações Internacionais. Começo a estudar e mediar aquela questão de empresa e comunidade. Foi aonde a gente conseguiu, através de 2019, criar um contato que hoje em dia as comunidades têm, a relação social da empresa, uma conversa diretamente empresa e comunidade. No caso das comunidades remanescentes de quilombo, a consegue ter essa conversa, a gente consegue ter esse trabalho de mediação entre empresa e comunidade, a empresa ouvir ou a empresa falar o que tem de melhor para a comunidade, que pode ser feito, que pode ser colocado ali, o que a gente pode fazer como comunidade, o que a empresa pode fazer como comunidade... como empresa, que não é responsabilidade dela, mas é a responsabilidade da prefeitura ou do estado, para entender. A gente começa a criar esse modo de diálogo, a gente vê assim. Eu, minha mãe e outras lideranças de comunidade, a gente começa a ir para dentro da empresa, ter um lugar dentro da empresa onde a pode conversar com as lideranças, onde a gente pode conhecer o CEO da empresa, onde a gente tem esse diálogo abertamente, de falar o que a gente quer na ‘cara’ dele e ele falar também o que eles querem na nossa ‘cara’: “Olha, essa não é minha responsabilidade, minha responsabilidade é do muro para dentro, do muro para fora é da prefeitura”. Então, a gente cria esse diálogo entre empresa e comunidade.
(01:38:20) P1 - Isso é muito legal, né? Essa abertura, essa possibilidade de diálogo, mesmo. E você fez isso de maneira social, voluntária?
R1 - A princípio, sim. Tanto que, a partir do TAC, lá tem que a gente dar ideia. Aí, a gente tem uma conversa antes entre as lideranças aqui em Barcarena, depois disso está tendo as audiências em Belém. E isso, quem vai nessas audiências para Belém é minha mãe, que eu estou mais pelo lado de ir para outros lugares, no movimento. Exemplo: estava para o Ceará ou estava para Moju, em outro lugar, falando sobre a questão do movimento. E aí, lá a gente dá ideia de, em vez de dar dinheiro para as pessoas, que a gente sabe: teve isso, a empresa vai ter que pagar, a gente dá a ideia de criar um ticket. Na época foi criado um ticket, teve uma empresa que foi contratada pela Alunorte, a fazer levantamento de pessoas que moravam em volta da bacia do Murucupi, que aí, em vez de dar dinheiro, dava o ticket, que a pessoa ia no supermercado e comprava. Se era uma coisa para alimentação, que estava falando que não tinha mais alimentação, que davam lá. “Ah, não tem água”, a gente consumia água do rio. A empresa até hoje dá água ainda, até porque até esse negócio do TAC ser resolvido, para as pessoas que precisam de água, que estavam naquela época que o crime aconteceu. Então, a gente tem essa forma voluntária, não tipo: “Ah, recebo de A, de B, de C, não”.
(01:39:38) P1 - E você não tem um salário para fazer essa mediação toda?
R1 - Não, não. Eu falo que o salário foi o conhecimento das pessoas, né? E aí, ‘puxando já o saco’ para o Museu, (risos) depois a gente - através do conhecimento e dessa mediação consegue, por ter o conhecimento das lideranças - começa a fazer, fez parte do trabalho de memória de Barcarena, porque eu tinha uma relação muito boa com uma pessoa da época, daí, que trabalhava lá, chamada Fábio, que conhece o Museu e fala: Olha, Samuel é assim, assim”, que me indica. Então, eu vejo que o meu salário por causar o bem naquele momento foi a possibilidade de negócio que a gente teve depois disso, essa reviravolta de negócios, que cria na vida nossa.
(01:40:21) P1 - E esses trabalhos, essas ações, me conta um pouco delas. Eu sei que elas têm nome, não tem?
R1 - Sim.
(01:40:26) P1 - Qual é o impacto dessas ações na vida das pessoas, na comunidade? Quais são as ações, especificamente?
R1 - Olha, a gente leva, como movimento social, para essas comunidades tentarem entender um pouco a realidade delas. A gente tenta levar para essas pessoas o conhecimento que elas não têm ali. Muitas pessoas, é como eu falei, vivem em cidades que são milionárias, uma miséria profunda. Então, se uma empresa gera, de royalties, vamos dizer, um bilhão, cada pessoa dali daquela cidade tinha que ter uma vida boa. Se a pessoa é moradora dali, a pessoa vive ali, tinha que ter uma saúde de qualidade, uma creche, uma escola de qualidade para seus filhos, uma convivência com a família boa, ótima, ali naquela realidade. E o que a gente vê em muitas localidades é que a gente não vê até mesmo aqui, em Barcarena. A gente vê muita defesa do município se omitir de certas situações. Hoje em dia, através de certas mediações, não nossas, mas de outras pessoas, de outros movimentos, a gente vê que as coisas estão melhorando. A questão das escolas, da infraestrutura da cidade está mudando. E através desses pequenos questionamentos que a gente causa em algum lugar, as coisas vão mudando. A gente faz, como movimento social, as pessoas entenderem um pouco os seus direitos, porque muitas pessoas às vezes não conhecem, não entendem o que é o básico para ela. Então, a questão do movimento social é tentar levar para essa pessoa o básico, que ela tem que ter o conhecimento.
(01:41:55) P1 - E quais são as ações que você participou, da Alunorte especificamente, com a comunidade?
R1 - Olha, aqui em Barcarena a gente participou mais nessa questão dos TACs, da gente participar diretamente, contribuir com ideias do TAC, dessa questão da água, da questão do cartão. A gente participou mais nessa questão, a não teve mais participações, até porque a gente tem uma vida a seguir também, a gente não vai só deixar viver para aquilo.
(01:42:25) P1 - Não tem uma que chama Embarca?
R1 - A Embarca foi uma também que surge depois da... acho que foi antes da pandemia, se eu não me engano. Não estou muito recordado com as datas. A gente participou, que eu participei como... já com essa visão de empreender, tudo, já tinha essa visão de empreendedorismo, eu participei desse Embarca. Na época eles deram, acho que foi quatro eixos, que era açaí, o cacau, biojoia e turismo, eu acho. Eu escolhi o açaí, na época, com uma visão. Só que é aquilo: não adianta a gente querer ter uma visão de negócio tua. Foi tipo meio aleatório, tipo assim: ele escolheu açaí, a gente vai pegar, desenvolver, vamos tentar. Só que tinha a cabeça de um, tinha a cabeça de outro e aí, tipo assim: a gente não encaixa um negócio pra ser sustentável e viabilizar, mas eu consegui, chegamos até o final, mas não consegui aprovação, mas gente participou disso ali e ali, pra mim, foi um aprendizado muito grande. O Embarca, pra mim, foi um ‘leque’, que depois disso eu comecei a criar meu CNPJ, eu mesmo, já tinha um conhecimento, foi aí onde eu comecei a prestar serviço pro Museu da Pessoa, através do CNPJ, através daquele conhecimento que eu tinha no Embarca, através de saber fazer o (01:43:37), saber fazer o que tinha que fazer, pra onde fazer, como agir, como posso fazer mercado de negócio. Então, o Embarca, pra mim, foi uma das coisas boas nessa questão, que surge tudo depois desse contexto de 2018 pra cá.
(01:43:53) P1 - E o que é o IBS?
R1 - Olha, o IBS é Iniciativa Barcarena Sustentável. Eu não tenho tanta participação ativa nele, por causa que até então eu estava programado em outras situações da vida, então eu não tinha tanta participação, como outras comunidades tem pessoas que vão, que participam de projetos. Eu participei duas vezes, que foi agora no começo do ano, se não me engano, que era para saber o índice de questão que estava rolando em todo o Brasil e de uma outra oficina de negócios, que eu fui participar lá, para tentar entender projetos sociais para comunidades aqui e outros em volta. Mas é Iniciativa Barcarena Sustentável, promove esses espaços onde as pessoas podem chegar lá com o seu projeto, pode apresentar uma... se não sabe como fazer eles ensinam, dão todo um suporte para as pessoas participarem daquilo lá e até ver como pode se encaixar em outra realidade.
(01:44:52) P1 - Você, sua família, teve alguém que foi beneficiado de algum desses projetos, dessas ações da Alunorte?
R1 - Não, ainda não, porque a gente, a nossa comunidade, por ser pequena, a nossa associação, até então, um tempo está inapta, até nesse momento, então a gente, esse ano, como minha mãe estava viajando, eu também estava pra outra ‘vibe’ de viajar, tive um filho, tal, que eu estava me dedicando mais a ele, tal, agora que a gente voltou a ter um diálogo, mais proximidade de comunidades tradicionais com a Hydro, então acredito que agora sim gente vai ter um beneficiamento melhor, questão de IBS e comunidade e a gente mesmo, né?
(01:45:30) P1 - Como é que chama a associação?
R1 - Aqui a associação é Sítio São João. A Comunidade Quilombola Sítio São João, a Comquis.
(01:45:38) P1 - E aí você está na cabeça dessa associação?
R1 - Eu sou uma das lideranças jovens, que está aí para tentar trazer benefícios para associação, para a comunidade e para as pessoas em volta.
(01:45:51) P1 - Hoje qual que é a sua relação com a Hydro, com a Alunorte?
R1 - Hoje a minha relação com a Hydro é mais Hydro e comunidade, mesmo. Não tenho um cargo, não tenho nada relacionado a Hydro, tipo: eu trabalho nela. Já tive vontade de trabalhar, mas hoje em dia eu não tenho uma relação. Conheço várias pessoas da direção, da parte social, tem pessoas que trabalham como operadores, tenho essa relação de conhecimento, mas eu, hoje em dia é Samuel, Hydro e comunidade, não é tipo: Samuel trabalha na Hydro, tem um cargo na Hydro, não.
(01:46:27) P1 - É o quê?
R1 - É Samuel e Hydro, só isso, Samuel e comunidade, Samuel, comunidade e Hydro, não tem uma correlação de Samuel... a Hydro banca o Samuel, não. Hydro é conhecida, vamos dizer. Hydro é minha conhecida.
(01:46:40) P1 - Então você representa a comunidade, você é a voz da comunidade para ter essa conversa com eles, quando necessário?
R1 - Sim, quando necessário, sim. Eu sou a voz, portador de chegar e falar e tomar alguma decisão. A comunidade dá essa voz para a gente, para a falar com a empresa.
(01:46:56) P1 - E o que você vê, de impacto? Me fala dos dois lados. O que a Alunorte causou de impacto, causa de impacto hoje, aqui na comunidade de Barcarena?
R1 - Olha, hoje em dia a gente vai falar que ela traz mais impacto positivo do que negativo.
(01:47:12) P1 – Que bom!
R1 - A gente vai, sendo bem sincero, vão falar que é ‘puxa-saco’, mas a gente tem que falar, se é pra falar a realidade, ‘bora’ falar a realidade. Hoje em dia os benefícios que ela traz, através de todo o impacto que ela causou, negativo, antigamente, ela está causando mais impacto positivo do que negativo. A gente vê várias formas de fundo, vê projetos, programas que ela está implementando na comunidade, que está ajudando muitas pessoas saírem de situações de vulnerabilidade social ou de uma vida financeira baixa e está se tornando empresário, pequenos empreendedores, está tendo uma forma conhecida. Não só aqui em Barcarena, mas em toda a região ou até em outros municípios o programa que ela começou aqui, exemplo: Embarca começa aqui, mas já está no oeste do Pará tudinho, na comunidade indígena, na comunidade de quilombolas, ou então até mesmo em outras localidades. Então, isso começa aqui. O exemplo do Embarca começa em Barcarena, acho que é por isso que o Embarca, eles vão falar que eles deram outro nome na época, mas não é não, é por causa do nome de Barcarena, Embarca.
(01:48:14) P1 - É Embarca Amazônia, o nome?
R1 - É, Embarca Amazônia, pra pessoa vir e tal, mas aproveitaram o nichozinho do nome ali também. Então, a gente vê. Agora vai ter a segunda parte do Acelera, Embarca também, então a gente vê que tanto ela, no passado, pode ter causado vários malefícios, que é uma questão de adaptação. Eu vejo que é tudo uma questão de adaptação da empresa e com essas questões das leis também, que hoje em dia estão mudando bastante. Então, a gente vê que hoje em dia é mais benefício que ela está trazendo para a comunidade, do que mal. Eu vejo mais impactos positivos, do que impactos negativos. Até mesmo nas reuniões que gente vê que está buscando a melhora dela. E uma coisa que eu fiquei muito grato de ver é a questão do que ela está procurando fazer com o rejeito dela, ela vai tirar o rejeito dela, transformar numa matéria firma, que é o ferro, o ferro gusa, se não me engano e todo esse trajeto de coisa não vai deixar rejeito, então eles vão pegar todo o rejeito que gera, na questão da produção da alumina, transformar em outra matéria-prima, que é o ferro gusa e toda esse coisa não vai ter rejeito. Segundo foi a explicação que eu ouvi do engenheiro falar, numa última apresentação. Então, pra mim isso é um benefício muito grande que, da mesma forma que eles vão estar produzindo uma quantidade grande de rejeitos, eles vão estar tirando todo aquele rejeito e produzindo numa forma de metal, que vai poder fazer, até aumentar mais trabalho, vai produzir mais uma cadeia de trabalho em Barcarena e vai poder aumentar o lucro deles também, com certeza.
(01:49:49) P1 - E pra comunidade, pra cidade, trouxe desenvolvimento, trouxe trabalho?
R1 - A gente vê que, se a empresa gera bastante emprego, acaba atraindo pessoas. Aumentando a população dessa localidade, a prefeitura, o município têm o direito e tem, por obrigação, assim como recebe seus grandes impostos da empresa, fazer o quê? Aplicar os impostos. A gente vê que hoje, em Barcarena, não está ainda 100%, porque não tem ainda essa infraestrutura para 100%, mas em questão, melhorou muito a questão das escolas, a questão da pavimentação, questão de esgotos que estão colocando, água em certos lugares estão colocando também. Então, a questão da infraestrutura da cidade está melhorando muito. Claro que tem coisas que precisam ser feitas, que não vai mudar do dia pra noite, não vai ser aqui com dois, três anos, mas está mudando. A gente vê que Barcarena, se gente for colocar há dez anos para Barcarena agora, ixi, uma cidade que a gente pode falar que está muito melhor do que muitas cidades que têm empresas que estão atuando lá, que pagam rios e rios de royalties ou de impostos, que não estão dessa mesma maneira.
(01:50:51) P1 - Você falou dez anos, imagina trinta!
R1 - Pois é, é isso que eu falo. Se a gente for colocar trinta anos atrás, quando a cidade nem tinha questão de asfalto, nada, não tinha luz, não tinha a infraestrutura que tem hoje, então a gente está falando de uma mudança extraordinária porque, se a gente for falar que quando as pessoas... essas estradas hoje, que são asfaltadas, que têm uma sinalização, que têm energia que passa, era só mais ruas pequeninhas, que era só para pessoa andar, então a gente está falando que não tinha, único hospital que tinha era na Barcarena Sede. Hoje em dia, se você se corta, alguma coisa, assim, exemplo: sofri um acidente aqui agora, vou ter que... tem uma UPA próxima também, aqui. Há trinta anos não tinha isso. O máximo tinha uma UPA que tinha que ir pra Belém. Não tinha barco de motor, tinha que ir remando, demorava dias. Então, tu vê a gravidade que era naquele passado e o que é hoje em dia. “Ah, me cortei aqui, tenho que levar um ponto, tomar uma antitetânica”, vou aqui, pego um carro, alguma coisa, tem uma UPA aqui, próxima. Ah, e qual é a correlação da empresa pra aquilo outro? Porque a empresa, da mesma forma que chega, trouxe um bocado de coisas ruins, trouxe um bocado de coisas boas também. Trouxe benefícios, que hoje em dia, se tem uma UPA boa, um atendimento legal, tem um hospital que tem leite, tem aquilo outro, a empresa, através dos impostos dela, tem por obrigação cobrar e acredito que em algum momento deve ter cobrado essa infraestrutura toda e tem continuado cobrar, para haver um desenvolvimento na cidade.
(01:52:10) P1 - Eu acho isso importante deixar claro, que ninguém está falando de ser boazinha, de fazer favor.
R1 - Não.
(01:52:15) P1 - É essa contrapartida, né?
R1 - Sim, a gente vê que a empresa paga os seus impostos, eu acredito que para pedir melhora aos seus funcionários, porque muitas das vezes tem terceirizadas que não proporcionam um cartão de saúde, aquilo outro, um plano de saúde para... mas tem uma UPA que ele pode ir, acontece alguma coisa, não pode ser atendido lá dentro, tem que ser algo mais grave, a terceirizada não tem um plano de saúde que possa ir para um hospital particular, mas leva na UPA, então. A UPA pode receber, pode dar um remédio, pode dar isso e aquilo outro. Eu acredito que é o dever de cada um. A empresa está fazendo a parte dela, de cumprir seus requisitos legais, de estar ali operando, fazendo a operação dela, assim também como a prefeitura, por receber o recurso que é repassado através dos impostos, tem que fazer o mínimo, o mínimo que ela tem que fazer é investir na coisa certa.
(01:53:08) P1 - Se no começo trouxe muita gente de fora, hoje se aproveita bastante quem é daqui?
R1 - Hoje em dia a gente, como comunidade, está até tendo uma discussão, que a gente não tinha tanta mão de obra qualificada e hoje em dia a gente está tendo uma grande evolução, que a gente está qualificando pessoas daqui da localidade, moradores de Barcarena, mesmo. Na época que a empresa chega a gente não tem tantas pessoas daquela época. Hoje em dia são pessoas que vêm mais de fora, que ficaram aqui, que os filhos estão aqui, que estão crescendo, estão evoluindo aqui, nessa localidade.
(01:53:40) P1 - Então, sim, se aproveita, se emprega muita gente local?
R1 - Sim, se aproveita.
(01:53:46) P1 – As pessoas crescem lá dentro?
R1 – Sim. Hoje em dia tem os programas Jovem Aprendiz, que a maioria dos estudantes de 16 a 21 anos, se não me engano, ou 22, entram, começam a fazer um curso técnico e passam, lá... é 18 anos... começam lá e, se sair bem, já ficam empregados lá e depende da pessoa depois fazer uma faculdade, fazer outro curso técnico, para crescer e evoluir na empresa.
(01:54:08) P1 - E você que anda muito pela comunidade, você vê as pessoas querendo trabalhar lá?
R1 - É aquilo: todo mundo quer ter o simbolozinho Hydro no peito. Muitas pessoas não querem terceirizadas. Até porque a questão dela na Alunorte ou Albras, por ser uma empresa de alto nível, alto padrão, proporcionar algo melhor para os funcionários: a questão de um ticket bom, questão de um seguro de emprego, que já é um seguro de saúde, coloca ajuda para os filhos. Então, proporcionar algo para o funcionário, que toda pessoa, hoje em dia, quer trabalhar em Hydro ou Albras. No caso Alunorte ou Albras, todo mundo. Eu mesmo, quando eu queria trabalhar de carteira assinada, eu queria nem que seja uma vaga de operador, queria trabalhar na Albras justamente por causa disso: proporciona uma boa saúde, vale de saúde (01:54:56). O filho pode ter um estudo bom, que tem coligação com a questão de uma escola particular que tem aqui, chamada Pitágoras. Então, todo mundo quer fazer parte dessa empresa. Não importa qual seja a função, mas quer fazer parte.
(01:55:09) P1 - Acho que existe um certo reconhecimento de estar ali dentro, né?
R1 - Sim, é uma empresa conhecida internacionalmente, né? Acho que isso conta muito pro currículo, até mesmo caso a pessoa pense em viajar e ir pra outro lugar: “Eu trabalhei na Hydro” “Pô, trabalhou quando tempo?” “Dois anos”. A pessoa não vai querer... até mesmo se a pessoa sai daqui de Barcarena, que teve uma experiência grande na Hydro e procura em outro estado, que tem essa questão de trabalhar com mineração, as empresas vão apoiá-la, porque tem um reconhecimento, tem uma questão de estar ganhando um bocado... pela forma que ela está se adaptando em Barcarena, da forma que ela está trabalhando, está ganhando tantas certificações aí e tal, porque acompanho tanto a questão da rede social dela. Então, eu vejo: ganhou certificação sobre ESG, ganhou certificação de Alumínio Verde, ganhou certificação... então, se o funcionário está trabalhando em uma empresa, que está sendo certificada, tantos anos seguidos, está ganhando uma questão de produção legal, de se agir, todo mundo, isso é algo pro currículo, para a vida. Por isso que a gente vê pessoas que estão vinte, trinta anos trabalhando e não quer sair, está só evoluindo na empresa. Quando não dá mais conta aqui é recolocado, vai para Paragominas um pouco, vai para o Rio de Janeiro. Ah, não, tu tem nível de inglês, tem bacana, tem uma coisa interna, vai-te embora para Noruega, vai-te embora para outro lugar. Então, a gente vê, essa é a oportunidade que a gente vê e eu tenho conhecidos que têm essa visão, de não ficar muito tempo aqui pela Hydro aqui, em Barcarena. Ou quer ir para Belém e trabalhar na parte de administração, em Belém. Ou então quer ir pra Noruega. Na Noruega, quando a gente esteve, por incrível que pareça, a gente estava voltando da empresa de Sunndalsora, onde a gente conhecia uma parte da refinaria dela lá, lá dentro tinha um paraense. No ônibus que a gente pega, ele voltou pra casa dele no ônibus de linha normal, não era um ônibus da empresa. E a gente conversando em português, avacalhando aqui, paraense, barulhento, tal, não sei o que, tal e o ‘cara’ falou assim: “Vocês são de onde?” Falei: “O ‘cara’ não é norueguês, não. O ‘cara’ é brasileiro. A gente é do Pará” “Eu sou de Belém. Eu trabalho aqui na Hydro, assim, assim, assim, eu vim está fazendo um ano, que eu trabalhava lá, em Vila dos Cabanos, só que sempre morei em Belém, fui pra Belém, fiquei lá um tempo e agora me transferiram pra cá, pra Noruega, eu tô aqui. Vou descer, minha casa é essa aqui, então a gente se vê”. É uma ambição que a pessoa sabe, querendo ou não reconhece. É uma ambição boa. Quem não quer isso? Todo mundo quer isso pra sua vida. Quem é pro lado acadêmico, que quer ter uma vida assim, quem não quer? Um dia... hoje tô representando a comunidade aqui. Se eu tivesse uma oportunidade de ir: “Tu está representando a comunidade aqui, São João, aí surgir uma vaga na Hydro pra tu fazer parte do tratamento sócio comunidade. Acha que eu não queria? Na hora. Já falei, um dia desse até falei pro Eduardo, ele veio: “Me coloca na tua equipe” “Ah, está bom” “Posso não ter a formação ainda, mas eu vou buscar isso com tempo”. A gente vê que a gente quer. Até as pessoas, às vezes, que falam que não quer ir, quer ter esse reconhecimento, quer fazer parte de uma empresa que vai dar nome pra ela, que vai proporcionar uma vida boa, algo bom pra família dele.
(01:58:16) P1 - Qual foi a sua sensação primeira, quando você pisou lá dentro?
R1 - A princípio eu fiquei assustado, na Hydro. Quando a gente pisa na Hydro e a gente não tem o conhecimento, a gente fica assustado, né? A gente ouve tantas histórias e tal: “Cuidado que o tubo pode estourar”. A gente tem que andar com (01:58:34), né? Caso cai algum fio já passa
(01:58:37) e tal em cima. Então, a gente ouvia tanta coisa, quando gente chega lá a primeira vez, quando gente vai andar na área lá, que a gente vai conhecer os fornos, que gente vai conhecer onde passa, aonde vai o... onde chega a bauxita. Quando gente anda no silo para onde vai a alumina e fica, assim, meio assustado, mas depois a gente entende que não é aquele ‘bicho de sete cabeças’, mas claro, tem que ter toda a questão de se proteger, andar com os EPIs, com as bolsas, com as mangas e tal, sem nenhum acessório, mas a princípio foi medo, dá medo ver tudo aquilo vermelho, ouvir aquele barulhão e fumaça pra um lado e pro outro, todo mundo que teve naquele local dava sensação de medo, não é aquela sensação: “Legal, incrível”. Não, de medo. A gente que tem consciência com questão de perigo, vê como um negócio meio feio.
(01:59:24) P1 – E, por outro lado, como é grande e como eles pensaram hoje em dia, como eles cuidam de tudo.
R1 - A gente vê que pela tamanha estrutura, pela produção, pela quantidade, a gente pensa: “Caramba, como é que faz tudo isso num lugar pequeno desse? Porque é pequeno, eu falo assim, para a quantidade que eles produzem, pela forma que trabalham, pela quantidade de funcionários. Eu vejo que é muito funcionário, num espaço assim: “Caramba, como é que fez? Mas tem as trocas de turno, tem aquilo outro. A gente vê agora as questões que retiraram os filtros antigos, colocaram os filtros prensa. Então, hoje em dia estão fazendo outro trabalho, com a questão de fazer... tirar o rejeito e transformar no ferro gusa. Então, é uma coisa muito doida, a vê a engenharia doida essa, mesmo. Só para quem entende e gosta, para saber o que fazer e como fazer, reaproveitar certos lugares ali, sem precisar criar, crescer mais para o lado, tirar espaços verdes dele, saber aproveitar o espaço que a gente tem ali.
(02:00:24) P1 - E você foi lá fazer o que, exatamente? Te convidaram para conhecer?
R1 - Já teve a visita pela comunidade, que era para a gente conhecer as melhoras. A princípio, quando a gente começou o diálogo, a gente foi para conhecer um pouco a empresa, para saber como é era e tal. Depois, quando foi as melhoras, foi quando foram criadas as novas bacias de contenção de líquido, fui ver também a questão de que eles estavam fazendo essa revegetação em cima do DRS-1. A gente foi mais para conhecer essas melhorias que a empresa estava fazendo dentro das plantas dela, das bombas de submissão que eles colocaram logo depois de 2018. Hoje em dia, se a chuva que caiu em 2018 caísse hoje em dia, eles teriam capacidade de pegar até umas dez chuvas a mais do que foi em 2018. Então, para conhecer a melhora que a empresa fez durante todo esse processo.
(02:01:14) P1 - O que você acha disso, deles convidarem?
R1 - É aquela questão da transparência, é o que vai trazer segurança para comunidade. Uma coisa que eles fizeram, muito boa e isso era para a gente ter feito logo no princípio, foi a questão de levá-los em cima da DRS-1, para provar que ali não é líquido, é sólido. Era uma coisa que a sempre batia na nossa fala, como comunidade que tem esse conhecimento de mineração. Bacia é uma coisa, barragem é outra. Eu acredito que demorou muito pra fazer essa questão de levar, hoje em dia tem o forte deles lá em cima, o ponto onde eles levam as pessoas pra conhecer, que tu sobe e tu olha pra tua esquerda, vê Belém. Então, era pra eles terem feito isso antes, pra criar uma conscientização nas pessoas que não têm capacidade de vir descendo aquela lama toda e vai acabar com o Vila dos Cabanos, entendeu? Então, é complicado. Mas é legal, porque teve essa proximidade das pessoas pisarem, estar lá em cima do rejeito, ver que é sólido e não tem essa questão de afundar.
(02:02:15) P1 – Então, essa transparência é importante?
R1 - Foi importante pra gente como comunidade e também pra eles, como empresa. Querendo ou não, isso traz uma confiança da comunidade com a empresa. Isso traz uma credibilidade da empresa, do que ela está fazendo.
(02:02:30) P1 - Você mesmo disse que você não é funcionário Hydro, mas você tem muita relação com essa empresa. O que você sente, se a gente puder dar um nome a isso? Eles estão fazendo trinta anos. Você tem orgulho de fazer parte dessa história, de também ser um ativo nessa história?
R1 - Eu vou falar que eu tenho orgulho e confiança. Eu acho que, assim como pessoa, hoje em dia, onde eu estou e o que eu estou fazendo, teve muita essa relação nossa e, por ter essa transparência dela, fez chegar onde eu estou. Então, eu tenho uma confiança nela, assim, em parte, de falar assim, que ela fez parte da minha história, tanto quando criança, quanto hoje em dia e eu pretendo que faça mais parte ainda.
(02:03:16) P1 - Tomara que você consiga o emprego lá, né?
R1 - Se vier, é bem-vindo. Senão a gente continua lutando, trabalhando aqui, por fora, fazendo o nossos ‘corres’, de uma maneira, ou de outra. (risos)
(02:03:25) P1 - Se fosse um trabalho, qual seria?
R1 - Acho que seria para essa parte de responsabilidade social. Ser um porta-voz da comunidade estando vestindo a camisa azulzinha com o símbolo, acho que pra mim seria importante, mesmo a gente não sendo formado ainda, até porque acontecem coisas na nossa vida que a gente tem que tomar uma decisão: tu vai pra aquele lado e faz aquilo ali, mas perde outro, ou tu vai pra esse lado e faz isso. Então, mesmo não tendo formado isso, mas o conhecimento que a gente tem com relação comunidade, acho que daria, até pelo notório saber, uma vaga pro notório saber, que acho que a gente tem conhecimento do que muitos mais doutores. Quantos PhDs vieram entrevistar a gente, saber. Quantos TCCs a gente fez, quantos pós-doutorado que a gente fez, que às vezes a gente está bem aqui. A gente não precisa, muitas vezes, viajar para fora, para saber como eu posso melhorar uma comunidade que está em volta de mim. Eu não preciso ter uma pessoa... claro, eu não estou rejeitando o conhecimento científico, nem o acadêmico, mas estou dando valor ao conhecimento empírico, que eu acho que é um conhecimento onde o científico e o conhecimento acadêmico se baseiam. Então, acho que as empresas só teriam que dar mais valor a esse conhecimento empírico, que trariam mais benefício para elas mesmas. Eu penso que, se tiver que acontecer, vai acontecer. Estou novo ainda, tenho muitas oportunidades pela vida.
(02:04:55) P1 - Qual é o legado que você gostaria que as próximas gerações soubessem, dessa história Alunorte e Barcarena?
R1 - Aqui teve muitos conflitos, muitos atritos, muitos problemas, mas que conseguiram se resolver, conseguiram desenvolver uma Barcarena melhor. Não só a empresa sendo empresa, vamos ser realistas, a empresa foca lucro. Ela vende alumínio. Por que ela quer vender alumínio verde, quer fazer isso? Ela quer lucrar, ela tem seus financiadores, seus acionistas que querem lucro, mas também da mesma forma que ela quer lucro, que eles venham ter uma correlação e deixar coisas para Barcarena. Que vem desenvolver uma forma com que Barcarena continue se desenvolvendo anos e anos, não é só daqui trinta, vinte, que consiga fazer com que isso seja sustentável. Que possa passar daqui com mais trinta anos, possa ter a história de sessenta anos da Alunorte. Há trinta anos estava assim, trinta anos daqui... uma cidade subdesenvolvida, que gente vai ter futuramente, trem, ferrovias, ter uma forma de transporte boa, rápida daqui para Belém, ou daqui para outro lugar. Criar correlações que a empresa venha deixar um legado de desenvolver aquele local. Não só tirou o benefício do lucro dali, mas deixou naquela cidade um índice que estava de pobreza lá embaixo, beleza, a gente chegou há trinta anos, em 1995, beleza, daqui 55 como é vai estar a Barcarena? Pô, será que Barcarena vai estar uma cidade modelo de se viver? Acredito que esteja, tem esse legado, tem capacidade, de fazer Barcarena ser uma cidade próspera, ter um IDH super alto ou ser um dos mais altos do Pará, tem. A Hydro, por ser o que ela é, desses trinta anos, se ela conseguir fazer isso sem ter tecnologia, sem ter parcerias que não tinha, agora imagina, agora em 2025, ela começar a ter um pensamento, ter uma forma de trabalhar e fazer com que Barcarena em volta se desenvolva, porque Barcarena se desenvolvendo, ela ganha também, entendeu? Ganha um nome, ganha uma estrutura de empresa que tem uma responsabilidade social boa, porque ter responsabilidade social todo mundo diz que tem, mas assumir a responsabilidade são poucas que tem. E eu vejo que a Hydro, em si, tem assumido a responsabilidade social dela. Pode ser meio dificultosa, porque também não sabe, nunca trabalhou, é aquela questão de ser pai, praticamente estar sendo pai de Barcarena, pai e mãe de Barcarena, são os pais de primeira viagem. Então, está criando essa correlação de daqui com mais trinta anos ter um legado bom. Teve sua parte que se beneficiou também e ter beneficiado a cidade.
(02:07:59) P1 - Então, eu estou entendendo que você tem olhos esperançosos, otimistas.
R1 - Sim, acredito que Barcarena pode se desenvolver mais, pode crescer mais, que a empresa pode fazer coisas que ela não fez, que ela não conseguiu fazer em dez anos atrás, então possa fazer em cinco anos, daqui a cinco anos possa criar em Barcarena uma forma de se estruturar financeiramente, além delas, sabe, mas coisas, movimentos que surgiram delas, instituições que vieram através delas, seja através do IBS, seja através do Embarca, seja através de outras formas de investimento que tem, que ela possa fazer essa correlação, de desenvolver Barcarena mais ainda e fazer com que Barcarena, hoje, está nessa situação, Barcarena pode melhorar. Como é que eu posso melhorar a Barcarena? Ah, vamos conversar com a comunidade, ‘bora’ fazer algo pela comunidade, que a comunidade vai se beneficiar e vai beneficiar a empresa também. Como é que gente pode fazer? Sentando com a comunidade e vendo com a comunidade o que é melhor para ela.
(02:08:33) P1 - E isso está acontecendo?
R1 - Sim, começou e isso só depende dela, que a comunidade hoje em dia quer ouvir, quer ser ouvida. Na verdade, a gente, como comunidade, sempre quer ser ouvido. A gente não quer que ninguém chegue e fale pela gente lá. A gente quer que a pessoa, que a fulana chegue e fale com a gente: “Olha, eu quero isso”. Se a empresa falar: “Ah, mas isso não é muito bom pro teu coiso”. Se a empresa vir dar a opinião dela aqui daquilo, por ser empresa, saber como trabalhar naquele ramo, ou então ter conhecidos que trabalham naquele ramo, que não vai ser benefício para aquela pessoa, então como é que a gente pode, junto, achar uma solução? “Tu sabe que eu quero o A, mas A não é bom e tu quer C. Ah, então ‘bora’ fazer o seguinte: nem A, nem C, ‘bora’ colocar B. Olha, B tu te beneficia assim, assim, assim, B eu consigo te ajudar isso”. Pronto, os dois encontraram algo em comum, que consegue conviver em paz, ter uma correlação comunidade-empresa-natureza-sustentabilidade e tudo.
(02:09:31) P1 - Hoje essa relação Barcarena e Alunorte ou Hydro é harmoniosa?
R1 - Algumas pessoas vão falar que sim, outras que não.
(02:09:40) P1 - E você?
R1 - Pra mim é. Eu não tenho nada contra. Eles não me beneficiam em nada em relação direta, eu não tenho emprego, não tenho nada com eles, eu não tenho um projeto na minha comunidade deles, mas eu não tenho nada contra eles. Eu tenho uma relação com eles harmônica. Chego, conversam comigo, falo com eles, me expresso da forma que eu quero me expressar, falo mal, falo bem, dou tapa, pá, pá, mas depois passo a mão. Eu acho que eu tenho essa liberdade.
(02:10:11) P1 - Eu acho que só de haver o diálogo já é.
R1 - Sim, com certeza, a partir do momento que eles acertaram muito em ouvir, abrir as portas para ouvir. Não importa se foi tapa, se deram tapa, não sei o que, mas tem que ‘dar cara a tapa’, mesmo. Se às vezes a gente quer crescer, a tem que baixar um pouco a cabeça. Não é só: “Eu estava ali, a responsabilidade não é minha, porque eu sou uma empresa de fora, eu já comprei”. Quando você compra ali com bônus, você tem que levar o ônus também, infelizmente e ela fez certo, acertou em abrir a porta e ouvir o que tinha que ouvir. E é isso. (risos)
(02:10:44) P1 - E você falou que teve um filho?
R1 - Tenho um filho. Vai fazer quatro anos esse ano. Foi uma reviravolta na vida do cidadão. (risos) É uma sensação que a gente nunca passou, que nunca... não tive pai, então, pra mim, foi uma coisa que eu abracei pra mim, tipo assim: eu vou criar. Quando minha ex-companheira estava grávida: “Eu tô grávida e tal”, eu fiquei: “Caramba, e agora? Começo da minha vida, meus estudos, tudo ali e tal, pandemia. (risos) Minha filha, fazer o quê? Eu vou assumir”, né? E aí foi esses três anos de luta, fazendo as ‘correrias’ e tal. Eu tive que trancar a faculdade porque, querendo ou não, era paga e eu tipo: ou tu vai te dedicar a teu filho, uma criança pequena que não tem estrutura pra fazer nada, não tinha certas coisas e viver pra eles, tive que viver pra eles e tô vivendo ainda. Me dediquei a ele. Foi aquela sensação única, aquela coisa que a gente nunca... acho que a gente sempre vai perguntar, a gente não sabe definir como, né? É uma sensação que só a gente que tem filho, que viveu toda aquela situação, que vai saber que aquilo está dentro da gente, né? Que essa sensação de ser pai, de ter um serzinho que depende da gente, né? É algo... não é um animalzinho, né? Um cachorrinho que tu deixa ali e tal, dá a ração, trata amorzinho, não, tu tem que estar ali, aí tu vê que é que nem tu, aquilo outro. Caramba, (risos) é uma coisa muito doida!
(02:12:16) P1 - Como que ele chama?
R1 - Vicentt. Três anos. Vai fazer quatro agora, em outubro. Estamos aí. (risos)
(02:02:12:24) P1 - E a sua é ex? A mãe dele é ex?
R1 - A mãe dele é ex. Aquilo: a gente não deu certo como casal, mas a gente tentou e tenta manter uma boa relação, que a gente tem um filho pra criar, né? Querendo ou não, ele vai ter um amor, tanto de um lado e de outro. Independente de estar junto ou não, ele vai ter que ter tanto o apoio dela, quanto o meu apoio.
(02:12:47) P1 - Ele é filho de Barcarena?
R1 - Filho de Barcarena, nascido e criado. Ele nasceu aqui, nesse... ele nasceu no hospital aqui e foi criado aqui mesmo, desde... até hoje em dia ele vive por aqui. Ele passou, quando a gente conviveu três anos junto, eu e ela, depois da gravidez, foi tudo aqui. Nascido, tomou banho nesse tanquezinho de peixe, comeu açaí novinho. Três meses já estava tomando açaí. Gosta do açaí, viciado no açaí. A questão é: “Eu quero açaí”. Se tiver açaí não come o arroz e o feijão. Aí: “Não, só vai comer, só vai tomar açaí depois de comer tudo”. Então, é aquilo: paraense raiz mesmo, da terra. Nascido bem aqui, nesse mesmo lugar. Querendo ou não, já o levei no igarapé, tomar um banhozinho assim, só pra... mesmo que eu não tome banho, mas já tem que participar um pouco. Anda por aqui, brinca, sai aqui. Não tem a mesma liberdade que eu, porque a gente é mais aquele pai mais ‘coruja’, não deixa soltar, porque se solta ele vai embora, no meio desse mato. (risos) Então, mas não deixo, não. Tem cobra, tem esses bichos assim que, pra idade dele, não compreende ainda esses perigos.
(02:13:51) P1 - E você quer que ele cresça aqui?
R1 - Eu pretendo que ele cresça em Barcarena. Continue por aqui, mas também não pare só por aqui, né? Acho que a oportunidade que eu não tive, de poder fazer as coisas fora, estudar fora, ganhar bolsas fora, eu quero que ele tenha essa oportunidade, mas que se proporcionem as coisas boas dele por aqui. Se puder voltar um dia, estudou fora, conseguiu uma bolsa fora e volta pra estudar ou fazer por aqui, ou então sair daqui por aqui mesmo, estudar em Belém, na Universidade Federal e conseguir um emprego bom por aqui, na Hydro. (risos) E crescer e viajar também, isso aí também ele vai crescer e vai escolher o que ele quer, mas o que eu puder fazer por ele, eu vou fazer, em relação de bem.
(02:14:36) P1 - Então você faz por ele, mas você faz por uma comunidade inteira, né?
R1 - Sim, a gente não luta só pela gente, né? Só por ele. Até a gente conversava que a gente quer que a empresa tenha um olhar especial pra comunidade. A gente vê que em tantos lugares tem tantos projetos que não só ela, quanto outras comunidades desenvolvem, exemplo com as mulheres. Tem muitas mulheres que hoje em dia vivem situação de lixo, de comer algo do lixão, de viver trabalhando no lixão. E muitas dessas mulheres não trabalham em empresas assim porque não têm estudo, capacitação. A gente vê que hoje em dia, pra fazer um curso técnico é tão difícil. Como é que uma mulher que nasceu, foi criada sem estudo, sem nada, vai conseguir, depois de seus 35 anos, seus quarenta anos, um emprego numa empresa dessa? Tem mulheres que têm vontade de trabalhar, de fazer, nem que seja de operadora, ou seja, de usar essa camisa. Tem mulheres, tem essa vontade, mas não têm estudo. Então, a gente discute muito essa questão de como é que gente pode fazer, encaixar essas mulheres numa vaga dessa. Claro, há o mérito, as pessoas que tiveram condições de seus estudos, de frequentar uma faculdade, é mérito deles. Mas tem pessoas que não teve. O sol não nasce pra todo mundo do mesmo jeito. Eu não acredito nesse negócio de meritocracia. Isso daí, pra mim, é um ‘papo furado’, não existe esse negócio. Pra mim isso daí: “Ah, eu consegui, porque fui atrás”. Tem pessoas que, minha filha, ou ela vai atrás de comer para a família dela, ou ela vai estudar. Mas a pessoa, às vezes, tem dois, três, quatro filhos, tu acha que ela vai estudar e deixar três crianças passarem fome? Então, não vai. Então, eu penso assim que muitas dessas mulheres precisam de oportunidades que não têm. Eu falo isso, muito, a mulher, porque é um público que tem muito em volta aqui, na nossa comunidade, que precisa de uma forma de entrar nesse mercado e não tem como.
(02:16:34) P1 - Você quer que seu filho cresça com esse olhar, que você herdou da sua mãe, eu entendi aqui, na história e que você vai passar pra ele também.
R1 - Sim, visando o social, sempre essa questão de olhar que a gente pode fazer algo pelo próximo, que a gente pode fazer alguma coisa pra melhorar a vida de alguém. A gente pode. Por mais que a nossa vida, às vezes, não esteja100% e tal, mas olha, se hoje a gente tem alguma coisa, tem gente que não tem nada. Eu costumo pensar assim: “Ah, porque a chuva não está como...” “Minha filha, dá graças a Deus de ter um café com leite, uma bolacha, muitas vezes, exemplo. Tem gente que às vezes não tem nem um café para tomar, está tomando só um café preto e sem açúcar ainda. Não por causa de estar cuidando de saúde, por causa de que não tem nem açúcar para colocar. Dá graça a essa bolacha”. Então, são situações que a gente tem que levar e reconhecer que, se a gente tem algo, tem gente que não tem nada. Então, se a gente tem um pouco, a gente pode dar para aquela pessoa, a gente tem que dar. A gente tem que ser um pouco bom de coração, assim, nesse momento. Em certas situações a gente tem que saber como ter o coração fechado, que tem coisas que a gente vê que não vai fazer bem para aquela pessoa, então a gente é melhor não dar, mas tem coisas que gente vê que há necessidade, precisão, então gente tem que dar, fazer o bem ali.
(02:17:43) P1 - O Samuel criança queria ser médico ou arquiteto, qual que era a terceira?
R1 - Ou advogado.
(02:17:48) P1 - Ou advogado. E o Samuel adulto?
R1 - Olha, hoje em dia é mais complicado. (risos) Hoje eu penso assim: eu estou numa ‘vibe’, agora, chegando perto dos meus trinta, ano que vem, de me estabilizar financeiramente, né? Como eu falei, tive um negócio, o negócio parou durante pandemia, hoje em dia eu estou tentando reavaliar esse negócio, tentar ver se vai para frente, se for... se não, estou voltando aos meus estudos, conseguir uma vaga nessa área e ‘bola em frente’. Acho que não tem limite pra gente parar. Não vou esperar daqui com sessenta anos. Não, não para. Eu penso assim, que a vida não tem limite. O limite só tem quando gente morre, quando não tem mais nada pra fazer. Se tiver pessoas aí de 65 anos, setenta anos se formando em medicina, engenheiro. Pô, eu sou novo ainda, então, não posso continuar meus estudos aí? Vai que a Hydro me ficha antes disso. (risos)
(02:18:45) P1 - A ideia é se formar em Relações Internacionais?
R1 - A ideia, eu sempre tive essa ideia. Depois que conheci, gostei, então a ideia é essa, mas também, se surgir outra oportunidade, a gente vai naquilo que surgir, porque a gente sabe que a gente faz tantos planos, mas nem tudo acontece conforme aqueles planos que gente faz. Às vezes a gente quer: “Ah, eu quero ir embora para... morar na Espanha, para trabalhar na Espanha”. Eu já tive tanto esse pensamento, de ir para fora do Brasil para trabalhar, mas não foi aquilo. Mas se surgir uma oportunidade aqui, que aquela oportunidade que pode fazer com que eu chegue mais longe do que fosse eu indo pra fora, então vou continuar aqui. São oportunidades que eu acredito que a vida nos coloca, que a gente tem que aproveitar. A vida coloca oportunidade pra gente, a gente tem que saber aproveitar. Em certo momento eu acredito que já apareceu, já está aí essa oportunidade e a gente vai seguir nisso.
(02:19:33) P1 - Então o objetivo, pensando em sonho aqui, é conquistar esse diploma, um emprego, é isso?
R1 - O meu objetivo é conquistar meu diploma, formar a minha graduação, seja em Relações Internacionais ou em outra que surgir. Se possível, no momento agora, me estabilizar financeiramente, conseguindo um emprego bom, seja em Hydro, seja em outra empresa ou em outro negócio, ou seja mesmo até a forma de empreender, conseguir um contrato bom, onde eu esteja estabilizado, que eu consiga terminar de pagar minha faculdade e seguir esse caminho, porque quando se fala de Relações Internacionais a gente não está falando só empresarial, a gente está falando de uma forma de mediações de conflito, até no mundo, numa forma internacional. A gente está falando de coisas que podem ir para fora de contexto de empresário. A gente está falando num contexto de relações de guerra e paz, de empresa quer entrar numa comunidade e não consegue, então a gente vê que é algo muito maior. (risos)
(02:20:32) P1 - E quais são as coisas mais importantes para você, hoje?
R1 - Olha, acima de tudo, está a minha família. Meu filho, primeiramente, depois minha mãe, depois eu. Acho que agora, no momento, eu estou me pondo em terceiro lugar. Primeiro agora está meu filho, penso em toda a correlação que eu tô fazendo de vida, em proporcionar o melhor pro meu filho. Que não cresça um filho sem pai, passando necessidade, passando dificuldade, que eu passei. Que eu possa dar uma boa condição pra ele, assim também como pra minha mãe. Em terceiro lugar eu, a gente está ali, proporcionando isso aí nos meus estudos, estar dando andamento do nosso negócio, a gente tem que ser uma pessoa de multifunções. Se eu tenho tempo para estudar, eu vou estudar. Não porque eu tô empreendendo ali, eu vou parar de estudar. Não, se eu consigo empreender e estudar, eu vou seguir esse rumo, não vou parar e vamos seguir em frente.
(02:21:24) P1 - Hoje você mora com quem?
R1 - Hoje em dia eu tô morando com a minha mãe. Na verdade, a casa é nossa, porque eu construí uma parte, ela construiu a dela, então se associou, porque até então a gente não pensa ter filho, né? (risos) A gente não pensa. Ah, quer dizer que aconteceu do nada? Não aconteceu do nada, mas quando gente fala que a gente não planeja, a gente não projeta, é porque a gente não sabe. Às vezes tem tanto relacionamento que a gente passa por situações que era para ter filho e não teve e quando, do nada, surge. A gente costumava falar assim, que ter filho não é da vontade de Deus, ter filho é a vontade nossa. Aí depois tu tem filho e tu pensa assim: “Não, meu filho, aquela criança chega na tua vida quando tem que chegar, não adianta”, porque a gente vê tantas pessoas, mulheres, casais, que fazem tratamento de anos e anos pra engravidar e não conseguem e às vezes tu tem relacionamento que durou mais tempos e tempos e tempos você nunca teve filho. Chega uma pessoa na tua vida e você tem um filho meses depois. Então, a gente vê que essa questão, assim, é tudo a vontade de Deus, né? E trazendo isso pra nossa vida, hoje em dia eu penso muito nele, penso muito em proporcionar o melhor pra ele. Tô aprendendo a ser pai ainda, porque quando a gente não tem, a gente não sabe nem por onde começar.
(02:22:35) P1 - Mas está tendo a ajuda da sua mãe?
R1 - Sim, sim. (risos) Tô tendo, mas tem coisas que não vêm dela, né? Tem coisas que só o tempo vai me ensinar a agir com eles, ser com eles, uma forma carinhosa, uma forma de retribuir coisas que só o tempo, não adianta, que gente não consegue passar essa etapa da vida.
(02:22:55) P1 - E oferecer talvez para sua mãe uma qualidade de vida?
R1 - Sim, é aquilo: ela lutou tanto pela gente, lutou tanto por mim, no passado, me proporcionou momentos que ela podia fechar a porta e falar assim: “Continua no sonho que tu quis aí, não quis ir para aí e tal, não desiste, fala”, mas ela não pensou duas vezes em abrir as portas de volta para mim, então o mínimo que eu posso fazer isso agora, tentar proporcionar o melhor de vida para ela.
(02:23:20) P1 - Tem alguma coisa que você não me contou que, para você, é importante? Alguma história, alguma memória, algo que você quer acrescentar?
R1 - Olha, o que eu esteja lembrando, acredito que não, que foi só a minha viagem no Noruega que eu falei, que acho foi uma parte muito importante para mim.
(02:23:35) P1 - Você ficou quanto tempo lá?
R1 - Fiquei três meses na Noruega. Então, eu acredito que foi uma parte muito importante, ter essa correlação de empresa-comunidade. Meus negócios, é mais isso, só. (risos)
(02:23:46) P1 - Isso aqui é seu paraíso, né?
R1 - É, é a nossa pequena floresta, em meio a um polo industrial. Pode ver que é um pedacinho da Amazônia em meio a uma indústria grande. Se você for olhar pra perto aqui, você vai andar em volta, poucos lugares você vai ver aqui, como esse sítio. Pra você ver esse sítio desse tamanho, com árvores de mais de trezentos anos, aí você vai ter que andar daqui como mais ou menos uns quarenta a uma hora de carro, pra conseguir chegar em lugar onde vai ter. E a gente tem esse pedacinho da Amazônia próximo a um polo industrial imenso também. Então, pra mim, isso aqui é gratificante. Por isso que acho que, quando gente cria raízes com a natureza, com a nossa terra, a gente sente esse negócio de voltar. A gente não entende o porquê de querer voltar para aquele lugar, de querer estar naquele lugar. São as raízes ancestrais que estão aqui, acredito que sejam meus avós, meus bisavôs, meus tios que já se foram, sabe, nossas parentelas, aquela cultura que gente tinha, de viver aqui, nesse lugar. É isso, esse lugar pra gente, aqui, é tudo.
(02:24:44) P1 - Hoje o Samuel quer ficar aqui, em Barcarena?
R1 - Hoje o Samuel quer ficar e não ficar. Aquele negócio de conhecer, desbravar. Depois que tu sai a primeira vez, tu gosta. Aquilo é teu lugar pra tu descansar, recuperar energias. Barcarena, pra mim, hoje, é lugar pra eu recuperar as energias. Mas também tem um desbravador dentro de mim, que ainda pretende sair de Barcarena, conhecer certos lugares do mundo, outros estados, já conheci vários estados. Então, para mim Barcarena é um lugar de renovar as energias. Minha casa, aqui, esse sítio é um lugar da gente vir, passar, recuperar, depois ir para a luta de volta, para fora. Então, é algo que é mais um carregador, (risos) do que um lugar que se fixar aqui, de volta, que pode passar uns dez anos, no máximo, mas depois desses dez anos vai de novo. (risos) Então, acontece isso.
(02:25:33) P1 - É bom ir, mas importante é ter para onde voltar.
R1 – Sim, é sempre importante ter para onde voltar, isso é verdade. Para mim, isso é importante, ter um lugar onde vou voltar, que eu vou me sentir seguro, que eu vou me sentir confiável, que eu vou me sentir guardado, é muito legal isso.
(02:25:49) P1 - Barcarena tem muita história, né?
R1 – Vixe, Maria. Se a gente for parar para falar de Barcarena, as histórias de Barcarena, a gente vai passar o dia todo, a noite toda e não vai, semanas e não se deixa de falar de tantas histórias que tem Barcarena. Muito legal.
(02:26:03) P1 – Prontinho.
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