Projeto 30 anos Alunorte
Entrevista de Rosângela Ribeiro Dias da Conceição
Entrevistada por Lígia Scalise
Barcarena, 10 de julho de 2025
Transcrita por Selma Paiva
00:16 P1 - Rosângela, vou pedir para você começar falando seu nome, sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R1 - Eu sou Rosângela Ribeiro Dias da Conceição, nascida dia 24 de agosto de 1989, em Barcarena.
(00:32) P1 - Seus pais, qual o nome deles, de onde eles vieram?
R1 - Meu pai é... completo?
(00:43) P1 – Pode só falar o primeiro nome.
R1 - O nome dele é Manuel Durvalino, ele era pescador e agricultor. A minha mãe, Maria Ribeiro, também vivia da agricultura e eles são naturais daqui de Barcarena, inclusive nascidos nessa região que hoje nós ocupamos, na indústria.
(01:02) P1 – Olha! E eles nasceram aqui e os seus avós também?
R1 - Sim, meus avós são nativos de Barcarena, inclusive a minha descendência é dos índios mortiguras, que aqui habitavam. Meu avô, pai do meu pai, é índio mesmo e nós somos daqui.
(01:23) P1 – Interessante! Quando você nasceu, Rosângela, você sabe como era a vida dos seus pais? Como estava a situação? Como foi o parto?
R1 - É, eu já nasci em Vila do Conde, mas os meus pais, antes, moravam aqui, na direção da APA. Eles trabalhavam na roça e, quando chegou o projeto Albras e Alunorte, houve a indenização das famílias, para ocupar este lugar. Então, eles pegaram e foram morar em Vila do Conde, foram desapropriados, foram morar em Vila do Conde. Então lá, também, como eles tinham o hábito de viver da pesca e da roça, eles continuaram a ter esse hábito. E aí o meu parto, a mamãe conta, assim, que foi difícil, porque tinha parteira, era só desse modo. Inclusive, o meu nome se vem de uma filha da parteira dela, que eu perguntei justamente isso: “De onde que veio meu nome?” Ela falou: “Olha, o teu nome é da filha da parteira, eu achei muito interessante o nome Rosângela, então eu...
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Entrevista de Rosângela Ribeiro Dias da Conceição
Entrevistada por Lígia Scalise
Barcarena, 10 de julho de 2025
Transcrita por Selma Paiva
00:16 P1 - Rosângela, vou pedir para você começar falando seu nome, sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R1 - Eu sou Rosângela Ribeiro Dias da Conceição, nascida dia 24 de agosto de 1989, em Barcarena.
(00:32) P1 - Seus pais, qual o nome deles, de onde eles vieram?
R1 - Meu pai é... completo?
(00:43) P1 – Pode só falar o primeiro nome.
R1 - O nome dele é Manuel Durvalino, ele era pescador e agricultor. A minha mãe, Maria Ribeiro, também vivia da agricultura e eles são naturais daqui de Barcarena, inclusive nascidos nessa região que hoje nós ocupamos, na indústria.
(01:02) P1 – Olha! E eles nasceram aqui e os seus avós também?
R1 - Sim, meus avós são nativos de Barcarena, inclusive a minha descendência é dos índios mortiguras, que aqui habitavam. Meu avô, pai do meu pai, é índio mesmo e nós somos daqui.
(01:23) P1 – Interessante! Quando você nasceu, Rosângela, você sabe como era a vida dos seus pais? Como estava a situação? Como foi o parto?
R1 - É, eu já nasci em Vila do Conde, mas os meus pais, antes, moravam aqui, na direção da APA. Eles trabalhavam na roça e, quando chegou o projeto Albras e Alunorte, houve a indenização das famílias, para ocupar este lugar. Então, eles pegaram e foram morar em Vila do Conde, foram desapropriados, foram morar em Vila do Conde. Então lá, também, como eles tinham o hábito de viver da pesca e da roça, eles continuaram a ter esse hábito. E aí o meu parto, a mamãe conta, assim, que foi difícil, porque tinha parteira, era só desse modo. Inclusive, o meu nome se vem de uma filha da parteira dela, que eu perguntei justamente isso: “De onde que veio meu nome?” Ela falou: “Olha, o teu nome é da filha da parteira, eu achei muito interessante o nome Rosângela, então eu coloquei o teu nome”. Então, foi algo na casa onde nós morávamos, já em Vila do Conde. Então, assim que se deu. Meu pai sempre trabalhou de pesca e de roça. Minha mãe também, sempre na roça. Tanto é que uma das coisas que ficaram marcadas, assim, na minha infância, é que a nossa roça ficava um pouco mais distante da casa, era mais ou menos uns cinco quilômetros da minha casa e ela dizia, quando nós chegávamos da escola, para nós irmos almoçar na roça. E, assim, era um trajeto muito grande para chegar até a roça. (risos)
(03:15) P1 - Você tem irmãos?
R1 - Tenho nove irmãos. Eu sou a filha da velhice da minha mãe já e, assim, a minha mãe ela tinha filhos de dois em dois anos, é a diferença, né? Depois que ela me teve, ela passou quatro anos sem gerar. Aí depois eu era caçula, estava cantando a vitória, aí depois de quatro anos eu tive a minha irmã caçula, que é a Elisângela, que é bênção, também, na nossa vida.
(03:46) P1 - E quando você nasceu, como que era a vida deles? Eles tinham fartura de comida?
R1 - Não, não. A nossa infância foi muito difícil porque, assim, meu pai saía todos os dias para obter o alimento daquele dia. Então, a base da nossa alimentação era a farinha. Como nós tínhamos roça, era a única garantia que nós tínhamos, a farinha. Farinha de mandioca mesmo. Então, meu pai saía para completar a refeição pescando. E aí, muitas das vezes, ele saía para ir pescar e nós só nos alimentávamos quando ele chegava com o peixe. Então, a base da nossa alimentação era ali, a farinha, porque nós... minha mãe e meu pai tinham roça, né? Dias eles iam pra roça e dias ele ia pra completar isso, com alimentação com peixe.
(04:47) P1 - Mas era só pra alimentação de vocês, ou vendia também?
R1 - É, parte era pra alimentação e a outra parte ele vendia. E, na verdade, como na época, há 35 anos, que é a minha idade, o comércio não era tão forte em Vila do Conde, eles faziam muito escambo, né? Trouxe peixe aqui, o meu vizinho tem frango, tem carne, trouxe alguma... tem pão, que era difícil na época, também, então eles faziam essas trocas ali, na alimentação e eu cresci vendo esse tipo, essa modalidade, para nós nos alimentarmos. Meu pai trabalhava na roça e completava a alimentação com a pesca e, no decorrer, para a gente adquirir outras coisas era dessa modalidade.
(05:38) P1 – E roupa, brinquedo?
R1 - É, minha mãe conta muito isso, é sério isso, a gente vivia... nós ganhávamos muitas coisas de doações. A nossa vida foi muito assim, de doações. Tanto é que até hoje eu amo ganhar coisas, (risos) não tem importância não. Se alguém tem, né? E é muito sustentável isso pra o mundo em que a gente vive hoje, a gente consome muito e a gente quer ter muito. E as pessoas, às vezes: “Ah, eu tenho tal coisa, vamos trocar ali”, né? Se for na troca, na nossa comunidade, de vez em quando, quando eu preciso me desfazer de algumas coisas, mas eu vejo assim que dá para algumas pessoas aproveitarem, eu coloco no grupo da comunidade: “Olha, tô doando isso, tô doando isso”.
(06:28) P1 - Coisa que você aprendeu pequena.
R1 - Sim, sim, eu fui muito abençoada, recebendo desde a minha infância muitas coisas e hoje eu propago isso também, vejo que em algum lugar alguém está precisando daquilo. Então, na minha infância nós vivíamos muito de doações, das parentelas. A minha mãe conta que uma vez ela foi para igreja e foi uma coisa que a tocou muito. A gente não tinha muito recursos de roupas, brinquedos e uma pessoa que ela não sabe nem de onde, ela só tem certeza que trabalhava na indústria, que falou para ela: “Olha, vai lá na Vila dos Cabanos” - que antes era falado núcleo urbano, era um nome lá que denominaram logo na chegada das empresas – “vá lá no núcleo, em tal casa X, que eu tenho algumas coisas pra doar pra vocês”. E ela foi, ela ganhou muitas das coisas. Então, a nossa infância foi marcada por doações, por essas coisas, pra gente poder adquirir que, na verdade, meus pais não tiveram poder aquisitivo de comprar brinquedos, a gente não tinha isso. Eu lembro que uma das primeiras bonecas que eu ganhei foi quando a minha irmã mais velha foi trabalhar numa casa de família, em Belém e um dos primeiros pagamentos dela ela trouxe uma boneca para mim e era uma boneca bem tradicional, da época, toda de plástico, engessada, mas aquilo ficou marcado, que foi um dos primeiros brinquedos que eu ganhei de alguém comprar. Eu ganhava de doações, mas de comprar foi a minha irmã que trouxe para minha casa.
(07:55) P1 - Nossa, deve ter sido marcante ganhar um presente!
R1 – É, eu nunca esqueci disso.
(07:59) P1 - Seus pais eram bravos, eles eram carinhosos?
R1 - É, o meu pai, ao contrário do comum, era mais liberal, mais brincalhão, assim. O meu pai tinha algumas vulnerabilidades em assumir o papel de pai. Então, a minha mãe teve que assumir esse papel.
(08:23) P1 - Como assim?
R1 - O meu pai teve um problema com álcool. Então, isso impactava a nossa vida, muito. Tanto é que eu estava até pensando justamente isso em casa, que a gente presenciou meu pai algumas vezes beber e ficar caído em bares, por exemplo. E muitas das vezes nós, quando crianças, nossa família é muito acolhedora, nós íamos buscá-lo, mas nós éramos muito pequenos e os meus outros irmãos trabalhavam, a gente sempre teve um carinho muito grande. Então, diante dessa vulnerabilidade do meu pai, a minha mãe teve que assumir aquele papel mais duro, mais fechado. Ela teve essa situação. Tanto é que eu acredito que repreensão, que era da cultura, que meus pais aprenderam a repreender a gente batendo, por exemplo, eu tive isso, mas era muito da minha mãe. Meu pai não fazia isso, entendeu? Ele tinha aquele papel mais carinhoso. Inclusive, meu pai veio falecer há três anos, por causa que ele não queria tomar os remédios dele, porque ele gostava de beber. (risos) Então, para ele tomar os remédios dele para pressão e coração, ele tinha que se abster. Então, foi uma decisão da vida dele, mas eu me lembro com muita alegria do meu pai. Mas a pessoa que foi mais marcante, mais dura e hoje, com os netos, é totalmente diferente, foi o papel da minha mãe. Minha mãe é minha inspiração porque, na ausência do meu pai, não tenho nenhuma queixa, nenhuma dor quanto a isso, mas a minha mãe teve que assumir esse papel dela e do meu pai, até mesmo para colocar a família em ordem, a adolescência dos filhos, o direcionamento do que eles têm que fazer, foi a minha mãe que teve isso. Então, minha mãe era brava e ela, de alguma forma, hoje ela está muito flexível com os netos, mas o papel de assumir, assim, as rédeas da família foi da minha mãe mesmo.
(10:28) P1 - Quando você era pequena, você entendia que ela precisava fazer isso por conta dessa história que está me contando ou você sofria com uma mãe mais brava?
R1 – Não. Inclusive, eu sou apaixonada pela natureza e eu apanhava da minha mãe. Apanhei, na infância, da minha mãe, várias vezes, por causa... eu nunca fui uma filha desobediente, entre aspas. A minha única desobediência era ir pro igarapé. Eu amava tomar banho de igarapé, mas como a minha mãe era ausente no dia a dia, ela deixava só uma única ordem em casa: “Vocês chegam da escola, vocês vão almoçar e não vão pro igarapé”. E eu apanhava dela e eu não entendia como ela me privava de um momento tão maravilhoso, mas o medo dela é de nós morrermos afogados. Apesar de nós sabermos nadar ela morria de medo de nós morrermos afogados, porque ela expressa até hoje, ela tem nove filhos e o único desejo do coração dela, que ela pediu a Deus, foi criar os nove filhos dela e nunca perder nenhum, que o dia que ela tivesse que perder algum filho, que Deus a levasse primeiro, que ela não queria sofrer essa dor. Então, no medo dela, de ter que trabalhar para sustentar a família, ela repreendia a gente do modo que ela aprendeu: “Eu vou repreendê-los ali”. E eu apanhei várias vezes na minha infância, por ir no igarapé. Ela fala assim que nós fomos filhos maravilhosos, obedientes. A minha única desobediência era que eu amo de verdade a natureza, me conectar, ir para a praia, igarapé. Eu amo o Vila do Conde, eu posso falar que eu amo o lugar que eu nasci, por causa dessa conexão da natureza. Eu morei dois anos na capital, não me adaptei, o parente fala assim ‘não me dei’, (risos) porque realmente a minha conexão da natureza é maior.
(12:21) P1 - E aí você dava uma escapadinha?
R1 - Sempre. (risos) Era recorrente. Sempre tinha repreensão. Quando ela ficava sabendo, porque tinha combinado com meus irmãos, a gente vai e ninguém fala, mas a gente tem a família sempre mora ali, ao redor da casa da minha mãe, sempre dizia: “Olha, fulana estava no igarapé, estava pulando em cima do barco. Tinha as árvores que a gente subia e pulava também, fazia manobras radicais e alguém falava: “Olha, fulana estava pulando”. E chegava na casa da minha mãe, a gente era repreendida e ela sempre repreendia do modo que ela sabia.
(12:56) P1 - Por você ser uma das menores, né, por um tempo aí, caçula, você acha que você recebeu também cuidados dos seus irmãos? Foi mimada?
R1 – Sempre. Assim, tinha uma regra na cabeça dos meus irmãos que a gente conversa. Nunca a gente parou para ouvir que era essa regra, mas a gente aprendeu, era incrível isso. Os maiores não poderiam, de forma alguma, maltratar os menores. Era aquele cuidado mesmo inserido e inconsciente nos meus irmãos. Tanto é que tem um evento, que é muito legal. Hoje eu fico rindo disso. Eu tenho a minha cabeça quebrada, porque um dia a minha irmã mais velha brigou comigo, a gente estava brigando por algo, eu nem me recordo o quê. Então, como ela não poderia me repreender, ela falou para minha irmã que é mais nova, quatro anos, que eu, se ela me batesse (risos) estava tudo ok, mas a minha irmã que era mais velha, não podia. Então, a minha irmã que é mais velha que eu, dois anos mais velha, disse assim para minha irmã menor, falou assim: “Bate nela”, porque tipo assim: tinha inconscientemente esse cuidado, ela não poderia me machucar, porque ela era mais velha. Então, a minha irmã mais nova pegou algo que ela tinha na mão e jogou em mim. Só que quando ela jogou em mim, como a nossa casa era de assoalho e mais alta, acertou na minha cabeça e quebrou a minha cabeça.
(14:28) P1 - Abriu?
R1 - Abriu. (risos)
(14:31) P1 – Tomou ponto e tudo?
R1 - Não, na época não tinha hospital assim, pra dar ponto, sei que abriu e aí eu comecei a gritar, só que fazendo assim, tipo um drama, eu não sabia: “Ai, ai, ai, ai, ai”. Aí eu passei a mão na minha cabeça e aí, quando eu vi, estava só sangue. Aí a minha irmã mais velha correu, né? E os outros correram. Aí até explicar que foi essa situação, hoje a gente ri disso, porque era assim, nossos irmãos sempre... era um cuidando do outro, né? Então, tinha isso, que os mais velhos tinham que ter o cuidado mesmo com os mais novos. E aí ocorreu essa situação que hoje é motivo de riso, de graça, mas era quase que uma regra: os maiores têm que cuidar, não podem maltratar. Repreender não pode. Então, a minha irmã sabia que, se ela fizesse alguma coisa pra mim, que eu era mais nova, ela ia ser repreendida pela minha mãe, quando ela chegasse. Então, ela teve a audácia e articulou o plano de vingança com a minha irmã mais nova, que ela saberia que não iria acontecer mais nada, eu não poderia, também, repreendê-la.
(15:40) P1 - E como que vocês dormiam? Como que era a divisão, lá?
R1 – As casas dos meus pais sempre foram muito grandes, sem compartimento, não tinha como fazer quarto para nove filhos. Então, sempre a casa foi da gente morar, dormir. Até hoje eu conto que a casa da minha mãe, o cetro, o acolhimento, é na cozinha. Sempre tínhamos a casa e um barracão do lado, que era a cozinha, com fogão a lenha e nós dormíamos todos dentro dessa casa. Era rede entrelaçada por todos os cantos. Nove, dez, onze, porque tinha a dos meus pais que também dormiam em rede. A nossa cultura era isso. A minha mãe até conta que em 1999 eu tive um acidente de barco. Aconteceu um acidente comigo e ela não sabia dormir em cama e, quando nós fomos pro pronto-socorro, ela teve que se adaptar, porque ela não sabia. Então, foi um marco na vida dela também, devido ao meu acidente, que ela teve que aprender a dormir em cama. Nós não tínhamos esse hábito.
(16:59) P1 – Então, até chegar lá, eu fico imaginando que era uma grande bagunça. Era divertido?
R1 – Sim. Era divertido, era uma bagunça gostosa. Todo mundo tinha o seu lugar. Justamente, a estratégia da casa era assim, grande, que era pra entrelaçar as redes. Cada um tinha seu cantinho, então ficava... não sei se vocês já tiveram oportunidade de ver os barcos ali, do Marajó, era mais ou menos assim: cada um tinha sua rede, uma do ladinho do outro, ali.
(17:22) P1 - E quais que eram as regras da casa? Tinha tradição? Tinha que dormir tal hora?
R1 - É, até hoje eu tenho o hábito de dormir cedo. Nós, no início, não tínhamos energia elétrica, né? Então, a minha mãe tem hoje lamparina, por incrível que pareça. De vez em quando, na falta de energia, eu comprei algumas lâmpadas de emergência pra ela, pra deixar na casa dela, mas ela tem a lamparina dela. Sério. Um dia desses a minha filha foi lá e derrubou e achou interessante aquilo, mas nós tínhamos lamparina na nossa casa, então pra não gastar o combustível ali, o querosene da lamparina, tinha até tal hora pra se movimentar ali, dentro de casa. Quando tinha mais ou menos sete horas, oito horas da noite, no máximo, aí já apagava a lamparina e nós íamos dormir. E acordava muito cedo também, porque ela levantava muito cedo, para ir para a roça. Quem trabalha em roça tem que levantar bastante cedo, porque tem que aproveitar o máximo antes do sol. Nós temos bastante sol aqui no Pará, né? Então, mesmo quem trabalha em roça quer, normalmente, entre dez, onze horas da manhã, já sair da roça, porque é um trabalho muito exaustivo diante do sol. Então, eles aproveitam para o nascer do sol já estar ali, no seu trabalho. Então, esse hábito nós tínhamos.
(18:43) P1 - E no dia de folga? Talvez domingo.
R1 - Por incrível que pareça, não tinha muito esse dia de folga, não. (risos) Não tinha. Lembra que a nossa alimentação era ali, na subsistência? Então, nós comíamos de domingo a domingo, então tínhamos que trabalhar de domingo a domingo. Não tinha esse dia de folga. Eu lembro, assim, que poucos dias de folga nós tínhamos quando nós marcávamos para ir à igreja. Esse era o nosso dia de folga, era o dia que a pessoa não ia pra roça, mas se ela não ia pra igreja, ela ia pra roça, automaticamente.
(19:16) P1 - Vocês ajudavam na roça?
R1 - Sim, sim. Quando, na minha época, já que meus irmãos cresceram, quando eles cresceram, eles já começaram a ajudar em casa. Então, até meados ali de 2005, 2006, no máximo foi 2006, quando houve um grande projeto também para a área de roça da minha mãe e aí a gente vendeu as terras de roça. Eu vou pular para uma coisa bem recente agora. Depois de 2006, a minha mãe não teve mais roça e ela começou a viver só do lar, cuidando da casa.
(20;00) P1 – Mas volta lá, então vocês iam para a roça?
R1 - Íamos para a roça de manhã. Chegávamos da escola, sempre priorizou isso, nunca, pelo menos eu, deixei de estudar para ajudar e ela dizia: “Chegou da escola, vai lá pra roça, almoçar”, mas era muito longe. Nós preferíamos nos ajudar ali em casa, quando tinham os irmãos maiores, que tinham as mangueiras perto, as mangueiras sempre foram fonte de subsistência pra gente. Às vezes a gente preferia comer manga e atrás da casa da minha mãe tinha um rio. Então, a gente ia pra lá e pescava. Se a gente conseguia alguma coisa, a gente não ia pra roça comer, porque era muito longe pra gente ir caminhando. Então, a gente preferia fazer isso.
(20:48) P1 - O que você fazia para se divertir, nesses dias? O que você gostava? Uma memória da infância.
R1 - Tomar banho de igarapé.
(20:56) P1 - É isso?
R1 - Tomar banho de igarapé era muito gostoso. E tinha uma coisa, assim, que a gente queria comer a manga fresquinha. Então, a gente ia para um terreno, que era uma marcenaria, do lado da minha casa. Isso daí era maravilhoso, era divertido. Então, ficava uma turma de crianças sentadas, esperando a manga cair. Aí, quando dava o vento, todo mundo já sabia que tinha que correr. A gente corria para pegar a manga e era engraçado, porque tinha várias mangas caídas no chão e a gente queria aquela que estava caindo naquele momento. Então, isso ficou marcado também. Quando nós temos a oportunidade de reunir primos que estão morando em Santa Catarina, Florianópolis, Mato Grosso, hoje, que vêm, a gente senta para relembrar essas memórias que ficaram marcadas.
(21:40) P1 – E você falou desse acidente, conta pra mim um pouquinho.
R1 - É, o meu pai é pescador e lá no Porto de Vila do Conde é assim: nós somos conduzidos por marés. Então, quando a maré está baixa, o barco não entra no igarapé. Aparecem os bancos de areia e não dá pro barco passar. Nesse dia meu pai chegou da pesca, ele e um amigo e precisou entrar com o barco, mas não dava, então eles tiveram que deixar lá na praia, perto da famosa Ponta do São Marcos, que é a praia que eles deixam os barcos deles. E, infelizmente, nesse dia que ele veio tinha um ‘bendito’ toque de recolher da polícia e aí ele detido, por não estar com os documentos dele, a quinhentos metros de casa. Infelizmente o agente não foi flexível diante da situação e ele foi detido.
(22:41) P1 - Ele foi preso?
R1 - Foi detido. Aí tinha uma regrinha que ficava 24 horas, por não estar com documento, portando documento. Ele não quis ser flexível, na verdade, nem compreender, porque meu pai era bem característico do pescador. Ele estava de short, com uma garrafa de café na mão e uma lanterna. Aí, quando ao amanhecer, lá na Vila do Conde tem muitas pedras. E, quando enche a maré, o barco ia ser lançado pelas pedras e era um bem que a gente tinha. Aí meu irmão, nessa procura da minha mãe por onde que está o meu pai, nós fomos até na praia e vimos que o barco dele estava lá. E aí minha mãe começou a procurar o meu pai e o meu irmão teve a ideia, meu irmão tinha 14 anos na época, de buscar o barco do meu pai. Só que, para quem é ribeirinho, tem um contato muito fácil. Apesar de eu ter nove anos de idade na época, eu sabia. Aquilo é como andar de bicicleta para gente, ter o contato com o barco. Só que esse barco que o meu pai foi pescar era grande. Então, na minha cabeça eu disse assim: “Meu irmão vai entrar na casa de máquina e ele vai rodar o motor, não vai ter ninguém para ficar no leme e eu vou com ele, para o leme. Meu irmão já tinha ido e eu saí correndo atrás dele e eu fui. Eu lembro que quando eu cheguei na praia, eu gritei pra ele, ele já estava entrando no barco, ele me viu. Aí ele falou assim pra mim que não, que não era pra eu ir, que era pra eu voltar. E eu pulei na água e fui nadando, porque era assim: como o barco fica distante, tem que pular na água pra chegar no barco mesmo. Tinha corda lá, ficou ancorado lá na âncora mesmo, lá fora, ele foi nadando e entrou no barco. E aí, quando ele chegou, eu cheguei logo atrás dele, eu gritei pra ele e disse que não, era pra eu voltar. E aí, quando ele falou que não, que era pra eu voltar, eu, ousada, pulei e aí ele me pegou pela mão e puxou pro barco. Era um barco médio, de médio porte, quando você vai ver, tem muitos barcos pequenininhos que fazem o trajeto todo dia, assim, o do meu pai era maior. Então, ele desceu pra casa de máquina, rodou o motor, só que esse barco do meu pai não era de timão, era de leme na corda, que tem uns que têm a corda de trás. E aí, na época eu não tive a percepção de risco. Eu enrolei a corda na minha mão e joguei o restante, assim, ficou solto e esbarrou na água, na hora que a hélice começa a rodar ela puxou a corda e aí ela me puxou. Eu caí do barco. Eu não lembro do meu acidente, em si, o que foi que aconteceu depois. Meu irmão disse que quando ele estava na casa de máquina, ele escutou um grito e a primeira reação que ele teve foi desligar o motor, de imediato. Foi muito esperto, nesse momento. Que ele saiu pra olhar e eu não estava mais em cima, onde deveria estar e ele começou a procurar com os olhos, assim e ficou meio que desesperado, olhando pra um lado e pro outro. Ele disse que levou assim uma fração de quase um minuto, eu emergi. Eu fiquei presa com a minha mão na corda, enrolada. E o que me salvou foi que ele, de imediato, quando ele escutou o grito, o motor parou. Aí ficou enrolada a minha mão. Na verdade, não foi a hélice que cortou, foi a pressão que puxou a corda para o outro, a minha mão estava toda enrolada. Como eu era muito franzina, eu tive que fazer isso para puxar a corda. E aí houve socorro, só que na época, em 1999, parece que vinte anos atrás... eu acho o Conde muito maravilhoso, assim, só que era uma dificuldade muito grande, tinha só um postinho de saúde, que ficava alguém de plantão, mas como era de alto risco, nós não tínhamos nem condução para ir para o hospital, aí passava um ônibus circular de uma em uma hora. Nós tivemos que aguardar esse ônibus circular passar, para poder me levar. Quando o motorista viu, nem fez o percurso, ele me levou direto pro hospital. Mas aí, como era pelo SUS, se hoje algumas coisas estão difíceis ainda, de leito, lá na época era bem difícil também. Aí não tínhamos gasolina pra colocar na ambulância. (risos) Até chegar na capital! Eu cheguei na capital, resumindo a história, seis horas da tarde. E aí o médico falou que ele ia tentar, mas como ficou muito tempo sem socorro, ele não ia garantir. Tanto é que depois houve a amputação, mas justamente foi devido... meus dedos não saíram, eles só cortaram, só esmagou, mas não houve circulação, aí com uma semana depois o médico teve que amputar, por não haver a circulação mesmo.
(27:36) P1 - O que você lembra? Você estava acordada, nesse período?
R1 - Eu estava acordada todo o tempo e, quando o trauma é grande, não dói. Eu sempre falo para as pessoas assim... eu gritava no desespero de ver, mas ele não dói. O cérebro é... o corpo é uma máquina perfeita. Eu senti, assim, como uma grande ardência. Era como se o teu corpo colocasse uma pimenta em cima e quando pegava vento também ardia ali, ficava uma ardência muito grande. Não era uma dor, era essa sensação de ardência mesmo. E eu fiquei acordada todo o tempo. Eu, mesmo pequena, tenho uma visão da vida maravilhosa. Eu sempre entendo que para tudo há um propósito que nós não entendemos, no momento. Mas eu, de fato, acredito que se eu tiver que passar por alguns momentos difíceis na vida, que eu passe, mas que eu me torne uma pessoa melhor. Eu penso dessa forma e acredito que isso também veio com um propósito.
(28:46) P1 - Veio?
R1 - Veio, muito grande.
(28:48) P1 - Você sabe me dizer qual?
R1 - Eu, de fato, quando olho para a pessoa que está na minha frente - falei isso ontem para o colega que eu fui até a casa dele - eu não enxergo. Por exemplo: aqui na indústria, muitas das vezes nós somos assistente administrativo ou técnico. Eu enxergo a pessoa muito além. Eu olho para uma pessoa, se eu fosse olhar para mim, eu descrevo assim: “Eu olho para a Rosângela, é a Rosângela que carrega um sonho, é a Rosângela que é mãe, é a Rosângela que é filha, é a Rosângela que tem uma gama de pessoas por trás, a qual ela ajuda, que ela suporta, a qual ela estende a mão, a qual ela tem fé, tem uma fé”. Então, quando eu olho para uma pessoa diante disso, eu não olho simplesmente para o funcionário que está aqui dentro, se for aqui dentro da Alunorte, eu vejo uma pessoa que carrega muitos sonhos, tem uma história maravilhosa por trás disso e, ainda que nós temos os nossos defeitos, eu tenho certeza que, se eu parar para conversar com essa pessoa, as virtudes delas vão sobrepor tudo isso. Então, ainda que tenha alguma coisa má em uma pessoa, eu tenho certeza que, se eu parar pra conversar com ela, tem um sentido porque ela está reagindo daquele jeito, naquele momento.
(30:16) P1 - E aí esse acidente te trouxe (30:18).
R1 - Isso, isso mesmo.
(30:20) P1 - E na sua família, como que isso abalou sua mãe?
R1 - Na época foi bem difícil para os meus pais.
(30:28) P1 - Seu irmão.
R1 - O meu irmão, de alguma forma, se sentia culpado diante disso. Meu pai também. Uma das primeiras reações que meu pai teve, eu ainda no hospital, ele vendeu as embarcações dele. Isso impactou muito, muito, muito. Até desmistificar isso na cabeça dele, foi muito impacto. Eu lembro que ele vivia da pesca. Então, como foi que ele ‘abriu mão’ disso, que era um meio de subsistência dele? A culpa sempre vem, as pessoas acham que podem evitar algumas coisas, mas depois, de fato, eles viram que, diante disso, por incrível que pareça, eu muita das vezes não lembro que eu tenho uma deficiência. Eu me adaptei tão bem na vida, que eu não lembro, de fato. Às vezes eu percebo que eu tenho uma deficiência pelo olhar dos outros, quando olham, assim, mas de fato eu entendo também que o olhar do outro é de curiosidade e também algumas pessoas olham com um olhar de inferioridade, por eles entenderem e receberem essas informações, às vezes, entendeu? Eu não julgo que as pessoas que têm um olhar, assim... quando eu era criança alguém falava assim: “Coitadinha”, né? As pessoas falam isso, mas eu entendo, hoje eu entendo. Como assim? Eu me adaptei tão bem, tão bem e não vejo isso como problema hoje, na minha vida. Pelo contrário, eu vejo assim que melhorou, me melhorou como pessoa e eu olho, assim, para as pessoas e, quando elas vêm com esse olhar mais de julgamento, de pena, um dia que eu tiver a oportunidade de conversar com elas, eu vou desmistificar isso, porque não é isso. E, pelo contrário, me abriram portas, me abriram caminhos, porque hoje, de alguma forma, eu faço questão de ajudar algumas pessoas que passaram por algum tipo de trauma e ainda não são bem resolvidas com isso, porque realmente tem pessoas que sofrem, não têm uma mesma percepção que eu. Tudo bem, somos seres humanos, temos outras maneiras de reagir e, de fato, às vezes eu coloco algumas situações que aconteceram comigo, que eu entendo também as pessoas que vêm com esse argumento: “Coitadinho” e tal.
(32:54) P1 - E isso você conseguiu construir na sua cabeça, sozinha ou foi sua mãe que te ajudou a enxergar dessa forma?
R1 - A minha família, impactou muito isso nela e de alguma forma eles queriam me proteger e eles me protegeram tanto, que eles não tocavam nesse assunto, eles não traziam à tona, eles não gostavam de falar sobre esse assunto. Então, eu, de fato, como eu via a minha mãe todas as vezes que ela contava pra alguém o acidente, ela se emocionava, assim, com o sentimento de culpa. Então, respeitei também esse momento da minha família, mas quando eu cresci, que eu pude estudar, me tornar profissional e eu vi assim quanto orgulho eles tinham de mim, eu trouxe isso à tona pra eles, que isso também me abriu portas, me fez uma pessoa melhor, pra simplesmente quebrar esse tabu que eles tinham do meu acidente. Eles não gostavam, não falavam tanto assim. E hoje, graças a Deus, isso passou.
(34:00) P1 - E isso interrompeu os teus estudos, não interrompeu?
R - Não. Em nenhum momento interrompeu meus estudos. A minha mãe sempre incentivou. A minha mãe é semianalfabeta. Ela tem a segunda série, ali, ela sabe o básico e eu não lembro, eu falo muito pro meu filho, do dia que a minha mãe... também ela não tinha, ela tem muito conhecimento de mundo, ela ensina muito, mas ela não teve, pelo trabalho dela também, aquela oportunidade de chegar com a gente, fazer um dever de casa, sentar, mas o que ela pôde falar, assim: “Vamos pra escola”. Eu lembro que uma vez eu não queria ir pra escola, ela brigou comigo, eu não queria ir pra escola, por uma determinada situação que aconteceu e aí eu não queria ir para a escola, porque as pessoas tinham mochila, tinham as coisas. Eu não queria ir para a escola, porque a gente via assim as pessoas tendo e a gente não tinha. E aí aquilo me entristeceu, como criança não queria. Aí ela brigava comigo: “Vá para a escola”, do jeito dela e aí eu ficava chateada. E aí hoje eu digo: “Caramba, minha mãe foi uma incentivadora. Mesmo brigando ela queria, ela sempre apostou que os estudos seriam a garantia de um futuro melhor.
(35:10) P1 - E aí, o que você lembra dessa parte da adolescência, já? Da escola, dos namorados.
R1 - Está aí, eu fui uma pessoa... por incrível que pareça, eu sou muito falante, eu me relaciono bem com as pessoas, (risos) mas eu não fui de namorar muito. O meu primeiro namorado foi o meu marido. Eu namorei com ele, inclusive eu o conheci devido às indústrias estarem aqui. Ele veio de Belém, prestar um serviço aqui e eu o conheci.
(35:45) P1 - Isso já mais pra frente?
R1 - Mais pra frente. Isso foi lá em 2007. Aí, em 2008 acabou a obra dele aqui e aí ele chegou a conversar comigo, disse assim: “Rosângela, eu não acredito muito que vai dar certo esse negócio de namoro à distância. Acabou o contrato e eu preciso ir embora”. E aí, na época, a gente conversou, que eu tinha 18 anos, eu casei muito cedo. E ele disse assim que precisa voltar e, sinceramente, na cabeça dele achava que não ia dar certo ele ir embora e eu ficar por aqui, né? E aí a gente resolveu - chegamos na nossa família, conversamos - morar junto. E foi uma história de muito sucesso. Vivemos 14 anos juntos e hoje nós somos separados, mas eu posso te dizer que foi uma história de muito sucesso. Nosso casamento foi maravilhoso por, no final, nós vermos que não deu certo algumas situações e eu acreditar que realmente casamento é uma coisa maravilhosa, nós nos separamos.
(36:52) P1 - Antes disso tudo, adolescência, volta lá. Você falou que você lembra das empresas, quando elas chegaram. O que marcou na tua cabeça, quando esse movimento começou?
R1 - Há trinta anos, quando a Alunorte chegou, ficou marcado pra mim um momento que eles convidaram todas as comunidades pra vir. Eu tinha cinco anos, não poderia vir e aí meus irmãos vieram. Foi uma cena muito marcante pra mim, quando eles vieram. Isso não esqueço. E na inauguração teve muitos lanches. Muito, muito, muito. E eles chegaram naquela bagunça em casa, com muitos lanches da Alunorte, (risos) da inauguração da Hydronorth. Inclusive eu levei essa informação para lá, para minha família, pros meus irmãos que vieram e eles lembraram um pouco desse momento, que foi um momento muito marcante, que foi ali na entrada do CDP. Eu queria saber onde era uma foto que eu vi. Eles disseram: “Olha, foi ali na entrada da portaria central, lá que foi montado o palco, lá que na época o presidente veio e fez toda a cerimônia”. Eles estavam lembrando desse momento que eu não participei, mas eles participaram.
(38:08) P1 – Qual presidente?
R1 - Eu acredito que era o Fernando Henrique Cardoso, na época, ele veio para a inauguração da Hydro, Alunorte. E aí ele veio, aí meus irmãos contaram para mim, que eu não estava nesse momento, mas eu contei para eles: “Eu não esqueço da cena de vocês chegando com um monte de refrigerante, com um lanche, lá em casa”. E essa cena marcou para mim nas indústrias. E aí, esse momento da minha infância também, o que marca para mim, na minha trajetória, foi a minha mãe falando que, quando as indústrias chegaram, um dos argumentos até é que ia trazer muito emprego. E aí, os meus irmãos... as minhas irmãs foram para área da saúde, elas são técnicas de enfermagem. Na época, quando eu comecei estudar, eu fui para a área da educação. Eu tive dois irmãos que trabalharam em indústria, um na elétrica e o outro na operação de rigger, mas hoje ele não está. Ele ama ser pescador. Ele voltou a ser pescador. Ele disse que ganhou bastante dinheiro aqui na indústria, mas ele ama ser pescador. De fato, ele fala isso com muito orgulho. Ele voltou para pesca. Eu tenho um outro irmão que trabalha na indústria, mas não mais aqui. E aí a minha mãe ficava se queixando, que eu via a queixa dela. Não diretamente, mas ela disse assim: “Poxa, mas quando as indústrias vieram, aí tinha... ia gerar emprego”, mas não que as minhas irmãs não viessem para a indústria, elas foram pra... aí eu comprei a ideia dela e eu disse assim: “Eu vou para a indústria”.
(39:48) P1 - Qual era a queixa dela, exatamente?
R1 - A queixa dela era que os filhos dela iam trabalhar na indústria.
(39:54) P1 - Ela queria?
R1 - Ela queria porque, com a Albras e Alunorte vindo para cá, ela ouvia, assim, nas negociações: “Olha, pensa pelo bom também” - o álibi do negociador – “vão ter empregos, muitos empregos”. E aí, na família dela, de fato, diretamente, porque indiretamente a gente sabe que impacta, tudo impacta na geração de renda, comércio que chega para o local. E ela falava assim, tipo que culpava, mas não era culpa da indústria. Os filhos dela que não foram para a indústria. E aí ela dizia assim. Aí eu disse: “Eu vou trabalhar na indústria”. E aí, na época que eu vim para cá, eu tinha iniciado a minha faculdade de Pedagogia. Eu estava no quarto semestre, já. E aí eu tentei, coloquei o meu currículo aqui, fiquei mais ou menos por três anos tentando e aí eu consegui uma entrevista aqui, na indústria. Então, eu não sei se eu já posso pular nessa parte. Posso?
(41:08) P1 - Pode contar.
R1 - E aí eu consegui. A minha entrevista demorou mais ou menos assim: o processo seletivo durou seis meses. E como demorou muito em cada etapa, eu pensei que eu não tinha passado. E aí foi muito interessante quando eu vim pra cá, pra indústria, como eu não tinha a vivência, o meu gerente na época, que era o gerente de área, Marcelo Siqueira, lembra até hoje da minha entrevista e eu lembro também. Aí ele me perguntou o que eu sabia da indústria e a única coisa que eu falei pra ele, assim, que a minha vivência de indústria foi no curso que eu estava fazendo na época, que era operadora de produtos químicos, que eu vinha da área da educação: “Eu não sei, na prática, nada de indústria, mas tudo que me ensinarem aqui eu aprendo”. E isso o marcou. Tanto é que eu acredito que seis a sete anos depois ele foi para uma outra área e quando ele me encontrou foi muito legal e ele disse assim: “Ei, foi eu que contratei, ela disse assim: ‘Eu não sei de nada, mas se tu me ensinar, eu aprendo’”. E hoje, nas voltas que o mundo dá na indústria, ele retornou a ser meu gerente, só que agora ele é meu gerente sênior e ele trabalha conosco novamente, no porto. Então foi muito legal, muito bacana.
(42:29) P1 - Você teve outros empregos, antes?
R1 - Eu fui professora de educação de jovens e adultos. Eu amo pessoas, amo as histórias das pessoas. Então, nós tínhamos um projeto aqui em Barcarena, que era educação de jovens e adultos, mas com uma outra modalidade, que não necessariamente era na escola. A nossa região de Barcarena é muito abrangente, Vila do Conde também. Então, tem pessoas, adultos que não sabem ler uma bula de um remédio. Não sabe, às vezes ficam com vergonha numa parada de ônibus, para saber. Então, nós tínhamos esse projeto aqui em Barcarena, que nós tínhamos polos, nós montávamos estrategicamente onde ensinar esses alunos e, às vezes, se a casa do aluno era muito longe, nós íamos até eles mesmo, para ensinar. Só que a pegada do ensino era mais ou menos assim: ler uma bula, entender um relógio. Idoso, exemplo, fazer a leitura ali: “Ah, eu tenho um relógio ali, de ponteiros, eu não sei ler”. Então, era alfabetização estratégica desse modo.
(43:40) P1 - E você tinha cinco anos quando as indústrias, a Alunorte começou. Mudou muito essa cidade?
R1 - Mudou bastante, bastante, bastante, porque o movimento de pessoas chegando era muito grande. Vila do Conde, onde eu morava, era assim: fulano, filho de fulano, que mora ali. E aí começou a chegar outras pessoas na frente da minha casa, da casa da minha mãe. E aí o comércio crescer, na frente da casa minha mãe teve um comércio. A minha mãe, por algum tempo da vida dela, também chegou a montar um pequeno comércio, mas ela não conseguiu conciliar o comércio e a casa. Ela conta as histórias desse comércio também.
(44:27) P1 - Era de que o comércio?
R1 - Um comércio pequeno, que vendia comidas, alimentos, gêneros alimentícios e aí ela não conseguiu conciliar, mas ela teve um pequeno comércio, tanto é que há indústrias mudando, ali, a rotina das pessoas. Aí ela não conseguiu conciliar, porque tinha que ir na capital comprar, na época era em Belém o ponto estratégico para comprar isso e aí era difícil para eles. Mas, assim, no Conde já começou a chegar muitas pessoas, pessoas diferentes. Tanto é que hoje nós temos amizades de pessoas que passaram na indústria por aqui, vieram só por um tempo e retornaram pra sua cidade e ficou a amizade dessas pessoas. Então, ali em Vila do Conde começou a chegar. Tem muitos moradores ali que vieram por causa da indústria, vieram trabalhar e trazendo famílias. Inclusive também uma parte do meu casamento, do meu esposo, na época, ele veio por causa da indústria, nós casamos, só que aí, diante disso veio o irmão dele depois, a mãe dele e o outro irmão dele, hoje moram todos em Vila do Conde, devido a esse jogo da indústria.
(45:46) P1 – Então, vocês começaram a conhecer várias pessoas, de diferentes lugares, a cidade começou a crescer de todos os jeitos?
R1 – Sim, cresceu de todos os jeitos, sim. Então, Vila do Conde começou a se expandir com a chegada dessas outras pessoas que vieram para os projetos. Por exemplo: Vila do Conde não tinha lugar para alugar. Aí, diante dos grandes projetos, começou as pessoas construírem para abrigar as pessoas, porque o núcleo urbano, onde era o centro de receber as pessoas, foi projetado para funcionários de Albras e Alunorte, mas sempre teve a expansão de pessoas de terceirizadas, precisavam de lugar próximo para alugar, então Conde também foi crescendo, diante disso.
(46:31) P1 - E vocês que viviam muito da natureza, como é que vocês foram vendo tudo acontecendo, essa convivência?
R1 - Olha, assim, de modo geral foi crescendo e Vila do Conde hoje ainda tem esse ambiente muito da natureza. O impacto, ali, diretamente eu acredito que não teve assim, tanto. Mudou o cenário, o cenário mudou todinho e também, como falei, em 1999, ali, pra passar um ônibus era de uma hora em hora. Aí, com a chegada das empresas, começaram a criar alojamentos em Vila do Conde e aí a poluição sonora veio por causa que vieram os ônibus ali, os trajetos e as pessoas começaram... mudou o cenário, mudou a ‘cara’ também. Na praia sempre teve festa e as pessoas desciam pra praia por causa das festas. Queriam lugares ali, pra estarem em festa. Então, cresceu também bares, essas coisas foram crescendo, assim, diante da natureza. Mas ficou um lugar mais legal, ficou mais divertido.
(47:50) P1 - Você falou que a sua irmã precisou trabalhar em casa de família. Você não passou por isso?
R1 - Não. A minha irmã mais velha, diante da situação da minha família, a gente sempre teve uma percepção de assumir o papel para contribuir e isso ficou marcado. Diante das dificuldades, os nossos irmãos nunca tiveram aquele sentimento de culpa, de olhar para os nossos pais e dizer assim: “Ah, nós estamos passando dificuldade”. Não. A nossa percepção foi: “Nós estamos aqui, viemos ao mundo, agora o que nós vamos fazer para nos ajudar?” Foi esse ciclo, cada um foi assumindo o papel daqui, foi trabalhar ali e a minha irmã hoje é técnica de enfermagem, eu achei uma guinada na vida dela, maravilhosa, porque depois que os filhos dela cresceram, que ela foi estudar novamente, então ela estudou ali até o ensino fundamental, a minha irmã mais velha e foi trabalhar em casa de família. E a minha mãe fala, assim, com muito orgulho também, dos meus irmãos mais velhos, assim: “Olha, vocês cuidem deles, tenham respeito por eles, porque eles foram também a mãe e o pai de vocês, porque eles assumiram esse papel diante das dificuldades do dia a dia”. E aí eu falei da mochila, né? Eu lembro que meu irmão era pescador e ele foi pra vigia numa pesca dessa. No ano de 2000 eu ganhei a minha mochila (risos) e era a mochila do Piu-Piu ainda, de rodinha e vinha com uma sombrinha. E aí ele trouxe pra mim. Foram os meus irmãos assumindo lá o papel de pai, as minhas irmãs assumindo o papel de mãe. Então, assim, os meus irmãos pararam de estudar. Na verdade, os meus irmãos mais velhos tiveram que fazer isso diante do cenário, ali, que eles viam, da nossa condição, da nossa família, eles pararam de estudar. Tanto é que também eu tive um irmão que terminou o ensino médio dele depois, já, de adulto, de família constituída. E essa minha irmã mais velha também terminou o ensino médio dela depois da família constituída porque, no caso deles, que eles eram mais velhos e assumiram o papel, eles tiveram que se abdicar dos seus estudos, para trabalhar. Na verdade, época era pesado o trabalho, não era nada fácil conciliar. Então, eles tiveram esse papel, assumiram isso, tiveram que parar de trabalhar. E, no caso, nós, que éramos mais novos, não tivemos esse problema para ter que parar de trabalhar.
(50:36) P1 – A vida já estava um pouquinho melhor.
R1 - Já estava um pouquinho melhor. A gente para pra conversar de vez em quando com os meus irmãos, os mais velhos e eles têm uma história, assim, muito pesada para contar. (risos) O meu irmão conta que um dia ele chegou do trabalho assim, tão cansado, tão cansado, que ele chegou a desmaiar aqui, que ele estava com fome. Ele conta isso e hoje a gente ri (risos) dessa situação, mas era uma situação muito difícil que eles passaram. Aí eles falam assim pra gente: “Vocês já nasceram no tempo bom”. Mas realmente, ali, para quem tinha esse momento de pesca, roça, porque a vida do pescador é assim: tem um dia que ele vai e ele traz vários peixes; tem dias que ele vai e ele não traz nada, mas mesmo assim é a paixão dele. É o mesmo que conta que desmaiou, lá. Mesmo assim a paixão dele por pesca, ele diz assim que se acha maravilhoso vivendo isso. E a gente fala assim: a nossas raízes, ali, vem de indígena. Eu tenho outro irmão que é eletricista. Aí ele diz assim: “Esse meu irmão é muito índio mesmo, porque ele chega lá na maré, ele passa” - é sério isso – “a mão na maré e ele cheira a maré. Aí ele diz assim: ‘Aqui tem peixe’. Aí ele diz assim: ‘Não, aqui não tem peixe, ‘bora’ para outro lugar’”. E é maravilhoso isso, são os saberes de cada um.
(52:02) P1 - Eu já escutei que você foi uma criança muito feliz. A sua adolescência foi boa?
R1 - Foi, minha adolescência foi boa. Sempre tivemos pouco, mas tivemos muitas aventuras para viver.
(52:12) P1 – O que você lembra da adolescência, que te marcou?
R1 - A nossa adolescência, o nosso lazer era a igreja. Então, nós íamos muito para a igreja. E também, a nossa escola era longe. Nessa vida de escola, a gente vinha se aventurando na pós-escola. Tinha ruas para gente vir, estradas, na verdade, mas tinha caminhos paralelos para a gente vir e a gente sempre escolhia vir pelos caminhos paralelos. Por quê? Nós saíamos da escola, muitas vezes na escola não tinha merenda. Não tinha. Quando tinha era legal, mas quando não tinha, então, nós vínhamos por caminhos paralelos e nós entrávamos em sítios. Então, nós vínhamos colhendo frutas, comendo. A chegava tarde em casa. (risos) A aula não acabou tarde, era que a gente vinha, nessa brincadeira, colhendo frutas diante desses caminhos que a gente entrava, para colher. E, de fato, a gente largava nosso material escolar e começava a subir e descer em árvores, para colher. E a gente chegava, às vezes, em casa, porque a gente não ia almoçar lá na roça com a minha mãe, porque a gente já trazia um monte de fruta. Então, a gente almoçava e comia aquilo. Então, a gente aprontava muito assim. A gente ficava marcando o horário, também, de sair da escola. A gente pedia, às vezes, para sair mais cedo, porque a gente saía na frente da outra turma. Se elas saíssem primeiro, elas iam pegar as frutas na nossa frente. Então, a gente combinava com a professora, a gente dizia assim: “Olha, se a gente fizer o nosso dever rápido, a senhora libera a gente mais cedo?” Ela achava que a gente era bom aluno. Não, a gente queria pegar as frutas, porque a outra turma, dos outros meninos, iam lá também, colher as frutas nesse caminho. Então, a gente tinha um trajeto para fazer de casa e a gente não fazia, a gente ia por outros trajetos. Então, isso era a nossa diversão. Então, a gente não tinha shopping, a gente não tinha parque de diversões, a gente não tinha nada disso. A nossa alegria mesmo era fazer isso, sair da escola e, quando chegasse em casa, tinha um rio atrás de casa e a gente aproveitava e ia para o igarapé. Então, era essa a nossa diversão. A nossa adolescência também era assim. Então, eram muito primos, do lado, era muita família envolvida ali, na adolescência sempre foi assim: nossos primos e a família é grande, então era uma galera mediana ali, pra ter esses tipos de aventuras.
(54:53) P1 – Você tinha algum sonho quando você era pequena?
R1 - Eu tinha, assim, alguns desejos que, graças a Deus, eu consegui conquistar. Um dos primeiros era estudar, para dar uma boa condição para minha mãe, para os meus pais, na verdade. E a gente conseguiu dar uma casinha boa para minha mãe. A minha mãe deixou claro que o grande sonho dela era ver a realização dos filhos dela. E hoje cada um está bem. Meu irmão fala bem assim: “A gente é rico!” (risos) É muito engraçado isso. E aí eu tinha o propósito de estudar. Como eu via a minha família não ser tão estruturada, devido a essa situação do meu pai ter problemas com o álcool, eu tinha um desejo no meu coração de ter uma família bacana. Eu tinha esse desejo. Eu tinha, não. Eu tenho, porque hoje eu tenho uma família bacana. Então, outra coisa: quando eu crescesse eu queria ter muitos filhos, igual a minha mãe teve. A minha meta era cinco, mas eu parei em três. Está ótimo, perfeito. Eu tenho três filhos: um de 17, uma de 8 e uma de dois anos e meio. Inclusive eu tive a de dois anos e meio por decisão. Eu preciso ter logo, para não ficar tão distante, apesar que tive um distante do outro, mas devido à sociedade hoje, muitas coisas colocando, eu parei no três, aí eu disse: “Não, não dá cinco não, três”. Então, era um desejo de ter uma família bacana, uma família bem estruturada, maravilhosa e eu tenho hoje. Eu acredito que o meu maior sonho a conquistar foi da minha família, dos meus filhos, entendeu? Mas consciência que também eu os tenho, de alguma forma, por pouco tempo, porque a gente cria pro mundo, eu já tô nessa ‘pegada’, criando para o mundo. Assim, eu digo para os meus filhos hoje, para o maior e a de oito: se eles forem, como filhos, o que eu sou para minha mãe, para os meus pais, está maravilhoso. Então, essa é a meta, porque às vezes a gente quer filhos maravilhosos, mas, assim, o que você foi? Eu não estou culpando alguém, mas é só essa reflexão que eu faço para mim, como meta de vida. Eu quero que os meus filhos sejam para mim como eu fui filha para os meus pais. Então, era o meu grande sonho. Eu posso dizer que era o sonho que era esse, de ter uma família bacana.
(57:38) P1 - E aí você falou que morou dois anos em Belém?
R1 – Sim. Quando eu casei, ele morava em Belém. Meu esposo, na época, morava em Belém.
(57:46) P1 - Que é o pai do primeiro filho?
R1 - Que é o pai dos meus dois filhos. Nós fomos casados 14 anos. E aí eu tive um namorado depois dele, que teve que assumir a ideia de ter mais um filho. Nós não estamos juntos hoje, mas foi tipo assim: “’Cara’, eu preciso ter mais um filho. (risos) Tu topa, tu compra essa ideia?” Então, nós fomos casados por 14 anos e eu fui morar em Belém.
(58:12) P1 - E aí?
R1 – ‘Não me dei’, o paraense fala, não me adaptei, porque nós fomos morar ali na Augusto Montenegro, que é na frente do Mangueirão, do estádio. Que, para quem é paraense, sabe que tem (58:26) ali, quando tinha jogo e é um trânsito intenso, uma avenida ali e tal. E ali é totalmente diferente, os hábitos são totalmente diferentes. Nós vivíamos dentro de casa. E eu, que gosto de sair, gosto de praia, gosto de igarapé, gosto de estar no quintal, olhando para a natureza, foi uma experiência bacana, porque as experiências difíceis também vêm para te dizer: “Olha quanta bacana que você vivia, olha quanto é maravilhoso”, porque às vezes a gente vive num lugar pacato e a gente diz assim: “Eu quero ir para a cidade e tal”. E aí eu vivi por dois anos lá, com ele. Enquanto nós vivíamos esses dois anos lá, nós adquirimos um terreno aqui, em Vila do Conde e nós começamos a construir. E quando nós estávamos prestes a concluir a nossa casa, eu digo: “Não, eu quero ir logo embora para lá”. Nós viemos morar novamente para Vila do Conde.
(59:19) P1 - Quando é que nasceu o primeiro filho?
R1 - Em 2008.
(59:23) P1 - Qual que o nome dele?
R1 - Antony. Meu filho tinha nome antes mesmo dele ser gerado. O pai dele é Antônio e quando ele tivesse um filho, ele disse que o nome do filho dele era Antony. Inclusive, na empresa a qual ele trabalhava na época, hoje as pessoas olham pra ele e dizem um ditado que ele falava antes do Antony nascer, ele falava assim: “Quando o Antony nascer nós vamos fazer isso, nós vamos... e quando o Antony nascer...”. Ele falava antes de ter o filho dele, ele dizia, aí os meninos olham hoje pra ele lá, amigos que a gente tem até hoje, ainda o encontram, quando nós nos encontrávamos juntos, olham: “E quando o Antony nascer...”. Então, o Antony foi esse grande presente da realização de ser mãe.
(01:00:12) P1 - Você tinha quantos anos?
R1 – Eu tinha (01:00:13).
(01:00:14) P1 - Uma menina. E você engravidou porque queria já engravidar?
R1 – Não. Quando eu tive o meu relacionamento eu não tive as orientações e logo que eu fiquei, eu casei, logo depois eu engravidei.
(01:00:28) P1 - Você não sabia?
R1 - Não, eu sabia que eu ia engravidar, mas eu não tive, por exemplo: hoje, se alguém for casar e tal: “Você pretende ter filhos, vai logo num hospital”. Por exemplo: o SUS fornece e tal, entendeu? Tem toda uma preparação qual é o objetivo. Não tinha essa preparação da ordem cronológica das coisas, o que tinha que ter. Mas, assim, pra mim foi maravilhoso, porque desde criança eu tinha esse sonho de ter minha família. Então, pra mim foi maravilhoso.
(01:00:58) P1 - Foi tranquila a gestação?
R1 - Não. Todas as minhas gestações foram de alto risco. Todas. Por isso que eu parei no terceiro, mulher, senão eu ia ter os cinco. (risos)
(01:01:09) P1 - O que acontecia?
R1 - É assim: a minha sogra até fala assim, porque o dito popular diz que gravidez não é doença. A minha sogra teve cinco filhos, seis filhos e ela diz assim: “Rosângela, mas para ti gravidez é doença”. Eu fico desde o início até o final da gestação com os sintomas: vomitando, com fraqueza, dor de cabeça, muito intensos, muito intensos mesmo. Então, eu lembro que, no dia que eu fui para a maternidade eu estava com muito vômito, que é sinal de gestação e o médico até mudou as minhas medicações, porque em mim isso não cessava. Então eu, literalmente, fico com a minha imunidade muito baixa, dá uma modificada ali, mas no meu caso é muito difícil. E as minhas gravidezes, o meu corpo na hora de conceber, não dilata. Então, na minha primeira gestação, eu fiquei três dias em trabalho de parto. E aí eu cheguei na maternidade e o médico que me operou disse assim... ele me pediu desculpa, ele foi muito humano, pelos outros médicos que tinham me atendido não terem percebido isso. Tanto é que, quando eu fui ter o meu filho, eu já estava com alguma infecção, porque eu já estava com febre de tanto estar em trabalho de parto.
(01:02:59) P1 – Sofreu?
R1 - Demais. Aí eu não tive dilatação. Então, minha gestação teve que ser cesárea, todas as três. E justamente por isso há uma limitação de cortes também, aí eu tive que parar no terceiro.
(01:03:14) P1 - Quando você engravidou do Antony, o Antônio estava trabalhando aqui na Alunorte?
R1 - Ele veio para uma montagem, ele trabalhava numa montagem aqui. E aí, depois acabou o projeto e eles tiveram que retornar para Belém. A empresa deles é sediada em Belém, então eles tiveram que retornar. Ficaram por um tempo, período de oito meses aqui.
(01:03:45) P1 - Foi o tempo de te conhecer?
R1 - Foi o tempo de me conhecer. Na verdade, ele morou na casa de uma amiga minha. Ele estava morando na casa de uma... lembra que, tipo assim, as pessoas começaram a, nas suas casas, construírem casa para alugar? Na verdade, na casa dessa minha amiga tinha casa para alugar e ela ia pra igreja junto conosco, na nossa adolescência e sempre que... a casa dela ficava perto da igreja, eu passava com ela lá, pra gente ir, a gente se conhecia da igreja. Então, ele estava lá e era aniversário da irmã dela. E aí foi no aniversário da irmã dela que ele foi pra lá.
(01:04:19) P1 – Aí você olhou?
R1 – (risos) Não, ele me olhou. Eu era muito tímida, apesar de ser muito falante. E aí ele me olhou lá e aí ela fez intervenção, a minha amiga foi lá, ele conversou com a minha amiga primeiro, com medo de ‘levar um fora’, foi lá. Minha amiga falou comigo e tal. De boa, se for pra conhecer, né? Aí foi aí que nós nos conhecemos, lá.
(01:04:45) P1 - E aí, nessa época você trabalhava, então, dando aula?
R1 - Nessa época eu trabalhava dando aula. Eu era do projeto de jovens e adultos.
(01:04:55) P1 - Tá. Aí vocês tiveram o seu filho, vocês voltaram pra cá e aí como é que foi o resto? Mais um tempo.
R1 - Quando ele voltou pra cá, ele...
(01:05:06) P1 - Vocês voltaram a morar perto da sua mãe?
R1 - Um pouco. Um pouquinho perto da minha mãe. O terreno da minha mãe era basicamente muito grande. Então, os primeiros filhos fizeram moradia lá. Aí, como eu sou a filha do final, não tinha mais terreno. (risos) E aí eu tive que comprar um outro terreno, em outro lugar. Eu sou a única filha hoje, dos filhos que moram em Vila do Conde, que mora um pouco distante da minha mãe. E aí eu comprei esse terreno e fiz a minha casa lá. Quando nós retornamos para cá, ele sempre teve a vivência dele em trabalhos industriais. E aí, quando ele veio para cá... só que ele é uma espécie de faz tudo também, ele ficou desempregado. E aí aqui ele não conhecia ninguém. E aí, na época, ele também teve a experiência como pescador, com meu irmão. Ele teve essa experiência para não ficar parado, né? Meu irmão o levou para ter essa experiência com pesca. Quando, na infância dele, ele amava pescar, então ele gostou também, um pouco, da pesca, mas hoje ele voltou para a indústria, logo depois ele voltou para a indústria, ele foi trabalhar numa indústria que trabalhava de mineração, trabalhando com ferro gusa. Aí, hoje ele trabalha numa empresa de fertilizantes. Ele não saiu da indústria mais. (risos)
(01:06:26) P1 - E aí você entrou quando aqui?
R1 - Em 2016.
(01:06:30) P1 - E você já tinha segundo filho?
R1 - Não. Eu estava grávida da Raíssa quando eu entrei na Alunorte.
(01:06:38) P1 - Ah, é?
R1 - Eu estava grávida da Raíssa.
(01:06:41) P1 - Você sabia?
R1 - Não.
(01:06:42) P1 - Me conta. Primeiro que foi uma emoção quando você conseguiu, né?
R1 – Sim. Lembra que o meu processo seletivo durou quase seis meses, né? E aí eu ficava naquela: “Será que eu passei no próximo processo e tal?” E aí, quando foi em janeiro de 2016, me ligaram, que foi a última etapa. E aí tá, né? Eu acredito que, nessa ligação, eu já estava grávida. E aí eu vim pra cá, fiz todo o processo e quando foi dia primeiro de fevereiro eu fui efetivada. E aí eu vim pra cá, aí a gente tem que usar todos os seus aparatos, né? Aí eu comecei a passar mal e tal, só que eu achava que era por essa camisa estar abafada. A gente coloca capacete, pressiona, pra gente que não está acostumado, o abafador, né? Aí eu tinha dor de cabeça. Aí eu achava assim: “’Cara’, não estou adaptada com isso daqui”. Aí eu comecei a passar mal. Logo no início. E aí eu fui fazer o teste, que eu sou muito assim, eu vejo que alguma coisa não está legal, eu logo cuido da minha saúde. Aí eu fui fazer o teste, fiz um teste de farmácia, deu positivo, aí eu fui para o teste do beta, que era de laboratório. Eu fui na medicina daqui logo, foi acho que nas primeiras semanas. Aí eu falei pra moça, pra doutora, na época: “Eu não sei se...”. Era o Doutor Renato, lembro muito bem. Aí eu falei pra ele: “Tô me sentindo mal, assim, assim, eu fiz o teste e tal, tal, tal. Recente”. E aí eu não falei pro meu gestor, na época, porque precisaria confirmar. Logo passou, o médico daqui eu fui. Eu acredito que... eu acho que foi no final de fevereiro, ou no início de março, que eu tive a confirmação. Aí eu cheguei pro meu gestor e falei pra ele. Não, eu nunca tive medo de perder emprego, de fato, (risos) eu nunca tive medo. Tipo assim: pra pessoa pensar assim. Tem os tabus da vida, mas eu nunca tive medo. Eu acho assim que a minha família é fantástica, maravilhosa. E aí eu falei pra ele, ele me recebeu. Ele era um ‘cara’ muito durão, mas ele recebeu muito legal a notícia. Doutor Renato também foi maravilhoso. E aí, aqui na empresa tem a modalidade que é medicina, que informa pro gestor, né? Mas quando eu cheguei lá, cheguei logo falando, né? E aí eu achei maravilhoso. Quando eu vim pra indústria, minha gravidez é aquela que eu te falei, né? E aí eu pensei em entregar o meu emprego, porque eu estava grávida, pra me dar prioridade porque, caramba, às vezes eu estava aqui passando mal... eu gosto muito de ser prestativa. Quando eu cheguei no meu trabalho que não estava muito legal, aí eu falei para um rapaz lá que, nossa, eu trabalhei do início até hoje, com muitos homens. Eu sou da equipe de manutenção porto. Então, as pessoas que estão mais ao meu redor são mecânicos, soldadores e eletricistas. A maioria deles é homem. Hoje nós temos uma conquista, que hoje nós temos eletricistas mulheres e mecânicas também, mas na época que eu entrei era só homens. E eu fui muito acolhida. Eu agradeço, assim, sabe? O apelido carinhoso dele é Zezinho e o nome dele Antônio José. Eu tenho Antônios na minha vida. E tem outro lá também, que é o Toninho, que a gente chama carinhosamente, que é o Antônio Chaves. Então, os dois Antônios me acolheram muito, muito. E eu falava pra ele: “Zeca” - que é o Zezinho – “’cara’, eu vou entregar meu emprego. Não dá, não tô legal, não estou me sentindo muito bem”. E aí, na época, ele estava cuidando da saúde dele, porque ele tinha umas taxas lá de gordura, que estavam desproporcionais. Então, ele trazia lanche pra mim e pra ele, saudável. Quase todos os dias ele fazia isso. Ele falava assim: “Não, Rosângela, não desiste, não. Deita aí, fica aí, descansa”. Sabe aquele cuidado? Eu acredito que talvez, se não tivesse ele aqui dentro da indústria com esse cuidado, eu teria chegado e entregado meu emprego, porque eu não queria que as pessoas me olhassem assim: “Ah, ela está fazendo corpo mole”. E não era. Eu sou uma pessoa, de fato, que acho que eu suporto muita dor para outras coisas, adversidade na vida eu suporto, mas a gravidez, para mim, era uma coisa que me desestabilizava. Eu não conseguia reagir diante das situações de sintomas que me dava. Então, eu sou muito grata a ele. Tipo assim: um acolhimento, num ambiente muito masculino. E, às vezes, por mais que a gente explique para alguém como é o sintoma de gestação, eles não vão saber, nunca vão saber. Então, o acolhimento dele me fez realmente estar aqui, hoje, comemorando os Trinta anos da Alunorte. Então, sou muito grata a isso.
(01:11:51) P1 - Numa época que não tinham tantas mulheres, numa época que não tinha, talvez, tanto apoio à mulher, né?
R1 - É. Do tempo que eu estou, de 2016 para cá, eu vi muito isso evoluir. Com os ganhos que, na época, que eu tive a minha primeira bebê não tinha, que era o Espaço da Mulher, para quem é lactante volta. Hoje tem. Hoje nós evoluímos muito. E as mulheres foram chegando na indústria e foram percebendo também as necessidades que elas têm, para quem é lactante que vem para cá e logo está habituada a amamentar, o corpo reage e diz assim: “Ei, está na hora de tu dar mama para tua bebê” e começa a vazar ali, o corpo, o peito começa a dizer e ficar... tem uma condição fisiológica que há um endurecimento da mama cheia de leite, né? E eu passei por isso, porque na época não tinha o Espaço da Mulher. Hoje nós temos um ganho aqui, que é o Espaço da Mulher, a qual é medicina, ela dá pra você os kits, pra você fazer a extração; tem o frigobar pra você armazenar, pra você levar isso. Então, eu lembro que na época eu cheguei a despejar leite num banheiro feminino, na pia, que a gente precisava fazer a retirada. Então, foi logo que eu cheguei pra cá. Então, hoje, quando eu vejo a evolução da minha segunda filha... quando eu saí no porto, na segunda filha, tem uma foto que, pra mim, é emblemática: foi a minha recepção de volta de licença-maternidade. Eu lembro que o gerente executivo falou assim pra mim, na minha saída: “Quando você voltar...” - eu acredito que eu fui, do porto, uma das primeiras nessa questão do Espaço da Mulher do porto – “esse Espaço da Mulher vai estar pronto”. Então, na época era um (01:13:48), ele falou isso para mim. Então, foi um acolhimento de saber que, quando eu voltasse da minha segunda filha, teria esse espaço lá.
(01:13:55) P1 – Da terceira, já?
R1 - Da segunda filha, eu estando dentro da Alunorte, que seria o terceiro filho, meu fechamento.
(01:14:04) P1 – Então, a segunda filha, Raíssa, que nasceu em...
R1 - Em 2016.
(01:14:09) P1 - E a terceira?
R1 – É a Ashley, que nasceu em 2018... 2022. Estou até perdida ali, nas datas.
(01:14:20) P1 - E esse nome saiu de onde?
R1 - Eu acredito que os nomes têm algo muito significante. O Antony já vinha do pai dele. E a Raíssa, eu tive um aborto em 2011. Então, eu disse que eu tinha uma filha, eu ia colocar o nome Raíssa, porque é rainha. Então, eu já sabia que o próximo, que seria a que eu perdi, seria Raíssa. E aí a Ashley veio para o meu fechamento, que também significa feixe de lenha, algo bem significativo, bem forte. Então, eu queria algo que fosse em homenagem também ao primeiro nome do meu filho, que Raíssa já puxou para o meu, a próxima seria com o do Antony, a inicial do Antony. Então, eu queria um nome forte, diferente e aí eu fui pesquisando, pesquisando e eu fechei no Ashley, só que também eu queria... ela tem um nome composto, que é o Sofia. Aí ficou Ashley Sofia, porque eu também percebi assim: “Será que quando ela crescer ela vai gostar do Ashley, que é diferente e tal? Aí eu vou colocar o mais comum aqui, que é o Sofia também”, aí ela ficou Ashley Sofia.
(01:15:52) P1 – Tá. Então, você se separou do seu primeiro marido quando?
R1 - Em 2020.
(01:15:57) P1 - E aí você começou a namorar?
R1 - Isso. Aí, logo depois, eu conheci o pai da minha filha, da minha bebê, que ele trabalhava aqui, no almoxarifado. Ele falava que ele ia sempre na minha área e eu nunca o tinha percebido. Quando eu me separei, eu o conheci. E aí as notícias ‘andam’, aqui na indústria. (risos) Então, mais uma vez, aí foi ele que se aproximou de mim, a gente se conheceu, a gente tinha uma história muito parecida. Meu filho falava assim: “Nossa, mas vocês são muito iguais, muito iguais. Vai dar certo, vocês são muito iguais”. Mas muitas coisas... a gente tinha algumas percepções de vidas muito bacanas, mas mesmo a gente, nós sendo muito iguais, tinha pontos, assim, diferentes, quais... quando a Ashley foi gerada, nós sabíamos que, pelo menos na minha parte, eu tinha certeza que nós não íamos ficar juntos, mas era uma pessoa que eu olhei e digo assim: “’Cara’, se comprar minha ideia, é uma pessoa bacana”. Então, nós nos relacionamos e ficamos juntos até o meu pós-parto e depois cada um seguiu o seu caminho, cada um seguiu um caminho diferente e hoje ele tem uma vida com uma outra pessoa, ele seguiu... torço por ele, que ele seja feliz, muito feliz. Até porque, lembra, quando eu tinha a Ashley, eu sabia que eu não ia ficar com ele. Então, eu... mas eu queria, uma das percepções que eu queria era ter uma filha também que tivesse uma pele mais escura. Quando eu o conheci, eu digo: “É você”. (risos) Então, tem muita coisa bacana no nascimento da Ashley. Não que os meus outros filhos não foram desejados, mas a Ashley foi literalmente planejada: “Aqui, esse momento, essa data. Se ‘rolar’, bacana, nós vamos ter uma filha. Mas se não ‘rolar’ aqui, infelizmente não vai ser agora”. Então, eu decidi colocar o propósito no meu coração, me programei e disse assim: “Beleza”. Um mês e alguns dias depois, dia 28 de junho, eu tive a confirmação que a Ashley vinha ao mundo e veio muito graciosa, muito abençoada.
(01:18:38) P1 - Puxou a pele dele?
R1 - Puxou, puxou. Tanto é que eu tenho uma pessoa que é um anjo na minha vida, que é a pessoa que trabalha em casa. Nós sempre passeamos juntos, nós vamos para eventos juntos e quando eu levo a minha filha eles acham que é dela e o filho dela já parece um pouco mais comigo e as pessoas não acreditam: “É minha filha, ela é minha filha”. Então, é maravilhoso.
(01:19:04) P1 - Estou achando interessante que você realizou o sonho da sua mãe, de trabalhar na indústria e a indústria realizou o seu sonho de ser mãe.
R1 – Também.
(01:19:13) P1 - Que você conheceu os seus dois parceiros...
R1 – Sim, através da indústria.
(01:19:17) P1 – Olha isso!
R1 - A indústria é maravilhosa. (risos)
(01:19:21) P1 - Como é que é ser mulher, aqui dentro?
R1 - Ser mulher aqui dentro é desafiador, porque nós lidamos com pessoas. A empresa é maravilhosa, ela tem os seus padrões, a sua política, o seu código de conduta e, graças a Deus, com isso as pessoas vão melhorando, vão entendendo que, na verdade, a gente quer o nosso respeito, com a nossa equidade, mas como ser humano nós trazemos as nossas percepções de vida, também. Eu tive uma dificuldade aqui na indústria, posso te falar que tive uma dificuldade. Eu tento carregar os valores da indústria. Ontem os meninos estavam brincando com isso, tipo assim, fazendo uma comparativa, na verdade. Era de graça, tá? Era com uma colega que é muito legal também, só que ela não quis, nesse determinado momento, ajudar o colega lá. Aí ela falou assim: “Olha, está vendo a Rosângela? Vai fazer dez anos aqui, ela ainda não perdeu os valores e tu já está cansada dos valores”. Eu tento carregar esses valores de vida que a Hydronorth propaga para nós aqui, como funcionários, mas eu não entendia porque, em uma época remota, não está mais aqui, mas eu tive uma dificuldade com um determinado gestor. Só que eu percebia que realmente a dificuldade dele não era comigo, em si, era com outras mulheres. A gente é de manutenção, então era ali lidar com homens e para ele era mais fácil. E eu percebia que ele não sabia administrar isso. Então, eu tive essas dificuldades. Eu passei por esse... então, quando outras têm dificuldades, tudo é um propósito, eu vejo assim na minha vida, eu tive essa dificuldade porque, se eu não tivesse, eu poderia falar assim: “Não há”. Mas quando acontece, eu tive essa dificuldade. Então, eu pego isso para levantar outras, entender outras, ajudar outras também, porque é a percepção. Então, eu entendi que era a percepção dele, ele não conseguia. Ele precisava trabalhar isso como pessoa, nele, mas ele não conseguia trabalhar. Ele não tinha essa facilidade, ele tinha dificuldades e, de alguma forma, acabava nos impactando.
(01:22:01) P1 - E aí você tinha apoio? Tinha com quem procurar?
R1 – E, por incrível que pareça, os outros homens percebiam isso e eles me acolhiam muito, muito, muito. Outros homens, que não eram a liderança na época, sempre me acolheram. Me acolhi. Eu me senti muito acolhida aqui, pela minha equipe, por outros homens, que no meu caso era só homem que tinha que me acolher, que era diretamente comigo. E eles me acolhiam, me acolhiam muito e percebiam. Um dia eu fui num feedback com eles, porque às vezes a gente pensa assim que está dando o nosso melhor trabalho e aí o feedback foi esse mesmo: “Essa pessoa em questão tem um problema com mulheres. A gente percebeu que não é só contigo, então ele tem”. Então, existe essa dificuldade a ser vencida, por percepções diferentes de pessoas, que não se adequaram ainda a essa visão a qual diz respeito mesmo que a empresa prega, mas hoje está melhorando. Até mesmo, nós tivemos um encontro de mulheres agora, no mês passado, que muitas das vezes, um homem não vai saber um dia que a mulher está mais vulnerável, porque ela está com uma dor de cólica, se você não expressar, se você não conversar com ele, para ele entender isso. É mais ou menos aquele dia que ele chega ressacado, ele só veio trabalhar. (risos) Uma comparativa, assim, de que é tão ruim assim. Alguns falam assim: “’Cara’, é tão ruim assim, porque quando venho no outro dia ruim assim, para mim eu não quero nada com nada”. Então, cada um tem uma condição. Muitas das vezes aquilo não é difícil pra mim, mas pra outra, até mesmo nós como mulheres, aquilo que acontece comigo não acontece com a outra, entendeu? Então, pra gente, eu falo: “De fato hoje eu sou mãe solo, pra eu assumir esse papel de mãe, estudante, profissional e filha, porque eu dou esse suporte para minha mãe, é uma carga muito grande”. Eu sempre fazia as comparativas quando eu era casada. Meu esposo trabalhava e eu também. Aí a visão: ele veio de uma família tradicional, assim, que a mulher tinha que ser do lar. E, às vezes, quando ele chegava do trabalho, nós chegávamos do trabalho juntos. E aí, na percepção, na cabeça dele, ele tinha que tomar o banho dele, sentar no sofá, ligar televisão e eu tinha que fazer a janta, por exemplo. Mas isso foi desmistificado, (risos) só pra deixar claro. Mas é assim: se a gente não explicar, se a gente não entender, isso vem inserido dentro da gente. Muitas das vezes nós também temos esses padrões. Então, isso tem que ser trabalhado, não é do dia pra noite que muda a nossa mentalidade. Tem certas crenças que eu falei até pro colega que trabalha no setor jurídico aqui, que eu trouxe, eu fazia e hoje, entendendo o outro, eu percebi que não é legal.
(01:25:22) P1 - Mas para além desse colega que tinha uma questão individual, você teve um crescimento aqui dentro? Você se sentiu vista, reconhecida, valorizada?
R1 - Hoje eu acredito que, de fato, está acontecendo sim algumas movimentações. Eu tive uma situação particular de engessamento de carreira, porque eu fiquei três anos na visibilidade dessa bendita pessoa. E depois o meu gerente executivo, que em uma auditoria percebeu que eu estava numa menor função, exercendo algumas coisas e a minha promoção veio com um pedido de desculpa, mas foi bom que alguém viu. Então, existe isso, entendeu? Eu queria entender algumas coisas e aí eu fiquei três anos na visibilidade dessa determinada pessoa e houve algumas penalidades, porque existe algumas políticas aqui. Quando a pessoa faz a sua avaliação, se ela não colocar numa meta, você não vai poder concorrer a algumas coisas e eu fiquei, de alguma forma, por essa visão de determinada pessoa.
(01:26:38) P1 - E isso foi corrigido?
R1 - Foi corrigido, graças a Deus. Foi corrigido.
(01:26:42) P1 - Tem alguma mulher que te inspira, aqui dentro?
R1 - Tem. Tem várias mulheres que me inspiram. Eu olho assim, na questão de manutenção e até falei para essa pessoa. Tive oportunidade, durante esses anos, em falar. Quando eu cheguei aqui, em 2016, tinha poucas mulheres na manutenção. No encontro de mulheres que nós tivemos no final do mês passado, estavam reunidas todas as mulheres da gerência executiva e eu nunca tive a oportunidade de falar o que eu vou repetir aqui, falei lá no encontro. Uma dessas mulheres estava lá, no palco, contando a sua história e eu pedi a palavra pra falar pra ela, porque às vezes a gente faz questão de falar tantas coisas negativas e eu falei justamente isso pra Luana, que é engenheira hoje de eletricista, que em 2016, quando eu cheguei aqui na indústria, eu a via e a Geise no meio de um monte de homens, só elas duas de eletricistas, todo aqueles aparatos de eletricista que eles passavam ali na catraca, que elas vinham andando, nossa, eu achava aquilo o máximo. E na nossa equipe tinha a Vanusa Malcher também, que hoje ela está trabalhando aqui, nesse prédio, na automação e ela era a única eletricista do porto. O porto é uma área muito complexa, muito complexa mesmo. E ela, quando a gente olhava assim, no meio dos homens, com os aparatos, a gente não reconhecia que era uma figura feminina ali, entendeu? Mas quando ela vinha da área, andando ali, nossa, que mulheres inspiradoras! Então, quando foi no dia, eu acredito que foi no dia 28 que gente estava reunida, eu falei para elas o quanto que elas me inspiraram. Nunca tinha falado assim pra elas, mas quando elas passavam ali, que elas vinham das áreas operacionais, elas me inspiravam ali, porque elas foram as pessoas as quais abriram caminho para muitas outras mulheres, entendeu? E hoje eu conheço a história da operadora, que é a Alessandra também, que foi a primeira operadora da Hydro, Alunorte. E quando a Alessandra conta a história dela, que eu não sabia da história dela, ela também vem me inspirar, porque vir para uma área totalmente adversa daquilo que você está acostumado... e é muito legal que a gente se identifica com a fala delas, que elas disseram assim: “’Cara’, eu suportei muitas coisas aqui por causa dos meus filhos”, porque há vinte anos, por exemplo, da Alessandra ali, era totalmente diferente, de dez que eu já estava, muitas coisas já tinham começado. Há 21, que é a Luzinete Antunes, que trabalha aqui, que chegou também, que é uma das primeiras mulheres, com a Marcia e a Lena, era totalmente diferente. Foram as primeiras mulheres que ainda estão aqui, hoje, contratadas para isso. Totalmente diferente. Se eu já tive essa percepção, eu imagino elas! Então, essas mulheres me inspiram: Vanusa, a Luana, a Alessandra, a Luzinete, a Márcia, a Lena. Então, assim, foram pessoas que abriram caminhos. E a Alessandra, em especial, porque ela foi para o operacional. Eu acredito que esse toque do operacional, a mente do operacional é um pouco mais diferente da mentalidade do administrativo.
(01:30:19) P1 - Que é escritório, né?
R1 - Que é escritório. E o operacional, hoje, conhecendo a história dela, é maravilhoso. Eu disse assim: “’Cara’, eu preciso fazer a diferença na indústria que faz a diferença, por muitas outras que virão. Eu preciso ter esse toque, esse olhar, essa persistência”, porque quando eu encontro essa situação adversa, que eu ‘abro mão’ e volto para algo mais cômodo, que eu digo que eu estou me ausentando de um lugar a qual eu posso ser uma referência para outras, dar suporte para outras. Então, elas me inspiram, sim.
(01:30:59) P1 - Quais são os projetos que você vê aqui, hoje, para mulheres, para ajudar mulheres?
R1 - Hoje nós temos algumas coisas aqui dentro da Alunorte, que foi criada a Rede de Mulheres.
(01:31:12) P1 - Quando?
R1 - Eu não me recordo agora quando foi criada a Rede de Mulheres, mas dentro do eixo de Rede de Mulheres foi criado alguns pilares. Tem os pilares de carreira, de saúde, segurança, muitas vertentes. Então, quando são criados esses pilares da saúde, lá, que vai olhar para a mãe, que retorna de uma licença-maternidade, eu acho muito legal, porque a saúde, o pilar da saúde, também tem mães que trabalham de turno e a gente sabe que há uma metodologia na vida da criança e você voltar para o turno. Então, a medicina te ampara e ela diz assim: “Olha, você tem” – parece – “direito de ficar um ano em administrativo, para você dar o suporte ao seu bebê”. Você volta, tem uma parada da Rede de Mulheres. A Rede de Mulheres tem a escuta, justamente para você estar num momento ali, ao qual você vê que o seu par está te ouvindo. Então, tem a Rede de Mulheres também, que cuida da segurança. Por exemplo: houve uma queixa de mulheres que, às vezes, vinha luvas padrão, tamanho de mão de homem e o tato da mulher operacional é diferente. Então, isso também foi colocado lá, para as mulheres: “Quero... minha mão é pequena, é diferente do homem, eu preciso de uma luva menor, preciso de um calçado menor. Eu vou para a área operacional, eu preciso de uma calça que tenha elasticidade”. Nossa, eu acho isso maravilhoso. “Eu preciso, diante de alguns períodos, ter trocas diferentes de calça”. Então, essas percepções. Eu acho que a indústria cresceu muito na escuta de mulheres. A liderança apoiou: “Então, mulheres, vocês se entendem, veem quais as suas dificuldades e tragam para nós”. Então, quando a gente conquistou... a gente tem, na área operacional, até mesmo as mulheres conquistarem as roupas, por exemplo: agora tem compras. As mulheres daqui do operacional vão ter uma roupa que elas vão precisar usar uma roupa por baixo, que a empresa vai fornecer, para qualquer eventualidade. Já aconteceu, ocorreu aqui que é preciso cortar a roupa da pessoa, não expor. Então: “Ah, eu coloco o meu cabelo numa área operacional. A empresa agora vai fornecer as toucas para as mulheres, que precisam, fazem um cabelo maravilhosamente e vão para o operacional. Então, diante dessas escutas, foram maravilhosos esses ganhos para as mulheres, mesmo.
(01:33:59) P1 - O que, para você, na sua história, depois que você voltou da licença-maternidade, tanto... da Raíssa acho que não era tanto, mas da Ashley, fez diferença no teu dia a dia como mãe e funcionária?
R1 - Hoje, literalmente, eu tenho uma liderança, a qual entende o respeito. Eu fui muito bem recebida, na minha licença-maternidade. Quando isso é disseminado pra equipe eles entendem, eu fui muito bem recebida e eu tive esse apoio da Rede de Mulheres, da medicina, fui apoiada pelas mulheres também, na minha área. Então, chegar lá, ter esse aparato todo, foi muito bom pra mim. A gente tem por lei, lá, o nosso horário, né? Na época eu tive essa orientação, aí a medicina vai e entra com essas orientações todas. O meu gestor, na época, abraçou essa causa. Então, hoje eu me sinto muito mais confortável em estar expondo certas situações para a minha liderança, diante dessa mudança, que foi o mindset, lá, de mudança de mentalidade, mesmo, diante dessas percepções que a Hydro abraçou. A Hydro se tornou uma Empresa Cidadã que tem a maternidade, o auxílio-maternidade ali, estendido. Então, isso nos ajudou muito, porque a dúvida, na maioria das mães, quando elas retornam passa uma dúvida assim: “’Cara’, será que eu vou conseguir?” Os únicos momentos que eu pensei em deixar o meu emprego aqui na Alunorte foi por causa da maternidade. Mas hoje, olhando diante dos abraços, das percepções do acolhimento, eu digo: “’Cara’, já venci”. Se não tivesse esse acolhimento, eu posso te garantir: o tanto que eu valorizo a minha família e os meus filhos, poderia ser que eu não estivesse aqui na Alunorte. Se eu não tivesse esse acolhimento, eu não estaria aqui.
(01:36:11) P1 – E tem uma estabilidade financeira, benefícios.
R1 – Sim. Foi isso mesmo também que foi o convencimento, até mesmo dos meus amigos. Eles falavam assim: “Rosângela, olha por outro lado, vai passar essa fase, depois tu vai estar respaldada, tu vai ter teu filho com tranquilidade”. Tipo assim: o ponto X para quem é uma mãe: “Olha para o plano de saúde que a empresa te dá, é um plano bom e tal. Teus filhos”. Aí eles iam me convencendo, os meus amigos, sabe? “Não, fica, vai passar, já vai terminar. E depois você entra com todo o ‘gás’, você vai ali”. Graças a Deus estamos aí. E o que eles me falaram aconteceu. Então, eu olho pra eles e agradeço, agradeço muito mesmo.
(01:36:56) P1 - É como uma família?
R1 - É como uma família. Como uma família de verdade. De verdade eu acredito nisso, que nós somos como uma família. E hoje eu não estou mais no setor onde eu iniciei. Inclusive, uma das fotos que, para mim, é marcante, é com eles, do setor onde iniciei. Hoje eu estou num ambiente onde tem muito mais mulheres, é muito mais diverso. Hoje eu estou num ambiente mais administrativo. Antes eu vinha muito do operacional. Eu sempre fui do setor operacional, mas eu era muito de área, era mais com a ‘galera’. Hoje eu estou no setor da manutenção ainda, mas exercendo funções mais voltadas ao administrativo mesmo. Mas eu os amo. A hora que eles precisarem de mim: “’Bora’, que eu vou lá no operacional, com vocês”.
(01:37:42) P1 - E vocês têm uma relação fora daqui?
R1 - Sim, alguns sim. Sim, eu precisei passar por uma cirurgia ano passado, a qual eu sou muito grata, que muitos deles me ajudaram muito psicologicamente, financeiramente estavam ali: “O que você precisa e tal”. Eles estavam, nesse momento, fazendo essa corrente do bem. Nossa, agradeço muito. A gente tem momentos que a gente tira e confraternizações, às vezes tem a da empresa, mas às vezes a gente monta as nossas também. Então, é muito legal.
(01:38:18) P1 - E você é da comunidade, então é impossível não tocar nesse assunto: como que você vê a relação da empresa com a comunidade? Seu irmão continua pescador?
R1 - Eu, de fato, tenho uma percepção, eu falo assim... eu tento ser muito justa, porque eu sou comunidade e eu sou indústria. E eu tenho hoje uma alegria muito grande porque, de fato, eu trabalho no porto, onde a minha família tem interface na pesca, né, aqui na frente. E quando eu vejo a Alunorte avançando, com respeito à comunidade, ao meio ambiente, eu fico muito realizada. De fato, muito realizada mesmo. E, assim, eu posso te falar daquele dia, nós estávamos conversando sobre a comunidade, alguns tabus, de alguns paradigmas, de algumas percepções que elas têm, da indústria e eu me vejo como pessoa que trabalha aqui na indústria que se, de fato, eu visse que a indústria fosse de alguma forma uma ameaça para a comunidade, eu amo muito a minha família, então a minha família está ali, eu era a primeira a retirar a minha família dali. Então, a Alunorte cresceu muito, muito mesmo, com respeito à comunidade, ao meio ambiente. Tanto é que eu falo assim para a comunidade, que nós temos uma câmara 24 horas ali no porto, olhando - a SEMA, nossa Secretaria de Meio Ambiente - para ver nossas operações. As nossas operações hoje são de portas abertas. E quando eu estou dentro da Alunorte, que eu vejo a nossa gerência, o nosso pessoal preocupado com o meio ambiente, nas suas manutenções, fazendo de forma correta, para respeitar mesmo o meio ambiente; o nosso tratamento de água para despejar os efluentes -eu fui lá - da forma que é, eu fico muito feliz quando eu vejo que a Alunorte cresceu, deu um salto, assim, muito grande, entendeu? Quando eu vejo que as nossas operações do filtro prensa, para despejar o nosso rejeito, não é tão barata, mas mesmo assim ela comprou a ideia para nós. Não é barato esse projeto aqui, mas para a gente ter um rejeito mais compacto, mais... sem agredir. Quando eu vejo o DRS lá, onde a gente despeja o nosso rejeito, com todas as camadas dele, que precisa... a lei precisa disso. E a Alunorte diz assim: “Vou fazer isso só para estar ali, o nosso reflorestamento”, eu fico muito feliz. Como funcionária eu fico feliz, como comunitária eu fico realizada. E saber que eu sou comunidade e, de fato, nós estamos ali diante do que é exigido e a gente está fazendo um pouquinho mais, para dizer assim: “A gente está respeitando a comunidade”. E eu fico feliz de trabalhar aqui e ser comunitária também. Quando eu estou lá no porto, que eu vejo assim as nossas operações com respeito, o monitoramento deles, o meio ambiente está ali, em qualquer coisinha que acontece e a nossa gerência dizer para todos os operadores: “Opa” e qualquer particulado que tiver emissão, qualquer pessoa pode dizer: “’Bora’ parar as operações, ‘bora’ sanar aqui”, para justamente ter esse respeito, eu fico muito feliz. De fato, eu sou realizada nessa questão ambiental, quando eu vejo isso acontecendo. Sei que a indústria, de modo geral, chega, tem os seus impactos, mas quando eu vejo que esses impactos estão sendo mitigados para a indústria estar ali, andando com a comunidade, eu fico feliz como comunidade.
(01:42:32) P1 - Isso é uma conquista dos anos, também?
R1 - Sim, sim. São os anos, aconteceram algumas situações e elas, em si, vieram a ser trabalhadas, para a gente chegar onde nós estamos.
(01:42:48) P1 - Tem algum momento dessa história que, para você, foi marcante, dessa relação comunidade-indústria?
R1 - É, em 2018 nós tivemos as nossas chuvas, que foi um momento assim que foi muito difícil, porque pela comunidade não entender as nossas operações elas dizem assim: “Houve o transbordo das operações”. Onde que você passa aqui... o que é a nossa operação hoje? A gente trabalha com uma lama... desculpa, com barro, que é a bauxita, é vermelha. Então, alguns comunitários acham que essa bauxita é material contaminado e não é, é o barro de piçarra, como qualquer outro, só que o comunitário não entende do nosso processo. Por exemplo: vou lá no pátio de estocagem de bauxita, eu posso pegar aquilo lá normal, comum. E, assim como haveria em uma comunidade onde tem piçarra, que fosse chover e ia escorrer algo vermelho ali, ocorreu conosco também. Lá onde eles viram algumas coisas que saíram na mídia, foram algumas coisas muito negativas. E até nós, como indústria, se posicionar a isso, as notícias ruins, infelizmente... e, por isso, na época houve a paralisação daqui, da Hydro, Alunorte. Só que a indústria hoje é tão importante para o nosso comércio que, quando houve a paralisação de 50% das nossas operações, todo mundo aqui, que é ao redor da Albras Alunorte, de alguma forma disse: “Houve um problema”. Se há uma paralisação de 50% das nossas operações, as pessoas de alguma forma são impactadas, assim como o comércio, a indústria, a estética, vieram através das nossas... e foi muito bacana que a própria comunidade, depois, entendeu, que nós fomos e esclarecemos os fatos e um fato marcante para mim foi que, eu acredito que foi em 2019 já, isso, houve um pedido, um clamor de modo geral de toda a comunidade, a sociedade civil, as indústrias ao redor, não só Albras Alunorte. Eu lembro que o meu esposo, na época, trabalhava lá na Fertilizante Tocantins, que é distante mais daqui e eles vieram para essa passeada, que houve lá na Vila dos Cabanos, para o retorno das operações da Hydro Alunorte, para entender a importância do comércio. A comunidade abraçou isso, entendeu que a Alunorte hoje, a Albras também, movem. Ela tem muitas pessoas que trazem sonhos: o comércio, a indústria. Hoje eles são um ciclo perfeito. Então, a comunidade marcou e isso, pra mim, foi marcante, ver a pessoa entender a importância hoje da Hydro, Alunorte, hoje, pra Barcarena.
(01:46:00) P1 - Quem estava nessa passeata?
R1 – Os funcionários da Hydro, Alunorte; o sindicato dos trabalhadores; a liderança. Eu não me recordo, mas eu lembro muito bem do George, que hoje está na Set Linings, de uma foto emblemática dele, nossa! E essa foto pega, assim, uma onda de pessoas em uma rua da Vila dos Cabanos, assim, lotada de pessoas.
(01:46:28) P1 - Você estava lá?
R1 - Eu estava lá. Eu estava com meu esposo, na época, em fardas diferentes, de empresas diferentes, de âmbitos diferentes, a sociedade civil estava lá também, vários eixos estavam lá, nesse momento, para o retorno das operações. Quando eu vi: “Nossa, que bacana, que maravilhoso!” As pessoas se unindo em prol de um objetivo, que foi para o retorno das operações 100%, da Hydronorth. E isso, para mim, marcou aqui, entendeu? A paralisação marcou com preocupação para algumas pessoas, mas o retorno, para mim, foi o mais marcante, que todo mundo entendeu realmente o que é um ciclo. Nós não fazemos só alumina. Nós estamos aqui construindo sonhos, com pessoas e levantando a economia de uma comunidade toda.
(01:47:21) P1 - Qual que é o legado que você acha que o seu trabalho e dos seus colegas dessa empresa vai deixar aqui, para Barcarena?
R1 - Eu acredito que Barcarena é um polo industrial. Ela cresceu muito, de 11 anos para cá. A Hydro Alunorte apoia muito na cultura de Barcarena. Hoje nós temos um festival maravilhoso, que é o Festival da Abacaxi que, inclusive, grandes nomes nacionais tiveram oportunidade de vir aqui para a cultura mesmo, que é patrocinada pela Hydro Alunorte. E também o legado, quando eu vejo a responsabilidade social chegando nas comunidades e transformando, com projetos sociais, até mesmo fazendo transformação de prédios, para dar o suporte à comunidade, nossa, eu me sinto honrada de fazer parte da Alunorte, porque ela vai em comunidade, patrocina, tem o fundo de responsabilidade, tem várias outras coisas que impactam o social. Aquilo que, não diretamente, mas indiretamente, ela atinge através de mim. Quando eu, indiretamente, cuido também da comunidade, eu contribuo, quando eu faço as minhas extensões do meu salário para outras vertentes, é a Alunorte chegando ali, também. Quando meus amigos falando lá, que ela cuida da minha família e eu cuido de outros através desse legado da Hydro Alunorte, eu vejo que a Alunorte tem as extensões dela, do legado mesmo positivo, marcando a vida das pessoas.
(01:49:00) P1 - Tem um time de voluntários?
R1 - Tem. Tem um grupo de voluntariado da Hydro Alunorte. E em cada ação que nós fazemos é uma gerência que assume isso. E vai ter do Festival do Peixe, agora. Então, para levantar fundos da comunidade, aí já até me inscrevi lá, a gente tem um grupo de voluntariado que vai lá, dar suporte, fazer as vendas das comidas, organizar também o evento durante o dia. Lá no Festival do Abacaxi tem o estande da Hydro Alunorte, para explicar também um pouco mais do nosso processo, para a comunidade entender, porque às vezes a comunidade vê, passa aqui na frente, não entende do nosso processo, mas é muito bom a gente chegar perto deles.
(01:49:49) P1 - Seu filho, o Antony, já está com 17 anos e ele já está pensando em trabalho?
R1 - Já, já está pensando em trabalho. Inclusive, essa semana é uma coisa muito legal que a empresa nos oferta, que é a bolsa para os dependentes, né? Aí eu mandei lá a lista dos cursos para ele: “O que você se identifica, aqui e tal?” Ele disse assim... ele ama Química, ele está concorrendo a uma bolsa para Química aqui, patrocinada pela Hydro Alunorte. Então, vai um ciclo. Inclusive, vai ter visita de familiar também, que ele nunca veio na Hydro Alunorte e ele vem no dia 21, me acompanhar, para entender isso. Eu falo tanto disso daqui para eles. E aí ele disse assim que ele queria conhecer, né? E agora, dia 21, vai ter a visita dos familiares e ele vem.
(01:50:46) P1 - Ai, que legal! Me conta o que você quer pra você, daqui pra frente.
R1 – O que eu quero, daqui para frente?
(01:50:56) P1 - Para a sua vida, tá? Não necessariamente profissional. Quais são os seus objetivos? O que você quer? O que é importante?
R1 - Eu estudei e estou estudando um pouquinho mais, que eu quero ter, aqui dentro da Hydro Alunorte, uma carreira, para eu dizer, olhar para os meus filhos e dizer assim: “Agora eu consigo dar uma vida estabilizada para vocês em questão de família”, que hoje ainda está um pouquinho na correria de certas coisas. A gente está fazendo ainda o ‘jogo de cintura’, mas eu acredito que daqui a pouco isso vai melhorar. E é o que eu pretendo, mesmo: ter uma vida mais estável profissionalmente, para eu suprir as necessidades da minha família. Meu grande X da questão é esse, na vida, o dia que der para eu respirar mais tranquila, conquistar algumas coisas. Tenho a minha casa própria, graças a Deus, que é um sonho de muitos. Eu converso com muitos aqui e eles dizem assim: “Eu quero conquistar”. Eu disse: “Opa, já consegui esse degrau”. E aí melhorar um pouquinho mais as coisas pra mim já está bom. Claro que depois que a gente conquista tem os próximos passos, mas esse é o que eu me vejo, assim, de fato: ser uma pessoa que contribui na sociedade, não uma pessoa que esteja só de passagem. Uma pessoa que, quando eu for daqui, alguém diga assim: “Nossa, mas ela contribuiu nisso, ela contribuiu nisso”. Não pra inflar o ego, não, não é isso, porque às vezes, quando são as câmeras ligadas, a gente faz. Não, é aquela pessoa que faz o bastidor, mas pra minha própria realização. Eu acredito, de fato, que cada ser humano veio aqui para contribuir, mas alguns não se propõem a isso. Mas é da percepção da pessoa. Quero contribuir, deixar um legado para minha família, para os meus filhos e para a comunidade a qual eu estou ao redor e eu sei que eu posso contribuir de alguma forma. Então, assim que possível, eu vou lá e contribuo.
(01:52:59) P1 - Tem algum sonho específico?
R1 - Sonho específico. Vamos... meu filho diz que eu quero ser tudo. É sério. Meu filho diz assim. Por exemplo: eu tenho formação em... eu sou técnica de petróleo e gás. Eu tenho o desejo de um dia trabalhar em plataforma, ficar lá, embarcada, ou em navio, ou trabalhar no porto. Eu amo aqueles navios, olhar. Eu tenho vontade de trabalhar embarcada. Mas eu tenho vontade, eu tenho desejo, posso dizer que é um sonho, um dia cursar a faculdade de Medicina. Eu tenho. Eu disse que eu vou formá-los, eles vão me patrocinar, porque requer mais dedicação, eu preciso tirar um tempo pra me dedicar e eu vou cursar lá a faculdade de Medicina. Não sei com que idade eu voltar, mas eu vou. (risos)
(01:53:47) P1 - Você foi falando que, quando você ganhou sua primeira boneca ou a mochila... e hoje você consegue realizar esses sonhos deles, também?
R1 - Sim, sim, eu consigo fazer isso. Às vezes, assim... só que os meus filhos são interessantes, eu os acho maravilhosos, não porque são meus filhos, mas eles valorizam tanto as coisas que eles têm! Às vezes eu levo meu filho: “’Bora’, vamos comprar roupa para ti, sandália”, sabe? E eu acho diferente, porque ele é adolescente, a maioria ia nos melhores, nos mais caros e às vezes eu fico brigando com meu filho: “Nossa, pega uma coisa melhor”. Ele quer num barato, para economizar para mim, sabe? Aí eu digo assim: “Não, dá uma melhorada nisso daí, (risos) compra isso daí”. Eu que vou lá e troco as coisas dele, assim, às vezes. Mas eles valorizam muito o dia a dia, as conquistas. Eles sabem a correria do dia a dia. Ontem, por exemplo, meu filho falou assim: “Não tenho clone, não, para fazer”. Ontem eu vim trabalhar, tive que direcionar algumas coisas na minha casa, aí tem um evento que a gente vai fazer para crianças, na igreja. Aí eu peguei a minha moto, convidei um amigo, fui para Abaetetuba, fazer compras, cheguei em casa, tinha que separar as fotos, não deu tempo. Então, meu filho falou isso para mim. São pequenos detalhes, que eles dizem: “Não tenho clone, não, para dar conta de tudo isso”. Então, essas correrias me fazem - a gente se sente cansada - bem. Me fazem, sei lá...
(01:55:32) P1 - Como é sua rotina hoje, mais ou menos? Você acorda, vem trabalhar, volta?
R1 - A minha rotina é assim: eu acordo cinco horas da manhã. Então, eu dou aqueles 15 minutos, pra ver o WhatsApp, que o meu chefe já está falando num grupo lá, né? Eu disse: “Eu não sei como ele dá conta disso”, porque eu o vejo falando uma hora da manhã no grupo, cinco horas da manhã ele está falando de novo. (risos) E aí eu dou uma olhada lá no Zap, pra ver o que que tem, se alguém falou comigo de noite, que eu não vi. E aí dou uma olhada, 15 minutos, aí vou fazer as coisas de casa. Tento direcionar alguma coisa, fazer o café, ver alguma coisa. Minha filha, quando está de aula, a acordo, ela levanta, porque às sete horas da manhã a gente tem que sair de casa. E aí, quando estou levantando e direcionando as coisas, eu vejo que já deu sete horas. Aí eu vejo que já era para eu ter saído: “’Bora’, ‘bora’!” Normalmente, coloco um pouquinho de café, que tem que ser a regra e venho embora. Como eu não moro na Vila do Conde, a minha rota passa um pouquinho longe de casa. Então, eu venho de moto. Ando de moto. Venho de moto. É mais prático pra mim. Era pra eu vir de moto, pra parada e deixar na casa de alguém. Já que eu tinha que vir de moto pra parada, eu chego bem aqui. E aí, quando eu saio daqui, na maioria das vezes eu faço questão de passar na casa da minha mãe, pra eu tomar o café da tarde com ela, colocar os assuntos em dia. Se eu não fizer isso e for embora pra casa, quando meu filho de 17 anos, que dorme com ela, com a minha mãe, eu venho com ele, pra colocar os assuntos em dia. Eu faço questão de ter esse vínculo diário. Nessa correria, passo com ela, pra tomar um cafezinho. Ela já sabe que eu cheguei e tomo aquele café: “Como é que está?” Antes eu tinha muito o hábito de chegar na casa da minha mãe e perguntava assim pra ela: “Como é que você está?” Aí ela dizia: “Eu estou bem”. Aí eu replicava: “E o papai?” Você acredita que às vezes isso ainda vem na minha memória? Eu lembro com muita alegria do meu pai, eu não tenho aquele remorso pela morte dele, meu pai amava miriti, o vinho de miriti. A gente fala vinho, né e pensa logo que é bebida, não é, o miriti batido igual açaí, dentro daquele saquinho. Eu fui em Abaetetuba há um ano e na minha cabeça eu esqueci que o papai tinha falecido, eu comprei dois, comprei um pra mim e pra ele. Quando eu peguei os dois eu saí de lá e comecei a rir e aí a pessoa que estava comigo disse: “Por que tu está rindo?” Eu disse: “Tu acredita que eu comprei um pra mim e um pro papai?” Porque ele amava. Quando eu ia em Abaetetuba, eu fazia isso. Então, quando eu chego na casa da minha mãe pra tomar o café era minha fala: “Como é que a senhora está?” Ela diz: “Estou bem” “E o papai?” Às vezes eu lembro, toda vez que eu chego lá. Eu falei pra ela. Ela não gosta muito de tocar no assunto da morte do papai, mas eu contei pra ela: “Mãe, a senhora acredita que toda vez que eu chego aqui eu penso em perguntar pelo papai também?”, porque na minha mente ele está por ali, está em algum lugar. Mas essa é a minha rotina: eu chego, passo na casa da minha mãe, tomo café, vou pra minha casa. Se eu não for pra igreja, aí eu já começo a direcionar algumas coisas na minha casa, cuidando da minha bebê, que eu tenho uma bebê. E ela é daquelas que a gente dê atenção mesmo, coloca no desenho dela, sente do lado dela, é bem cansativo. Aí a minha outra maior... e ela também, a minha bebê gosta que leia pra ela. E às vezes eu tô tão cansada que, quando começo a ler pra ela, (risos) eu durmo junto com ela. E aí a rotina é mais ou menos assim.
(01:59:07) P1 - E o final de semana?
R1 - Nossa, meu final de semana é uma loucura. Eu sempre tenho alguma coisa pra fazer. Sempre tenho. Nada é programado, mas tudo aparece. Nós viemos de cultura de roça, mas até um tempo atrás a gente não tinha mais esse hábito. E aí, a minha irmã namora com um rapaz que tem um sítio. Então, esse final de semana, elas pediram para ele se elas poderiam ir lá, fazer farinha, para voltar a memória novamente. Então, esse final de semana foi mais ou menos assim. Sempre tem algo: igarapé, praia. Sempre tem alguma coisa pra gente fazer.
(01:59:49) P1 - Se diverte, né?
R1 - Sim. E aí, sempre tem algo para fazer, nessas vertentes: praia, sítio. Capital, para mim, é mais ou menos no Dia das Crianças e Natal, é onde a minha filha quer ver o Papai Noel que está no shopping e Dia das Crianças, que a gente leva no parque mesmo, mas normalmente o restante em praia, em igarapé. Nosso final de semana é assim. E igreja, todos os domingos nós vamos pra igreja.
(02:00:19) P1 - É aqui em Barcarena que você quer ficar?
R1 – É aqui em Barcarena que eu quero ficar, especificamente Vila do Conde.
(02:00:26) P1 - Você quer criar teus filhos, ter seus netos?
R1 – Sim. Lá eu moro distante da minha mãe, um pouco distante. Mesmo sendo distante, eu construí um vínculo familiar com a minha rua. Eu falo que a minha rua é a melhor rua de se morar, onde eu moro. Nossa, as pessoas lá são espetaculares. A gente fala com vizinhos de bom dia, boa tarde, boa noite, mas quando é para gente se reunir, a gente se reúne mesmo. Daqueles que: “’Bora’, senta aqui um pouquinho e tal”, aquele papo de beira de rua, de frente de casa, é bem gostoso. Os meus vizinhos são daqueles que, se eu tiver uma dificuldade, eles vêm e resolvem e suportam e dão direcionamento. Então, a gente tem um vínculo familiar que não é sanguíneo.
(02:01:10) P1 - É aí que você quer envelhecer?
R1 - É lá. Na verdade, se eu não envelhecer lá, eu comprei um sítio para minha mãe. O sonho da minha mãe era ter um sítio, lembra que ela ficou sem? E ano passado eu e a minha irmã mais nova fizemos uma sociedade. E, se eu não envelhecer lá, na minha casa, esse sítio a gente dividiu a parte dos fundos, onde tem - a gente vai abrir um igarapé - uma parte que é minha. Então, se eu não envelhecer lá, na minha casa, numa quadra seguinte, onde eu comprei um sítio, é lá que eu vou construir a minha casa, também.
(02:02:43) P1 – Está tudo encaminhado.
R1 - Está tudo em casa.
(02:01:45) P1 - Tem algum cantinho na sua casa, que é muito especial pra você?
R1 - Tem. A frente da minha casa, onde tem árvores. Esses dias, acho que foi no sábado, eu acredito, que nós estávamos sentados lá, conversando e eu me realizei muito, muito, porque era uma coisa que eu ainda não tinha visto lá. Uma coruja foi para lá, pra minha árvore, para poder cantar lá. E aí eu achei maravilhoso. Mas, assim, na frente da minha casa sempre vão... tem pássaros, tem macaco, tem... vão ali, eu acho maravilhoso isso. Então, eu olho pra natureza ali, pra mim é o máximo.
(02:02:31) P1 - Tem manga?
R1 - Tem, tem manga. Inclusive, o que faz mais sombra na frente da minha casa, que é imponente lá, é a minha mangueira. Queriam tirar, porque fica ‘colado’ na minha casa, fica na frente do pátio. Aí eu disse assim: “Desgalhem, pra ela não virar um dia pra cima da minha casa. Se ela virar, pra cá, pra esse resto está tudo certo”. E aí o pessoal desgalhou, o rapaz que foi lá a desgalhou, para ela não ir para cima da minha casa, mas ela faz sombra em toda frente da casa. Então, acho maravilhoso aquele canto lá.
(02:02:59) P1 - Imagino que é uma realização, ter uma casa própria assim, desse jeito.
R1 - Sim. Aquele é o meu canto. Lá eu pego chuva, lá eu faço os meus filhos tomarem banho de chuva, tem as biqueiras lá, que cai água ali. Então, é o meu canto, onde eu me realizo de sentar ali e somente ficar apreciando aquilo lá. Pra mim é maravilhoso, é pra quem gosta.
(02:03:20) P1 - Você se sente feliz?
R1 – Muito, muito mesmo.
(02:03:25) P1 - Tem alguma história que você queria ainda contar, que a gente não chegou nela? Alguma memória que você quer me contar, pra deixar registrado?
R1 – Nossa! Não. A única coisa assim, que é um mantra pra mim, que é a educação dos meus filhos. Eu prezo muito por isso, eu quero que eles se tornem pessoas de bem na sociedade, eu quero que eles deixem um legado de vida também e entendam que espalhar a generosidade, ser generoso, que isso seja algo que eles façam de coração. Outro dia, vi um senhor vendendo peixe. Eu já tinha ganhado o peixe da minha mãe, mas eu vi um senhor vendendo peixe na rua, eu já vinha para o meu trabalho. E aí eu olhei para senhor e disse assim: “Eu quero comprar peixe”. E ele foi lá em casa e vendeu o peixe. Aí meu filho disse assim: “Mãe, mas a gente já tem bastante peixe”. Aí eu disse assim: “Quando você tiver a oportunidade de ser generoso com alguém, seja”. E aí ele só olhou pra mim e foi lá na frente comigo, já sabia que eu estava saindo pro trabalho. Porque, às vezes, a gente quer muito que as coisas boas cheguem pra gente, né? E, às vezes, a gente não quer se dar ao trabalho de ser generoso com alguém, né? No meu caso, foi realizador, mas eu já estava atrasada pro trabalho, eu voltei em casa: “’Bora’, volta ali comigo, quero peixe”. Então, eu comprei o peixe assim, só pra deixar. E aí, eu falei isso pra ele: “Quando você tiver a oportunidade de ser generoso com alguém, faça”. Você não sabe ali, às vezes ele já estava cansado da pesca, ainda saiu na rua pra vender o peixe, né? Então, deixa o ‘cara’ descansar e ir pra casa dele, ‘bora’ comprar esse peixe, então vá. Então, é esse legado que eu quero deixar pros meus filhos. Eu não sei o que eles vão ser. Falo muito nos aniversários deles, que a gente tem a oportunidade, não sei se vão ser advogados, agricultores, pescadores, não sei o que eles vão ser, mas que eles sejam uma pessoa de bem, que se realizem, assim como meu irmão. Algumas pessoas dizem: “Pescador?” Não, meu irmão é realizado, ele é pescador. A fonte de subsistência, ele consegue manter a família dele com isso e ele é realizado. Tudo ótimo, tudo legal. Então, meus filhos eu não sei o que eles vão escolher, mas que eles sejam pessoas de bem. É isso.
(02:06:04) P1 - E como foi para você contar essa história, hoje?
R1 - Foi maravilhoso. Eu, particularmente, falo demais, mas eu não gosto muito de falar de mim. É sério isso, eu não gosto falar de mim. Mas quando eu vejo que algumas situações estão escassas no mundo, eu digo: “’Cara’, a gente precisa falar, a gente precisa dizer”. Então, isso que me incentiva estar aqui e dizer que eu sou Rosângela, que trago os meus sonhos, mas eu trago o sonho da minha mãe e ela foi uma das maiores incentivadoras para eu estar aqui. E, assim como eu, existem muitos que a gente tem aqui”. Quando a gente fala na empresa, o cuidado ativo genuíno é olhar para o colaborador que está aqui do dia a dia e dizer que ele carrega sonhos, ele carrega uma família, que está aqui com ele, ele não é somente uma matrícula. Então, a gente precisa fazer essa corrente girar. A gente precisa trazer à tona essa percepção, para mudar também a mentalidade de outros que não têm.
(02:06:59) P1 - Está fazendo sua parte, né? Obrigada.
R1 - Eu que agradeço.
(02:07:04) P1 - Minha última, rapidinho, pergunta, porque eu não queria esquecer: trinta anos de Alunorte, o que você quer deixar registrado?
R1 – Bem, eu quero deixar registrado aqui que eu sou realizada por estar aqui, por estar contribuindo com os meus colegas de trabalho e eu sou realizada também por fazer parte da Alunorte e por estar também contribuindo com a sociedade onde vivo, que às vezes a gente não tem noção do que é essa proporção dos impactos que a gente tem na vida de outras pessoas. Então, o que eu quero deixar marcado e registrado é que eu sou muito realizada por trabalhar aqui na Hydro, Alunorte.
(02:08:00) P1 – Agora sim!
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