Minibiografia
Dora Barão nasceu em Ponta Delgada, Açores, em 1959. Ainda criança emigrou para o Canadá, onde durante 20 anos vivia de memórias de um Portugal recôndito. Em 2000, de volta às suas origens, deslumbra-se com nova realidade. Apesar de ter nascido em Portugal, afirma ser “um bocadinho de tudo”, portuguesa, quebequense, montrealesa e canadiana. Para manter as tradições, em casa fala sempre em português. Além disso, sempre se manteve ligada a associações portuguesas. Foi desde secretária a presidente da Associação do Espírito Santo. Depois, esteve uns anos a trabalhar na Casa dos Açores. No Canadá deu continuidade ao seu percurso escolar. Formou-se em Técnica Administrativa e actualmente, exerce as funções de directora de gestão de vendas. Nos seus tempos de lazer, dedica-se à pintura. É casada com um açoreano e juntos tencionam, um dia mais tarde, voltar a Portugal.
História de Vida
Identificação Dora Barão
O meu nome é Dora Barão. Nasci nos Açores, na cidade de Ponta Delgada e sou filha única. Emigrei para o Canadá em 1972.
Migração "Não fui eu que decidi emigrar"
Vim para o Canadá com 11 anos, ia fazer 12. Não fui eu que decidi emigrar. Ainda era criança e andava na escola. Nessa altura, tinha acabado o 1º ano da escola preparatória. Era o equivalente ao 1º ano do secundário do Canadá.
Sentimento de pertença “Sou um bocadinho de tudo”
Apesar de ter nascido em Portugal, em termos de identidade sinto que sou um bocadinho de tudo. Considero-me tanto portuguesa, como quebequién, montrealesa e canadiana. Ainda assim considero-me mais portuguesa, mesmo estando a viver há mais anos no Canadá do que nos Açores. Gosto do Quebeque como se fosse o meu país e todas as vezes que viajo e regresso sinto que é a minha pátria, o meu amor. Contudo, enquanto emigrante guardo no coração aquele amor de onde nasci.
O meu sentimento de pertença mudou ao longo dos anos. Antes, identificava-me mais como...
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Dora Barão nasceu em Ponta Delgada, Açores, em 1959. Ainda criança emigrou para o Canadá, onde durante 20 anos vivia de memórias de um Portugal recôndito. Em 2000, de volta às suas origens, deslumbra-se com nova realidade. Apesar de ter nascido em Portugal, afirma ser “um bocadinho de tudo”, portuguesa, quebequense, montrealesa e canadiana. Para manter as tradições, em casa fala sempre em português. Além disso, sempre se manteve ligada a associações portuguesas. Foi desde secretária a presidente da Associação do Espírito Santo. Depois, esteve uns anos a trabalhar na Casa dos Açores. No Canadá deu continuidade ao seu percurso escolar. Formou-se em Técnica Administrativa e actualmente, exerce as funções de directora de gestão de vendas. Nos seus tempos de lazer, dedica-se à pintura. É casada com um açoreano e juntos tencionam, um dia mais tarde, voltar a Portugal.
História de Vida
Identificação Dora Barão
O meu nome é Dora Barão. Nasci nos Açores, na cidade de Ponta Delgada e sou filha única. Emigrei para o Canadá em 1972.
Migração "Não fui eu que decidi emigrar"
Vim para o Canadá com 11 anos, ia fazer 12. Não fui eu que decidi emigrar. Ainda era criança e andava na escola. Nessa altura, tinha acabado o 1º ano da escola preparatória. Era o equivalente ao 1º ano do secundário do Canadá.
Sentimento de pertença “Sou um bocadinho de tudo”
Apesar de ter nascido em Portugal, em termos de identidade sinto que sou um bocadinho de tudo. Considero-me tanto portuguesa, como quebequién, montrealesa e canadiana. Ainda assim considero-me mais portuguesa, mesmo estando a viver há mais anos no Canadá do que nos Açores. Gosto do Quebeque como se fosse o meu país e todas as vezes que viajo e regresso sinto que é a minha pátria, o meu amor. Contudo, enquanto emigrante guardo no coração aquele amor de onde nasci.
O meu sentimento de pertença mudou ao longo dos anos. Antes, identificava-me mais como canadiana do que portuguesa. Mas há uns 10 anos envolvi-me mais na comunidade portuguesa e comecei a lembrar-me de coisas de antigamente, do nosso país. Agora penso que “le sentiment dappartenance est plus portugais que québécois“. Se não nos casarmos com um português depois também fica mais difícil guardar “un sentiment dappartenance” português, os valores. Vou lhe dar um exemplo: eu sou casada pela segunda vez. O meu primeiro casamento foi com um latino. E durante os anos de casada houve muitas coisas da comunidade portuguesa das quais me esqueci, entre elas, os valores. A gente adapta-se à pessoa com quem vive. Depois se tivesse continuado sempre nisso, talvez, muita coisa do português não teria continuado. Isto acontece com os nossos jovens, porque muitos não casam com portugueses.
Transmissão de valores “Vivemos metade-metade”
Em relação à cultura, valores e tradições portugueses, penso que o maior valor que guardo é o valor da família. Todos nós, portugueses, temos aquele valor dos nossos pais, avós, de ter a família sempre muito próxima de nós. As tradições, a comida e as saídas entre familiares ainda se mantêm. A gente guarda sempre essas tradições. No entanto, como vim ainda muito jovem para o Canadá não registei nada da minha herança cultural. A gente ajusta-se ao país e às novas tradições. Sempre vivemos metade-metade, porque no trabalho a gente tem que actuar como “québécoise” e não como português.
No entanto, em relação à língua, não tenho filhos, mas em casa falamos sempre português. Os meus pais sempre falaram português comigo. Além disso, leio muito. Há 10 anos envolvi-me mais na comunidade portuguesa e, a partir de então, melhorei muito o meu português que já estava um pouco esquecido. Primeiro, estive ligada sobretudo a associações. Fui desde secretária a presidente da Associação do Espírito Santo. Depois, estive uns anos também na Casa dos Açores, onde fui presidente no ano passado. Falo português com o meu marido e com o meu pai, que ainda vive comigo, mas também tenho pessoas amigas que são portuguesas. No trabalho, posso dizer que não oiço quase nada em português. Talvez apenas 2 ou 3% dos empregados são portugueses. Às vezes, escapa-me uma palavra portuguesa. Confesso que me sinto melhor a falar português.
Eu estive 20 anos sem ir aos Açores. Cheguei ao Canadá em 1972. Voltei a Portugal em 1980, oito anos depois. E depois só fui em 2000. Em Portugal Continental estive em 1993, depois voltei em 1996, 1998 e em 2001, porque a família do meu marido vive lá, além de umas pessoas amigas. O meu marido também é açoreano, mas a família dele vive no Continente, como referi. Por isso, voltei mais vezes ao Continente do que aos Açores, até porque já não tenho família nos Açores.
Passados 20 anos, quando voltei à minha terra foi um choque Estava tudo muito mudado. Muitos portugueses que emigraram para o Canadá há 30 e há 40 anos mantiveram a mentalidade desse tempo. Já os açoreanos mudaram, evoluíram com os anos e eu achei aquilo estupendo. Até pensei:
- Eles aqui é que progrediram. Já os portugueses que emigraram ficaram presos àquela época
Foi um choque muito positivo. Adorei Este ano talvez volte, porque a gente já fez um cruzeiro às ilhas dos Açores e, na altura, adorei. Ainda me falta conhecer duas ilhas e queria ver se conseguia conhecer todas. O grupo até comentou com outros portugueses que gostava de viver nos Açores. Estávamos tão encantados que chegámos a comentar:
- "Gostava de vir cá viver"
Mas quando começámos a pensar na nossa vida, dizemos:
- "Não. O meu país agora penso que é o Canadá."
Penso voltar um dia para Portugal mas só mais daqui a uns três aninhos. A diferença entre a comunidade de portugueses que estão no Quebeque e os portugueses de Portugal está mais na maneira de pensar. Grande parte dos portugueses que emigraram nos anos 60/70 ficaram com a mentalidade daquele tempo e não avançaram. Muitos chegaram a voltar a Portugal, mas como têm trabalhos melhores no Canadá do que algum dia teriam lá, então ficam por este lado. Esta é porventura uma das grandes diferenças.
Descendentes portugueses “Um futuro melhor no Canadá”
Frequentei a escola em Portugal. A única coisa que me lembro dessa experiência é que os professores eram muito “strict” (rígidos). Quando a gente não sabia alguma coisa levava logo com a régua nas mãos. Lembro-me de uma vez estar a fazer um cálculo no quadro, em que o resultado era 11 e eu pus 12. A professora pegou-me na cabeça e bateu-me contra o quadro 11 vezes e disse:
- "É para te lembrares de que isto dá 11"
Já se passaram mais de 30 anos e ainda me lembro disso, porque foi um choque para mim.
Quando cheguei ao Canadá, tinha muita liberdade na escola. Em Portugal não. Tínhamos sempre a mesma professora da 1ª à 4ª classe, e mesmo que a gente não gostasse dela tínhamos que estar com ela os quatro anos. Durante a primária, o ensino em Portugal é igual ao do Canadá. Quando a gente passa para o 1º ano da escola preparatória então aí tem História, Geografia, Arte, Pintura. No Canadá não temos isso. Mesmo na 5ª ou 6ª classe não temos a arte de pintar. Em Portugal ensinavam-nos a base das cores, entre outras coisas. Também tínhamos aulas de música. Era muito interessante. As escolas não eram mistas, era só para raparigas. Como a escola era católica, todos os dias de manhã a gente tinha que rezar e cantar o Hino Português.
Quando cheguei ao Canadá continuei os estudos até ao Cégep. No Cégep, formei-me em “Tecnique Administrative”. Depois comecei a trabalhar no banco da Eurocent. Ao princípio tinha dito que era só por um ano e depois voltava à universidade. Mas já estou a trabalhar há 22 anos no mesmo banco Entretanto, fui tirando uns cursos à noite na universidade, nas áreas de Administração, Vendas, Finanças, “assurance à forme mutuelle”. Comecei a trabalhar como “commis” e agora sou “directrice gestion des ventes”. Estou satisfeita. Gosto do meu ambiente de trabalho e dos meus empregados. Temos um ambiente bom. É isso que eu adoro.
Os meus pais encorajaram-me bastante a continuar os estudos quando cheguei ao Canadá. Deixaram o país por minha causa Nos Açores não havia futuro para as crianças, então, deixaram o país para poder ter um futuro melhor no Canadá. Por isso, sempre me empurraram para estudar. Até me lembro que, quando tinha 17 anos, todos os meus amigos trabalhavam em part-time e eu queria trabalhar também. Os meus pais diziam:
- "Não, tu vais fazer os estudos."
Tive uma zanga muito grande com o meu pai e disse-lhe:
- "Eu vou mesmo trabalhar."
Então, comecei a trabalhar em part-time. Quando acabei o Cégep, não quis ir logo para a universidade. Eles ficaram bastante tristes, porque não era isso que eles queriam. Queriam que eu continuasse Na altura, houve um conflito. Sempre aceitaram as minhas ideias e sempre me apoiaram naquilo que eu quis fazer. Mas não estavam de acordo com a minha decisão de deixar os estudos e começar a trabalhar. Tinha-lhes dito que era só por um ano, que era para experimentar, mas depois continuei no trabalho...
Posso dizer que não aprecio tudo o que é português, música nem filmes portugueses. Mas também não gosto dos filmes feitos na Europa, prefiro os dramas americanos. Oiço a nossa música em festas e noutras actividades. Também leio muito. Penso que esta base veio de Portugal. Desde pequenina, os professores estimulavam-me ou empurravam-me muito para a leitura. Penso que uma pessoa que até goste de ler e que leve um empurrão dos professores continua a ler pela vida fora. Gosto muito de livros de História. Tudo o que seja histórias sobre a vida de um rei, de uma rainha ou de um país, gosto imenso de ler. Para manter o contacto com os portugueses, o que faço é ler os jornais portugueses da nossa comunidade em Montreal. Também recorro muito à Internet quando me falam de algum artigo interessante. Às vezes, recebo jornais dos Açores.
Estou envolvida no “milieu” (meio) comunitário português e também estou envolvida na sociedade quebequense talvez pela parte do trabalho. Trabalho num banco, onde sou directora de vendas. Tenho de ir a muitas reuniões e tudo o que esteja relacionado com a minha actividade. Também já fui secretária de um Clube de “Investissement” no qual também me envolvi um bocadinho, mas não muito. Actualmente, estou mais envolvida na comunidade portuguesa, através de uma outra associação açoreana, a Associação do Espírito Santo. Por isso, conheço muita gente na comunidade agora.
Quase todos os meus amigos são portugueses, mas também tenho alguns amigos latinos. Durante alguns anos estive muito envolvida na comunidade latina. Contudo, tenho mais amigos portugueses. Encontrámo-nos na Casa dos Açores. Temos uma equipa de mulheres que costuma encontrar-se várias vezes e, de vez em quando, há uma saída. Além disso, na associação temos aulas de pintura e sou uma das alunas. Ainda na semana passada houve uma exposição. Bom, é algo em queparticipo e na classe somos todos portugueses e açoreanos.
Portugueses versus quebequenses “Demos um empurrãozinho”
A comunidade portuguesa em relação a outras comunidades étnicas, como os latinos, podia estar mais bem integrada. Faz 50 anos que chegaram portugueses ao Canadá. Os latinos, não Estão cá há 15 ou 20 anos, mais ou menos. Mas têm mais presença visual. Muitas vezes fala-se mais dos latinos do que dos portugueses. Somos um pouco tristes e muitas vezes temos medo de avançar. Penso que foi que aconteceu no passado. Os primeiros emigrantes tiveram medo, talvez um pouco derivado por terem a família perto e não saíam dali. No entanto, estamos bem integrados e quando os "québécois" falam dos portugueses falam sempre bem. Não têm experiências más do passado com os portugueses.
Os jovens deveriam envolver-se mais nestas actividades, quer através da política, onde não temos representação, e noutros campos. Há muitos portugueses que participam em muita coisa que a gente não conhece. Ainda no outro dia disseram-me que há um grande médico que trabalha no Hospital Royal Victoria que é português. Deram-nos o nome dele e tudo. Estava séria, quando lhe disse:
- "A gente nunca ouviu muito falar dele."
Ou o senhor não está envolvido na comunidade portuguesa ou então a gente não conhece. Eu penso que a gente devia fazer um trabalho para conhecer os portugueses que estão envolvidos no Quebeque ou no Canadá e que não são conhecidos. Devia-se dar a conhecer essas pessoas.
Penso que os portugueses trouxeram alguns contributos à sociedade quebequense. Somos grandes comerciantes e penso que demos um "empurrãozinho" à economia do Quebeque. Há muitas comunidades no Canadá, as quais vemos na rua, sabe-se que estão presentes mas não se vê nem lojas nem comércio. Não se vê nada
Já a comunidade quebequense deu à comunidade portuguesa uma abertura de espírito às novas ideias e novas maneiras de comunicar entre as gerações. Antigamente não havia muita comunicação entre os pais e os filhos. Eram os pais que diziam:
- "Tens que fazer..."
E agora há mais comunicação.
As grandes diferenças entre os quebequenses de origem portuguesa e os naturais do Quebeque é que nós estamos ainda muito agarrados à família, mesmo que seja um jovem que nasceu no Canadá e já tenha 20 anos. Mas a gente pensa que os “québécois” já não são tanto assim. Esse é um dos pontos mais fortes da nossa comunidade.
Na minha opinião, não existe racismo e intolerância dos homens da comunidade portuguesa para com os outros. Penso que muitas vezes o racismo vem de nós próprios e não dos “québécois” que são um povo bastante aberto. Pessoalmente, nunca tive problemas. Já os portugueses, nem todos são abertos e tolerantes. Penso que isso é o carácter do português. Muitos portugueses não são abertos. Somos um pouco triste muitas vezes, principalmente as pessoas depois dos 40 ou 50 anos. Os jovens, como muitos já nasceram aqui e estão integrados no país, já são mais abertos do que os pais. Muitas vezes, este é um problema que existe entre pais e filhos.
Neste momento, os jovens ainda não têm muito lugar na comunidade portuguesa. Eu penso que “ils devraient sinsérer un peu plus.” Estão fazendo o seu caminho, mas ainda não entraram no espírito da nossa comunidade. Muitos jovens deixam de estudar muito cedo para irem trabalhar para fábricas, por isso não exploram o seu potencial último. Penso que muitos deles deviam continuar a estudar.
Num futuro a médio ou longo prazo, a comunidade portuguesa irá ficar mais pequena. Ainda no outro dia, falando com um padre português, o mesmo disse-me que já faz mais enterros do que baptizados na comunidade portuguesa. Como já não há muita emigração, a comunidade portuguesa daqui a uns anos irá desaparecer também. Penso que até há mais portugueses que voltam a Portugal agora do que aqueles que vêm de Portugal para o Canadá.
A comunidade portuguesa, daqui a uns 20-30 anos ou mais, irá diminuir bastante. Os jovens podem até continuar, mas esses jovens agora quantos filhos têm? 1.2, 1.3 filhos em média e assim vão continuar. Os pais desses vão morrendo. Muitos dos nossos jovens já não se casam com portugueses, vão casar-se com “ québécois” ou com outras nacionalidades. Por isso, a comunidade daqui a uns anos irá desaparecer. Mas, quem sabe, daqui a uns anos pode haver um "boom" e nascerem muitas crianças.
Sonhos “Uns meses lá e uns meses cá”
Ainda tenho alguns sonhos e aspirações para o futuro, a nível pessoal e profissional. Daqui a dois, três anos quero parar de trabalhar no banco. Tenho algumas ideias de outra carreira a começar, mas mais pessoal. Tenciono criar a minha própria companhia, qualquer coisa para mim, que eu possa fazer com o meu marido também. Ter os dois a trabalhar para o mesmo “but”. Assim teria mais "chance" de poder voltar a Portugal e com essa nova carreira podermos ficar uns meses lá e uns meses cá. Mais uns três aninhos
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