P/1 – Flavio, então para identificação do vídeo, eu queria que você nos falasse seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – José Flavio Nogueira da Costa.
P/1 – Nasceu?
R – Sete de maio de 53.
P/1 – Onde?
R – Aracati, Ceará.
P/1 – Aracati, Ceará que é interior de?
R – Interior de Fortaleza.
P/1 – Interior de Fortaleza. Flavio, antes de começar a perguntar de você especificamente, eu quero saber um pouco da sua família. Que você contasse um pouco dos seus pais, você conhece a historia deles, o nome deles, o que eles faziam?
R – Meu pai nasceu em Aracati, Ceará. Meu pai era barbeiro, naquele tempo, no interior, chamava barbeiro. Trabalhou também na policia, mas saiu logo, negocio de político, os cabra ganhava ai um ano eles saiam e o outro entrava, os partido mudava. Ai ele saia e ia trabalhar de cortar cabelo lá do pessoal.
P/1 – Sua mãe?
R – Minha mãe nunca trabalhou, vivia só em casa mesmo cuidando de oito filhos…
P/1 – Oito filhos?
R – Oito filhos. Que é oito irmão que eu tenho. Não fazia nada, só mesmo cuidava.
P/1 – Eu imagino o que é cuidar de oito, né (risos)? Me conta um pouco, como foi a sua infância, você é o mais velho? Você é o mais novo?
R – Sou um dos mais velhos.
P/1 – Você é um dos mais velhos. Me conta um pouco, como foi a sua casa?
R – Infância? Ninguém teve infância. Interior ninguém tem infância, uma pobreza muito grande, a gente passava necessidade, com uns horários de almoçar, janta, às vezes, não tinha. Meu pai era muito pobre, no interior tudo era difícil. E foi ai onde meu pai morreu, ai os oito filhos, cada qual foi procurou um rumo, né, eu sai fugido do Aracati, ai vim pra Fortaleza, outro irmão meu também fugiu… eu sai fugido, mas minha mãe não deixava eu vir pra Fortaleza, porque eu era uma criança, eu tinha onze anos, dose anos, ai eu sai fugido do Aracati, peguei um ônibus e vim pra Fortaleza, peguei uma roupazinha, peguei um saquinho como seria hoje de mercadinho, botei uma roupinha dentro e fugi, quando cheguei aqui em Fortaleza, ai o ônibus chegou em Fortaleza, ai desci do ônibus, ai procurei o mundo, sai pela Aldeota, um bairro grande que tem aqui dentro de Fortaleza e acertei num bairro grande, que acertei no bairro grande, porque se fosse pro outro lado direito, pro lado esquerdo tinha se dado mal, tinha sido pra Barra do Ceará, Pirambu que é o bairro mais pesado de Fortaleza e graças a Deus, eu partir pro lado de Aldeota, ai sai embolando, sai andando, andando, encontrei uma casa, ai com muita sede, já era bem umas nove horas, dez horas do dia, eu cheguei de manhã. Sai de madrugada de Aracati, cheguei já de manhã, seis horas. Ai bati num portão, ai vem uma senhora, ficou assim: “Diga, o quê que você quer?” “Não, eu queria só uma aguazinha, uma coisa, sou do Aracati” ai expliquei que era do Aracati e tudo, sai fugido e tudo. Ai ela olhou assim: “E você não tem pra onde ir não?” “tem não” “Tem certeza que você ta falando a verdade?” “Tenho certeza” ai mostrei as roupas, tudo direitinho. “Ai se apruma pra dentro” disse, “Vou buscar água” ai foi buscar água, tomei um pedacinho, ela começou a olhar pra mim e disse “Vai pra onde agora?” “Eu vou pra qualquer canto, eu não tenho pra donde ir, tenho ninguém aqui dentro de Fortaleza” “Então vamos faze isso, vamo entra” “Eu vou entrar” “Entre”. Ai entrei, chegou lá começou a conversar, ai disse “Você quer morar aqui?” eu disse “Quero” “Então ta bom” ai fiquei morando, fiquei morando, ai foi indo, fui crescendo, fui pegando meia idade, ai quando foi com uns 17 anos por ai, apareceu um irmão meu, meus irmãos foi chegando do interior, os que saíram, né? Ai juntemo, encontrei com um, me juntei, ai...
P/1 – Como que você fazia esta comunicação com eles? Com os seus irmãos, com a sua família? Você não perdeu o contato então?
R – Perdi o contato, fomos crescendo, ai na Aldeota apareceu um irmão meu.
P/1 – Mas como é que o senhor achou, encontrou?
R – Porque comecei a andar na Aldeota, salão de beleza, ai meu irmão estava trabalhando em um salão de beleza. Ai nós se encontremo. Ai ela deu a mão a gente, ai começou a fazer as perguntas, ai encontrei com outro irmão, ai fomos se encontrando, um puxando o outro. Chegou esta minha irmã, alugou uma casa, ai chamou minha mãe do interior, si se juntemo tudinho. Ai quando chegou nos 18 anos, ai comecei a trabalhar, 17 anos comecei a trabalhar, essa minha irmã conhecia mesmo o pessoal do hospital, que hoje ainda trabalho nele, ai falou com a dona do hospital para arranjar um emprego para o irmão dela, o irmão que chegou do interior, ai essa senhora arranjou um emprego pra mim. Entrei lá com 17 anos, até hoje, há 41 anos. Ai os irmãos tudo casaram, cada um foi para seu lado e hoje graças a Deus, esta tudo bem.
P/1 – E esta senhora que te acolheu, continua contato com ela?
R – Não, faz muitos anos. Eu tinha 12 anos, mas é uma empresaria.
P/1 – Ficou quanto tempo lá?
R – Passei um bocado de tempo, até ficar rapazinho. Ela disse assim “Chegar até rapazinho, você não pode mais ficar aqui”. “Porque tenho as filhas e você já esta ficando homem” “você não pode mais ficar aqui não” Ai fomos… no interim, encontrei com uma irmã minha neste salão.
P/1 – Você lembra, você consegue descrever o dia que encontrou sua irmã também?
R – Não, não, não. Eu só me lembro da pessoa que me acolheu. Era uma empresaria, hoje ela já morreu.
P/1 – Você se lembra o dia que encontrou sua irmã? Você consegue descrever pra gente?
R – Não.
P/1 – No dia em que você encontrou sua irmã?
R – Foi uma emoção muito grande. Que esta é a irmã mais velha que eu tenho. Tudo ocorreu bem nos encontremos, né. Ai foi isto, ai a vida foi…
P/1 – E quando você estava criança ainda, você foi pra escola, você conseguiu ir?
R – Ninguém conseguia estudar não, passava muita fome, tudo difícil no interior, em Aracati, né? Não tem como é hoje, que o governo ajuda crianças, tem o bolsa família, tem estas coisas. Naquele tempo não existia isto não. Os políticos do meu tempo, político não ligava para as crianças, nós vivia nas lagoas, vivia brincando, não tinha condições. Hoje não, é tudo diferente.
P/1 – Mas em Fortaleza, o senhor conseguiu estudar na casa da empresaria?
R – Eu não consegui. Consegui pouco, a gente trabalhava demais, né? Aguava jardim, cuidava de cachorro, tinha três cachorros lá, aqueles cachorros grande. A gente cuidava, ai eu ia pro colégio… a dona Manuela, não me lembro qual era o colégio, não me lembro o nome do colégio. Ai a gente chegava lá já cansado, sem ter uma pessoa que dê instrução, né: “Vai pro colégio, faça isto”, cuidava. Ai chegava no colégio e ia brincar, não podia brincar lá na casa da mulher, que era trabalhando direto, aguando planta, fazendo compra, fazendo tudo. Não tinha chance de nada, você não tinha folga, domingo você vai pra tal canto, vai conhecer uma praia, não existia isto. Não podia, o pessoal todo naquele tempo, os ricos eram tudo orgulhoso, não tinha este negocio de eu vou levar você, esse menino que esta aqui, vamos levar pra passear junto com a gente, não existia isso. Eu ficava vigiando a casa, vigiando os cachorros, era assim.
P/1 – Fala um pouco, depois do seu trabalho, que o senhor disse que já estava ha 40 anos, né?
R – Quarenta e um anos.
P/1 – Lembra do seu primeiro dia de trabalho?
R – Me lembro.
P/1 – Conta um pouco pra gente disto.
R – A minha irmã chegou pra mim e disse: “Vá lá no hospital Luis França, que tem uma pessoa lá te esperando” Esta senhor que me empregou lá é freguesa da minha irmã Jussara. “Vá lá no salão... Vá lá no hospital Luis França” Ai me deu o endereço, tudinho, foi minha irmão mais velha, né? Ai eu cheguei lá e procurei a pessoa, Dona Vera França. “Eu queria falar com Dona Vera”, eu cheguei lá com uma bolsinha, uma sacolazinha, aquelas sacola de jogador que leva chuteira, não sei se você conhece. Ai arranjei, botei umas fotos, um sapato Conga, furado debaixo do pé, estava até furado. Conguinha, hoje não existe mais. Ai cheguei lá e disse: “Queria falar com Dona Vera” “Pronto” “Eu sou irmão da Marineves, mandou eu aqui pra senhora arranjar um emprego pra mim”. “Ah, você é o Flavio” eu disse: “Tudo bem?” e disse: “Ta certo” “Você sabe fazer alguma coisa?” eu disse: “Eu não sei fazer nada, só sei que o que a senhora mandar eu fazer eu faço.” Rapaz, ela me pegou e disse: “Se vai aprender, né?” Ai eu comecei. “Olha, você aqui vai trabalhar na limpeza do hospital” Ai eu comecei, comecei a trabalhar tudo, tudo, ai todo mundo gostou de mim, ai ela se casou, a Vera, que era o emprego lá, se casou com o doutor Vital, ai ele começou, eles começaram a gostar de mim, eu fui pro casamento deles, gostou do meu jeito, ai fiquei muito amigo e ele disse: “Olha, nós vamos fazer um hospital lá na Francisco Sá”, não sei se você conhece Francisco Sá, um bairro lá. Montou um hospital, ai ela gostava muito de mim, ai a Dona Vera disse: “Vital, você esta gostando muito do Flavio, leve ele pra Francisco Sá, pro outro hospital que esta sendo feito” Ai fizeram o hospital e eu fui trabalhar com ele, ai ele me levou, ai trabalhei lá uns 32 anos, ai ele saiu do hospital pra fazer outras coisas e eu continuando, né? Ai eu já passei pro doutro João, que o outro comandante dos dois hospitais. Ai ficou gostando de mim também, eu fiquei gostando dele também, fiquei muito amigo da família e minha vida toda foi lá com eles. Ai doutor Vital saiu e ai doutro João disse: “Flavio, vou ficar com você” ai doutro Vital disse: “Flavio, você vai comigo trabalhar” ai doutro João, que hoje ainda eu tô com ele, disse: “Não, você quer ficar aqui?” ai eu dei um pensamento, vi, onde você já tá, já esta mais adaptado, né? Não sei o que podia acontecer se eu saísse, porque eu sou uma pessoa que a minha vida foi, que tinha medo de perder o emprego, tinha medo de não se empregar mais, naquele tempo tudo era difícil, né? Ai eu fiquei e fui trabalhar com doutor João França, né? A gente se gosta muito, ai que estou com ele até hoje.
P/1 – Na área de limpeza?
R – Não, faltou esta parte. Eu fiquei na parte de limpeza, cheguei no outro hospital, continuei na parte de limpeza de novo, mas começou a almoxarifado, ai ele viu que eu dava e disse: “Você quer mudar de setor?” eu disse: “Eu queria doutor” porque já estava enjoado da limpeza, né? Porque comecei na limpeza no outro e passar pro outro estava na limpeza. “Você quer trabalhar no almoxarifado?” disse: “Quero”. Quando eu comecei a estudar depois de adulto, porque quando eu era criança eu não pude estudar, não tinha chance de estudar. Ai disse: “Você quer trabalhar no almoxarifado?” “Quero” ai comecei no almoxarifado, trabalhando, trabalhando e pá e tudo. Ai ele disse: “Você quer mudar de setor de novo?” “Quero” “Você vai pra tesouraria trabalhar com uma moça lá. De tesoureiro, você quer?” “Quero” Ai comecei, ai passei 32 anos na tesouraria, em tudo, 32 anos neste hospital. Mas tudo bem, tudo gostando mesmo e hoje ainda gosto do hospital. Ai o doutor Vital saiu da empresa e queria me levar, ai disse: “Eu queria levar você” ai eu fiquei pesando, eu já estava gostando muito do meu patrão que é hoje, nós já estava se entendendo bastante, se gostando mesmo. Ai eu fiquei pensando, será que vai dar certo lá? Será que vou perder meu emprego? Ai disse: “Não, perai, vou falar com o meu patrão.” Doutor João, pois doutor Vidal já tinha saído. “Doutor João, o doutor Vital perguntou se o senhor vai ficar comigo, se não ficar, doutor Vidal disse que.” “Não, você não vai sair daqui. Ninguém sabe se alguma cosa, se vai dar certo. Você quer ficar aqui, quer continuar comigo?” eu disse: “Quero” Ai pronto, ai eu pegou, né? Ai fiquei trabalhando com o doutor João, até hoje. Ai ele casou, teve família, já to com neto.
P/1 – São 41 anos de trabalho nesta área?
R – Trinta e dois anos, eu to de 72 pra cá.
P/1 – Desde de 72, me conta destas historias de hospital o que você já viu? Eu imagino. Tem alguma história que você queira contar pra gente, que foi diferente, um dia diferente no hospital?
R – Coisa de hospital...
P/1 – Como é trabalhar no hospital?
R – É pesado. É muita responsabilidade, eu trabalho mais com criança. Ai vem uma criança morrendo de câncer. Rapaz, aquilo me dói na gente. Não quero nem contar, porque é tanta coisa. Eu ligava muito nas crianças, andava por dentro do hospital, eu ficava amigo das crianças, as crianças com câncer, todo dia eu ia ver elas, juntava elas, elas chamavam eu de tio. “Tio, ajeite aqui que minha perninha ta torta” porque o câncer vai dando e a perninha vai entortando, não sei se você sabe, quando dá nas pernas, né? Então eu ajeitava, eu limpava os berços, na limpeza, no tempo eu que eu estava na limpeza. Eu limpava os berços das crianças, ficava amigo deles, as vezes com fome, eu ia lá escondido e comprava uma merendinha pra eles, eu dava. Porque o hospital tem as comidas certa, né? Alimentação, você pode dar uma coisa estranha, não pode dar uma outra alimentação diferente. Mas vez os bichinho, que alimentação de hospital é tudo sem sal, ai os bichinho, as vezes eu ia pegava uma frutazinha, uma maçã, uma coisa ai trazia pra eles. Eu era muito amigo das crianças.
P/1 – Flavio, me fala uma coisa, bom enfim, focando um pouco no projeto dos correios. Qual que é a sua primeira lembrança quando eu falo dos correios?
R – Eu sou louco pelos correios, gosto dos correios, vivo dentro dos correios. Hoje mesmo eu estou dentro dos correios. Desde criança, desde de rapazinho, de 17 anos eu estou nos correios. Trabalho pra empresa, tudo é pelos correios, olha, neste instante eu estava ai, olha. Fui entregar os boletos, que as cobranças do plano de saúde do hospital. Eu sou louco pelo correio, eu compro as coisas do correio, tem aquelas bonequinhas do correio, eu compro de lembrança e levo lá pra casa, tudo. Hoje mesmo eu disse, falei com a menina ali que é a Regina, não sei, a menina que me atendeu agora. Disse: “Regina, eu passo o ano todinho aqui e nós paga tudo a vista, o hospital lá, dá mais de... hoje mesmo eu paguei 400 reais, 800, 900, eu trago tudo pra cá. Eu gosto muito daqui e fica perto do hospital, né? Ai tudo eu trago pra cá. O atendimento aqui é excelente pra mim, ótimo. As meninas já me conhecem e hoje elas ficam me chamando: “venha, venha, venha”
P/1 – Da onde que vem esta paixão pelos correios? É uma admiração, o que é? Da onde que vem esta paixão pelos correios?
R – Minha paixão?
P/1 – Desde quando? Você coleciona selos?
R – Eu colecionava selo, mas me cansei. Porque eu me apaixonei pelos correios, é uma foto que tem aqui do interior e ainda tai. A foto tem um jumentinho, um cara no interior levando a bolsinha dele.
P/1 – Vou ver.
R – Acho que ainda esta ai. É um cara dos correios, com a roupinha dos correios, no jumentinho e eu me lembrava do tempo em que tinha um jumento no interior. Ai aquele sofrimento, aquele pessoal dos correios, com aquele tempo, 40 anos atrás, né? No interior tudo era difícil, tinha que andar num jumento pra entregar as cartas pra gente. Ai eu me apaixonei por aquilo ali e continuei vindo aqui direto, toda vez quando eu chego eu vou, eu passo por lá pra ver. Eu queria até que você fosse lá pra ver se eu estou falando serio, ai fiquei gostando dos correios, fiquei apaixonado por aquela foto e pronto, tudo é aqui nos correios.
P/1 – Te lembra Aracati, é isto?
R – Isso mesmo. Tem lá, o interior, aquela poeira e o cara no jumentinho, com a bolsinha dos correios, butada assim de lado, ta tudo ai. As vezes tem umas coisas aqui no correio, umas festinhas, umas coisas, digo, mostrando as coisas do correio, mostrando as historias, ai eu sempre que eu passo, paro e fico olhando. Eu gosto dos correios.
P/1 – Mas você lembra lá da época que você era criança? Você lembra do carteiro?
R – Não da porque faz muitos anos, né? Mas eu me lembro deles entregando cartas, eu conversava com eles, mas não tenho mais lembrança, porque eu estou com 60 anos. É um bocado de tempo, né? Mas eu quero que você olhe uma foto, eu acho que ainda esta ali uma foto bem grande, ali quando a gente entra, do carteiro.
P/1 – Vou olhar. Flavio, me fala uma coisa, você já mandou uma carta pra alguém, ou recebeu uma carta muito importante, ou uma encomenda? Você tem alguma historia com carta, com correio?
R – Não, porque eu recebi muita carta, mas normal, mas chega, não tem problema de eu chegar aqui e: “Ei, a minha carta não foi, a minha carta...”
P/1 – Mas você recebeu uma carta de amor? Uma carta de não sei, pô. Ou mandou uma?
R – Não, eu recebi muito cartão de Natal dos correios, a emoção de longe, né? São Paulo, Rio de Janeiro, Estados Unidos, vem bater na minha casa. É, vem também. Num vem também de amor, porque eu namorei pouco, né? Porque eu me casei cedo, eu tinha 21anos, não deu tempo né, estas coisas. Mas também não estou com saudade disto ai não, porque eu tenho a minha esposa, a minha primeira esposa, ainda é a primeira, graças a Deus. E é isto, né? É até hoje, não sei amanhã. A gente se dá muito bem, tem meus filhos, tem neto, cinco netos.
P/1 – Cinco netos? Quantos filhos?
R – Quatro filhos.
P/1 – Quatro filhos e cinco netos?
R – Cinco netos.
P/1 – Como é que você conheceu sua esposa?
R – Rapaz, a historia da minha esposa é o seguinte. Pode contar, né? Porque é engraçado.
P/1 – Se o senhor quiser, opa.
R – Eu trabalho lá no hospital Luis França, na Francisco Sá, ai eu trabalhava na tesouraria, mas não era toda hora que eu estava dentro da tesouraria, eu sempre ficava ali ajudando as crianças que chegavam, as crianças sujas, as vezes com diarréia, estas coisas, ai eu ajudava um pouquinho ali. O que podia fazer eu fazia, porque o hospital estava começando, ai tem que ajudar, né? Sempre quando eu terminava, eu ia pra tesouraria, fazer os pagamentos, correio e tudo, banco, ai chegou uma moça, uma mocinha lá, com uma criança nos braços, ela tinha parece que uns 14 anos, bem novinha, viu? Mas também eu tinha 21 anos, né? Ai ela chegou, ela foi chegando, ai eu fui ao encontro, parece uma coisa bolado por Deus, né? Nós se encontremo, ela vinha entrando com a criança toda suja, a bichinha deu uma diarréia violenta, eu vi aquilo ali, ela entrou e ai nós se encontremo. Dai eu: “Vixe Nossa Senhora” “Não sou senhora não, sou a madrinha desta criança, ai eu vim aqui fazer uma consulta” ai eu: “Pois não” ai eu mandei entrar, ela pediu água, onde tinha pra limpar esta criança, ela era madrinha desta criança, veio no lugar da mãe dela. Ai eu fiquei dando aquele apoio todinho, ajudando, não era só ela não, era quem chegasse com criança, Ai internou a criança, a criança até morreu, eu fiquei muito sentido que a criança morreu, que ela levou pra consultar. A criança já vinha no final mesmo, já vinha sem condições, né? Mas eu chamei os médicos, vieram, atendeu tudinho, ficou internadinha, ai ela ficou, foi indo, ai não agüentou a doença tudo e ai morreu, né? Ai aquilo entrou na minha cabeça, essa menina na minha cabeça, entrou assim ai, fiquei pensando nela a noite, fiquei pensando, pensava na menina e pensava nela também, né? E naquele tempo, eu rapazinho, era meio danadinho, gostava de namorar. Ai eu peguei uma paixão, sei lá, ai me deu uma vontade de ver esta menina. Ela morava num morro lá de trás do hospital. Ai eu disse, que eu faço pra ver esta menina? Ai peguei o endereço na ficha da menina que ela fez, tive a idéia, ai peguei o endereço, rua do Japão não sei o que, o nome La o bairro, Japão não sei o que, cheio de morro de areia. Peguei o endereço bem direitinho. Ai eu fui lá a noite, ai eu falando pro pessoal lá do hospital: “Rapaz, eu vou neste endereço” “Rapaz, não vá não que lá é perigoso” lá no Pirambu, é o bairro mais perigoso aqui de Fortaleza, é o Pirambu, né? Um deles, né? Tem outros, tem uns quatro ai, um deles. Eu disse: “Rapaz, eu vou. Vou sem medo, vou atrás dessa menina, pra mim ver ela, pra ver se tudo da certo. Senão der certo, não tem problema” ai fui, ai sai atrás, nos escuro e tal, perigoso e tal lá, até que encontrei. Botei com o endereço, só com o endereço, não era da mãe dela. O endereço era da mãe da menina que ela levou, consultou e morreu, eu cheguei lá, bati lá e de lá vem a mãe da menina. Ai eu cheguei assim: “Me diga uma coisa, essa menina Eurides mora ai?”, o nome dela é Eurides, ai peguei o nome dela, né? “A Eurides mora aqui?” ela disse: “Não, ela mora aqui não” Ai: “O que é que você quer?” “Não, porque eu trabalho no hospital Luis França” “E o que foi?” “Não, ta tudo bem, a menina esta internada lá…”, a bichinha ainda estava internada, ai “É que eu queria ver essa mocinha, essa menina que levou ela” ai: “Você quer ver ela?”, a mulher, a mãe da menina, né? “Queria”, ai a mulher foi lá chamar ela, lá na casa da mãe dela, é o primeiro namorado dela que é eu, até hoje. Ela estudava, né? Ai chegou, a mulher ficou gostando de mim também, disse que gostava, que eu tava vendo a filha dela” Ai disse: “vamo fazer… vou chamar ela” “A senhora vai chamar ela mesmo?” “Vou chamar” Ai aquele nervosismo, né, parece que é uma coisa… ai lá vem ela, rapaz ai, quando a menina me viu, que ficou assim assustada, eu também assustado e ela assuntada e agora? Ai a dona disse assim: “Eu vou deixar vocês ai, pra conversar”, ai quando eu cheguei...
P/2 – Tem que encerrar, porque vai fechar.
P/1 – Vai fechar? Desculpa, a gente já esta terminando.
P/2 – Desculpa.
P/1 – Ok. Tá bom.
R – Ai fiquemo olhando um pro outro, outro pro outro, ai o que foi que eu fiz? Dei um beijo na testa dela. Ai tudo começou. Até hoje.
P/1 – (risos)
R – Breguice (risos). Foi demais, viu?
P/1 – Muito bom.
R – Foi.
P/1 – Senhor Flavio, desculpa a interrupção.
R – Não, tudo bem.
P/1 – Pelo o jeito eles já estão fechando os Correios.
R – Vixe Maria. Já esta tarde, né?
P/1 – Tem mais alguma coisa que eu não perguntei que o senhor gostaria de comentar?
R – Não, o que você perguntar eu respondo. Não deixo passar, sempre que tem uma pergunta a gente fica pra saber o que vai dizer, né?
P/1 – Ta bom, então poxa, em nome do Museu da Pessoa, dos Correios, eu queria agradecer muito esta sua pequena partizinha, na sua vida, mas muito emocionante. Muito Obrigado.
R – Muito obrigado e é o sonho que eu tinha na minha vida aconteceu… um dia, o que eu contava pras minhas filhas, quatro filho que eu tenho, eu contava as minhas historias, os jovens de hoje não quer saber da gente, eles fazem é mandar na gente. Eu conto: “Minha filha…”, mas ai quer ser tudo importante. Tudo cabeça, assim, não tem aquela atenção pelos pais, pelas mães. Ai eu conto as minhas historias, eles querem uma coisa a mais, né? Ai eu conto: “Minha filha a minha vida foi esta”. Ai eles ficam achando graça. Quase mangando de mim (risos).
P/1 – Mas é importante sim.
R – Ai eu disse que eu ainda tinha um sonho de contar a minha historia, pois não aconteceu hoje?
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher