Projeto Conte sua História
Depoimento de Karina Silva dos Santos
Entrevistada por Luiza Gallo Favareto
PCSH_HV866
Karine, então a gente sempre começa perguntando qual o seu nome completo, local e a sua data de nascimento.
Meu nome completo é Karina Silva dos Santos. Eu sou nascida no dia 24 de novembro de 1988. Eu nasci no Hospital São Paulo, na capital São Paulo. E é isso.
E quais os nomes dos seus pais?
O nome do meu pai é Guilherme Pereira dos Santos. E o nome da minha mãe é Maria Lúcia Silva dos Santos.
E onde eles nasceram?
O meu pai, ele nasceu na Bahia, mas se naturalizou paulista. E a minha mãe é baiana, da cidade de Coara, sim.
Você sabe como que eles vieram pra São Paulo?
Ah, o meu pai, ele veio por conta do meu avô já querer vir fazer a vida em São Paulo, né? Na época que o São Paulo era um pólo econômico, era a efervescência, né? Então muitos migrantes vinham a São Paulo para tentar uma vida melhor. E aí o meu avô veio, logo assim casou com a minha avó, vieram os dois. E o meu pai veio junto porque ele é o filho mais novo, né? Ele é o filho, desculpa, é o filho mais velho. E tem outros irmãos. E os outros irmãos já são paulistas mesmo, né? Paulistas. No caso da minha mãe, ela veio por conta de ter se casado com o meu pai. No caso dos meus avós, eles ficaram na cidade deles, no estado deles, né? Com exceção do meu avô materno, que ele era sejipano, aí foi pra Bahia. Mas a minha avó mesmo, materna, era baiana.
E o que que eles faziam?
O meu pai, ele é de profissão eletricista, e a minha mãe é costureira.
E você tem irmãos?
Tenho. Eu sou a caçula de uma família de três, sendo um menino, que é o do meio, e uma menina, que é a mais velha.
Como é a relação entre vocês?
A relação entre nós é uma relação amoniosa, porém não somos muito apegados, nós não somos irmãos de confidências, de confidenciar coisas, irmãos grudados, nós não somos assim, somos irmãos muito respeitosos uns com os outros, mas não temos aquela coisa, aquela super intimidade, aquele irmão amigo, nós não somos assim.
E você lembra da casa onde você passou sua infância?
Lembro. Era uma casa, assim, bem precariezada. Quando eu quero me referir à minha casa, eu me refiro ao filme O Quarto de Jack. Porque era bem aquilo mesmo, né? Eu, por conta... Na verdade, a minha primeira casa eu não me recordo, porque aconteceu um incidente na minha família. E acabou que a minha mãe teve que vender a casa expressas, colocou o dinheiro na poupança E bem nessa época teve o golpe do Collor de Melo E perdemos todo o dinheiro e ela foi morar de improviso na casa da minha avó E aí minha avó falou assim, tem um quartinho, não dá pra vocês ficarem lá Mas como você tá nessa situação? Eu era um bebezinho de um ano e meio, dois anos Aí ela falou, como você tá nessa situação? Provisionalmente você fica e logo o meu pai, o Guilherme, ele sobe a casa Que tinha uma laje batida e tal. Ela falou, tudo bem, aceitou E fomos morar lá. Só que mês inteirinho o meu pai nunca subiu essa laje E a gente acabou que ficou morando lá 10 anos nesse quartinho Que eu dormia de valete, como falam com a minha irmã, não tinha cama Então dormia uma de cabeça pra um lado e outra de cabeça pro outro lado E aí eu não tinha, era quase uma casa engraçada, porque não tinha armário, não tinha sofá, não tinha geladeira, não tinha reboto na parede, mas eu fui muito feliz, eu vivi uma infância muito feliz, apesar dos pesares.
E o bairro? Que bairro que era?
Ah, é um bairro periférico, né? na região de Taboão da Serra e era muito bacana porque era um lugar assim de vila, então a gente e as crianças podiam brincar na rua até tarde da noite e todo mundo se conhecia e tinha as senhoras mais velhas e tinha toda aquela esquematização dos pequenininhos, aí tinha aquela coisa dos mais velhos se respeitarem e os meninos mais velhos, aí tinha aquela coisa do pai e da mãe, sabe? E foi, era muito bacana, era assim, pessoas humildes, né? Passávamos quase as mesmas situações, mas a gente se ajudava e dentro da nossa realidade a gente era feliz.
E a relação com essa sua avó que morava próxima de você?
Ah, era muito legal a relação com a minha avó. Era muito legal, ela me ensinava muita coisa, né? Era boa, né? Brincava, contava as histórias dela, eu gostava de ouvir. Eu aprendi os primeiros pontinhos de bordado com ela. E era uma relação bem harmoniosa.
E quais eram as suas brincadeiras favoritas?
Eu adorava brincar de elástico. Gostava muito de brincar de amarelinha. De pega-pega, esconde-esconde, pular corda. Adorava esse tipo de brincadeira. Boneca também, eu gostava muito de brincar de casinha.
E você tinha amigos?
Ah, eu tinha muitos amigos. Eu tinha muitos amigos, eu era muito assim, muito danada. e bem sapeca, carismático. Então, eu conhecia todos os menininhos da rua, desde os mais levados como eu até os mais quietos, e entrava nas casas. E tinha, assim, muitos amigos.
E o que você queria ser quando crescesse?
A princípio eu queria ser médica. Já quis ser bailarina também, né?
E qual é a sua primeira lembrança da escola?
A primeira lembrança eu lembro que foi algo muito novo pra mim, sabe? Nossa, como eu me senti independente, eu me senti, nossa, como... Sei lá, sabe? Como eu sou importante, eu me senti muito importante por estar indo na escola. Você ia como? Eu ia a pé.
Era perto dessa casa?
Era perto da minha casa.
E aí você ia com amigos, com seus irmãos? Como que era?
Eu ia com tios, ia às vezes com meu pai, sempre com uma pessoa mais velha e às vezes ia com os meus irmãos.
Teve algum professor que te marcou bastante?
Ah, teve uma professora que foi quase uma mãe, né? Que foi a professora Thelma. Eu era muito sapeca, né? E eu inventava, sempre fui muito inventiva. E aí, uma vez, inventei com uma menina minha da gente fingir que nós estávamos com vontade de ir ao banheiro. Aí eu falei, vamos pedir pra professora... Aí eu falei, daqui a 10 minutinhos você pede pra professora Thelma que você quer ir no banheiro também, né? Porque tava na hora do lanche, e o lanche era gostoso. Aí a gente queria comer lanche. Na hora da merenda. Aí nisso eu fiz. Aí nisso a gente foi ao banheiro e aí eu fiz um... Ah, eu desafio você a fazer xixi no ralo. Aí ela fez xixi no ralo, aí eu peguei. Aí nisso quando a gente tava voltando, a gente brincou bastante, eu falei, nossa, vamos voltar, né? Porque a professora pode estar dando falta da gente. E aí nisso eu já tinha uma brincadeira que eu inventei na minha casa, que era a brincadeira de pular igual Sassi Pererê, as escadas, pulando igual Sassi Pererê descendo e pulando igual Sassi Pererê subindo. E eu falei, duvido você conseguir pular todos os degraus, né? Vamos ver quem consegue. Só que nisso a professora Thelma já tinha passado muito tempo. A professora Thelma foi até onde nós estávamos e pegou nós duas na escada brincando. Aí levou a gente aos puxões de orelha, pra sala, e eu achei uma situação muito engraçada, a forma como tudo se deu. E ela marcou muito, porque foi assim, a minha primeira, não a primeira, teve a do pré, a professora Mônica, mas ela foi a primeira assim, a que me ensinou as primeiras letras, a que me ensinou as primeiras palavras, e ficamos juntas por, acho que até a segunda série. E foi bacana, muito bacana.
E você estudou a vida toda nesse mesmo colégio ou você mudou?
Não, eu estudei em três colégios. Eu estudei o período do primeiro, o pré eu estudei num colégio próximo de casa, que era só subir, e já estava nessa escolinha. Aí depois eu fui pra, de primeiro a quarto ano, o primário, eu fiz nesse colégio, No próximo, segundo ciclo, que foi da quinta até oitava série, eu fiz em outro colégio e o ensino médio eu fiz em outro colégio.
Por que que aconteceram essas mudanças e como que você lidou com elas?
No caso do primário até a quarta série, é porque a escola não comportava os outros anos, então precisou mudar para fazer o próximo ciclo. No caso do quinto ao oitavo ano, eles abriram o ensino médio, mas infelizmente minha mãe ela queria muito que eu trabalhasse já, e eles tinham aberto esse período no período da manhã, e para trabalhar geralmente eles pegam o período integral, então eu pensei Se eu consigo um trabalho, eu vou trabalhar de manhã à tarde ou à tarde, então eu vou ter que estudar à noite Aí eu migrei para um outro colégio, só que esse colégio eu não gostei de estudar Eu não me identifiquei com as pessoas, eu não me identifiquei com o ambiente, eu não me identifiquei com nada Então foram anos de tortura E na sua.
Juventude, como você se divertia? Como você passava o tempo?
Na minha juventude eu fui... eu mudei da água pro vinho, né? As minhas colegas de infância até falaram, nossa, a Karina já é diferente, ela ficou diferente, né? Ela tá séria, ela tá quieta. Só que a gente vai mudando, assim, constantemente. Então a gente nem se dá por conta que a gente mudou. Eu achava que eu tava a mesma pessoa, né? E realmente eu fiquei bem mais reservada. Eu gostava de sair, dançar, mas eu não era uma menina, assim, de querer já namorar, de querer ter essa coisa de conhecer os garotos, então foi assim uma juventude bem complicada, porque eu não me enquadrava, eu não me enquadrava no que entendiam como ser aquele jovem, então foi uma juventude, eu tive uma juventude bem turbulenta, uma adolescência, né?
Mas você tinha consciência de tudo isso, dessa sua mudança?
Eu tinha consciência, mas ao mesmo tempo eu pensava assim, poxa, que chato, né? Que essa coisa da questão da inequação, de não estar inadequada, e eu me sentia muito bem estando do jeito que eu estava, mas era meio que uma cobrança por parte por parte das pessoas, né? Meio que você não está fazendo o que normalmente os outros jovens estão fazendo, né? Então isso trazia uma certa aflição, né? Por conta disso, dessa pressão.
Nesse momento você perdeu algumas amizades?
Na verdade, as amizades que eu tinha, eu perdi por conta de eu ter me mudado de casa. Eu passei a morar numa outra casa e Os vínculos foram se afastando, se afastando e acabei perdendo. As outras amizades que eu tentei fazer eram poucas, né? E algumas eu não consegui fazer exatamente por conta disso, porque mundos diferentes. Eu pensava de um jeito muito específico e as meninas pensavam de um outro jeito muito específico. Eu tinha muita amizade com garotos. Mas é aquela coisa, às vezes os meninos eles confundiam que essa amizade podia ir pra algo a mais e da minha parte não ia ter esse algo a mais.
Como era a sua rotina nessa época?
A minha rotina era de estudar, eu tinha muita vontade de estudar, fazer faculdade, então eu me identificava bastante a serviços domésticos e procurar emprego, Eu procurei muito emprego, foi muito, muito, muito, muito difícil para eu conseguir o meu primeiro emprego Então eu procurava emprego em todos os lugares, mandava um currículo em todos os lugares, de tudo quanto era jeito Mas foi bem complicado, foi uma época bastante complicada por conta dessas cobranças E eu não estar dando conta de estar dando as respostas que esperavam que eu devia dar nesse período de cobranças.
Como que eram essas cobranças?
A cobrança de você ter o seu primeiro trabalho. Ah, você não vai ter o seu primeiro trabalho? Ah, se você não tiver o seu primeiro trabalho... O meu pai sempre teve... Sempre foi uma questão complicada pra ele essa questão do trabalho, de trabalhar. Porque ele não dava certo em nenhum lugar que ele estava. Ele entrava, pouco tempo ele já saía. E não parava em serviço nenhum. Então às vezes a minha mãe falava, cadê o trabalho, cadê o trabalho? Você não vai ser igual ao seu pai? Você vai ser igual ao seu pai? E na verdade não é que eu não quisesse trabalhar, não era uma questão minha da minha parte, era uma questão que realmente eu não conseguia encontrar emprego. Até que uma professora minha falou assim, Karina, você levaria muito jeito para trabalhar em escritório, a sua postura, o seu jeito. E eu vi nesse mesmo colégio cartaz dizendo sobre cursos técnicos. E eu falei, poxa, tá aí uma saída, eu acho que eu vou fazer um curso técnico e eu vou conseguir um trabalho, porque eu entregava trabalho pra... entregava currículo pra trabalhar em loja, entregava currículo pra trabalhar em empresa como auxiliar de produção, entregava currículo de infinitas formas e eu não conseguia. E aí eu falei pra minha mãe, mãe, eu preciso fazer um curso de informática. pra eu ter mais alguma coisa pra entregar no meu currículo. Só que minha mãe falava, ah não, você tem que conseguir um emprego porque ela acabou sendo a chefe de família, ela acabou sendo a pessoa que trazia o dinheiro pra dentro de casa e ela já tinha pagado pro meu irmão e pra minha irmã. Então ela falou, não, vê se você consegue esse trabalho sem precisar fazer um curso, porque agora eu não vou te pagar um curso E eu não conseguia. Aí por fim ela acabou me dando esse curso de informática, que já melhorou o meu currículo, só que ainda assim não foi o suficiente para eu conseguir um emprego. Aí eu vi esse cartaz, fiz a prova, consegui um dinheiro de último tempo, que a minha mãe falou que não tinha dinheiro para pagar inscrição, né. E na época era 25 reais, né. E aí eu naquela ânsia, preciso, preciso, preciso muito fazer, até porque eu já gostava muito de estudar, então ficaria muito feliz em estar aprendendo mais uma nova coisa. E aí meu pai conseguiu esses 25 reais, ele falou, vou arranjar pra você. Aí arranjou, aí eu paguei, aí fui fazer a prova, passei, e aí eu me formei como técnica em administração de empresas. E aí eu consegui meu primeiro trabalho, e aí eu deslanchei.
E como foi? primeiro dia de trabalho?
Ah, foi muito legal. O meu primeiro, na verdade, voltando um pouquinho atrás, na verdade, meu primeiro trabalho mesmo eu consegui quando eu, aos 16 anos, aí eu consegui por um projeto que meu irmão falou, vamos fazer um projeto que se chama Jovem Cidadão. E eu fui fazer esse Jovem Cidadão E que ele já tinha feito e deu certo pra ele, ele desmanchou no mercado também de trabalho Só que eu fui trabalhar num restaurante e eu não me adaptei, eu não gostei Porque eu levei algumas cantadas, eu era moça da balança, né? Aí as pessoas vinham, colocavam o prato e eu marcava quanto dava cada peso em dinheiro E aí vem um rapaz e me deu uma cantada e eu fiquei muito constrangida, eu não queria mais voltar pra esse lugar E aí eu falei pra minha mãe, mãe, eu não gostaria mais de estar trabalhando nesse lugar Mas eu senti que a minha mãe me repreendeu, que a minha mãe se decepcionou comigo Nisso, como eu estava sendo muito pressionada, muito, muito, muito pressionada Eu passei mal e eu tive um surto psicótico agudo Aí eu já não sabia qual era o meu nome, eu já não sabia quantos anos eu tinha, eu não sabia mais quem era a minha família E eu fiquei um tempo, um período hospitalizada. Parei num hospital psiquiátrico, fiquei um mês internada e depois eu fiquei mais uma semana em HD. Ia pra casa dormir e ficava o período integral no hospital. Aí esse período meio que eu não considerei esse trabalho, porque eu fiquei acho que uma ou duas semanas e quando aconteceu esse episódio eu adoeci e fiquei um bom tempo quieta, Aí o meu primeiro trabalho mesmo, eu considero que veio um concurso técnico, e aí foi muito legal, eu conheci pessoas novas, eu conheci situações diferentes, que predominavam homens, e eu e mais três meninas, três mulheres, então era bem legal assim, no sentido de que A gente era um pouco mãe, a gente era um pouco irmã, a gente era um pouco tudo. A gente tinha que às vezes dar o grito e falar, peraí, quem manda aqui sou eu. Era uma coisa assim de se impor. Não era uma coisa assim você pedir um respeito. Você mostrava que você, eu mereço respeito, sabe? Porque eu sou uma profissional.
E voltando só um pouquinho. Quando você teve esse episódio, você tinha 16 anos.
16 anos.
E como foi pra você e pra sua família?
Foi horrível. Foi horrível, horrível. Foi um teatro de horrores. Ainda hoje eu me lembro, é uma coisa assim que vai ficar gravada, que não gravou na minha mente, não gravou no meu corpo, gravou na minha alma. Porque eu sofri todo tipo de abuso, sofri negligência, eu quase morri nesse hospital por excesso de medicamento e E eu me vi numa situação que talvez eu fiquei muito triste, porque eu me vi naquela situação que eles tinham um procedimento que é contenção, né. Então se o paciente ele está muito agitado, você contém ele. Aí você amarra os pulsos e amarra os tornozelos na cama e fica amarrado o paciente. E uma vez eu tava amarrada, né, e eu não sei se eu estava amarrada, eu pensei nisso, eu não sei se eu estava na cama, eu pensei nisso. E eu pensei, poxa, minha vida acabou. Então eu não vou me formar como eu queria, eu não vou fazer a faculdade que eu tanto queria, tantos anos que eu sempre fui uma aluna muito estudiosa e não valeu meio que de nada, eu não vou ter filhos, eu vou ser... porque eu já tive contato, eu já tinha contato com pessoas com doenças mentais de uma vizinha e tinha contato de pessoas quando eu frequentava a igreja, também tinha uma pessoa lá que uma das igrejas que eu frequentava, ela tinha problemas mentais E uma prima distante. E eu via que essas pessoas, elas eram segregadas. Ninguém falava com elas se referindo ao agora. Era sempre a um passado. Então eu pensei, nossa, agora eu vou me tornar uma sombra de mim mesma. Eu vou me tornar... Só vai ter uma pessoa aqui, mas essa pessoa é como se ela não existisse mais. Eu vou ficar num quartinho escuro e quando falarem de mim, vão falar, olha, ela era muito escuridiosa, ela era muito dedicada, Ela era muito feliz, e era como se eu tivesse morrido, estando viva, se me tornar assim um zumbi. Então isso me entristeceu muito, me entristecia muito, a família toda ficou muito abalada, porque dos três irmãos e da família sempre fui muito espoleta, sempre fui muito sapeca, sempre fui muito comunicativa, então foi um baque pra todo mundo, né?
E você escolheu essa clínica ou foi meio obrigatório?
Não, na verdade foi um hospital e foi compulsório porque eu tava tentando fugir de casa Eu já não conhecia mais a minha família, falava que eles tinham me raptado e eu tava tentando fugir de casa E também eu não sabia muito bem quem eu era, eu tava meio perdida, não sabia condições que eu tinha Então eu tive que ser internada compulsoriamente, foi num hospital público mesmo E.
Aí como foi sair desse hospital?
Foi um misto de alegria e de desespero ao mesmo tempo. Um misto porque eu tinha saído de um lugar horrível. Até me recordo que teve um momento que eu falei assim, que eu sou católica desde criança, e eu falei assim, mãe, me traga um padre, por favor, para eu receber a eucaristia. E tinham as visitas religiosas e cada um recebia a sua visita da sua denominação E receberam lá as suas visitas e eu fiquei esperando esse padre, né? E esse padre não vinha. E eu fiquei naquele desespero, naquele angústia e eu falei, mãe, cadê o padre? E aí falou que a diretora achou melhor não ter mais visitas religiosas porque o pessoal tava confundindo muito, tava deixando o pessoal muito confuso E eu falava, ai meu Deus, mas eu queria tanto a Eucaristia, eu queria tanto a Eucaristia, não pude ter essa Eucaristia E fiquei com aquilo. Aí eu até comentei com uma das enfermeiras e falei assim, ah, eu precisava ser exorcizada, né? Porque eu não sou uma pessoa, acho que eu tô com um demônio no corpo Porque essa questão mental também tem muito isso do entendimento religioso, espiritual E nem sempre, na verdade, muitas das vezes não é isso, né? E ela tá falando, menina, para de falar essas coisas, imagina, né E por conta de todo o sofrimento que eu tava tendo, né Aí eu lembro que uma vez eu olhei pela janela, que eu ficava numa cama que ficava na janela E eu olhava muito pro céu e eu falei assim, meu Deus, se um dia eu sair desse lugar Eu vou agradecer a todas as pessoas que rizaram por mim Eu vou arranjar um momento pra falar assim na multidão, no meio da multidão por eu ter conseguido vencer tudo isso. E aí quando eu saí foi essa gratidão, mas ao mesmo tempo foi um medo, um receio de não ter mais a credibilidade de ninguém. As pessoas falaram, ela é uma louca, não confiar na culpa que ela é uma louca, do apontamento. Então teve esse medo também desse apontamento.
E dentro desse hospital teve algum profissional.
Que tenha te marcado? Assim, negativamente sim. Dois enfermeiros, técnicos de enfermagem, me marcaram muito negativamente, porque eles eram muito ruins comigo, muito rudes, né. Não sei, eu acho que eles tinham dupla jornada, então vinham estressados e meio que perdiam a paciência, né. Porque uma pessoa que tá num estado mental debilitado, ela fala umas coisas assim meio nada a ver, meio sem sentido, ela entra numa outra realidade. Então requer muita paciência, e faltou muito dessa paciência perante esses profissionais.
E aí quando você saiu, você fez esse técnico em informática?
Em administração de empresas. Aí eu terminei o meu ensino médio, Aí, durante o ensino médio, eu falei, bom, agora teve essa oportunidade, eu falei, eu vou. Aí fui, fiz esse técnico, me formei.
E como foi voltar para as aulas, após tudo isso?
Foi um enfrentamento. Foi um enfrentamento, foi falar a Karina, falando pra mim mesma, Karina, você vai, com a cara e com a coragem. Porque eu sempre fui muito assim, Apesar de ser muito, sempre fui magrinha e pequena, né? Porque eu tenho 1 metro e 63, sou praticamente pequena. Mas sempre fui muito assim, audaciosa, sempre fui muito corajosa, como o pessoal diz, né? Meio que aqueles cachorrinhos de pequeno porte que você fala, meu Deus, vem te morder e você fala, se eu só fazer assim com o pé, o bichinho já sai voando, mas ele tá lá enfrentando. E eu era assim, eu falei, eu vou com esse enfrentamento, porque a princípio eu falei pra minha psicóloga do hospital Eu não vou ficar na mesma escola porque vai ficar chato, porque aquela situação toda, o pessoal comentando E ela achou legal, só que aí depois eu parei e pensei, não, a gente tem que enfrentar, a vida tá aí pra ser enfrentada E eu falei, pra mim mesmo, eu vou continuar nessa mesma escola, eu vou me formar nessa mesma escola E no final, quando a gente vai ver como que é a coisa, no final as pessoas não tiveram esse apontamento, todos me trataram com muito respeito Eu não estava mais na mesma sala, mas um dos meninos da sala, que era muito brincalhão da sala que eu estudava Ele veio até mim pedir desculpa, porque eles estavam com uma brincadeira que era chamar de doido, aí todo mundo que dava um lance fora, fazer uma pergunta meio que fora de hora, aí eles começavam a gritar doido, doido, doido! Aí eles falavam muito pra mim, doido, doido, doido, e eles acharam que de alguma forma aquilo tivesse me afetado. E aí ele pediu, ele falou assim pra mim, que não queria ter me atingido daquela maneira, e eu falei não, não tem problema algum. E sempre quando ia ser referido a esse período, sempre ia Iam com muitos dedos, com muita delicadeza. Inclusive uma das minhas amigas, minhas colegas de escola, foi me visitar no hospital. Rezaram por mim. Então foi bem bacana. Foi bem diferente do que eu imaginava que ia ser.
Você mantém contato com algum desses amigos?
Mantenho. Não da sala. Dessa sala eu perdi. Mas da escola eu tenho até hoje. Duas amigas, na verdade uma, duas, três, quatro. Tem um pessoalzinho assim que eu mantenho até hoje de contato.
E em relações amorosas, como que era nessa época?
Ah, em relação amorosa foi bem complicado. Bem complicado porque Nesse hospital eu também passei por abuso, né? Sofri um episódio de abuso sexual e eu fiquei muito travada em relação a isso. Traumatizou muito. Porque aconteceu do fato de eu estar perdida, porque eu estava dopada, né? Quando eu entrei no hospital, eu dei a entrada. E quando eu acordei, aí eu não sabia onde eu estava. Eu queria saber onde eu estava. E nisso tinha um Um rapaz, um paciente que também não estava bem, e aí eu não sei o que deu na minha cabeça, eu achava que ele era um médico, não sei de onde tirei isso E eu perguntei pra ele, moço, onde eu estou? E ele estava com um lençol amarrado no pescoço e tudo E aí ele falou umas coisas pra mim e eu falei, não, sai daqui, né? Só que aí eu vi tudo escuro, eu falei, meu Deus, acho que na minha cabeça pensei, só tem esse homem aqui, né? Se eu não pedir ajuda desse homem, vou ficar como? E eu pedi pra ele voltar. Aí nisso que ele voltou, ele tentou me beijar a força, pediu pra eu colocar a mão em determinados lugares pra ver como que tava E eu comecei a chorar muito. E aí nisso vem um técnico e ele falou, eu vi você tentando beijar ela E depois disso aconteceu um episódio de um outro rapaz pegar e falar que tinha uma chave pra eu ir embora Porque quando aconteceu isso, foi logo que eu despertei desse dopamento Então, esse cara, ele tava lá o tempo todo, então ele tremia de um jeito, de um jeito da cintura pra baixo, ele tremia, tremia, tremia, tremia, com medo dele, mas ele tava lá porque ele era um cara que tava internado também, e eu queria sair daquele lugar a qualquer custo, eu queria sair daquele lugar a qualquer custo, e aí um outro menino Ele que também estava internado, ele pegou e falou assim, olha, eu comentei pra ele as minhas aflições, ele falou, eu tenho um jeito de você sair porque eu tenho a chave pra você abrir a porta e ir embora. Eu falei, nossa, você tem essa chave? Me dá essa chave. Aí ele falou, ah, mas tem uma condição. Eu falei, qual? Ele falou, você vai ter que me dar um beijo. Aí eu falei assim, ai meu Deus, eu não quero, mas eu quero muito sair daqui. E aí eu topei, eu dei um beijo pra ele, só que ele falou, depois eu vou pegar essa chave. E aí ele ficou se usando dessa situação pra ficar todo dia indo lá e eu beijava ele, cadê essa chave? Não tinha essa chave E na verdade essa chave nunca existiu, né? Até que uma das técnicas ela falou, eu tomei a minha medicação, ela falou agora você pode ir lá Agora você pode ir lá fora e ficar se beijando com fulano, né? E eu entendi que ela falou com uma forma rígida, como se eu estivesse fazendo alguma coisa errada E aí eu caí em si, eu falei, eu tô sendo enganada, passado pra trás E eu não quis mais beijar esse menino, mas o que ficou chato é porque a culpa recaiu pra mim, sabe? A culpa foi como se eu tivesse dado desfrute, eu estivesse usando aquele lugar pra sei lá o que, o que não foi verdade, eu passei por muitas situações assim catastróficas naquele lugar, que podiam ser evitadas se as pessoas perguntassem por que que tá acontecendo isso com você. Podia ser evitado ter levado vários sossega-leões se eles perguntassem por que que você tá jogando a medicação fora? E na verdade esse rapaz, o primeiro que tava com insônia no pescoço, ele dizia que a gente bebia essas medicações e depois eles iam até os nossos quartos pra nos estroparem. Então eu comecei a cuspir essas medicações, porque imagina, né? E eu já tinha ficado meio a voada da cabeça, por causa que eu já tinha levado uma cantada lá, que eu não achei legal. Aí eu voando no hospital psiquiátrico, me tratar e aí vem um cara e se aproveita da situação. Aí vem outro cara e se aproveita da situação. E aí eu fico com a... Foi bem complicado, bem complicado.
E aí, então, você passou essa juventude sem conseguir se relacionar tanto. E aí, quando você saiu da escola, você fez esse técnico. E aí, como foi pra você entrar nessa empresa? O que você fazia? Como você trabalhava?
Ah, no primeiro, que foi um estágio, eu era uma espécie de recepcionista, aí eu atendia os telefonemas, aí eu ficava digitando as ordens de serviço no computador e passando para o coordenador para ele passar para os meninos, ah, vá fazer tal coisa. Era um trabalho bem legal, mas ao mesmo tempo existia muito, porque era um hospital e eles faziam como que eu posso dizer, não é um conserto, verificação de equipamentos hospitalares, então exigia muito, porque às vezes quebrava uma máquina de hemodiálise. Então a pessoa estava no meio dessa sessão, então eles tinham que fazer muito rápido o conserto, porque a pessoa estava com pouco sangue pra fora e pouco sangue pra dentro. Então isso era, tinha muita pressão, era um trabalho bastante, que exigia muito, bastante sabe, com pressionado. E aí eu acabei que não fiquei até o final desse estágio, porque era muito contramão de tudo. A escola era num lugar, minha casa era em outro, um era no leste, outro no oeste, outro no sudoeste, e aí eu optei por terminar os estudos. Eu falei, não, eu vou terminar os estudos, eu vou terminar o meu técnico, e assim eu fiz.
E nesse estágio você trabalhava no hospital mesmo?
Não, a gente fazia parte de uma instituição. A gente fazia parte de uma instituição, que é a instituição Downy Fesp, e nessa instituição, que é SPDM, e essa instituição abrangia a faculdade, o hospital, E aí tinham suas áreas, os setores, né? Tinha o setor de manutenção de equipamentos hospitalares. E aí eu ficava nessa manutenção com os meninos.
E depois você foi pra qual?
Depois disso, aí depois disso eu fui fazer um voluntariado. Fiquei parada um tempinho, aí fui fazer um voluntariado. E aí eu trabalhei como educadora, né. Era mais monitora, porque tipo professora, mas eu não ensinei ninguém, eu não tive o manejo de ensinar, mas foi muito bom. Eu fiquei um tempinho pra lá, acabou que o presidente da instituição me achou, assim, bem dedicada e falou, ah, eu vou te pagar, vou te dar uma ajuda de custo. Te dou uma ajuda de custo, uma cesta básica, porque você está sendo muito dedicada, e aí ele arranjou uma ajuda de curso para todos que estavam lá trabalhando. Depois ele falou, eu vou te registrar, você tem interesse em ficar? Aí como eu tinha feito o meu técnico, eu queria colocar em prática o que eu aprendi, né, que eu gostei muito de tudo que eu aprendi, achei muito, muito valioso assim. E aí eu falei, ah, eu gostaria de colocar em prática o que eu aprendi, aí ele ainda perguntou se eu queria Que eu indicar-me, que ele indicasse eu pra alguma empresa, algum lugar Eu falei, não, eu gostaria de ter a sensação de ter conseguido com o meu próprio suor Eu agradeço muito, primeiro agradeço a oportunidade de ter ficado aqui, foi muito bom, aprendi muito, cresci muito Porque eram pessoas de terceira idade, mas pegava mais a terceira idade Então era muito gostoso porque acabava me remetendo a minha avó e eu ganhava muitos abraços, ganhava muito carinho, então era uma coisa muito prazerosa E aí eu agradeci e acabei que fui tentando buscar outros horizontes Entrei numa empresa que eu não gostei, que investia com importação de roupas Mas o salário era muito baixo, as condições de trabalho eram muito precarizadas O dono, ele não tinha o respeito pelo funcionário, sabe? A gente não tinha um lugar assim específico para o almoço, era uma sala, colocou umas cadeiras lá de plástico, uma mesa de plástico e no fundo várias micro-ondas, muitos deles até já bem acabados E pra lavar, a nossa mamãe tinha um tanque, o mesmo tanque que a moça que fazia a faxina lavava os panos de chão Então eu falei, aqui não dá futuro, não há lugar Aí eu saí, aí depois eu consegui um emprego numa empresa de logística e transporte E ali eu fiquei por um tempo, foi bem legal porque já era bem diferente Já tinha uma salinha só pra mim, um banheiro só pra mim Foi um lugar bem legal que eu trabalhei, gostei de trabalhar.
E como você chegou lá, até esse lugar?
Mandando currículo. Aí eu mandava os meus currículos e calhou de ter essa oportunidade.
Você lembra do seu primeiro dia de trabalho nesse lugar?
Ai, o primeiro dia? Não, não lembro do primeiro dia. A sensação foi... eu lembro da sensação de estar começando, mas o primeiro dia em si não. Eu lembro que a sensação era das pessoas todas tentando me ajudar, sabe? Bem receptivo.
E o que você fazia com o seu dinheiro?
Como é o dinheiro, eu ajudava a minha mãe, dava uma cotia bem simbólica pra minha mãe. E eu gastava em estudos, em investir estudando. Aí eu fiz um curso de Excel avançado, que eu achava que eu tava precisando melhorar. E depois eu fiquei pagando um cursinho pré-vestibular pra entrar na faculdade.
E nessa época você morava onde?
Eu morava na casa dos meus pais ainda.
E como foi? Você entrou nesse cursinho e você conseguiu entrar na faculdade?
Eu entrei nesse cursinho e eu não conseguia entrar na faculdade porque eu tentava USP, porque eu tinha uma coisa assim, é Deus no céu e USP na terra, é Deus no céu e USP na terra. Eu coloquei isso na minha cabeça, ninguém tirava, né? Desde os seus anos eu descobri que tinha um lugar chamado USP. Aí eu falava, não, eu quero entrar nesse lugar, né? Porque esse lugar é um lugar bom de estudar. E ficou 22 pessoas à minha frente. Levei, fui buscar outros horizontes, fui fazer por conta própria, e acabou que eu consegui entrar pelo Sisu numa universidade lá no Piauí. Aí eu fui pro Piauí.
O que você foi cursar?
Então, minha vontade sempre foi de fazer letras e jornalismo. Eu só ficava na dúvida se eu fazia primeiro letras ou se eu fazia primeiro jornalismo Aí um amigo pegou e falou assim pra mim, faz primeiro tal, porque você, não sei se ele falou letras, porque aí você elimina a matéria Sei que aí eu peguei pra letras E aí eu falei, vou fazer letras em inglês, porque eu já aprendi um idioma também Aí fui fazer letras em inglês no Piauí Não concluí, porque eu fui muito assim, vou aprender inglês, e não era assim, né? Você já tinha, eu tinha que ter ido com o inglês bacana, né? E eu tava muito crua no inglês, embora os professores falam, não, Karina, mas você vai forçando, que aí você consegue, né? Aí eu falei assim, não, não quero me formar de qualquer jeito, eu agradeço a oportunidade, mas eu vou estudar, vou estudar mais o idioma, e mais futuramente eu concluo. E aí eu voltei, uma história bem longa, porque nesse inteirinho eu fui, peguei o dinheiro, tudo que eu tinha, joguei tudo numa mala lá, porque falou tem três dias pra você vir aqui assinar papelada, não conhecia absolutamente ninguém no Piauí, não tinha parente, tinha um amigo aqui, e ele falou assim, ah Canina, eu vou conseguir pra você uma família lá, que vão te acolher. E essa família me acolheu, não sabendo quem eu era, não sabendo de onde eu vinha, só na confiança mesmo, me acolheram Aí quando, antes de ir, faltando pouquíssimo tempo, eu falei pra minha mãe, mãe, eu tô indo embora pro Piauí Ela falou, como assim? Eu falei, minha mala já tá pronta, tudo, foi um susto pra ela, um baque, eu expliquei tudo e não tinha como falar, não, eu não vou, eu vou e fui Só que chegando lá eu achava que eu já poderia dar entrada numa bolsa para eu permanecer, bolsa auxílio, sei lá o que E não deu, porque tem várias burocracias, etc. E eu falei, não, mas eu vim aqui com esse propósito de fazer essa faculdade E eu vou fazer essa faculdade, eu vou continuar com meu propósito. Voltei para São Paulo, retornei Meu irmão ia se casar nessa época, já retornei do casamento do meu irmão E como o meu curso ia começar no próximo semestre, que eu fui no comecinho do ano fazer minha inscrição Mas o curso só começava no segundo semestre, eu falei nesse meio tempo eu vou arranjar um emprego De temporário, vou conseguir um dinheiro e vou voltar E assim eu fiz, eu arranjei um emprego Só que nesse emprego eu conheci uma pessoa que eu me apaixonei E aí eu falei, meu Deus, eu conheci o homem da minha vida Só que eu tenho essa faculdade pra fazer. E eu não falei pra ele que ele era o homem da minha vida, né? Porque eu tinha conhecido, vai saber, né? Aí ele falou, você vai fazer essa faculdade. Eu assim, coração doendo, porque eu não queria mais. E aí eu voltei. E aconteceu várias coisas, né? Acabei ficando meio alimentada também. E aí eu retornei. E com esse menino que eu conheci, eu casei. Isso já vai fazer oito anos. Não oito anos de casada, mas oito anos de toda essa história aí.
Então, voltando, como que foi passar esse tempo na casa dessa família lá no Piauí?
Ai, foi muito bom. Eu ficava assim, meu Deus, assim, pra mim era como se eu tivesse ido pra um outro país. Porque era tudo muito novo, era tudo muito diferente, era um lugar que todo tempo ia ficar louro. Eu falava, gente, isso existe no Brasil? Eu não sabia que isso existia Que maravilha, porque eu adoro o verão, né? Adoro, adoro, adoro dias ensolarados. E assim, como eles me conheceram, sabe? Assim, sem ter uma desconfiança, nada. Como o pessoal lá é um pessoal assim que você... Eu contava a minha história, batia palma na casa das pessoas e contava a minha história. E as pessoas, elas pegavam e falavam, entra aqui na minha casa. E eu falava, gente, mas como pode? Porque em São Paulo jamais você vai conseguir uma coisa dessa, né? E lá as pessoas, elas foram muito receptivas e eram muito também na lata, coisa que aqui a gente é bem mais cheio de dedos e tem medo e usa termos. Mas não, se você pergunta, ah, eu tô magra? Tá magra sim. Não fala assim, ah não, é o espelho, é a roupa. Ah, eu tô gorda? Tá gorda, você tá gorda. Então era tudo muito na lata. E eu gostava disso, dessa coisa de ser direto. Então foi bem legal, me ajudaram muito. Até hoje eu tenho contato com eles. Eu considero eles a minha segunda família lá do Piauí. E calhou que esse meu marido aí, ele tem família no Piauí. Então foi uma coisa assim, uma coincidência muito grande.
E como era sua rotina?
A minha rotina... A dona Maria, que era a dona da casa, ela nunca me cobrou nada, mas eu me sentia no dever, na obrigação. Aí eu acordava, arrumava toda a casa dela, ajudava tudo o que eu podia com ela, aí eu estudava, né? Ia pra escola, estudava, aí retornava, dormia, comia, ajudei a Dona Maria também, quando antes de sair, ela falou assim pra mim, o filho dela, uma vez, ela falou, ah mãe, essa farofa aqui não é da muito gostosa não. A muito gostosa é uma farofa que tem uma coxa de frango na embalagem, eu guardei isso. Aí eu falei, agora que eu estou indo embora, eu vou fazer uma compra para a dona Maria, uma compra bem boa, muito boa. Aí eu peguei e mandei, vim trazendo tudo nas sacolas, sem ela perceber. Aí vim trazendo tudo nas sacolas, aí eu falei, dona Maria, eu estou indo, mas eu queria deixar isso para a senhora. Aí quando eu botei a compra, com as coisas que ela gostava, aí ela viu a farofa com a coxa de frango na embalagem. Ela falou, ah, farofa com a coxa de frango na embalagem, né? E ela, acho legal, né? Porque eu me atentei às pequenas detalhes. E acabou que eu fui morar numa república com algumas garotas, né? Uma república pública, que tem lá no Piauí, que chama Casa da Estudante. E aí foi bem legal, por um lado, porque vinham meninas de todos os lugares do Brasil. Só não vinha menina do sul. Tinha menina do norte, tinha menina do sudeste, tinha menina do centro-oeste. Só que ao mesmo tempo era uma bagunça total. Era uma bagunça total, uma desorganização total. Porque eram garotos que estavam ali, sem os pais. Então, aquela coisa de república, né? Vamos curtir, vamos... E depois eu fui morar sozinha. Aí eu fui morar numa kitnetzinha, aí eu passei um período morando nessa kitnetzinha, eu tinha todas as minhas coisinhas. Aí eu fiz uma casinha, eu comprei um guarda-roupa, Adumina Rede, que eu nunca tive essa experiência de Adumina Rede, eu achava um máximo. Eu falava, nossa, é muito bom isso daqui. Aí comprei um guarda-roupa, comprei um fogão, comprei uma geladeirazinha. Aí eu tinha essa casinha, montei uma casinha pra mim. E foi bem engraçado esse dia que eu tava falando pro pessoal, me ajuda a encontrar uma kitnet, me ajuda a encontrar uma kitnet. Achei a kitnet, o pessoal me ajudou. Aí quando o pessoal foi na minha casa, um dos meus amigos falou, nossa, Carina, você não tem nada, só tinha uma rede. Acho que até a Dona Maria que me deu essa rede. Ela me deu essa rede e falou, toma minha filha, leva uma rede pra você. Aí fui com essa rede, aí o meu amigo não tem nada e ficou assim numa situação. E uma das minhas amigas, não sei se falaram pra ela, ela falou assim, vamos correr atrás de uma cesta básica pra Karina, né? Porque na cabeça deles ela falou, tá difícil a situação dela. Mas na verdade é que eu tava num lugar novo, então eu não sabia onde vendia as coisas e desse... Nesse período eu guardo, eu tenho uma amiga que eu guardo até hoje, que eu tenho até hoje, que é a Rafaela. É a Rafaela que me ajudou a descobrir, desvendar Terezinha, né? E aí eu falei, Rafa, vamos comigo pra comprar geladeira, comprar fogão. E ela falou, vamos. Aí nesse dia a gente comprou geladeira, comprou fogão, e eu já tinha um guarda-roupinha, né? Aí meu outro colega, um colega de faculdade do Bernardo, ele falou, me arranjou o carreto, né? E aí no outro dia eu falei, ah, vamos fazer, porque eu morava assim, em frente à faculdade. Então, eu atravessava a rua e tava na faculdade. Aí eu falei pra professora, professora, vai ter filme? Então, deixa eu fazer pipoca na minha casa. Eu moro aqui, atravessando a rua. Aí a professora deixou. Aí, nisso, eu trouxe esse menino e ele falou, nossa, agora você tem tudo na sua casa. E foi muito engraçado essa cena e eu não me esqueço até hoje dele falando isso.
Inésia República, você aproveitou?
Nessa República só tinha briga, na verdade, só havia briga. E tinha muito assim... eu fui muito assim crua, fui muito... pode ser uma coisa de infância, que eu trouxe da minha infância, então eu fui muito aquela cena de infância, aquela cena de fantasia, aquela cena de romantismo. E quando eu dei de cara com a realidade, aí desmoronou tudo, aí o meu castelo foi por água abaixo. E eu achava assim que ia ser o máximo, né? Nossa, menina de várias partes do Brasil, vai ser uma coisa assim, uma troca de experiências absurda Porque eu, como eu falei pra você, eu sou católica desde criança e tinha uma época que eu tinha essa coisa, será que eu vou ser freira? Será que eu não vou ser freira? E eu acabei indo em alguns conventos e em convento tem isso também, tem meninas de várias partes do Brasil, tem meninas de outros países E tudo é muito bacana, todo mundo se dá muito bem, é muito harmonioso E eu achava que ia ser do mesmo jeito, só que não foi Na verdade, existiam várias rixas lá e sempre tinha um barraco ou outro Mas eu ia levando, não fiz amizade com nenhuma daquelas meninas Na verdade, muitas delas não vinham com a minha cara porque falavam, é a paulista, é a paulista Porque tinha uma rixa assim com São Paulo, né? Porque, ah, São Paulo, você acha que é das melhores dela e tal E aí acabou que eu não fiz amizade com ninguém, mas por um outro lado eu achava legal ver a diversidade, né? Ver como eram diversos, o modo de falar de cada um era diferente, o tipo de histórias da infância, de como vivem, do que que é o simbolismo de riqueza e tal, né? Tinha uma que era do Pará e ela falava assim, contando uma história de um cara que era muito rico na cidade dela E eu acho que, nossa, ela ajudava a ser amiga da Ana Marabá. E ela falando, e ela falando assim, sabe o que ele criava? Eu falei, o quê? Avestruz. Ele criava avestruz. Tinha uma planta de avestruz. Eu falava, nossa. E quando ela queria dizer que a agua era muito, assim, luxuosa, ela falava assim, depois, era depois. Era depois de boi, era depois. Ele criava avestruz. Era bem legal, assim. Acho que se a gente se reencontrasse, porque já faz quase, já faz uns bons anos, acho que a gente ia rir de tudo isso, sabe? Ia falar, poxa, é outra cabeça, né?
E o seu curso, você curtia?
Ah, eu gostava muito. Na verdade, eu gostei muito, eu me adaptei muito àquela faculdade. Nossa, eu adorava aquela faculdade porque, sabe, me propiciou tantas coisas bacanas. E tinha cajueiros. Eu nunca tive essa experiência de comer caju, né? Eu tomava só suco e pó, né? Suquinho e pó. E aí, de repente, você pega um caju e eu ia lá no pé pegar aquele caju e eu chupava aquele caju e eu falava, gente, isso é vida. Isso é vida. E eu achava tudo fantástico. E os meus amigos, eles riam da minha cara porque era tudo tão banal pra eles. Que eu vi os bichos e falava, ah, aquele bicho ali Eu vi um bicho que era um saruê, eu nunca tinha visto um saruê na minha vida Falei, gente, que bicho legal! Aí eu saí correndo atrás do bicho E aí eu falei, eu quero te tirar uma foto aí com um dos meus amigos Você me fala, Karina, esse bicho, se ele fizer xixi em você, ele é ácido, vai queimar você Mas eu fui também muito com uma ilusão do Nordeste bem ultrapassada. Porque eu fui com uma ilusão do Nordeste, que no Nordeste era tudo muito tranquilo, era tudo muito relax, e na verdade não é bem assim. Na verdade, lá era uma das capitais mais, não sei se ainda hoje é, mas mais era uma das capitais que eu mais gostava de visitar. violentas, presenciar alguns assaltos, o pessoal assaltava lá de faca Mas graças a Deus, eu não fui assaltada em nenhum momento e eu uma vez um menino veio se aproximando pra cima de mim e eu falei assim, não, eu não vou ser assaltada, por uma questão de honra eu não vou ser assaltada aqui não, gente, pelo amor de Deus, eu vim de São Paulo, eu não posso ser assaltada aqui E aí graças a Deus eu nunca fui assaltada, na casa onde eu morava lá na casa da estudante, também alguns rapazes roubaram algumas coisas, mas eu gostei muito, assim, eu moraria no Piauí, se não fosse por outras questões de política e etc, eu moraria.
E quando você montou a sua casa, foi a sua primeira vez morando sozinha?
Foi a minha primeira experiência morando sozinha, uma pessoa assim que nunca tinha ido, acho que nunca tinha ido Dormir na casa de uma amiga, de repente eu fui pra um outro estado, eu fui enfrentar o mundo e eu não me arrependo de nada mesmo não tendo me formado. Pra mim o Piauí foi uma escola. Porque lá eu pude falar, Karina, você pode. Porque eu fui cheia de medo, sabe? Lá não é tão assim, sabe? Então foi muito bacana e me foi muito gostoso. sempre tem aquele protecionismo dos pais. Quando você enfrentar o mundo, você vai ver que as coisas são difíceis. Só que nessa empresa que eu trabalhei de transportes, uma vez um colega perguntou pra mim se eu morava sozinha. Eu falei, não, eu não moro sozinha, eu moro com meus pais. Ele falou, faça essa experiência, é ótimo. E eu fiz, Foi embora sozinha, eu falei, poxa, que bacana, é muito gostoso mesmo. Tem os lados ruins, né, que às vezes eu fazia um bolo e eu falava, gente, de novo esse bolo aqui, ninguém pra me ajudar a comer esse bolo, sabe? Ninguém pra lavar essa louça aqui pra mim. Mas tem um lado bom também, né, que a sua bagunça lá e você com a sua bagunça. Você com você mesmo, foi uma fase bem introspectiva, que eu me encontrava muito comigo mesma, meio que foi um recolhimento. Foi bacana, gostei muito.
E você mantinha contato com o menino que tinha desaparecionado?
Sim, a gente... Eu falei assim, como é que vai ser a gente? Primeiro que eu era uma pessoa assim, sempre fui uma pessoa bem certinha Aí eu tinha isso aí na minha cabeça, não pode namorar com quem a gente trabalha Porque é errado, não sei o que, não sei mais o que lá Aí eu tive um primeiro namorado, foi uma experiência bem chata E aí eu peguei e falei assim, tudo que eu tinha como verdade não é verdade coisa nenhuma E eu vou dar uma reviravolta Aí, acabei que namorei esse menino, aí depois eu me arrependi, que eu falei, ai meu Deus, esse menino vai falar que fez coisas comigo, que tudo mentira, porque tem essa coisa de falar, ah o homem conta vantagens. Fiquei com isso na cabeça, vai contar vantagens, ai agora eu vou fingir. Aí eu tava descendo pra entrar pra empresa, descendo uma rampinha, e aí ele tava lá no cantinho dele, que era da manutenção. Aí ele tava lá na salinha da manutenção e perto de um parado lá e eu falei, deixa eu já olhar pra baixo e fingir que eu não tô vendo, né? Pra não dar conversa. Mas ainda aconteceu que não era nada disso e aí eu fui gostando mais ainda dele e aí quando foi pra chegar o derradeiro dia, né, de eu ir pra Piauí novamente, aí eu falei, e aí, como que vai ser a gente? Aí ele falou, é, né, é complicado, né, porque você vai estar indo pra um outro lugar. Aí eu já, dentro eu já fiquei super chateada, mas chorando por dentro, mas por fora eu tava assim, né? Tudo bem, né? Aí ele falou, aí eu falei, mas você não pensa da gente namorar a distância? Eu nem lembro o que eu falei, pra falar a verdade, sabe? Aí ele, eu só sei que eu falei assim, vamos tentar a distância, ele falou, vamos tentar, vamos tentar, ele falou. Falamos pros nossos pais e pro tempo presente que a gente, pro tempo deles, ele falou, a gente namorar a distância, né? Uma coisa tão pra trás, né? Não acreditaram muito, mas a gente ficou namorando em distância por um ano e meio.
E que lugar era esse? Que trabalho você fazia quando vocês se conheceram?
Eu também trabalhava na minha área. Eu era assistente administrativa e era uma empresa de farmacêutica, produtora de medicamentos. Ele era eletricista, né? Eletricista de manutenção. E eu era uma assistente. Eu ficava no escritório. Mas eu era assistente da parte da manutenção. Aí eu assistia eles, né? Eles vinham e falavam, ah, a gente precisa disso, aquilo ali.
E como foi voltar do Piauí e encontrar ele e a sua família?
Ah, é uma sensação estranha quando você fica fora de casa e depois você volta, sei lá, é uma sensação estranha, meio que parece que você não cabe mais lá dentro. Reencontrar ele foi uma sensação estranha também, porque ele tinha feito um corte de cabelo tão horrível e eu achei aquilo tão horrível. E eu falei assim, gente, eu acho que eu não gosto mais dele, e agora? Aí ele querendo me beijar Não queria beijar ele, sabe? E aí eu falei, meu Deus, acho que eu não gosto mais desse menino, coitado. E ele falou, o que que foi? Você tá com vergonha de mim? Aí eu acabei que eu falei, ele falou, esse corte de cabelo seu tá horrível. Aí ele pegou e falou assim, meu pai também falou, minha mãe também falou. Minha mãe também falou, ele cortou de novo o cabelo, aí voltou tudo a normal.
E quando você voltou, você voltou pra casa dos seus pais?
Aí eu voltei pra casa dos meus pais. Aí passou um tempinho, muito pouco tempo, eu já casei com ele, mas foi uma coisa assim, sempre pegando minha mãe de calças curtas. Rolou um negócio de que nós moramos em Osasco, né? Aí rolou um casamento comunitário, a gente tava super sem dinheiro, né? Aí a gente, vamos casar? Vamos, vamos casar. Mesmo não tendo dinheiro, né? Aí a gente viu essa faixa, falei, Tiago, vamos tentar Esse casamento aí comunitário, porque não paga e tal. Aí fomos, vimos tudo, como que era. Aí no dia eu falei assim, a gente conta pros nossos pais que a gente tá querendo casar, não conta, como é que a gente faz? Aí ele falou, não, não é pra contar nada não, porque você vai dar pra trás, que a sua mãe pode ser que fale que não é a hora. Aí minha mãe falou, não vai contar pra ninguém não. Aí a gente não contou. Aí fomos no cartório, assinamos toda a papelada e aí A gente, aí meu amigo pegou e falou assim, que foi um amigo lá que me deu a família, que me arranjou a família pra eu morar, né Aí ele falou, e aí, carinha, você não vai contar pra seus pais, não vai contar pros seus pais Aí eu brincando, eu falei assim, ah, eu vou postar no Facebook E aí a boca pequena se encarrega de todo o resto, e assim eu fiz E aí a mãe dele tava viajando, estava no Piauí, e aí vi umas fotos lá E o Thiago colocou lá, feliz e sei lá, e aí a mãe dele falou assim Aí as primas viram e falaram, mano, eu acho que o Thiago se casou Eu acho que o Thiago tá casado, se casou Aí ela ligou imediatamente e falou, Thiago, que história é essa? Você se casou? Aí ele falou, é, eu me casei, mãe A minha mãe depois, minha irmã falou, mãe, a Karina se casou, porque olha isso daqui Aí minha mãe me ligou e falou, casou, é? Aí eu falei, mãe, tô casada Aí ela falou, parabéns então, mas era porque assim A gente ia se casar no religioso e no civil. Aí a gente falou assim, então vamos casar nesse civil aqui porque a gente tá sem dinheiro mesmo. Aí vai economizar uma grana, né? Aí economizamos uma grana e a gente vai morar junto quando a gente se casar no religioso. E assim a gente fez, né? E elas achavam que não ia ser assim. Eu não sei, mas elas ficaram... A gente achava que todo mundo ia rir muito de tudo isso. Na verdade não riram. Na verdade não acharam engraçado. Os nossos pais nem ligaram, não. As mães ficaram assim, poxa, que desconsideração. Mas aí no final elas viram que não foi muito casar, porque ele continuou morando na casa dele, eu continuo morando na minha casa. Aí depois de mais dois anos, a gente se casou num religioso. Aí foi com tudo, foi com toda a família, foi com buquê, foi com vestido, foi com bolo, foi com tudo. Nesse casamento civil aí não teve nada, só teve um Ah, obrigada, a gente se abraçou e o meu amigo foi trabalhar, os meus amigos, e a gente nem tomou café, veio pra casa, porque acho que nem tinha dinheiro pra tomar café, sei lá.
E quando você voltou, ele trabalhava, o Thiago trabalhava nessa mesma empresa que vocês conheceram ou não?
Então, antes de eu sair, ele foi mandado embora. Eu falava pra ele assim, o nosso chefe ele tem uma atenção por você, mas ele tava insatisfeito Por outras questões de não se sentir valorizado e etc Aí acabou que ele já queria sair, né? Aí ele saiu E aí depois disso, eu não me recordo se... Aí depois disso ele ficou trabalhando, ele começou a procurar emprego e aí faltou emprego Começou a ficar bem difícil de trabalho. E aí ele começou a trabalhar por conta própria, fez uma lojinha no Mercado Livre E aí fez essa lojinha, depois ele conseguiu um outro trabalho temporário, que eu falei, vai pegando que dá, né Aí ele conseguiu um trabalho temporário numa empresa de alimentícia, só que não conseguiram contratar ele E aí depois ele falou assim, e agora eu preciso de trabalho, a gente precisa casar, e a gente tava poupando tudo Onde dava dinheiro, a gente pegou uma vez um ferro velho da minha mãe, foi vender Vendeu o carrinho, vendeu tudo, pegou o dinheiro E aí eu falei assim, minha irmã falou, ah, por que você não tenta trabalhar de vendedora? Você é tão bom de maluca de lábia, né? E aí ele viu, precisa ser de vendedora pra uma hora, ele falou, ah, vou dar meu currículo E chamaram ele, contrataram ele, só que ele ficava assim, bem assim, bem... como que eu posso dizer, é, constrangido no sentido de que ele estava ganhando menos, de que ele tinha uma profissão, um salário um pouco melhor. Eu falei, não, Tiago, não pensa assim, pensa pelo lado positivo, né? Porque era em construção, eu falei, pensa pelo lado positivo, pensa que você vai saber tudo de construção agora, né? Pensa que quando a gente for colocar um piso, você vai saber, pensa que quando a gente tiver uma nossa casa, você vai saber de tudo. E vai, vai abraçando. E assim ele fez. E acabou que esse trabalho abriu portas pro trabalho que ele tá atualmente. Graças a esse trabalho. Então, eu falo até pra ele, viu? Se você tivesse menosprezado essa pequena chance, você não teria uma chance maior lá na frente.
E você? Você voltou e foi trabalhar com o quê?
Aí eu voltei, aí eu peguei e falei assim, ah, não quero mais trabalhar em escritório. Não, não quero mais, porque o pessoal só pede pra gente estudar, estudar, a gente fica estudando e na hora de aumentar o salário não aumenta, fala que só fica dando tapinha nas costas. Eu quero é dinheiro, o que eu quero é dinheiro. Aí eu fui, onde tava dando dinheiro eu ia. Aí fui trabalhar como... No final de tudo, era até um sonho meu, porque eu sou uma pessoa assim, de pequenos sonhos, sabe? E aí era um sonho, eu tinha o sonho de trabalhar de auxiliar de produção. Não sei o que é, mas era uma vontade que eu tinha, eu queria muito trabalhar de auxiliar de produção. E aí eu fui trabalhar de auxiliar de produção. Aí eu trabalhei de auxiliar de produção, ganhei bastante dinheiro. Eu falava, nossa, como isso daqui dá dinheiro, né? Porque eu vim de uma cabeça lá de escritório, e ali era só fazer as coisas. E aí eu só ia jogando as coisas assim, para embalar, colocar dentro de um saquinho. Eu falava, nossa, isso daqui é muito fácil. Aí eu jogava as coisas de saquinho, jogava, jogava, jogava, E eu falei, poxa, que bacana, mas ao mesmo tempo ter essa coisa assim, eu entendo que quem trabalha disso não gosta muito de trabalhar disso por conta do menosprezo de ser, ah, você é inferior porque você só é uma pessoa que coloca a coisa dentro, sabe? É como se a pessoa não tivesse, não pudesse dialogar de assuntos mais profundos, sabe? Então eu entendo. E aí depois eu trabalhei na adega de um amigo meu, aí depois eu trabalhei Em uma empresa de telemarketing, e aí depois eu fui trabalhando, trabalhando, trabalhando Até que eu falei, vou fazer um intercâmbio pro meu marido, vou aprender esse inglês Vou aprender esse inglês, Tiago, que eu vou terminar lá a faculdade Aí o Tiago falou, ai Karina, mas você quer, não vai dar certo porque você não sabe inglês Eu falei, eu vou, mas eu não vou dar duas caras, você quer? Aí assisti, aí convenci o Tiago, aí fechamos o pacote Aí tá, eu tava nessa empresa, era temporário, aí o meu chefe falou, posso tá te contratando? Eu falei, não, seu Luiz, não pode porque eu tô indo pra esse lugar aí, que na época eu ia ir pro Canadá Aí eu, sem visco nenhum, tinha o passaporte zerado, né? E eu falando com a moça, ela falei assim, mas será que eu vou conseguir? Porque eu não... E se o cara me negar um visco? Ela falou, não, vai dar tudo certo, mas eu tava com esse negócio no coração Dito e feito, me negaram o visco, e eu já tava com tudo pronto Tudo. Comprei uma web estrangeira, fiz seguro, fiz o caramba a quatro. Aí tá, fiz o dinheiro, ok. Beleza. Aí eu fiquei assim, ai meu Deus, que coisa, né? Eu queria tanto ir. Aí eu falei, o que eu vou fazer agora da minha vida? Falei, nesse meio tempo eu já tinha entrado na faculdade. Aqui é tanta coisa, Luísa, que eu ia ficar até confusa, achar um beijo de uma pessoa louca, né? Porque eu tinha entrado na faculdade e falei, vou esquecer um pouquinho letras porque o inglês tá ruim e vou já pra tipo jornalismo. Aí entrei em jornalismo. Só que nesse meio tempo eu tava pra casar e tava aquela loucura e eu estudava numa faculdade que era trabalho em grupo e eu sentia que o pessoal ficava deixando muito nas minhas costas E eu tava muito sobrecarregada e eu falei assim, entre casar e a faculdade, a faculdade que isso perde, né? Aí eu falei, vou ter que terminar o curso então, vou ter que voltar aos estudos. Só que nesse interim, eu senti muita dor de cabeça um dia e falei, Thiago, estou com dor de cabeça. Toma tal coisa. Thiago, a dor de cabeça não passa. Vamos ao médico. Aí eu comecei a ver uns negócios e falei, eu acho que estou ficando doida de novo. Aí vamos lá conversar com esse médico. Aí tá bom. Fui um dia, tome-se em médico. A dor de cabeça não passou. Fui no outro dia, Toma mais esse remédio, a dor de cabeça passou. No terceiro dia eu falei, Tiago, é o seguinte, eu vou chegar nesse médico e eu falo, me interna, porque se você não internar, eu quero tal medicação, eu quero uma promazina que é o que dá certo pra mim E aí eu coloquei o médico na parede, e o médico falou, olha, eu não posso fazer esse tipo de coisa, porque eu sou um clínico geral O que eu posso estar te fazendo é bater alguns exames e você vai estar sendo internado, você concorda? Eu falo, concordo Aí nisso ele falou, vamos bater um exame, bater uma Acho que uma tomografia falou, essa menina tá com uma aneurismo cerebral já rompeu, ela tem que ser internada agora E aí eu fui internada com uma aneurismo cerebral sendo rompido na cabeça, aí fiquei no hospital um mês lá E aquela coisa, vamos ver, vamos ver, vamos ver. Aí deu trombose nesse meio tempo também Aí teve que ir fazer em dois passos, dois procedimentos e falando assim, ela pode morrer Ela pode ser que ela viva, ela pode... Na verdade, se não internasse, eu ia poder morrer. Se internasse, eu vou poder morrer. Era aquela coisa assim. É o que tem pra hoje, né? E aí fiquei. E aí, por incrível que pareça, pra surpresa de todos, eu sofri esse aneurisma e continuei falando durante antes, durante e depois. Tanto é que o médico falou agora, pede um psiquiátrico pra ela, pra ver se ela tá bem mesmo, porque eu me mantive lúcida, ia andando e tomando meu banho, porque eu já vim com aquela lembrança de lá do primeiro hospital, falei, não, dessa vez não. Dessa vez eu vou me importar, dessa vez não vai ser como o da primeira não. Então eu ia lá, tomava meu banho, eu mesma Fazia tudo que eu podia fazer, eu tinha essa autonomia. Embora, eu disse a minha filha, você tá com um quadro super complicado. Eu falei, mas eu tô me sentindo ótima. E ali agora, eu saí do hospital e teve essa questão da pandemia. Aí eu tô vivenciando essa pandemia.
Nossa, foi super recente então.
Foi. super recente. Eu entrei, eu tive essa primeira dor de cabeça, foi dia 31, aniversário da minha mãe, dia 31 de outubro, e fui ser internada três dias depois, dia 2 de novembro, que descobriram, porque eu falei assim, eu vou pedir pra esse médico, que eu pus o médico na parede, porque até então eu achava que era dor de cabeça, enxaqueira, sei lá o que. E saí exatamente um mês depois, 2 de dezembro. E foi engraçado que na segunda, tava muito bem assim, eu lembro que meu médico falou assim, ele falava, nossa, ela tá lixando a unha, né? E ele falou assim, vem cá, que eu dei um barraco, porque vinha um e falava assim pra mim, ai você tá bem, você tá ótima. Eu falei, opa, eu tô ótima, então deixa eu levantar essa cama, né? Aí levantou e falava, moça, mas por que você tá na cama? Gente, eu tô bem ou não tô bem? Eu pensava comigo mesmo. Aí um dia eu fiquei com raiva quando eu voltei do primeiro procedimento que eu fiz, que foi uma embolização. E aí vai pela artéria e tal, pela bibiria pegando a artéria. Aí eu levantei e falei assim, olha aqui, eu quero saber a minha real condição. Eu quero saber minha real condição, porque hoje eu tô achando isso uma palhaçada. Aí falou, moça, você, pelo amor de Deus, você fez um procedimento na artéria, sua artéria tá aberta, não sei o que. Eu não quero nem saber, eu não tô nem aí, eu exijo. E aí veio o doutor Antônio e falou pra mim, vem cá, eu quero conversar com você. Aí abriu o celular dele e falou assim, tá vendo isso daqui? Eu falei, estou vendo. Ele falou, isso é o que você tem na cabeça. Eu falei, nossa, é isso que eu tenho na cabeça? Nossa, que calumbo, né? Aí eu falei, e se isso daqui estourar? Ele falou, você morre. Aí eu peguei e falei assim, eu morro? Morro nada, eu deitei na cama. Aí ele falou, ah não adianta né, porque o doutor Antônio coincidentemente, coincidentemente, ele já estava me tratando, só que ele trabalhava nesse hospital também. E aí ele falou, ah não adianta discutir com ela, ia morrer realmente. E agora coincidentemente o doutor Antônio está hospitalizado porque contraiu Covid, está no estado bem grave. É a vida né, você vê que a vida É uma novela, né?
Mas voltando só um pouquinho, eu quero saber como foi os preparativos pro seu casamento.
Foi aquela coisa assim, foi muito engraçado, porque foi eu e ele. Porque assim, a gente não tinha dinheiro nenhum. Aí eu falei assim, a gente vai casar. Aí ele falou, não, mas carinha, o pessoal tá certo. Aí muita gente descrente por conta dessa situação. E... E falava assim, ah, ela falou, Karina, é verdade, a gente não tem dinheiro nenhum, como é que a gente vai casar sem dinheiro nenhum? Aí eu peguei e falei assim, não, a gente vai casar. Aí eu falei, meu Deus, e agora? A gente não tá acreditando, o que eu faço? Aí vem uma luz, aí vem uma passagem assim da Bíblia, que fala que Jesus estava no casamento e a mãe dele falou, ele não tem mais luz. Eu falei, já é horeca. Vou fazer isso, vou até a Aparecida e vou falar pra ela, falar pro filho dela Aí fui até a Aparecida, eu não sei de onde eu arranjei o dinheiro, mas eu arranjei o dinheiro Falei, Thiago, nós vamos até a Aparecida Aí, no meu coração eu não falei nada pra ele, né Aí eu falei, ajoelhei na imagem da Nossa Senhora Aparecida e falei assim Nossa Senhora, fale pro Seu Filho Jesus que nós não temos mais vindo Aí eu falei pra ela, se a Senhora não, eu sei que a Senhora vai pedir essa graça pra Jesus, mas aí eu dou o vestido Só pra dizer a minha graça, não quer dizer que ela vai me dar graça por conta do meu vestido, né? Aí tá bom. Aí voltei pra casa, com isso guardado no coração e fui levando. Aí eu peguei e falei... aí minha mãe falou... umas bujigangas aqui, foi fazer uma urbanização lá na casa. Aí a gente leva essas bujigangas lá no ferro velho pra vender. Aí a gente levou as bujigangas no ferro velho pra vender. Aí o carrinho quebrou no meio do caminho. Aí a gente vendeu o carrinho também. Aí eu ia vender as bujigangas, vender o carrinho. Aí chegou lá e falou, mãe, vendemos. Ela falou, ah, pode ficar pra vocês o dinheiro. Eu falei, ah, então, Tiago. Dei o dinheiro na mão do Tiago e falei, se você vai comprar retalho de feltro. Dessa, dessa, dessa cor. Aí ele foi lá, sei lá, acho que foi no 25 de março, comprou. Aí ele trouxe. Aí eu falei, agora você vai desenhar vários corações. Aí ele desenhou vários corações. Eu falei, agora você vai cortar. Porque eu mandava e o Thiago ficava lá. Aí eu falei, agora você vai costurar. Aí nisso de costurar, ele não conseguiu costurar. Não deu certo. Porque ele costuraria um pouco e eu costuraria um pouco. Aí eu comecei a costurar vários corações. Aí eu costurava, costurava, costurava. Aí a gente falou, a gente vai fazer esse caminhamento. Vai ser dia. Vai ser em maio de 2018. Aí quando as pessoas perguntavam, e aí vocês vão casar? Eu falei, vai ser em maio de 2018. Aí o Thiago perguntava para o Thiago e o Thiago falava, a gente entra a ver se consegue casar em 2018. Não, ele vai ser em maio de 2018, pode colocar aí na sua lista. Maio de 2018. Aí, como a gente estava sem dinheiro, eu falei, não, eu vou fazer um casamento modesto, mas no que for possível eu vou fazer bonito. Com capricho, né? Aí tá. Aí pegamos garrafinha de refrigerante, eu peguei e falei, não, me dá uma garrafinha de refrigerante, juntei. Aí eu mesma cortei aquelas garrafas, aí eu mesma pintei, aí eu peguei e comprei. Falei, ah, não dá pra ter flor natural? Então tá bom, eu vou fazer um monte de flor de origami. Fiz flor de origami, fiz, fiz, fiz, fiz. Aí fiz flor de origami, aí eu fiz os galhos, fui pegar os galhos lá no parque, Aí catei um monte de galho do parque, aí pintei os galhos do parque. Aí esse daqui eram os galhos que teve no casamento. É uma luminária, ela acende, né? Aí essa luminária... Ah, não posso colocar porque senão cai. Ela acende. Aí essa luminária, eu peguei e falei assim pra ele, a vizinha de Porto Adumado. Nossa, Tiago! Essa árvore, ela dá pra fazer uma luminária. Aí a gente faz uma luminária de flores. E coloca lá pra enfeitar o salão, tá? Porque eu já tinha o casamento todo na minha cabeça Na verdade, antes dele falar que ia casar, eu já tinha o casamento Já tava pesquisando tudo pro casamento E aí, tá, aí fiz o Thiago pedir, abre Aí ela falou, minha filha, mas pra que você quer esse pedaço de pau? É coisa em tudo, a gente vai jogar fora Aí eu falo, não, mas é que a minha noiva quer, né? A minha noiva quer, aí eu falo, então pega Aí pegou, aí passou um produto pra tirar bichinho, né? Cupim E aí o pai dele olhava aqui e falava, Tiago, o que é isso aqui dentro de casa? Aí eu falava, a Karina que pediu. Aí ele falava, Tiago, pelo amor de Deus, tira esse negócio. Porque quando você tem uma visão mais artística, você olha as coisas com outro olhar. E quando a pessoa não tem, ela não consegue visualizar. E aí eu falava, ali vai ser um... Aí todo mundo pensava, é uma louca, né? Falava, aqui vai ser um arranjo de flores. E as pessoas não conseguiam ver, só conseguiam ver um monte de galho seco Aí eu falei, vamos pintar. Pintamos, aí ele encapou, aí colocou a parte elétrica E acabou que todo mundo gostou disso daqui, todo mundo tirou foto do lado disso daqui, foi uma sensação E todo o resto também, acabou que eu falava assim, ah eu mesmo vou fazer os doces, eu vou fazer o bolo, eu vou fazer tudo Eu vou fazer meu vestido, eu vou fazer tudo E o Thiago falava, menina, mas você não vai conseguir, não vai dar tempo Eu falei, vai, vai, vai, porque eu não tinha dinheiro Mas aí foi aparecendo o dinheiro, sabe? Aí foram pessoas que falaram assim, ah, eu vou te dar um desconto assim. Eu falei, caramba, as coisas foram acontecendo, sabe? No final eu acabei tendo uma assessora, que eu nem imaginava que ia ter uma assessora. E eu me casei. Exatamente 6 de março de 2018, nós entramos e nos casamos.
Como foi esse dia pra vocês?
Foi uma loucura. Foi uma loucura. Eu não vou falar, foi um dia lindo, mas foi um dia assim, louco, maluco, porque a cabeleireira, ela tinha maquiadora, ela falou assim, que eu não tinha lido o contrato, que ela queria uma vaga pra estacionar o carro. Aí eu falei, ah, ok, se ela quer uma vaga, tava lá a vaga na rua, né? Aí ela falou, mas não é assim, é dentro de um local, uma garagem. Eu falei, nossa, Eu não sabia, não sei o quê, aí ela já tava um pouco alterada, porque ela não tinha dormido E aí que eu liguei pro meu sogro e falei, aí liguei pro Thiago, aí o Thiago naquela loucura que ele tava tendo que encher balão, porque eu falei que eu queria balão no casamento E aí ele falou assim, calma aí, eu vou resolver Aí ligou pro pai dele e falou, pai, é o seguinte, a monstra precisa guardar o carro Deixa a garagem, tira o carro do centro da garagem pra ela colocar na garagem Aí foi lá, como a gente tinha relativamente próximo morava relativamente próximo aos pais dele, aí levou, aí o pai dele foi chofer, né? Levou, ela levou o carro dela lá, aí o pai dela trouxe ela pra cá, aí depois o pai dela, o pai dela não, o meu sogro veio e levou ela até a minha casa, depois trouxe ela até a casa dele pra pegar o carro de volta. E ela ficava assim, mas você não leu o contrato. Eu falei, gente, eu li o contrato. Ela, não, você não leu o contrato. Gente, eu li o contrato. E aí ela pegou e falava, e agora, como é que vai fazer? Eu falei, você quer fazer num salão? Você pode estar fazendo num salão. Ela, não, mas não sei o que. Aí eu falava assim, você quer fazer na igreja? Você pode estar fazendo na igreja lá, a gente faz lá. Mas o seu casamento, eu não tava me importando se ia ver, se não ia ver. Eu queria só casar, entrar lá, casar. Mas acabou tudo certo. Aí acabou que uma colega minha falou que ia cantar lá e a menina atrasou. E aí o cara não cantou direito e saiu tudo de qualquer jeito. E aí o padre falou, por favor, você não se atrase, que o padre falou assim, porque a noiva já tem as coisas de atrasar. E o padre falou assim, olha, Karina, eu só queria te pedir uma coisa. Porque eu consegui um dia excepcional, não se faz casamento aos domingos, né? E eu falei, padre, por favor, eu preciso casar aos domingos, porque vai ser com mês. E chorei, né? Mas pitanga, e o padre falou assim, então vai, minha filha, você vai casar no domingo. Aí ele falou, mas não pode, Karina, atrasar, viu? Porque domingo eu tenho que celebrar a missa, e eu tô vindo de outro lugar, e eu falei, tá bom. E eu fiquei morrendo de medo. Ai, se eu atrasar, meu Deus, se eu atrasar. E eu não me atrasei, eu cheguei lá acho que com 10 minutos antes, e a menina da música atrasou. E o meu pai se perdeu no meio do caminho. Mas quanto o meu pai, tudo bem, não tinha problema. Porque eu falei assim, se o meu pai se atrasar, padre, eu entro sozinha na igreja, não tem problema, eu vou entrar sozinha. E dito e feito, meu pai se atrasou, meu irmão entrou comigo, Mas no final deu tudo certo. Foi uma loucura, porque depois esse menino que cantou a música falou que queria um carro pra levar ele e a gente pra achar esse carro, que não tinha esse carro. E o menino segurando a gente. E a festa já tinha começado e a gente não tava na festa. E aí depois o menino falou assim, ah, vai ter que pagar o carro, não sei o quê. E a gente querendo ir. Depois... Foi uma loucura, sim. Mas no final eu tava lá. E eu peguei o bendito microfone e falei, eu quero abrir um momento pra dizer algumas palavras. Quando eu tinha 16 anos, eu estava na cama de um hospital. E rezaram por mim, e pediram por mim. E uma vez eu falei pra Deus, Deus, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá. E aí eu pedi pra todo mundo, eu falei na sala de palmas, porque eu consegui, eu fiz, eu estudei de novo, eu tô casando. E na época teve uma criancinha, E ela sempre ia lá pra minha casa, que era minha vizinha, que ela tinha três aninhos, ela era quase uma bebê E eu brincava com ela, dava doce, né? Crianças sempre gostam dessas coisas E quando ela soube que eu tava doente e a mãe dela ia me visitar, ela ajoelhou nos pezinhos da mãe dela e falou assim Mãe, por favor, não deixa a Karina morrer Aí falaram isso pra mim e eu guardei isso no coração Eu guardei isso no coração e guardei de uma melhor amiga minha que foi lá e falou Karina, eu queria te pedir perdão E aí eu fiquei assim, gente, me pediu perdão, que é a minha melhor amiga de infância, que é a Lilian E eu sempre fui muito espoleta e eu que fiz a Lilian muitas vezes chorar E aí eu fiquei assim, gente, a Lilian me pediu perdão, sendo que eu que fiz várias vezes ela chorar E aí eu citei os dois nomes, eu falei em especial, eu queria agradecer a duas pessoas E eu acho que as orações dessas pessoas foram de uma Lilian que me pediu perdão, que era uma criança, praticamente um bebê e teve essas palavras E é isso Foi muito emocionante, né? O casamento, todos os sentidos. Foi cheio de simbolismos.
E quando você criou a casinha de vocês, como foi morar junto?
Então, a gente não tem a nossa casa ainda. A gente foi morar num apartamento e assim, foi muito gostoso, mas é muito estranho a princípio, porque são duas pessoas diferentes e O Tiago, e assim, é muito estranho como que é a vida, né? Que eu falava sempre, Tiago, aprende-se, torna um perito em fazer as coisas E aprendeu o esmero e aprendeu a fazer um feijão delicioso, melhor que o meu E os conflitos, porque ele é muito calmo, eu muito brava, então vinha com esses conflitos E também foi um começo difícil, né? Foi um começo difícil porque a gente não pôde ter rua de mel, porque tinha os compromissos de trabalho E... E a sobrecargase. Aí a gente não teve rodmel, e aí depois a gente perdeu o primeiro bebê E aí eu também fiquei doente, né? A gente só tava apanhando, levando a cabeça Mas.
Hoje em dia vocês moram juntos?
A gente mora junto, aí acabou que eu tenho uma outra casa e tava desocupada, né? Que é um quintal de casas, né? E ela falou, gente, venham morar aqui, né? Por conta de eu ter, que eu passei esse aborto sozinha, né? Sofri esse aborto, o Thiago tava trabalhando, e eu tava no banheiro lá, e acabou que... Ah, foi muito triste, era muito aguçado, né? Tinha sido surpresa, né? E eu sempre tenho, agora eu vou ter um sobrinho, então eu tenho toda aquela coisa assim, do cuidado, do zelo, é uma coisa muito... você fala, poxa, que graça, no sentido de passar os seus bons valores, alguém pra você falar, olha como a praia é linda, olha como a natureza é linda, olha como é lindo ajudar o próximo, como é lindo amar o próximo, né? E de repente você vê que esse sonho.
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