Projeto Macaé na memória e vida de seus moradores
Depoimento de Maria Celeste Batista dos Santos
Entrevistada por Danilo Eiji e Ednei Garcia
Macaé 19/03/2013
Realização Museu da Pessoa
AECOM_HV07_ Maria Celeste Batista dos Santos
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
P/1 – Então, só pra questão de identificação, por favor, nos fale o seu nome, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Maria Celeste Batista dos Santos. Eu nasci dia 22 de setembro de 1954.
P/1 – (risos). Aqui mesmo?
R – Aqui em Macaé, nessa ruazinha aqui mesmo.
P/1 – Nessa ruazinha aqui?
R – Aqui. Eu moro aqui a vida inteira.
P/1 – Ah, você tá brincando.
R – Nunca mudei pra lugar nenhum.
P/1 – Bom, já que a senhora tocou no assunto então da rua, conta pra gente, como era essa ruazinha aqui quando a senhora era criança?
R – Bom, essa ruazinha aqui, essa praça era uma pedreira e a gente brincava muito aqui nessa pedreira. Pra fazer essa praça, depois eles derrubaram a pedreira e fizeram a praça.
P/1 – (risos).
R – Mas era muito bom.
P/1 – Olha só. Rua de chão? Como era?
R – É. Era rua de chão, depois que foi... Calafetaram, depois botaram asfalto. Mas aqui é muito bom de se viver.
P/1 – Lembra-se dos vizinhos? Quem eram os vizinhos aqui?
R – Sim. Os vizinhos, aquele ali é um vizinho, aquele que saiu daqui do banco, que tá de bermuda, também foi criado junto comigo.
P/1 – Mas você se lembra das casas? Mudou muito isso?
R – Sim. Aqui... Mudou. Mudou muito. Isso aqui era uma cooperativa de peixe. E meu pai foi o primeiro pescador que pesou peixe nessa cooperativa. O meu tio foi presidente dela por 11 anos.
P/1 – Onze anos.
R – Aí começou... Era quarto pau a pique e telhado de amianto. Hoje tá isso aí, que também não é mais, já venderam tudo, acabou. Agora é... Fizeram quitinete. Que a gente hoje nem conhece mais os moradores. Antigamente você sabia todos os moradores que moravam nessa...
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Depoimento de Maria Celeste Batista dos Santos
Entrevistada por Danilo Eiji e Ednei Garcia
Macaé 19/03/2013
Realização Museu da Pessoa
AECOM_HV07_ Maria Celeste Batista dos Santos
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
P/1 – Então, só pra questão de identificação, por favor, nos fale o seu nome, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Maria Celeste Batista dos Santos. Eu nasci dia 22 de setembro de 1954.
P/1 – (risos). Aqui mesmo?
R – Aqui em Macaé, nessa ruazinha aqui mesmo.
P/1 – Nessa ruazinha aqui?
R – Aqui. Eu moro aqui a vida inteira.
P/1 – Ah, você tá brincando.
R – Nunca mudei pra lugar nenhum.
P/1 – Bom, já que a senhora tocou no assunto então da rua, conta pra gente, como era essa ruazinha aqui quando a senhora era criança?
R – Bom, essa ruazinha aqui, essa praça era uma pedreira e a gente brincava muito aqui nessa pedreira. Pra fazer essa praça, depois eles derrubaram a pedreira e fizeram a praça.
P/1 – (risos).
R – Mas era muito bom.
P/1 – Olha só. Rua de chão? Como era?
R – É. Era rua de chão, depois que foi... Calafetaram, depois botaram asfalto. Mas aqui é muito bom de se viver.
P/1 – Lembra-se dos vizinhos? Quem eram os vizinhos aqui?
R – Sim. Os vizinhos, aquele ali é um vizinho, aquele que saiu daqui do banco, que tá de bermuda, também foi criado junto comigo.
P/1 – Mas você se lembra das casas? Mudou muito isso?
R – Sim. Aqui... Mudou. Mudou muito. Isso aqui era uma cooperativa de peixe. E meu pai foi o primeiro pescador que pesou peixe nessa cooperativa. O meu tio foi presidente dela por 11 anos.
P/1 – Onze anos.
R – Aí começou... Era quarto pau a pique e telhado de amianto. Hoje tá isso aí, que também não é mais, já venderam tudo, acabou. Agora é... Fizeram quitinete. Que a gente hoje nem conhece mais os moradores. Antigamente você sabia todos os moradores que moravam nessa rua, que era moradores como eu, da vida toda. Aí foram morrendo, os filhos foram vendendo, as pessoas foram mudando. E aí com o crescimento, infelizmente, ou felizmente, não sei, as pessoas vão saindo e vai chegando gente nova, e você não conhece mais ninguém. São poucos os vizinhos que moram aqui agora, da minha época.
P/1 – Tem saudade de alguém dos vizinhos?
R – Muita saudade.
P/1 – Ah, é? Conta um pouco. Quem eram?
R – Era gente boa, todo mundo ia à casa de todo mundo. Muito bom.
P/1 – Conta um pouco da sua infância pra gente aqui. Você ia a casa, estudava?
R – A minha infância foi muito boa. Muito boa.
P/1 – A escola era aqui perto? Como era?
R – Não, a escola era um pouquinho mais longe, era lá no Irene Meireles, perto da Agenor Caldas ali indo pra Imbetida. Mas era bom aqui, meu pai era pescador também, e tinha... Pescava de arrastão de praia, aquele arrastão que a pessoa bota o cabo e puxa de um lado e puxa. E a minha vida toda foi assim, puxando rede na praia. Muito bom. Enfiava espinha de bagre no pé, ia pra casa chorando, tirava, voltava de novo, às vezes nem ia pra casa, os homens lá que puxavam a rede lá mesmo arrancavam e a gente ficava lá. Era muito bom. Muita fartura, muito peixe.
P/1 – Conta pra gente, qual é o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Efraim Batista e a minha mãe Odete Carvalho Batista.
P/1 – Conta um pouco pra gente assim, como eles eram, o que eles faziam.
R – O meu pai e minha mãe pra mim foram um exemplo de vida. Porque eu nunca vi meu pai brigar com a minha mãe, nunca vi na minha vida uma discussão deles em casa. Pra mim foi... Eles eram muito presente na vida da gente, dos meus irmãos e minha. Eu não posso nem falar muito, senão...
P/1 – Não se preocupe. Seu pai era pescador?
R – Pescador.
P/1 – E veio daqui? Ele nasceu aqui em Macaé?
R – Não, nasceu em Conceição de Macabu.
P/1 – Conceição de Macabu.
R – Aí veio rapazinho pra Macaé e começou a pescar, e não sabia nadar. Não. Uma vez ele caiu no mar e quase morreu.
P/1 – Nossa!
R – Mas não deixou de pescar. Ainda era aquele pescador que pescava de remo. Conseguiu comprar um barquinho com muita luta, aí...
P/1 – Ele veio aqui tentar a vida... O que o trouxe pra cá?
R – Porque na roça era muito difícil, eles trabalhavam na roça. E antigamente era muito duro. Aí veio pra cá pra Macaé, trabalhava, trabalhou num bar do moço ali do outro lado da rua muito tempo, depois começou a pescar e gostou, e ficou.
P/1 – Você disse que foi difícil. Ele comprou o primeiro barquinho, ele contou essas histórias pra vocês?
R – Ah, esse primeiro barquinho foi difícil pra comprar. Ele pescava num barquinho que era de um senhor vizinho nosso, aí ele queria vender esse barquinho, minha mãe era costureira, aí quando minha mãe soube... Porque minha sempre teve assim, muita iniciativa, eu acho que puxei um pouco à minha mãe, porque quando quero alguma coisa, eu luto até conseguir. E aí ele ia vender o barco, meu pai ia ficar sem barco pra trabalhar, aí ela correu lá, falou com ele, ela viu mais ou menos quanto que dava pra ela tirar na costura, e foi lá, fez a proposta a ele. Ele aceitou, meu pai ficou desesperado: “Que não vai dar pra gente pagar” “Vai dar sim”. E ela, todo dia ela... Meu pai pescava, ela tirava aquele dinheirinho e enfiava lá no canto. Todo dia no final do mês o dinheiro tava lá pra pagar a prestação. Aí ele foi de remo. Ia daqui lá três horas fora da ilha no remo. Porque tinham esses barcos grandes que pescam camarão, camarão vg fora da ilha, três horas, mais ou menos, eles iam no remo buscar mistura. Aquele peixe que o barco não gelava, que botava fora assim, ele levava assim um jornal, cigarro, as coisas assim pra... Que eles pediam. E eles enchiam o barquinho de peixe, eles traziam, vendiam. Na época eles compravam pra salgar. O pessoal que tinha frigorífico aqui era senhor Erotildes e seu Genéte, que tinha. Então ele vendia esse peixe, salgava. E meu pai ia no remo e voltava todo dia. Aí depois que foi melhorando, que ele pagou o barco, foi melhorando, conseguiu comprar um maior, motor, e foi...
P/1 – Ele saía só com o remo e com uma rede?
R – Não, rede não. Ele não pescava, ele buscava o peixe no barco grande que pescava e dava pra eles o peixe.
P/1 – Ah, entendi.
R – Depois que ele foi pescar.
P/1 – Que ele consegui... Ah, entendi. E tinham outras preocupações, né? Hoje eu vejo ali, tem gelo, isopor, nessa época como era?
R – Não, aí não tinha. Ele só pescava e vendia para os frigoríficos. Ele pegava esse peixe e vendia. Depois ele já melhorou um pouquinho, comprou um botinho de motor e tudo, aí já foi pescando, aí ele pescava. Foi pescando, pescava desse arrastão de praia e foi...
P/1 – Queria que você explicasse pra gente, como era esse arrastão de praia? Porque a senhora disse que era aqui perto...
R – Esse arrastão de praia é assim... É nas praias, né? Era aqui atrás, nos fundos da minha casa tem uma praia, na Barra. Assim, eles soltam um cabo aqui, aí vão, aqui no meio fica uma canoa e a outra ponta do cabo aqui. O mestre, no caso, que tá aqui na canoa, ele grita: “Para a do norte”. Aí o cara para o norte, puxa o sul, porque a rede tem que ficar equilibrada, porque se você puxar mais de um lado e menos do outro, ela fica torta, o peixe sai. Então tem que ser sempre igual, né? Aí fica assim. Quando tava muito do norte, ele gritava: “Para a do sul, puxa no norte”. E o pescador ia puxando até a rede chegar à praia, aí tirava o peixe.
P/1 – (risos).
R – Que na época tinha muito peixe. Agora infelizmente a gente já não vê quase que nada mais.
P/1 – A senhora disse que participava disso, né?
R – Com certeza.
P/1 – Descreve pra gente um dia, que foi aquele dia que mais trouxe...
R – Ah, mas tinha muito peixe. Todo os dias que botava essa rede ali, pegava peixe. Muito peixe. E eu puxava a rede também, porque eu adorava. Puxava. Desde pequena sempre participei. Com o meu pai eu nunca fui pescar, eu só pescava de rede, mas com meu marido eu cheguei a ir muitas vezes. Pescava aqui, já pesquei na Ilha Grande lá em Angra dos Reis quando ele pescava camarão lá, eu também pescava com ele.
P/1 – Ah, você vai ter que contar isso pra gente.
R – Muito bom.
P/1 – Vai ter que... (risos). Essas experiências, né?
R – Muito bom. Aqui eu pescava, botava rede com ele.
P/1 – Mas antes disso, um pouquinho sobre a sua mãe assim, você disse que ela costurava, tal.
R – Costurava.
P/1 – Também veio daqui? Ela é daqui?
R – Não, a minha mãe, ela era da Bicuda Pequena, da roça. Aí veio bem pequena, veio pra Macaé com 17 anos. E aí morava naquela casa ali, que na época era do meu avô, eles moravam ali. Minha mãe ficou ali e aí tinha um quintal grande, deu pra todos os filhos fazerem, cada um tem sua casa ali, todo mundo junto.
P/1 – (risos).
R – No mesmo lugar, todo mundo.
P/1 – Os seus avós, chegou a ter contato? Conheceu?
R – Não.
P/1 – Seus avós.
R – Meus avós eu não... Conheci o meu avô e a minha avó por parte de pai... Não. A memória veio... A minha avó por parte de mãe viveu muitos anos com a gente. O meu avô por parte de pai e avó por parte de mãe. Eu não conheci o meu avô por parte de mãe.
P/1 – E conheceu as histórias deles também? Eles eram próximos?
R – Na época eu era bem pequena. Quer dizer, o que eu lembro que eles contavam era que meu avô era português, parte de mãe, e casou com uma cabocla, e aí eles moravam em Rio das Ostras, que meu avô tinha uma fazenda lá em Rio das Ostras. Depois meu avô morreu, meus tios venderam tudo. E aí minha mãe que ficou morando aqui. Enfim, o meu avô tinha um fazendão e a minha avó morreu lavando roupa pra sobreviver. É fogo.
P/1 – E aqui? Conte-me um pouquinho então desse bairro aqui. A senhora disse que mudou muito, né? Você consegue lembrar? Você consegue descrever o centro?
R – É, mudou assim, as pessoas, assim, as casas, que fizeram casas assim, altas e baixas, que era tudo baixinha. Era tudo assim, olha, essa casinha aqui é do mesmo jeito, só era de telha de barro. Porque essa aqui é filha do dono que... O dono morreu, o senhor Ermenegildo, que era já muito antigo aqui. Eu me lembro deles assim, morou... O tempo que eu moro aqui, eles também moram. Eu me lembro do pai morreu, e a filha que mora ali.
P/1 – Aqui era um bairro de pescadores?
R – É, tinha bastante pescador. Hoje tem pouco. Hoje são poucos. Moram alguns aqui atrás. Muito pouco. Pescador mesmo, muito pouco.
P/1 – Mas antigamente a maioria...
R – A maioria era pescador.
P/2 – E pesca de arrastão não tem mais aqui também?
R – Não. Também não.
P/2 – Não tem como praticar mais, né?
R – O pessoal não pesca mais arrastão.
P/1 – Acabou, né?
R – Acabou. Não tem mais peixe. Acabaram com tudo.
P/2 – A senhora consegue lembrar em que época mais ou menos que foi começando a acabar o peixe aqui, que o pessoal começou a parar de pescar?
R – Ah, aqui, aqui na praia aqui já tem bastante tempo. Já devem ter uns 15 anos, mais ou menos, que o pessoal não pesca de rede por aqui assim, dessa prática que eu to falando, de arrastão de praia. Mais ou menos isso. Deve ter bastante tempo.
P/2 – Lá pra 2000, assim, já tava acabando já?
R – Ah, eu acho que antes.
P/1 – Antes 90? 1990?
R – O meu marido, eu lembro que quando meu marido veio pra cá pra Macaé, em 73, a gente da janela do meu quarto, que é virada pra praia, a gente o via com o barco cercado, que ele pescava sardinha, galo assim, de traineira, cercado aqui onde tem esses rebocadores, por ali, tinha muito peixe.
P/1 – Era perto, né?
R – Agora não tem mais nada, acabou tudo.
P/1 – Hoje o pessoal tá entrando em alto mar pra conseguir, né?
R – Ah, tem que ir depois pra ilha, pra lá, porque por aqui não tem mais nada, muito pouco.
P/2 – Só rebocador agora, né?
R – Só rebocador e muito cheiro de óleo, que às vezes a gente sente, um horror. Não sei se sai de noite, sei lá, que tem dia que tá insuportável.
P/1 – Você lembra quando veio pra cá essa questão do petróleo, quando veio a Petrobras, a exploração do petróleo?
R – Ah, eu lembro.
P/1 – Você se lembra disso?
R – Lembro. Com certeza.
P/1 – Como foi?
R – Lembro que ali onde era a Petrobras era um morro, que tinha um farolzinho lá em cima. Eu lembro. Eu vivia nessa área aqui a vida inteira, antes e depois de acontecer.
P/1 – Mas você se lembra dessa transformação?
R – Lembro.
P/1 – O que aconteceu com a cidade? Começou...
R – Ah, lembro. Olha, aqui quando eu era criança tinha uma venda lá na esquina perto da praça, e nessa venda a minha mãe comprava, porque antigamente tinha caderneta, que a pessoa comprava o mês inteiro, no fim do mês ia lá pagar. E a minha mãe comprava lá. E ela falou assim: “Vai lá à venda e tal”. Peguei a bicicleta do meu pai, fui à venda. Chegou lá, eu me esqueci da bicicleta lá e ficou lá. Um dia, dois dias, três dias, meu pai precisou da bicicleta, no terceiro dia aí: “Gente, cadê a bicicleta?”. Eu falei assim: “Meu Deus do céu, larguei a bicicleta lá na porta da venda”. Aí saí de pressa, não falei nada, cheguei lá, a bicicleta tava no mesmo lugar. Hoje se você deixar a janela aberta, o povo pula pra dentro pra carregar o que tem, a diferença é essa, que antigamente você podia dormir de janela aberta, você... Isso aqui era uma maravilha, muito bom.
P/1 – E hoje? Como tá sendo morar aqui?
R – Bom, pra mim, eu não me vejo morando em outro lugar. Eu acho que eu vou morrer aqui, entendeu? Porque apesar de tudo, das mudanças, da evolução de tudo, mas ainda é um dos melhores lugares que eu considero pra morar, é aqui. Que é perto de tudo: padaria, farmácia, tudo, centro. Não preciso pegar ônibus, vou a pé, é perto do meu trabalho. Pra mim tá ótimo.
P/1 – Fala uma coisa, o seu pai levava você pra pescar?
R – Não.
P/1 – Ele ensinou você a pescar?
R – Não, ele me levava assim, pra passear no barco. A minha avó morava lá na Barra, perto do batalhão de polícia lá, e a gente ia pelo rio, todo domingo era sagrado. A gente ia, a minha mãe fazia comida, fazia tudo, a minha avó morava lá e a gente ia passar o domingo lá com ela, a gente ia pelo rio. Até isso mudou, porque antigamente você via muito mangue, muito caranguejo, muito de quando fazia aquele barulhinho do motor que ia passando, os caranguejos correndo. Hoje você não vê mais nenhum mangue, que já acabaram com tudo, você só vê casa, mangue não tem mais. E era muito bom. Eu ia pescar já com meu marido, depois, aí eu fui muitas vezes, mas com meu pai pescar eu nunca fui.
P/1 – Mas ele que te ensinou?
R – Hã?
P/1 – Ele que te ensinou? Como foi?
R – A pescar?
P/1 – É. Como foi?
R – Ah, a gente pescava anchova no anzol. E não tem muito que aprender, você só tem que ter boa vontade.
P/1 – (risos). Ah, é? Pra ser um pescador, você não tem que ter uma técnica, não tem que ter material? Como era isso então?
R – Ah, isso tem. Você tem que saber, né? Pra cada pescaria, tem um material pra pescar. Quer dizer, na época eu pescava camarão, camarão você joga a rede, as portas que coisa, o cabo, e depois, uma, duas, três horas, sei lá quantas horas, depende da porção de camarão que tá dando, você puxa a rede e tira o camarão. Agora, pra você botar a rede de malha, você tem... Cada pescaria tem um material diferente.
P/1 – Entendi. E no caso, com você, sempre... Quais eram os peixes que tinham bastante na época? O que você...
R – Na época tinha... Bom, o que eu pescava, às vezes que eu saía com meu marido, já pesquei camarão, já botei rede também, era pescadinho, que tinha bastante, e camarão, e anchova. Mas a anchova a gente pescava de anzol.
P/1 – Entendi.
R – Né? Anzol. Uma colher que não... É tipo um peixinho assim, assim de inox que era amarrado, ele achava que aquilo era um peixinho e vinha comer, pegava no anzol.
P/1 – Era comum ter outras mulheres acompanhando os maridos pra pescar?
R – O meu irmão mais velho, ele foi casado com uma pessoa que ela ia pescar com ele todos os dias. Ela adorava pescar. Todo dia ela ia pescar com ele. Mas aqui em Macaé não é, não. São poucas as mulheres que vão pescar. Você vê muito isso lá pra Manaus, Santarém, lá você vê a mulherada pescando.
P/1 – Mas isso era um problema ou era um pessoal...
R – Lá em São Francisco, Pirapora também, a mulherada lá pesca.
P/1 – Pesca.
R – Mas aqui, não.
P/1 – Mas aqui o pessoal achava estranho, ou era normal?
R – Não, porque todo mundo conhecido, ninguém achava estranho não.
P/1 – Porque normalmente só vejo um monte de homem ali. Como é trabalhar com um monte de homem?
R – Mas cada um no seu barco, não...
P/1 – Não tem problema.
R – Era eu e meu marido, às vezes um filho. Cada um no seu, não tinha problema, não.
P/1 – E teve uma hora que você parou de pescar, é isso? Você começou a vender?
R – Não, porque eu ia pescar assim, só quando ele não tinha ninguém pra ir com ele, eu ia. Eu não pescava assim, todos os dias. Pescaria pra mim não foi um meio de vida, assim. Eu sempre fazia o quê? Ele pescava o camarão, às vezes o preço tava muito baixo, eu descascava. A minha contribuição era essa, ele pescava e eu descascava pra aumentar um pouquinho o preço, aí vendia descascado, assim. Mas trabalhar, era a minha profissão, não. Apesar de eu ter carteira de pescador, eu fiz o curso e tudo, tenho a minha carteira de pescador, mas não era o meu meio de vida, sempre trabalhei assim, pra ajudar às vezes, mas eu vendo peixe no mercado há mais de 25 anos já.
P/1 – Entendi.
R – Mas a pescaria não foi... Pra mim assim, eu ia só pra ajudar às vezes quando precisava, não ia todo dia.
P/1 – Isso é uma coisa que eu queria entender, vocês pescavam ali, aqui já era o mercado de peixes? Já traziam pra alguém?
R – Não, o meu marido, ele pescou... Isso que eu ia com ele foi na época que ele parou de pescar em barco grande, de sardinha, que ele era pescador, ele pescava sardinha de traineira. Essa rede que cerca e tal. Quer dizer, aí ele pescava com ele e mais 20 homens, 22, era barco grande, essa aí eu não ia.
P/1 – Entendi.
R – Agora, eu ia pescar com ele quando a gente já passou a ter o nosso barco, um barco menor, de sete metros, dez metros. No nosso barco que eu ia com ele às vezes.
P/1 – Entendi. Mas só pra entender, aqui sempre teve uma questão com o mercado de peixe e tal, né? E você começou...
R – Não, o mercado sempre existiu.
P/1 – Sempre existiu aqui?
R – Sempre. Sempre existiu.
P/1 – Desde que você era criança assim, já era tudo por aqui.
R – Sempre. Meu pai pescou muito e botava. Só que aqui no mercado na época era o quê? Era um mercado que tinha uma banca no meio assim dividida em uma porção de parte. Esse mercado, ele não tinha dono, as bancas não tinham dono. O pescador, ele pescava o seu peixe, trazia, botava ali na banca, cada um botava na banca, e ele vendia o peixe todos os dias. Aí parece que tinha assim, uma porcentagem que o pescador dava para a colônia de pesca. Mas o pescador não é como agora, que cada um é dono do seu espaço ali, né? Entre aspa, porque isso aí é da prefeitura, não é nosso. Você é responsável por aquele pedaço, mas aquilo ali é seu, você trabalha ali todos os dias. Antigamente não era assim, você pescava e botava ali na banca. Então cada dia você podia botar em um lugar diferente, porque não tinha problema e ninguém era dono de nada, ninguém tomava... Sabe? Você vinha, botava, vendia, no outro dia você fazia a mesma coisa.
P/1 – Entendi.
R – Mas o pescador que vendia o seu peixe. Hoje não. Quer dizer, eu não pesco, eu vendo. Eu já compro do pescador. Entendeu assim? Antigamente funcionava assim.
P/1 – Mas desde sempre então eles foram organizados, assim. Já havia uma organização entre os pescadores, tal, tal.
R – Não, eles vendiam assim, né? Organizados?
P/1 – É. Você disse que tinha uma Colônia...
R – Não, a Colônia sempre... A Colônia já é muito antiga, entendeu? Desde a época que eu era criancinha, eu já conheço a Colônia ali.
P/1 – (risos).
R – Não era aqui, não era colônia, aqui era capatazia, eu acho. Colônia era em Cabo Frio. Eu acho que pra resolver alguma coisa aqui tinha que ser em Cabo Frio. Eu não tenho certeza bem disso, não.
P/1 – Entendi. Você lembra...
R – Não, eu acho que Cabo Frio era terra ainda... Barra de São João. Barra de São João pra cá já era aqui.
P/1 – Você lembra algum dia da pescaria que você gostaria de contar pra gente, que você foi com seu marido, que foi interessante?
R – Ah, eu...
P/1 – Teve algum dia diferente? Pegou tempestade?
R – Que eu fui com meu marido, já foi uma vez que eu fui pescar em chuva, que a gente foi pescar de tardinha e a pescaria entrava noite adentro, que a gente pescava, que a gente pegou muita chuva. Eu achei maravilhoso. Que a gente vai pescar, quando pega bastante peixe, é muito bom.
P/1 – (risos).
R – E esse dia eu gostei muito.
P/1 – Mas não ficou com medo? Chuva, tempestade...
R – Não, não tinha medo, não. Nunca tive. Eu gostava de pescar. Nunca tive medo não.
P/1 – E quando foi que você passou a vender? Esse lugar que você tem ali, quando foi que você pegou aquela... É uma baia, né? Qual é o nome disso?
R – Banca.
P/1 – Você tem uma banca agora, né?
R – É. Eu comecei a vender assim, olha, foi até uma história meio... Porque meu marido era mestre de traineira, esses barcos grandes que pegam muito peixe, assim, 20, 30, 50 toneladas de peixe assim. Aí ele tava pescando em Cabo Frio num barco lá e ficou muito ruim de peixe, tudo, aí ele saiu do barco e ficou em casa, e a gente sem saber o que ia fazer. Ele não tinha barco, pescava para os outros. Aí tinha um pessoal que trabalhava ali que também não tinha, tinha o mercado, mas o pessoal trabalhava ali na beira do cais vendendo peixe ali, e o chamou: “Ah, você não tem o que fazer, vem pra cá vender peixe com a gente”. Aí ele foi vender peixe. Mas chegou lá, ele viu umas coisas assim, que... Meu marido sempre foi muito uma pessoa correta, nunca... Né? Umas coisas que não... Ele não gostou. Mas ele também, ele é assim, ele faz conta de barco, faz tudo, mas assim, mexer numa calculadora pra ver quantos quilos de peixe, tal, quanto ficava, ele não tinha essa prática. Aí ele falou assim: “O que eu vou fazer?”. Aí ele chegou a casa muito aborrecido e me contou: “Olha, eu vi uma coisa lá que eu não gostei e isso não vai dar certo, porque eu não ajo assim”. Aí eu falei assim: “E agora?”. Ele falou assim: “Olha, eu vou comprar peixe e você vai ter que ir pra lá trabalhar comigo, porque você mexe na calculadora, e eu não sei mexer”. Eu disse: “Tudo bem”. Aí lá fui eu pra beira do cais comprar peixe, limpar. Naquela época vendia muito, era muito bom. Aí o prefeito foi fazer uma reforma no mercado, e tinha uma parte do lado de lá e o mercado novo aqui, eles fizeram e iam derrubar o lado de lá, mas tinha esse pessoal que trabalhava ali na beira do rio que não tinha banca, aí ele mandou reformar. Em vez de derrubar, ele reformou as bancas e deu pra gente que tava trabalhando lá, uma banca do lado de dentro. E aí eu vim para o lado de dentro e to ali até hoje. Devem ter já há uns 25 anos, daí pra lá.
P/1 – E como funciona ali? Tem que... Vinte e cinco anos? E hoje como funciona? Quem traz o peixe? Quem vende?
R – Não, funciona do mesmo jeito, a gente compra o peixe do pescador no cais, quando não consegue... Porque às vezes o pescador traz, por exemplo, três mil quilos de peixe, você não tem dinheiro pra comprar três mil quilos de peixe, o caminhão tem, o cara do caminhão tem. Mas o dono do caminhão também não quer que o cara do barco tire cem quilos pra você, porque aí ele não vai vender, ele quer comprar o peixe todo e passar os cem quilos pra você, que ele vai ganhar também. Aí, quer dizer, você às vezes quando não consegue comprar do barco, você compra do pessoal do caminhão. Mas sempre compra do barco.
P/1 – Você tem alguns pescadores que sempre você comercializa?
R – Tenho. Tenho. Ontem mesmo eu comprei 470 quilos de um pescador. Esse só tinha... É assim, pega a pescadinha, no caso, que é o peixe que eu compro dele. Ele deve ter trazido uns três mil quilos, mais ou menos, mas pelo peso do peixe, “poca” a barriga do peixe. E como o peixe que eu quero é pra fazer filé, esse peixe da barriga “pocada” serve pra mim, não serve para o caminhão levar para o rio porque tá com a barriga “pocada”. Então ele tirou 470 quilos e vendeu pra mim. Esse peixe ele só vende pra mim. Ele só não vende pra mim... Ele já liga e fala assim: “Olha, cheguei, você quer o peixe?”. Aí se eu falar que não quero, ele vende pra mim. Mas eu já me sinto na obrigação de pegar o peixe dele, porque ele só tira pra mim, entendeu? Ele só não tira pra mim se eu disser assim: “Olha, não quero mais, não dá, eu comprei muito, tal”. Mas eu já evito comprar de outro, porque ele só tira pra mim. Porque nem sempre... Você às vezes chega: “Ah, tem peixe?” “Não, já tá vendido. Tá vendido. Tá vendido”. Ele não. Ele só vende pra mim, entendeu? Então é ele, mais Emiliano também, lá da Barra, tira pra mim também o peixe. Quer dizer, eu já tenho aquele compromisso com ele, porque ele tem comigo, né? Então eu já compro dele.
P/1 – E você já tem a sua clientela também fixa?
R – Tenho. Tenho. Graças a Deus eu tenho bastante que compra esse filé pra quentinha, restaurante. O pessoal compra. Daqui a pouco eu vou fazer oito quilos pra moça ali que não quis emprestar a cadeira (risos).
P/2 – (risos).
P/1 – (risos). Bem pra ela (risos).
R – É. Ela quer pra amanhã.
P/1 – Então esse mercado ainda tá... Ele é bom assim? Você vê muita diferença nesses anos?
R – Bom, ele tá muito ruim, muito feio. Pela cidade que é, o dinheiro que entra nessa cidade, esse mercado era pra ser uma maravilha. Porque isso aí é o cartão postal da cidade. Toda pessoa que vem a Macaé, ela quer comer um peixe. Chega aqui a Macaé, esse mercado horroroso, muito... A pessoa entra de sandália, de chinelo, sai com os pés tudo... Tem gente que calça bota pra entrar no mercado, você acredita? É verdade. Você sai com o pé todo molhado de água de peixe. Então muita gente deixa de vir ao mercado porque não quer se sujar, não quer sair com catinga de peixe, não quer se molhar, então muita gente não vem.
P/1 – Entendi.
R – Mas isso aí ainda vende muito. Ainda é muito bom.
P/1 – É engraçado, porque...
R – Pelo estado que ele tá, ainda é muito bom.
P/1 – Entendi. Mas acha que antigamente era melhor, por exemplo?
R – Muito melhor.
P/1 – Ah, é?
R – Muito melhor. Você vendia muito. Na época... A minha banquinha não é aqui. Aquela banca que você me viu ali é do meu filho. A minha banca era do lado de cá, no outro tal mercado que eu te falei que eles reformaram e deram pra gente. Aí derrubaram, porque ia... Não, ia mudar primeiro o telhado, aí botou a gente, fizeram aquelas barracas que tem lá fora, botaram o pessoal lá fora porque ia mudar o telhado. Aí mudou o telhado, foi uma semana, mudou o telhado novo, botou tudo e tal. Depois o cara, que na época trabalhava e era responsável pela Secretaria de Agricultura e Pesca, que ainda era junto, foi ao mercado no Rio. Chegou lá, viu o mercado assim, que eu não conheço o mercado de lá, não sei se foi o mercado de São Pedro, que diz que tem restaurante, tem não sei o quê e tal, chegou aqui com o pensamento mirabolante, aí arranca o telhado todo de novo. Arrancou o telhado. Você não sabe pra onde foi o telhado, porque até hoje, seis anos se passaram, aí nem o telhado, nem o mercado, nem a banca, ficou tudo ali. Aí eu passei para o lado de cá, fiquei com o meu filho trabalhando, to até hoje. E agora diz que vai derrubar o mercado pra fazer outro mercado. Então vamos ver se sai o mercado agora.’
P/1 – Como funciona esse diálogo com prefeitura, com o estado, com...
R – Bom, o outro prefeito que sai, ele levou oito anos, eu só o vi no mercado uma vez, que foi pra fazer uma reunião com a gente por conta dessa obra aí mesmo, que tava uma confusão danada. Aí ele não sabia explicar pra gente o projeto do mercado, o que ia fazer, como ia ficar, enfim, depois ele marcou outra reunião porque ele ia pedir o projeto pra ver, não sei o quê, depois falou que ele não vinha ao mercado porque ele não gostava de peixe. Então deve ser por isso que ele também nunca fez nada por aí, porque ele não gostava e ficou pra lá. O outro agora que entrou disse que vai consertar. Eu também vou esperar pra ver, porque eu não sei se vai sair. Aí tá fazendo o mercado lá, as bancas provisórias lá na beira do cais, pra gente mudar pra lá, pra eles derrubarem isso aqui. Porque ia reformar, agora ele disse que vai derrubar. O projeto é maravilhoso, de primeiro mundo. Não sei se vai sair.
P/1 – Mudar um pouco mais o bairro agora.
R – Tomara que saia.
P/1 – Fale-me uma coisa, você faz parte de alguma associação ou cooperativa?
R – Não, eu fazia parte do Beneficiamento de Pescado, que é aquele que eu te mostrei lá o papel, que infelizmente acabou.
P/1 – Como foi isso? Você pode...
R – Pra minha tristeza, porque isso pra mim foi terrível.
P/1 – Mas conta um pouco pra gente como foi essa experiência.
R – Bom, pra mim foi muito bom, muito, porque eu jamais estaria falando com você aqui agora se não fosse esse projeto. Entendeu? Antigamente eu não abria a boca. Hoje eu falo, entendeu? Acho que falo mais ou menos com uma desenvoltura que dá pra... Entendeu? Aprendi muita coisa boa, muita coisa. Devo muito a esse projeto. Entendeu? O pessoal da universidade. Nós fizemos muito curso de capacitação, curso de Beneficiamento de Pescado.
P/1 – Desculpa, dona Maria, mas fala qual curso foi, qual o projeto, porque a gente conversou ali, mas a gente não filmou.
R – O projeto foi do pessoal da universidade, da UFRJ, que foi aquela pesquisa que eles fizeram e tal, que a gente ganhou a verba que eles mandaram. Eu te contei.
P/1 – Então, mas contou sem estar gravando. Eu queria que você contasse pra gente desde o começo.
R – Ah, tá. Então me deixe contar de novo.
P/1 – Porque a história é boa, sobre o projeto, o que foi isso?
R – Não, porque eles eram professores ali da Escola de Pescador, que era ali no Iate, que infelizmente acabou, que era muito bom, entendeu? Aí eles perguntaram para os filhos de pescador: “O que vocês querem ser quando crescerem?”. Ninguém queria ser pescador. Aí eles ficaram assim: “Por quê? Que o pai é pescador, às vezes os avós foram pescadores, e ninguém quer ser pescador, tem alguma coisa errada”. Aí foram, fizeram uma pesquisa e tal: “Ah, por que você não quer...” “Não, Deus me livre. Pescador? Pescador não tem nada. Pescador é marginalizado. Pescador? Ih, ninguém conhece pescador”. Ninguém queria ser pescador. Então eles assim, fizeram uma pesquisa nos bairros que tinham bastantes pescadores pra ver assim, alguma coisa que pudesse ajudar o pescador a ter uma renda melhor, fazer alguma coisa pra melhorar de vida. Aí teve até votação, o que queria que fizesse, não sei o quê, o que era melhor. Aí o pessoal votou por um beneficiamento de pescado. Na Escola de Pescador tinha o EJA, que era de jovem e adulto, ensino, e tinha muita mulher de pescador, filho de pescador, já tudo adulto. Então esse pessoal tinha acho que duas vezes por semana, eu acho, que em vez de ter a aula normal, então tinha o... Explicando as coisas do projeto e tudo, falando do projeto. Aí desse pessoal saiu esse... Tirou aquelas pessoas que queriam fazer parte do projeto, do Beneficiamento de Pescado. Na época foram 31 pessoas que saiu. E ficou bastante tempo, depois foi saindo, foi saindo, porque você teve capacitação, teve muita coisa, a gente viajou muito, ia conhecer os outros beneficiamentos, fomos lá à universidade muitas vezes. Mas infelizmente o poder público aqui em Macaé não fez nada pela gente assim, pra ajudar, pra isso sair. Nós compramos equipamentos, depois da capacitação tinha uma verba destinada ao equipamento. A gente tinha todos os equipamentos pra montar um Beneficiamento de Pescado. E infelizmente a gente guardou lá na incubadora, porque a gente não tinha lugar pra guardar. E o cara que na época era o secretário de trabalho e renda lá, ele falou pra gente que ele era fiel depositário de tudo aquilo que estava lá e a gente não tirava de lá um garfo se ele não permitisse, na primeira reunião que ele tava lá. E depois ele não deixou nem um garfo pra gente, ele tirou o faqueiro todo, porque nós não achamos nada mais lá, ele sumiu com tudo. Inclusive eu queria até descobrir um meio, algum jeito, alguma coisa, pra fazer esse sujeito dar conta disso, porque aquilo não custou dinheiro nem dele, nem da prefeitura, por que ele fez isso? Ele não tinha esse direito de fazer isso. Ele não ajudou a gente em nada.
P/1 – Você se lembra das pessoas que participaram desse curso, desse grupo?
R – Com certeza. Nós ficamos quatro anos lutando, meu filho, eu não ia esquecer de jeito nenhum.
P/1 – Quais cursos vocês tiveram? Quem eram suas parceiras?
R – Ah, era a D’áurea que mora lá no Nova Holanda, Regina, Eliete, uma que mora lá no Lagomar, como é o nome dela, meu Deus? Ah, tinha muita gente. Na época que ficou mesmo com a gente era a Mônica, ali dona daquele quiosque ali, que ela também participava com a gente, era a Silvana que mora aqui atrás, a filha dela, a Thaís.
P/1 – Todo mundo trabalhava com peixe já?
R – Essas foram as que ficaram por último depois. Mas no começo tinham 31 pessoas.
P/1 – Mas todo mundo já trabalhava com peixe?
R – Já todo mundo envolvido com peixe.
P/1 – Você falou que foram várias formações, você se lembra de alguma? Você podia contar uma pra gente? Como foi?
R – O que? Curso que a gente fez?
P/1 – É. Esses cursos. É.
R – Bom, a gente fez o curso de Beneficiamento de Pescado lá em Casemiro de Abreu, a gente fez higiene, e... Ai meu Deus. Práticas de Higiene, acho que é isso. Sei lá, tem um monte de coisa lá em casa. E tem outra. Mais o quê? Ai, a cabeça agora não...
P/1 – Mas o fato é, você parou, chegou a parar de vender pra fazer só isso ou era complementar? Como era?
R – Não, tinha os dias. A gente fazia assim, porque era... A gente fazia de noite, era de sete às nove da noite. Depois que eu trabalhava, aí eu ia pra lá pra escola. Era na Escola de Pescador ali.
P/1 – Entendi.
R – E esse de Beneficiamento de Pescado eu fiz... É Boas Práticas de Higiene, eu fiz lá em Casemiro de Abreu, no frigorífico que tem lá. E o Beneficiamento de Pescado eu também fiz lá. Tinha de Gestão, acho que é. De Gestão também. Assim, como a gente fazer pra vender, pra comprar, pra...
P/2 – Administrar.
R – É, administrar o negócio. Fizemos muita coisa, muita coisa boa.
P/1 – E chegou a começar isso, né?
R – Hã?
P/1 – Começou esse processo.
R – Começou, ele funcionou, a gente levava para o Rio, o pessoal que vinha, os professores que vinham, eles levavam no isopor para o Rio, porque o pessoal lá da faculdade adorava. E o pessoal encomendava, e eles levavam, porque tinha o ônibus que trazia o pessoal e levava da faculdade, e levava no ônibus o isopor, trazia o dinheiro, entendeu? E festa que tinha lá, eles encomendavam, a gente mandava. Pra Petrobras a gente mandava, esse pessoal. Toda festa que tinha assim, que a Petrobras promovia, os bufês que ganhavam as licitações, que faziam, a Petrobras exigia que eles comprassem da gente o quibe e a almôndega. Então todo mês a gente tinha, entendeu? Muita coisa pra fazer. A menina vendia ali no quiosque, tinham os fregueses mesmo que compravam, entendeu? A gente chegou a fazer as almôndegas, porque na merenda escolar não pode ser frito, quibe, então tinha que ser a almôndega. A gente fez aquela almôndega, botamos no pote, levamos lá para o pessoal da merenda, o pessoal que era responsável, o povo: “Ah, que maravilha, a gente vai chamar vocês”. Até hoje a gente tá esperando. Eles vendem almôndega do Rio Grande do Sul, de peixe aqui em Macaé na merenda escolar, mas a nossa ninguém se interessou em fazer. Será por quê?
P/1 – E esse maquinário todo, qual era a dinâmica, você trabalhava aqui vendendo peixe, depois ia pra lá, trabalhava pra lá? Como era? Tinha que levar o peixe?
R – Não, a gente... Então tinha assim, as meninas... Como eu... Lá não tinha lugar pra limpar o peixe, porque lá não tinha lugar, nem água assim, boa, da Cedae, não tinha, era uma água barrenta. A gente até se propôs com o dinheiro do projeto botar um hidrômetro e tal, pra puxar a água, mas a gente fazia com água mineral, a gente comprava água mineral pra fazer, entendeu? Depois eles botaram lá, porque botaram escola e tal, consertaram a água. Mas não tinha como a gente limpar o peixe lá, então eu limpava aqui, tudo. A minha responsabilidade era limpar o peixe. Eu comprava o peixe, eu tava aqui perto do peixe, eu comprava esse peixe, limpava, já levava tudo limpo. Então o dia que a minha filha podia levar no carro, a gente levava no carro, o dia que não podia, levava no ônibus. Eu, essa menina que mora aqui e a filha dela, a gente levava tudo de ônibus. O pessoal chiava pra caramba, mas a gente levava assim mesmo, levava pra lá. Aí as outras assim, como a gente não tinha muita freguesia, e a gente trabalhando duas vezes por semana dava pra suprir aquilo que a gente vendia, a gente trabalhava segunda e quarta, eu acho que era isso, segunda e quarta. Segunda, quarta... No começo eram três vezes na semana, depois passou pra duas. Aí eu levava o peixe e participava da produção, entendeu? O dia que eu não podia participar da produção a minha responsabilidade era limpar o peixe e levar, porque ninguém fazia isso junto comigo, eu fazia sozinha. Então a gente lá não tinha assim: “Eu ganho mais do que você”. Não. A gente fazia X, tirava a despesa e aquele X era dividido igualmente pra todo mundo, entendeu? Mas eu gostava de participar da produção, então eu levava o peixe e participava também da produção. Então era assim, a minha responsabilidade era comprar e limpar o peixe. Eu limpava, levava e às vezes que eu não podia ficar, eu vinha embora e elas ficavam lá produzindo. Aí ia de manhã e ficava o dia inteiro, até de tarde produzindo. A gente tinha os freezers lá, a gente tinha três freezers usados, que o pessoal da gestão anterior lá que tomava conta da incubadora deu pra gente, que a gente não tinha nenhum na época. Depois, com o dinheiro do projeto, a gente comprou mais três, que eram dois daqueles que tinham vindo na frente, e mais um grandão daquele deitado. Os dois em pé a gente ainda chegou a usar, mas estavam zerados, novinhos, e o deitado não tiramos nem do caixote. A balança de 300 quilos que a gente tinha lá, nunca usamos, no caixote. Essa outra pequena, que pesava 15 quilos, a gente usava, porque a gente fazia o quibe e pesava as badejinhas. Ali era tudo pesadinho. A gente tinha lá também, sumiu. Um esterilizador de faca, uma seladora a vácuo, três bancadas de inox com aquela placa branca em cima, que é quase... Na época que a gente comprou, foi quase três mil reais cada uma. Essas três com essa tábua branca e mais uma grande com tanque tudo de inox, um tanque pregado nela de inox. E mais o quê? Um misturador, uma máquina, essa máquina na época acho que foi 18 mil, agora tá 27, que eu vi na internet. Que você joga o peixe, tira a escama e as tripas, joga o peixe, esse peixinho que não tem valor de mercado, você joga ali, então a espinha sai pra um lado e a carne sai para o outro, você aproveita tudo. Essa eu acho que tá =lá ainda parada, porque não teve utilidade, só pra isso mesmo, entendeu? Ela não tinha o que fazer, então ficou lá. Essa ficou. Acho que eram duas peças só que ficaram lá, o resto ele sumiu com tudo. Eram 63 mil, parece, e alguma coisa.
P/1 – Mas Maria, só pra entender, esse foi um projeto da parceria com a faculdade e a própria prefeitura, é isso?
R – Não. Prefeitura não, meu filho. Prefeitura só cedeu o local pra gente.
P/1 – Então, mas foi o quê? Só o local. E esse maquinário todo era da onde?
R – Esse maquinário foi dinheiro da Finepe.
P/1 – Finepe?
R – Finepe. Que eles abrem todo ano, eu acho que é todo ano, não tenho certeza, não. Eles abrem o edital e as pessoas mandam o projeto pra lá. Nessa época abriu e o pessoal da UFRJ viu lá que eles abriram e fizeram o projeto lá do Beneficiamento e mandou. E a gente ganhou. Entendeu?
P/1 – Entendi. E como isso foi terminando? O que aconteceu?
R – Aí o pessoal... Porque eles trabalhavam aqui pela escola, a prefeitura tinha um convênio, acho, que pagava eles. Aí acabou a escola, a verba do projeto também acabou, isso tem passagem, hospedagem, tudo, e eles não tinham como mais virem pra cá. Entendeu? E aí a gente não ficou uma coisa concreta, porque a gente tinha o equipamento, mas não tinha o local pra fazer, pra montar o negócio. E aí acabou mesmo. Porque a gente tinha tudo pra dar certo, olha, a merenda escolar, aqui o restaurante de um real, se a gente tiver o filé pra fornecer pra eles, eles pegam, já falaram pra gente, mas a gente não tem local pra trabalhar. A gente tem o peixe, tem as pessoas pra fazer o trabalho e não tem o local pra fazer, entendeu? Isso tem que ter dinheiro, porque a gente não tem uma estrutura pra bancar isso. Se a gente tivesse a merenda escolar, você faz o filé, entrega ali no um real, aquelas sobras todas do peixe você faz a almôndega e entrega na merenda escolar. Isso era uma coisa que dois e dois são quatro, já tava ali pronta, só fazer. Mas não teve nenhum interesse dele. Não teve interesse dele. Entendeu? E o que mais me revolta, que apesar de eles não ajudarem, ainda pegaram aquilo que a gente tinha lá, que não custou nada da prefeitura, nenhum centavo. Isso me revolta muito. Eu já briguei muito, já falei muito, mas... Complicado.
P/1 – Você está aqui há muitos anos trabalhando com isso, você acha que diminuiu o número de pescador? Você acha que diminuiu o número de barraca, ou aumentou?
R – Não, em banca aumentou.
P/1 – Banca aumentou?
R – É. Porque você anda por aí, procura emprego, não acha emprego, tchuf, aqui, porque aqui ninguém tira você. Todo mundo que chega vai ficando. Ou você vai ajudar a descarregar barco, ou você vai fazer maré lá, que você ajuda a descarregar, o dono do barco te dá um peixe, você vende. Entendeu? Você já encosta de ter algum conhecido, fica ali já vai limpar um peixe. Aqui todo mundo se vira. Então, quer dizer, aumentou o número de pessoas, aumento com certeza. Agora, pescador, tem muito pescador que tá deixando de pescar pra trabalhar nesses barcos de transporte aí, offshore, rebocador, firma. Muito pescador, eu conheço muitos que estão deixando de pescar pra trabalhar de carteira assinada, porque eles acham que é uma garantia, que é melhor, que tem mais... Por exemplo, um plano de saúde. Muita gente tá... Muito. Rapaziada nova, os pescadores mais jovens estão optando pela carteira assinada.
P/1 – Por que aqui o pessoal não tem direito nenhum, não tem apoio nenhum?
R – Direito aqui, você recebe o defeso do camarão, só. A coisa para o pescador pequeno só piora. Agora eles estão exigindo do pescador uma licença pra pescar camarão, mas você tem que ter essa licença, mas o órgão que tem que emitir essa licença não te dá a licença. E aí como você fica? Fica complicado, né? E aí tem, há pouco tempo pegaram um rapaz com camarão e levaram o camarão do rapaz todo. Aí você tem despesa, tem o pescador que pesca com você, que ele não quer saber, ele quer o dinheiro dele, que ele pescou, né? Tem gelo, tem óleo, tem tudo pra você pagar, e ele levou o camarão, e você perdeu e pronto. Quer dizer, é complicado.
P/1 – O seu filho, ele trabalhava como pescador, né?
R – Todos os três.
P/1 – Todos os três?
R – O mais velho, esse que tava ali, que você viu, ele começou a pescar com 14 anos. Ia para o mar com meu irmão, pescava lá com a gente, ele disse que hoje nem se convidá-lo pra pescar por esporte ele não quer. O mais velho trabalha lá no aeroporto abastecendo helicóptero lá. E o mais novo que de vez em quando ainda vai pescar, mas ele já tá trabalhando numa firma, ia voltar em dezembro, mas caiu de moto, quebrou a perna, tá esperando melhorar. E o patrão lá já o chamou pra voltar, e ele vai voltar pra firma. Mas esse ainda é... Porque pesca é paixão, eu nunca vi, ele quando começa trabalhar lá, depois fala assim: “Ai, meu Deus, que vontade pescar”. Aí fica doido, aí saiu do serviço pra ir pescar. O patrão o chamou de novo, ele vai voltar pra trabalhar lá na firma.
P/2 – A senhora que antes tinha mais paixão na pesca?
R – Ah, eu acho que tinha mais paixão porque também tinha menos opção, né? Hoje o povo tem mais opção pra escolher, pra estudar, entendeu? Tem mais oportunidade pra... Porque tem bastante pescador estudando, porque ele já viu que se não estudar, não arruma nada.
P/1 – Você incentivou os seus filhos à pesca?
R – Hã, hã.
P/1 – Não?
R – Esse meu mais novo que eu to falando pra você, ele era pequenininho, ele só estudou até a segunda série. O pai ia pescar, ele era pequeno, o pai ficava na proa do barco e ele entrava na perna assim, no meio da perna do pai pra ficar ali a noite inteira pescar, porque ele queria pescar, ele não estudava. Ele ia pra escola, aí ele ia pra escola, mas não ia, ficava trepado no pé de abacate que tinha lá na escola. Ele não chegava lá, entendeu? Conclusão, o pai falou: “Bom, já que ele não vai estudar, ele tem que ir pescar mesmo”. Aí foi pescar. E ele pescou a vida toda, desde pequenininho pescando. Ele gosta, aquele gosta de pescar.
P/1 – A maioria, pelo que eu tava vendo, assim, o pessoal que não gostou muito de estudar foi pescar.
R – Não, ele não gostou, mas ele hoje se arrepende.
P/1 – É?
R – Eu falei assim: “É, eu cansei de te avisar”.
P/1 – Hoje ele se arrepende? O que ele fala pra senhora?
R – Muito. Muito. O que ele fala? Ele fala que se ele hoje tivesse um estudo, ele podia... Quer dizer, ele na firma que ele trabalha, ele poderia ter um cargo melhor do que ele tem hoje. Porque hoje ele faz o quê? Ele conserta contêiner, ele faz aquelas amarras para o guindaste pegar o contêiner e tal, mas ele podia ser uma coisa muito melhor do que se ele tivesse estudo, mas não tem, ele hoje vê que faz falta.
P/1 – Aliás, eu nem perguntei, né? Como você conheceu o seu marido? Como foi?
R – Eu tinha 17 anos, e ele... Tinha um senhor que pescava com ele que morava em frente a minha casa, aí ele ficava passando pra lá e pra cá, e foi aí que eu o conheci.
P/1 – (risos) Amor à primeira vista, é isso?
R – Hã, hã. Corri muito dele até começar a namorá-lo. Corri muito (risos).
P/1 – (risos) Casaram, né?
R – Ahã.
P/1 – Lembra-se do dia?
R – Lembro.
P/1 – Conta pra gente. Como foi esse dia?
R – Ah, meu marido sempre gostou de beber bem, né? O meu casamento durou dois dias: o dia do casamento e o enterro dos ossos, que foi o segundo dia.
P/1 – (risos).
R – Muito.
P/1 – Mas foi aqui? Foi aonde? Foi igreja?
R – Não, aqui mesmo na casa da minha mãe.
P/1 – (risos) Olha, eu vou começar a fechar a nossa entrevista, tá? Umas perguntas mais... Eu não conheço nada da cidade. Qual lugar você me levaria pra conhecer? Que você gosta muito.
R – Aqui em Macaé?
P/1 – É.
R – Eu não sou assim muito de... Sei lá. Acho que Cavaleiro é um lugar bonito, mas tá tão abandonado agora que eu nem sei se eu te levaria lá.
P/1 – Qual o lugar que você gosta muito? Que você gosta, sente bem?
R – Nem sei aonde eu te levaria. Na lagoa. Eu gosto da lagoa. Já pesquei muito na lagoa, camarãozinho. Lá é bonito. Eu te levaria na lagoa, mas a lagoa tá muito feia, porque... Não a lagoa em si, porque na época que eu ia à lagoa, meu pai já pescou muito na lagoa, aquilo não tinha nada daquilo, aquele despejo dentro da lagoa, aquele monte de casa, de hotel, de tudo, aquilo ali era só lagoa e era maravilhoso. Acabaram com tudo. Aonde chega o progresso, só destrói a natureza. Ali infelizmente é um desses lugares. Porque ali era muito bonito, tinha muito camarão, muito peixe. Meu pai trazia tanto camarão que às vezes não tinha lugar, ele botava a bermuda, amarrava a perna da calça assim, porque ia de bicicleta, aí enchia aquela calça de camarão e trazia enganchado assim na bicicleta, porque não tinha mais lugar pra botar o camarão, de tanto camarão que tinha. Hoje é meio difícil você arrumar um camarão ali. Porque acaba tudo, é muita casa. A casa parou na lagoa mesmo. Outro dia eu fui lá com o meu filho levar um peixe pra um freguês meu que tem quiosque lá, aí eu fico olhando como que acabaram com tudo.
P/1 – Pensando nisso... Bom, a senhora conhece a cidade muito bem, desde muito tempo, tem algum lugar que já não existe mais, que você gostava? Que antes no passado você ia e hoje já não tem mais?
R – Acho que não. Eu nunca fui assim de passear muito, entendeu? Porque nunca tive muito tempo pra isso, mas... Que não existe mais?
P/1 – Não sei, às vezes uma praça, a orla que mudou, ou coisas melhores também.
R – Não. Aqui tudo mudou. Essa beirada aqui não tinha nada disso, era só o rio. Tinha o Pontal que era cheio de casinha ali, acabou. O Pontal acabou, era um lugar bonito, um lugar que acabou, que lembre assim que acabou era ali. Tinha uma vila de casa ali, muita amendoeira, o mar carregou tudo, o pessoal mudou, acabou ali. Ali onde tem o Iate, aqui, ali depois do Iate pra cá era uma vila de casa ali que só morava pescador, de um lado e outro, não tem mais. Que eu lembre assim de alguma coisa que não existe mais, o Pontal.
P/1 – E o que existe?
R – Hã?
P/1 – E um lugar que existe ainda, que você sempre achou bonito e que continua, e que tá aqui ainda, aqui em Macaé?
R – Um lugar que eu acho bonito é lá na Igreja de Santana. Você sobe lá e olha assim pra baixo, é uma maravilha. Um lugar bonito que eu acho.
P/1 – (risos) Um lugar pra eu ir, né?
R – É (risos).
P/1 – Fale-me uma coisa, como você imagina essa cidade daqui a 20 anos?
R – Ah, sei lá, eu acho que eu não vou tá viva mais pra ver isso, não. Eu acho que vai estar muito ruim.
P/1 – Vai estar ruim?
R – Eu acho. Eu acho que... Sei lá, essa cidade aqui já foi um lugar ótimo pra se viver, muito bom mesmo, entendeu? Agora, sei lá, o progresso traz benefício e malefício, porque junto com o progresso vem muito ladrão, muita coisa ruim, muita droga, muita coisa que Macaé não tinha, e hoje infelizmente...
P/1 – A senhora é religiosa? Vai pra esses cultos?
R – Eu sou evangélica assim, batizada. Hoje eu não to... Mas gosto muito.
P/1 – Tem as festas aqui também religiosas?
R – Tem a festa do São Pedro, que foi aqui, sempre foi aqui, agora eles estão fazendo lá na Praça Washington Luiz. Festa de São João, que é ali na igreja católica ali na frente.
P/1 – Você costuma ir? A senhora costuma ir?
R – Não, eu não sou de muito de muita “muvuca”, não. Eu gosto de sossego. Sabe o que eu gosto? De roça. Sou apaixonada por uma roça. Mas não tenho tempo, eu trabalho de domingo a domingo, é difícil eu ir.
P/1 – Vocês gostariam de fazer alguma pergunta? Laura, Dinei, Gabriel.
P/2 – Não, acho que fechou legal, tá beleza.
P/1 – Tudo bem? O que você achou de contar a sua história um pouquinho?
R – Achei ótimo. Muito bom.
P/1 – Deu pra lembrar um pouquinho?
R – Deu. É que às vezes a gente... O tempo a gente não tem... A gente não tem tempo nem de lembrar, né? É verdade. Gostei.
P/1 – Então em nome do projeto, gostaria muito de agradecer a sua entrevista.
R – Tudo bom.
P/1 – Muito obrigado.
FINAL DA ENTREVISTA
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