Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de José do Amaral Ribeiro Gomes
Entrevistado por Paula Ribeiro e Eliane Barroso
Rio de Janeiro, 25/09/ 2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: CVRD_HV111
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 – Boa tarde, a gente começa sempre perguntando, pedindo aos nossos entrevistados que diga nome, local e data de nascimento, por favor.
R – O meu nome é José do Amaral Ribeiro Gomes. Eu nasci no Rio de Janeiro, na Aldeia Campista em Vila Isabel em nove do sete de 31. De forma que ao ter nascido em nove de julho eu sou um constitucionalista.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Durval Ribeiro Gomes, campista. E minha mãe é Judith do Amaral Ribeiro Gomes, já nascida no ____________, campista também.
P/1 – Você conhece um pouco a história da sua família?
R – Conheço. Eu conheço até os meus bisavós. Conheço sim. Eu procuro, inclusive eu já procurei estudar isso e já fui até a sepultura dos meus bisavós. Tanto paterno quanto materno. Os paternos eles eram da Baixada Campista, da região de Santo Amaro. Ao lado da igreja de Santo Amaro tem uma lápide que diz: “Aqui jaz José Ribeiro Gomes...”, meu bisavô, “...e Ana Francisca Nogueira, sua mulher. Homenagem dos seus filhos.” É uma homenagem do meu avô e do irmão. E da parte de mãe é uma história um pouco mais interessante, mais cômica até. Porque conheço até o meu avô por exemplo, materno. Estudou em Coimbra, ele era campista. Estudou em Coimbra, mas o meu bisavô materno ele se chamava Joaquim Tomás de Farias e era um traficante de escravos. De forma que ele sediava, tinha sede, o centro de atividades era em São João da Barra, Campos. Mas ele comerciava com escravos. Importava. Tinha navios. Navios negreiros e comerciava com escravos. De forma que essa origem, é o lado mais assim, quer dizer, mais negro da nossa genealogia. É, os meus avós, os dois...
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Depoimento de José do Amaral Ribeiro Gomes
Entrevistado por Paula Ribeiro e Eliane Barroso
Rio de Janeiro, 25/09/ 2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: CVRD_HV111
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 – Boa tarde, a gente começa sempre perguntando, pedindo aos nossos entrevistados que diga nome, local e data de nascimento, por favor.
R – O meu nome é José do Amaral Ribeiro Gomes. Eu nasci no Rio de Janeiro, na Aldeia Campista em Vila Isabel em nove do sete de 31. De forma que ao ter nascido em nove de julho eu sou um constitucionalista.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Durval Ribeiro Gomes, campista. E minha mãe é Judith do Amaral Ribeiro Gomes, já nascida no ____________, campista também.
P/1 – Você conhece um pouco a história da sua família?
R – Conheço. Eu conheço até os meus bisavós. Conheço sim. Eu procuro, inclusive eu já procurei estudar isso e já fui até a sepultura dos meus bisavós. Tanto paterno quanto materno. Os paternos eles eram da Baixada Campista, da região de Santo Amaro. Ao lado da igreja de Santo Amaro tem uma lápide que diz: “Aqui jaz José Ribeiro Gomes...”, meu bisavô, “...e Ana Francisca Nogueira, sua mulher. Homenagem dos seus filhos.” É uma homenagem do meu avô e do irmão. E da parte de mãe é uma história um pouco mais interessante, mais cômica até. Porque conheço até o meu avô por exemplo, materno. Estudou em Coimbra, ele era campista. Estudou em Coimbra, mas o meu bisavô materno ele se chamava Joaquim Tomás de Farias e era um traficante de escravos. De forma que ele sediava, tinha sede, o centro de atividades era em São João da Barra, Campos. Mas ele comerciava com escravos. Importava. Tinha navios. Navios negreiros e comerciava com escravos. De forma que essa origem, é o lado mais assim, quer dizer, mais negro da nossa genealogia. É, os meus avós, os dois avós assim, eles eram negros, colegas, médicos. Colegas. Um formado em Coimbra, outro formado aqui no Rio de Janeiro. ___________ senhoras sempre foram de prendas domésticas, de forma que nesta família do meu pai tiveram quatro irmãos. Ele era o quarto irmão. Três homens e uma mulher. E da parte da minha mãe também eram, eram dois homens e duas mulheres. O pessoal sempre foi muito destacado. Não só o meu avô materno, mas também os meus tios, especialmente da linhagem materna, sempre se destacaram muito. Na política republicana, na primeira época da República até o Estado Novo. ________. Sempre tiveram um apoio imenso em ocupar cargos elevados. Meu avô foi chefe do serviço médico do Exército. Foi o fundador da Cruz Vermelha Brasileira. Participou de vários congressos. Eu tenho uma fotografia dele em 1917 _______________ corretamente, mas ele já representando o Brasil em um congresso da Cruz Vermelha Mundial. Deste novelo nasceu um tio também que chegou aos píncaros da carreira militar. Chegou a ser ministro, Chefe do Estado maior do Exército. Chefiou o Emfa durante os últimos anos de sessenta do governo Juscelino. E aí ele se aposentou. Bom, depois disso aí vai chegando, eu tenho vários primos já de uma geração anterior à minha que foram ministros também. Um deles do governo Sarney, que é o General Ivan de Souza Mendes e outro que chegou a ser Ministro do Exército no governo do Collor, que é o Carlos Tinoco Ribeiro Gomes. Daí para cá nós arrefecemos um pouco. Baixamos um pouco a mira das nossas espingardas.
P/1 – E seus pais se conheceram como? Através dos avós?
R – É. Eles se conheceram através dos avós e através de um fato, digamos assim, um pouco inédito. Porque eles eram campistas e sempre se congraçavam quando estavam juntos. Mas é que eu tive um tio da parte de pai que era aluno da escola, da Escola Naval. E ele lá se desaveio com um professor. Nessa contenda com esse professor ele foi, ele foi... ______________. E o meu avô por parte de mãe, que era justamente um dos conselheiros desses presidentes, de Hermes da Fonseca e de outros presidentes aí pediram a ele que ele interviesse e fizesse a acomodação desse meu tio na __________. E foi o que aconteceu, ele conseguiu banir essa mácula dessa briga com esse professor desse meu... Mas aí é que aparecem então esses laços que vão aproximando os rapazes, os filhos e tudo mais. E meus pais vieram a se conhecer já por aí no início da década de vinte e vieram a se casar em 1929. E aí daí para cá, nascemos eu, meus dois irmãos e nós todos nos casamos, temos filhos, temos já netos até. E...
P/1 – O senhor nasceu onde? Aqui no Rio?
R – Nasci no Rio, na...
P/1 – Aldeia Campista.
R - ...Aldeia Campista. Nasci em Vila Isabel, na Rua Pereira Nunes.
P/1 – O senhor sempre morou na mesma casa?
R – Não. Em princípio eu morei durante oito anos, de 31 a 39, eu morei na Aldeia Campista. Lá em Vila Isabel. Rua Pereira Nunes, 419. No início era Rua Rufino de Almeida, 18. Foi a rua em que eu nasci. Depois rebatizada como Pereira Nunes, 419. E em 39 nós nos mudamos para essa rua ___________, ali na Rua Ibituruna. E ali nós fizemos, acabamos de fazer o curso primário. Depois de fazer o curso primário lá no Instituto da Educação, eu e meus irmãos, nós todos entramos, fizemos concurso e entramos ____________. E como a, o antigo __________ de escola, de colégio e tudo mais, nós nos perpetuamos muito ali. O meu pai depois comprou a casa onde nós morávamos. Comprou uns terrenos lá no fundo, a casa ficou muito boa. E daí é interessante que eu vim a conhecer também a minha, a minha futura esposa quando nós tínhamos doze anos. __________ brincávamos, né?
P/1 – Ahn.
R – E aí depois namoramos e nos casamos nessas casas aí da Rua Ibituruna. Hoje nós fizemos um condomínio fechado. Fechamos a Rua Divino e fizemos um condomínio fechado. Está muito agradável lá, muito gostoso. E eu me mudei. Depois compramos uma casa ali na mesma Rua Divino e continuamos a morar lá. Eu, hoje, não moro, passo a maior parte do tempo todo em Campos, eu tenho uma propriedade rural lá, uma fazenda. E eu fico, moro praticamente na fazenda. E daí por estar lá envolvido com essa parte toda de produção agrícola e tudo mais eu me tornei, em 1994, onde os colegas lá, os companheiros me elegeram Presidente do Sindicato Rural de Campos. Quer dizer, o Sindicato dos Produtores Rurais de Campos. E já me reelegi uma vez, uma segunda vez, estou já no terceiro mandato. E a gente vem então lutando lá com essa parte toda de produção, de produção agrícola, de problemas sociais, problemas educacionais, problemas de infraestrutura. Aí no fim, por exemplo, eu coloquei até a _________ no meu currículo porque eu faço parte pela prefeitura de uma porção de conselhos. Conselho de Política Agrícola, Conselho de Política de Emprego, Câmara Técnica, eu sempre dou a minha assistência na prefeitura onde eu posso.
P/1 – E voltando um pouco à sua infância, o senhor lembra assim das brincadeiras que vocês faziam?
R – Lembro ____________.
P/1 – Do que vocês brincavam?
R – Não, nós _________ (risos) . Olha, a nossa rua de vila era uma rua de vila, digamos assim, onde havia uma plêiade de garotos e nós éramos todos colegas, contemporâneos. E nós tínhamos o que a gente chamava, depois que a gente começa a rememorar, tínhamos época para todas as brincadeiras que você pudesse imaginar. Barra manteiga, corda, aí vem pião, bola de gude, pipa, papagaio. Aí começava alguém a gostar mais de soltar pipa, aí a gente, todo mundo tinha que arrumar uma pipa. Depois tínhamos que fazer uma brincadeira de mocinho e tudo mais, todo mundo fazia armas, flechas e revólver até com elástico para atirar mesmo. Quer dizer assim, eu ainda guardo muitas vezes coisas pequenininhas dessas épocas. Eu, por exemplo, tinha uma caixa de bola de gude, umas duzentas mil bolas de gude, de jogar com o pessoal lá. O triângulo, o mata mata, essas coisas todas. Pião. Eu tenho alguns peões lá ainda. E jogávamos, jogávamos alguma coisa regular. Mas mesmo lá nessa vila, depois nós ali éramos talvez uns vinte, e nós agregávamos assim, muitos garotos também da redondeza. Nós fizemos um clube. Organizamos um clube, registramos o clube, e passamos a ter nesse clube, nós tínhamos um baile. Tínhamos bailes, tínhamos disputas de esporte, nós tínhamos um time muito bom de voleibol. E ________ nosso grupo, nós tínhamos uns rapazes que eram até da seleção carioca de vôlei, eu tudo mais. Então isso chamava que nós nos agrupássemos e passássemos a jogar vôlei com ele. Aprender a jogar com ele, essas coisas. E passávamos a disputar, digamos, partidas de voleibol com clubes congêneres da região. Muitas vezes da Morais Silva, outras vezes da Senador Furtado, outras vezes vindo de Realengo. Outras vezes vinha, o Zeni, por exemplo, o Zeni Azevedo, era o Algodão, que era um craque do basquete na época. Era de Realengo. Ele era __________________.
P/1 – E o Algodão jogava em que clube no Rio?
R – Flamengo. Ele era... Jogava até na Seleção Brasileira de Basquete. Mas o Zeni Azevedo ia lá de vez em quando, ia disputar contra nós. Ele pelo Realengo e nós lá pelo Caeté. E jogando com ele ali. Ele jogava muito bem. Era alto. Um camarada com quase um metro e noventa. Mas do nosso lado nós tínhamos também os nossos jogadores. Nós tínhamos o Beto, tínhamos o Lau, que era um jogador excepcional do Tijuca e a gente, quer dizer, nós… Sempre foi algo na vida, isso que é importante, uma vida muito sadia.
P/1 – E em relação ao bairro, quer dizer, Aldeia Campista e Vila Isabel? Como era um pouco do bairro? Por exemplo, a fábrica de tecidos ainda existia, funcionava?
R – Existia, funcionava. E era um bairro, digamos assim, ele todo muito familiar. E muito, digamos assim, de pessoas que tinham vindo de Campos. Tanto assim que se chamava Aldeia Campista. O Andaraí, o Grajaú eram todas, muitas vezes até quando se ia a Barão de Mesquita, por exemplo, a alguma festa na casa dos ___________, você chegava lá e os nossos pais acabavam se reencontrando com pessoas da origem. Ou se não era de Campos era da região lá do norte Fluminense, noroeste. Aquela região era muito familiar, era uma região toda pontilhada, muito de pessoas. Da mesma forma que você vê, por exemplo, Niterói também é um foco muito grande de assentamento de pessoas que emigram. Especialmente do norte Fluminense para Niterói. Existe uma colônia grande lá. Então as famílias eram todas elas conhecidas. Quer dizer, nós tínhamos, eu tenho uma saudade grande de lá porque nós tínhamos ali o boulevard, né? E o boulevard, por exemplo, a 28 de Setembro, só para dar para você uma ideia dessa minha época de infância. Nós, a noite, saíamos muitas vezes para passear para fazer o que meu pai dizia: “Vamos rodar o quarteirão.” Nós saíamos e passávamos, íamos até a Praça, Praça Sete e voltava. E interessante que a gente vê é que meu pai saía de casa para passear conosco, eu, nós, mamãe e ele, eventualmente uma outra pessoa que estivesse agregada (lamas?), ele saía de paletó e gravata. Ele saía de casa de paletó e gravata. Quer dizer, havia uma certa finesse nessas coisas. Nós rodávamos aquilo tudo. Era Praça Sete, Teodoro da Silva, Gonzaga Bastos, Duque de Caxias, Torres Homem. Tinha uma porção de parentes que moravam ali também. Carlos Faria Pinto morava ali, que era do Banco do Brasil. Morava na Torres Homem. Outros moravam na Hipólito da Costa, Justiniano da Rocha. Tinha uma porção de familiares de nossas famílias lá. Então a gente visitava uma… Era muito comum isso, visitar. Visitava-se e digamos, uma semana depois eles retribuíam a visita. Vila Isabel era isso. Já...
P/2 – E o Boulevard?
R – Ah, o Boulevard era, havia uma pista central interessante, ela toda em paralelepípedo onde corria o bonde. E o que eu me lembro também dessa época eram os ônibus da Light. Eram uns ônibus grandes, mas muito bem mantidos, limpos. Os choferes todos de quepe, de terno e gravata, dirigindo o ônibus da Light.
P/1 – Quais os trajetos que eles faziam, o senhor lembra?
R – Ah, eu, eu, não, os ônibus eu não me lembro bem não. Eu me lembro bem eram dos bondes. Porque nós pegávamos o bonde para ir para o colégio, para o Instituto de Educação nós pegávamos ali no Boulevard ou na Pereira Nunes, nós pegávamos era o Lins de Vasconcelos, era o Piedade, era o Jardim Zoológico, Aldeia Campista. Quer dizer, eram bondes que foi um meio de locomoção que eu utilizei, também depois na minha época de puberdade e de curso superior. Eu fiz todo o curso da escola superior vindo de bonde e indo de bonde para a Escola Nacional de Engenharia. Ali no Largo São Francisco. Era uma condução limpa, segura e muito agradável. Fresca, porque era toda aberta. De forma que, eu me lembro também dessa época uma coisa interessante que depois com o tempo veio a desaparecer, que eram os bondes de carga, o pessoal chamava de taioba. Não sei se vocês pegaram isso. Vocês não pegaram isso.
P/1 – (risos).
R – Eram uns bondezinhos menores, compreendeu? Com eixos já mais simplificados com um ou dois reboques onde, que faziam o seguinte: eles saíam de manhã aqui do Mercado Municipal, ali na Praça XV e eles ali levavam os cestos dos verdureiros, dos fruteiros, dos peixeiros, dos tripeiros. Aquelas carrocinhas todas, aqueles cestos todos iam arrumados dentro do bonde. Então o bonde saía e eles iam, chegavam em um determinado bairro, lá no nosso bairro, por exemplo, eles saltavam e faziam a sua freguesia. Entravam pela Pereira Nunes e iam vendendo a sua, a sua carne ou o seu peixe.
P/2 - É muito interessante. As profissões que não existem mais, né?
R – Não existem mais. Por exemplo...
P/1 – Desculpe. E seu pai, qual a profissão dele, por falar em profissão.
R - O meu pai era Engenheiro Mecânico Eletricista. Ele foi um dos predecessores do estudo de engenharia na cidade de Campos. Nós sempre sentimos muita falta, lá em Campos, de uma universidade que veio agora no final com o Darcy Ribeiro vir a se concretizar através da UF. Mas você vê, meu pai saiu de Campos porque ele fez o ginásio, como ele chamava? Ele fez o… Agora eu não me lembro mais como ele chamava. Mas ele fez os... Ele saiu de Campos para terminar o ginásio para fazer os complementares no Ginásio Estadual de Itajubá, Minas Gerais. E aí é justamente, porque ele estava em vistas de fazer concurso para a escola, para o Instituto Eletrotécnico de Itajubá. Isso foi em 1913, 1914. Ele foi para lá e terminou o estudo, fez os complementares lá, fez o exame para o Instituto Eletrônico, Escola de Engenharia lá de Itajubá. Passou e se diplomou. Se diplomou em 1921. Eu depois estive com ele lá em Itajubá e vi o quadro de formandos dele. É de 1921. E ele talvez até ___________ que eu fiz, depois ele também teve, foi agraciado com uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. E ele foi em 22, 23, foi para os Estados Unidos trabalhar na GE. Passou á nos Estados Unidos de 23 a 26. Ele veio aqui por causa da morte da mãe dele, em 26. Voltou aos Estados Unidos, ficou até 29. Sempre trabalhando na GE. E em 29 ele veio para o Brasil definitivamente para se casar, aí constituir família e tudo mais. De forma que ele foi um dos predecessores por isso. Porque ele foi uma das pessoas que vislumbrou a possibilidade de fazer Engenharia Eletromecânica, que não existia praticamente um curso muito especializado. Não só aqui no Rio, mas mesmo em outros lugares, em São Paulo. Porque o Instituto Eletrotécnico de Itajubá, conta meu pai, que ele fez o seguinte: o Wenceslau Brás deu todo apoio ao professor Theodomiro Carneiro Santiago, para que o Theodomiro Carneiro Santiago fundasse o Instituto Eletrotécnico de Itajubá. E o Wenceslau, naquela época, era o governador em Minas e ele incentivou estadualmente o Instituto de Eletrotécnica de Itajubá. E depois ele foi presidente, né? Ele tendo... Ele presidente então ele deu mais ênfase ainda ao Instituto. E meu pai soube disso e se agregou a essas primeiras turmas. Ele deve ter sido das primeiras turmas. Eu não sei que turma, que número foi da turma. Mas ele foi uma das primeiras turmas. Eram poucos alunos. Nos quadros de formando dele eram assim dez, doze. Na minha turma em _________, duzentos.
P/1 – E essa sua passagem, agora falando um pouquinho da sua formação escolar, o senhor fez o Instituto de Educação?
R – Fiz o Instituto de Educação a mim de uma memória, eu tenho uma memória, uma saudade muito grande. Saudade, saudade muita saudável. [Sou] muito grato pelo tempo que eu passei. Eu fiz jardim da infância em 37. 38, 39, 40, 41 e 42 eu fiz o primário todo no Instituto da Educação e aí fiz ____ admissão para o Colégio Militar. E o interessante é que meu pai, em 1940, foi como engenheiro, ele foi dirigir uns trabalhos de construção e implantação dos frigoríficos na antiga Paulista. Antiga Estrada de Ferro Paulista que saía de Campinas e ia na direção de Barretos. E em 1940 então eu interrompi meu trabalho, meus estudos aqui no Instituto de Educação e fomos passar… E passei um ano lá em São Paulo. Passamos um ano lá, meu pai dirigindo aqueles trabalhos e nós familiarmente… Estudei lá em São Paulo, fiz colegas, companheiros lá também. Ficamos numa cidadezinha chamada Barretos. Vocês devem já ter ouvido falar nela. É muito famosa pelos rodeios, hoje em dia, que se fazem lá. E fiz o primário lá, fiz o primário no Instituto de Educação depois, não, aí voltamos ao Rio. Quando nós voltamos ao Rio nós felizmente conseguimos nos reagrupar no Instituto de Educação. E aí terminei o curso primário lá.
P/2 - Voltaram a morar no mesmo bairro?
R – Mesmo lugar. Quer dizer, nós, meu pai fechou a casa e nós fomos para São Paulo. Fechamos a casa e fomos para São Paulo. Ficamos lá um ano. Não, não chegou a um ano também não. Mas voltamos. Voltamos para a mesma casa. E aí fomos para o mesmo colégio. Aí tivemos… O meu pai gostava muito do estudo de línguas. Ele começou a... Nos colocou em um curso paralelo. Naquela época não existia ____________ nada disso. Era um curso paralelo, Curso Orminda ____________. Me lembro ainda o nome do curso, que haviam professoras de inglês. Eu e meus irmãos pequenininhos, né? Íamos para lá para falar as primeiras palavras. Ler alguma coisa em inglês, para você ver como ele já procurava ir. Outra coisa que meu pai fazia também de interessante é que ele tinha assinatura de revistas inglesas. Uma delas era a National Geographic. Quer dizer, nós pegávamos aquelas revistas para ver as figuras e tudo. Mas sempre estávamos lendo algumas palavras. E procurávamos saber, a impressão sempre foi primorosa, então ele procurava... Depois fizemos a subscrição também da Life. Não sei se vocês conheceram essa revista.
P/2 - Conheci.
R – Então você vê que ele sempre tinha as revistas brasileiras e tudo mais, mas ele sempre procurava dar um pouco mais de ênfase ao inglês. Ao inglês, ao inglês. “Estudar inglês, é importante.” Ele falava bem inglês. Ele cantava bem em inglês, ele cantava.
P/2 - Mas ele tinha alguma expectativa assim, quer dizer, em termos profissionais para os filhos? Quer dizer, ele também achava...
R – Não ele fazia isso em termos de...
P/1 – De formação.
R - Fundamentação. Formação. Não havia, não havia assim nenhum preconceito, nenhuma ideia pré-concebida de fazer isso ou de fazer aquilo. O que ele procurava nos dar eram as melhores coisas. O Instituto de Educação era a escola modelo no Brasil. Era a escola normal mas era um Instituto. Era Colégio Primário Instituto da Educação. Quer dizer era o colégio modelo para todo o Brasil, o Instituto de Educação, ali na Rua (Municipava?). E então era realmente um modelo. As melhores professoras, os professores. Tanto assim que nós tivemos uma base muito boa para depois fazermos o ginásio, também muito bem. Fizemos o ginásio então lá no Colégio Militar. Todos os três foram para o Colégio Militar. A profissão, uma das profissões mais nobres, naquela época, era militar.
P/2 - Era militar.
R – Da mesma forma que para as meninas era ser uma professora. O Instituto de Educação ficava… Elas saiam do colégio primário, as colegas todas foram, grande parte foi ser professora.
P/1 – Fazer Normal, né?
R – Escola Normal. Escola Normal do Instituto de Educação.
P/2 - E como foi a escola Militar?
R – É, o Colégio Militar foram sete anos, todos nós, eu e meus irmãos nós fomos semi-internos. Nós entrávamos lá cedinho, sete horas da manhã e saíamos de lá às quatro horas da tarde. Lá nós tínhamos uma parte de almoço cedo, tínhamos um lanche na parte da tarde e depois voltávamos para casa. Tínhamos os horários de aulas, horários de estudo e horários de instrução militar e de educação física. De forma que era, é uma _________ que ainda hoje lá no colégio está pouco modificada. É sempre mais ou menos a mesma coisa. O colégio hoje já recebe meninas, naquela nossa época não recebia. E o colégio era um número muito mais reduzido de alunos. Havia uma seleção muito grande e deu uma formação excepcional para nós todos, para nós três. Tanto assim que nós saímos, eu por exemplo, saí de lá, fiz o exame vestibular sem nunca ter ido a um curso de vestibular. Os nossos próprios professores do Colégio Militar nos últimos anos eles falavam: “Olha, nós vamos fazer mais uma semana intensiva em álgebra ou em aritmética, ou em física para acabar de dar a preparação de vocês para o vestibular. E assim fizemos e fomos sempre muito felizes nesses concursos todos.
P/1 – E quando adole… (interrupção).
R - ...aí quando nós fomos para o Colégio Militar, o Colégio Militar tinha a parte de educação física também muito bem, muito bem estabelecida, muito bem dada. E cada um tinha sua vocação. Cada um gostava mais de uma coisa, outro de outra. Havia, por exemplo, no Colégio Militar a arma de Infantaria, de Cavalaria, de Artilharia. Então uma porção de colegas nossos foram para a Cavalaria, outros para Artilharia, outros... E eu fiquei, eu sempre fui infante. Pé de poeira como eles diziam. E também tínhamos disputa entre as armas no esporte. Então nós fazíamos muito esporte. Quer dizer, o colégio nos ocupava lá. Desde as sete até as quatro sempre, digamos, de uma maneira muito saudável. Nós tínhamos a parte de educação física, tínhamos a parte de instrução militar e tínhamos também uma parte digamos assim de divagação filosófica. Nós tínhamos uma sociedade literária. Então alguns que gostavam mais da parte de escrever, de falar, então... Tínhamos uma revista, Aspiração. E se escrevia, se fazia, quer dizer, se vivia muito a vida interna do colégio. Quando você saía do colégio era para casa, para arrematar as coisas em casa para o dia seguinte. Isso de segunda a sábado. A noite, sábado, o colégio fazia uma sessão cinematográfica que era a nossa distração também. Era ir ao cinema no colégio.
P/2 - (risos)
R – Ir ao cinema no colégio. Quando...
P/2 - O que vocês viam naquela época? O que passava? De quem...
R – Ah, eram esses filmes, filmes hoje que estão sendo reprisados, né?
P/2 - Quais?
R – É, tipo eu não sei, “E o Vento Levou”, eram esses filmes do Clark Gable, Vivien Leigh e essas artistas daquela ocasião, né?
P/1 – E quem frequentava essas sessões, eram só os alunos? Tinham moças?
R – Não, levávamos convidados, levávamos. Porque nós tínhamos um auditório grande lá no colégio, nós levávamos convidados. Meninas, namoradinhas, colegas, colegas lá do nosso lugar de moradia. Levávamos e assistíamos. Muitas vezes também fazíamos uma soirées dançante. Muitas vezes aos domingos. Então também nós tínhamos um recreio coberto grande, então nós tínhamos era mais questão de vitrola. Quando tocavam lá aquela vitrola o pessoal saía dançando, se distraindo. A vida era essa. Sábado e domingo não se tinha preocupações com outras coisas. Eram coisas sempre muito, muito construtivas, sadias e boas. Que mais que eu posso dizer assim à vocês? Era o esporte, acho que não tem assim mais muita coisa para dizer à vocês disso não. Mas também ano a ano a gente tinha acontecimentos, que sempre acontecem. Piadas, brincadeiras e tudo mais. Para mencionar assim alguns colegas que se tornaram proeminentes logo, logo depois que saíram do colégio um deles era o Gláucio Guimarães Gil. O Gláucio Gil. Um teatrólogo, né?
P/1, P/2 - Hum, hum.
R – Ele era... Hoje eu dei gargalhadas contando para os meus filhos fatos da vida do Gláucio. Nós jogando bola, o Gláucio era meio desajeitado, e ele colocou uma bola na frente de um parapeito. Ao invés de chutar a bola chutou o parapeito e arrebentou o pé. E ele gritava de dor e tudo mais. A gente não se aguentava de rir do infortúnio do camarada, né? Mas ele...
P/2 - E ele escrevia nessa época? Já fazia alguma atividade teatral?
R – Aí já, já, já. Porque o que aconteceu é o seguinte: o Gláucio, nós fomos colegas desde criancinha. Desde 1940 que nós compartilhávamos de assuntos de estudo. E o Gláucio, já nessa época, o pai dele faleceu eu acho que em 41 ou 42. Então depois de umas férias ele me apareceu com um fumo no braço. “O que houve Gláucio?” “O meu pai morreu.” E a mãe dele era professora, Dona Carmem. E o Gláucio começou, naquela época ele já tinha estudos avançados de inglês. Ele já era, ele era o tradutor, para você ver ele tinha, naquela época, talvez doze anos, treze anos, coisa desse tipo. Ele já era o tradutor do gibi mirim para a Globo. Ele com a mãe dele, eles traduziam. Você no meio da, no meio do, na _______, hora de estudo. Por exemplo, você tem hora de aula, depois tem um tempo vago que a gente estuda, né? E o Gláucio, naquela época, trazia aqueles cartoons pesados com aquelas dísticos todos impressos em inglês e ele traduzia aquilo tudo. Já era um pessoa, ele fazia isso justamente para ajudar na renda familiar, porque o irmão dele mais velho que era o Walter, já estava na Escola Militar. Ou estava indo para a Escola Militar. Não, estava no colégio ainda. O Walter foi depois para a Escola Militar aí desobrigou um pouco mais a Dona Carmem. Mas o Gláucio continuou com mãe e ele fazia essas traduções para ganhar dinheiro. Ele faturava. Não só para a Rede O Globo, como ele dizia. Não sei se vocês se lembram que O Globo antigamente tinha uma página só de historinhas.
P/2 - De história em quadrinhos.
R – Só de historinhas. Fantasma, e Dick Tracy, e Dudu, todas essas historinhas. E o tradutor oficial deles era o Gláucio. Ele caprichava naquilo.
P/1 - Ô Ribeiro, esse período de década de quarenta, de começo da década de quarenta, o período da Segunda Guerra, você tem alguma memória sobre isso?
R – Tenho, eu tenho sim. É um dos lados interessantes porque...
P/2 - Você estava na Escola Militar?
R – Não, eu estava, estava na escola primária.
P/2 - Primária.
R – 1939, 1940. Eu tenho pontos de referência muito interessantes. O primeiro ponto de referência é o seguinte: é que na região em que eu moro, ali na Rua ___________, era uma região, naquela época, muito mais do que hoje, uma região onde existia uma colônia judia enorme. Enorme. A Rua Senador Furtado toda ela em grande parte, para não dizer toda, mas a grande parte da Rua Senador Furtado era ocupada por famílias judias. Então eu tive muitos colegas judeus na escola primária, no Instituto da Educação. Eu tive colegas judeus no Colégio Militar e tive colegas judeus na Escola de Engenharia. Quer dizer, foram pessoas refugiadas da guerra, refugiadas não só da guerra, mas antes mesmo da guerra, como começou aquele problema de perseguição e problema de nacional socialismo de Hitler na Alemanha, eles pressentiram problemas na Europa. Então várias famílias vieram para cá. Eles se transferiram muito para o Brasil e para a Argentina. E os daqui do Brasil se sediaram grande parte aqui no Rio de Janeiro. E eu passei a ter uma convivência muito grande com esse pessoal. Judeu, né? E até hoje eu tenho uma afinidade, eu me dou muito bem com eles. Aprecio muito uma série deles, outros nem tanto. Mas essa é uma lembrança da guerra. A outra lembrança que eu tenho dessa época da guerra é que meu pai tinha uns mapas grandes da Europa. Ele fazia a evolução das tropas alemãs do front da franca, do front russo. Ele fazia os desenhos acompanhando muitas vezes no rádio com _________, a BBC de Londres o que tinha acontecido, como é que estavam as frentes de batalha.
P/1 – BBC através das ondas curtas?
R – Através das ondas curtas. Meu pai foi rádio telegrafista. Então ele tinha afinidade com essa parte toda de rádio e de escuta e tudo mais. Então ele, um outro fato que tem dessa minha época de trinta, quarenta que também é marcante para vocês foi a proeminência que ganhou nessa ocasião, eu digo na década talvez até vindo de antes de vinte até quarenta, Lampião. Lampião. Quer dizer, ele foi um chefe de bando, um bandoleiro. Um justiceiro social que muitas vezes eu perguntava, eu me lembro que eu perguntava: “Meu pai, esse homem que está aí na Bahia, que está aí em Sergipe, esse cangaceiro, esse camarada, esse facínora e tudo mais ele pode se aproximar e chegar até o Rio de Janeiro?” Quer dizer, uma preocupação de segurança, né? Mas durante a guerra, esse período de guerra eu me lembro muito também de um outro fato. Essa questão das colocação das linhas de batalha, de guerra, nós acompanhamos com bastante precisão. Mas um outro fato foi a parte de restrições nacionais. Então nós tivemos o Ajude o seu país, ajude o Brasil. Então nós tínhamos uma coleção de tudo que fosse ferro. Quer dizer, nós selecionávamos tudo o que fosse ferro, alumínio, nós selecionávamos e amontoávamos na porta da nossa vila para justamente as fundições poderem vir depois apanhar e aproveitar toda essa parte desses metais na construção de armas, armamentos. A gente pensava que fosse arma, armamento. Mas se fazia muito isso em várias regiões, em várias ruas, em vários bairros se faziam essas pirâmides de metal, né? Selecionado. Quer dizer, o que fosse lata era um, o que fosse alumínio era outro, o que fosse liga, bronze tudo mais outra pilinha. E a outra coisa que havia é que houve restrição de alimentos. Quer dizer, você tinha leite racionado, você tinha farinha de trigo racionada, os pães começaram a ter um ingrediente e ganharam muito farinha de milho _____ para diminuir a importação de trigo para o Brasil. Quer dizer, isso são reminiscências desse período até 45.
P/1 – E a faculdade, a carreira de engenharia surgiu quando? A vontade de fazer engenharia?
R – Eu tinha uma vontade muito grande de ser militar. Tinha, no meu âmago eu tinha, gostava da carreira militar. E gostava da carreira militar especialmente porque nessa época eu pesava sessenta quilos. Eu era atleta e eu gostava de praticar esporte. Jogava bem vôlei, o futebol e especialmente também era muito rápido. Corria bem. Corrida rápida. E sempre no colégio eu fazia parte da equipe do colégio e disputava. Disputava com outros colégios. Nós sempre conseguimos boas colocações. Então eu dizia que o Exército me daria, através da Escola de Educação Física do Exército, uma formação posterior que me aprimoraria muito essa parte da Educação Física. Mas eu não sei porque cargas d’água quando nós chegamos no último ano do terceiro ano Científico Pré-Militar eu comecei a... Nós começamos a nos formar assim grupinhos de pessoas que pensavam mais ou menos iguais. Então uns pensavam muito em fazer Direito. Então um outro colega que é bom se mencionar, é o José Carlos Barbosa Moreira. Ele era um dos líderes da ala humanística. Hoje é desembargador, uma pessoa de renome nacional. Autor de livro, tal. __________________. O Código Civil Brasileiro, um dos maiores comentaristas do Código Civil Brasileiro, desembargador. Um camarada excepcional. Era ele, era o Roberto, era o Ivan Prestes, era, eram quem mais? O Arnaldo Soares Fortes. Quer dizer, eram grupos assim de seis, dez pessoas. “Não, esses vão para Direito. Esses vão para Medicina.” Então para Medicina foi o perdigão mais outra turma. E esses vão para Engenharia. Então ficamos eu, o Dirceu Veloso, Juarez Esteves Dias, Juarez Rosa, também aí uns seis ou oito, né? E nós começamos... Instintivamente nós nos isolávamos e ficávamos debatendo aqueles assuntos disso e daquilo. E acabou que nós: “Vamos fazer exame, vamos fazer exame vestibular.” E nós fizemos exame vestibular e nós fomos aprovados.
P/1 – O grupo todo?
R – O grupo todo. Talvez um ou dois não tivesse passado, não me lembro mais. Mas a grande maioria passou. Passamos...
P/1 – Para qual faculdade?
R – Para a Escola Nacional de Engenharia. Escola Politécnica. Escola ali no Largo São Francisco. E aí, por exemplo, foi uma coisa meio inesperada, meu pai exultou, né?
P/1 – (risos).
R – Vibrou. Ele não falava, mas ele... Meus tios por exemplo, eles ficavam lá e cá e diziam: “Não, você pode ir para o Instituto Militar de Engenharia, não precisa fazer a Escola de Engenharia, a escola civil. Faz parte lá do...”
P/1 – Do Ime, né?
R – Do Ime. Eu aí, eu e meus colegas. E você veja aí, o comandante do Colégio Militar nessa época era o Coronel Jair Dantas Ribeiro. Ele chegou depois a Ministro da Guerra. Não sei se vocês conheceram. Jair Dantas Ribeiro, ele nos conhecia do colégio, que nós éramos alunos bons, graduados. E ele, ele não queria que nós fizéssemos engenharia. Ele disse: “Não, vocês vêm para a Escola Militar. Eu vou ser comandante da Escola Militar.” E nós lá pelas tantas dissemos assim: “Não, nós vamos para a Engenharia.” Fomos para a Engenharia. Chegando na Engenharia tivemos uma decepção. A Escola de Engenharia... Vocês sabem como é uma Escola Civil, né? Você sai de um regime militar onde se toca lá a corneta ou a sineta, ou o que for, o pessoal entra em forma. Vai para aqui, vai para ali. Tudo mais ou menos disciplinado. E o que acontece foi que quando nós chegamos na Escola de Engenharia, que nós botamos a mão na cabeça, nós vimos não tinha aula. Era uma quebradeira, todo mundo contra o Governo (risos). Contra, falando sobre, contra a Petrobras ou a favor da Petrobras, da Eletrobras. Quer dizer, era um verdadeiro desmantelamento daquela disciplina que nós tínhamos. “Não tem aula hoje! Suspendemos as aulas!” Suspendia todo mundo. Ninguém tinha aula. Eu digo: “Isso aqui não vai dar certo. (risos). Isso aqui não vai dar certo. Não vamos sair daqui Engenheiro de jeito nenhum.”
P/2 - Que ano que você entrou na universidade?
R – Cinquenta. Aí eu digo: “Não vai dar certo.” E ficamos naquela. E o já General Jair comandava a Escola Militar, sabia desse nosso desgosto de vez em quando e mandava uma notícia assim por um colega: “Olha, quando quiserem vocês venham para cá que vocês entram aqui amanhã em forma.”
P/2 - (risos).
R – E nós naquela dúvida. Aí chegaram as primeiras provas parciais em junho e nós vimos o seguinte, que aquela bagunça aparente toda da Escola de Engenharia, era uma coisa toda aparente. Quer dizer, ela tinha uma fundamentação excepcional. Nós é que estávamos estarrecidos com a bagunça dos corredores, os outros alunos, dessa coisa toda que acontece até hoje. Aí nós entramos naquela prova parcial, já sabe, entramos no ferro. O pessoal botou para jambrar. Nós não tínhamos estudado, achamos que aquilo lá fosse ser uma, íamos levar com os pés nas costas. Levamos aquela ferrada e: “Poxa, vamos parar um pouco. O negócio aqui não é assim não.” Aí houve a segunda chamada, quer dizer, justamente algumas cadeiras foram feitas, nós tínhamos que completar as cadeiras no primeiro semestre da Escola de Engenharia. Aí quando nós chegamos no final de julho que nós fizemos a segunda época, como eles diziam, nós dizíamos. Nós passamos julho estudando. Aí encaramos mesmo de novo e aí passamos. E felizmente, aí aconteceu um fenômeno muito interessante que é o seguinte, no segundo período do primeiro ano da Escola de Engenharia tinha uma cadeira chamada Física Um. E essa cadeira Física Um era dada pelo professor Antônio José da Costa Nunes e era a cadeira, digamos, de formação básica da Engenharia. Então você chegava na Escola de Engenharia as sete horas da manhã e tinha três horas de aula. Três ou quatro horas de aula de Física. Mas aula mesmo. E não tinha bagunça não. No anfiteatro de Física não tinha aquela bagunça não. O pessoal ia fazer bagunça no corredor, ele fechava as portas. Acabar uma, quer dizer, a equipe toda muito bem. E aí fizemos as segundas provas parciais e nós sentimos aí o renascer através da Física Um, através de outras. Cálculo Dois nós sentimos renascer a importância dessa fundamentação desse estudo da escola. Quer dizer, bons professores, bons instrutores, bons colegas. Existe sempre a caterva que vai, faz a sua bagunça. E nós gostávamos de vez em quando de entrar naquela bagunça e tudo mais. E aí fomos. Aí fizemos o segundo semestre, bem. Passamos para o segundo ano. Aí apareceu o… Era o Gama. Ele tinha um apelido mas eu nem quero... O nome dele está ali ao lado daquele edifício da Petrobras, tem uma rua com o nome dele. O professor Gama. Ele nos deu Mecânica Racional, que era também um terror. Quem não estudasse não levava a melhor. Aí nós pegamos aquilo também. Começou, começamos, veio Física 2.1, Física 2.2, e o negócio suspendeu. Aí foi uma das decisões que eu tomei. O meu pai era eletricista e trabalhava muito tempo na GE e tinha muitos amigos na GE. Quando eu passei para o terceiro ano da Escola de Engenharia, eu já tinha feito o básico, o primeiro e o segundo ano, eu pedi para ser inscrito no Curso de Engenheiros Eletricistas, que também foi uma sorte para mim porque o Curso de Engenheiros Eletricistas era muito bem dado, muito bem estruturado no professor Mota Resende, o professor Hugo Silva, o professor _______________, esse pessoal todo. Quer dizer o professor Rudolph Sauer. Esse pessoal todo. Quer dizer, nós fizemos uma boa equipe do Curso de Eletricistas. E eu comecei a trabalhar na GE com o meu pai. Então ele falou com os colegas dele lá e eu comecei. Foi o primeiro emprego que eu tive. Foi na GE. Eu fui estagiário da GE. Fui empregado da GE nos depósitos, na oficina da Rua Bela, depois fui lá para a fábrica Mazda. Passei um ano trabalhando na GE como operário.
P/1 – Mas ainda na faculdade?
R – Ainda na faculdade. Nós tínhamos aula no terceiro ano normalmente na parte da manhã. E na parte da tarde a GE, que era comandada pelo Doutor Dulcídio Pereira, que era um entusiasta do Curso de Eletricistas, ele casava, por exemplo, as horas vagas do curso para nós fazermos o estágio na GE.
P/2 - Nesse momento Ribeiro, dentro da faculdade, quer dizer, você falou na Petrobras, nessas discussões que haviam, se ouvia falar na Vale do Rio Doce?
R – Muito pouco. Muito pouco. A Vale do Rio Doce era muito confundida, era muito apagada. Se bem que eu tive umas, eu tive umas, uns contatos com a Vale do Rio Doce na época de sua formação. O meu pai, como eu disse à vocês, o meu pai falava bem inglês, era Engenheiro Eletromecânico e ele foi designado pelo Governo Brasileiro para acompanhar uma missão americana durante a guerra. Eu tenho fotografias dele acompanhando essa missão americana. Ele foi designado pelo Governo Brasileiro para acompanhar a missão americana em visita ao Brasil. Para o estabelecimento da Vale do Rio Doce. Você vê como é. Isso em 42. 41, 42, porque o que acontece é o seguinte, o minério de ferro americano é um minério de ferro, digamos assim, de baixo teor. Não é um minério de ferro bom. E eles procuraram ter outros mananciais de fornecimento de minério de ferro e realmente eles localizaram a Vale do Rio Doce. Vieram pra cá e fizeram as inspeções. Fizeram as inspeções em Itabira, fizeram as inspeções lá na Estrada de Ferro Vitória-Minas e nas condições de embarque. A Vale do Rio Doce não estava estruturada. E através desta missão foi que o governo americano financiou a Vale do Rio Doce a se agregar. Quer dizer, fazer... Antigamente a mina era a Itabira Iron. A estrada de ferro era um outro grupo. Era Estrada de Ferro Vitória-Minas. E a parte portuária era uma parte estadual do Espírito Santo. Então o Governo Americano disse: “Não, vamos unificar e fazer uma companhia.” E fundaram então a Vale baseado nisso, nessa tríade. Quer dizer, a mina, a ferrovia e o porto. Foi nessa época. E começamos a exportar minério para eles. E aí tem um fato muito interessante, muito bonito para relatar a vocês. É de que eu estando na Vale do Rio Doce, aí já em 1960 e tantos, quase setenta o... Eu tinha na minha sala uma pintura a óleo, e essa pintura a óleo era uma pintura muito interessante. Era uma pintura feita do primeiro carregamento de minério de ferro em um navio no porto de Vitória. Não sei para onde foi. Mas esse quadro estava lá e eu preservava ele na minha sala. E um belo dia o Ministro Dias Leite, que era presidente da Vale nessa época, desceu lá do décimo primeiro, do andar que ele estava e ele foi lá na… E eu estava lá na hora do almoço. Ele entrou e sentou-se, começamos a conversar. Aí começamos a conversar ele disse: “Olha, eu vim cá pedir a você uma gentileza.” E aí eu digo: “Poxa, que, uma coisa dessas...” Aí ele me disse: “Você está vendo aquela pintura ali que você toma cuidado, você cuida dela?” Eu digo: “Bom, aquela pintura ali é um fato muito importante para a nossa vida.” “Você vai me permitir levar aquele quadro para a sala da presidência da Vale do Rio Doce?” Eu digo: “Ninguém vai levar. Quem vai levar sou eu.” Fui lá e pendurei. O quadro está lá na sala da presidência da Vale do Rio Doce acho que até hoje. Quer eu me lembre era um quadro pequeno mas que relatava muito bem isso. Em 1940 e tantos. Esse primeiro carregamento, o carregamento foi feito, era feito inclusive a mão. Em cestos. Em cestos de... Não sei se eram cestos de vime ou eram cestos... E as pessoas carregavam com pá para o navio ele pegar com um guindaste e levar, jogar dentro do porão.
P/2 - Bom Ribeiro, nesse teu período de universidade, quer dizer, de década de cinquenta existiam algumas questões que se discutiam como essas grandes empresas como Petrobras, Eletrobras? Como era a discussão nesse...
R – Eram temas vivos. Eram temas que pululavam e que de uma certa maneira nos tocavam muito profundamente porque nós sabíamos que a organização dessas empresas todas estava no caminho da nossa formação profissional. Não só a Petrobras, aí no início de cinquenta, cinquenta e tantos, como logo depois a Eletrobras em 56, 58 por aí quando ela se organizou. Nós sabíamos que era, eram as empresas nacionais que estavam, digamos assim, se estruturando, não é, para virem a preencher papéis muito importantes no desenvolvimento do país. E que estavam naturalmente dentro dos nossos caminhos.
Eu tive um grande número de colegas que foram para a Petrobras. Alguns chegaram a diretores da Petrobras. Tive alguns colegas que foram para a Eletrobras e foram, chegaram a diretores e presidentes da Eletrobras. E mesmo lá na Escola de Engenharia, na Escola de Engenharia não, na Vale do Rio Doce, tenho alguns colegas que chegaram a diretores lá que eram meus colegas de escola. Então era muito importante. Mas eram temas muito efervescente. Na época de Getúlio, por exemplo, foi uma época, o segundo governo dele em que se instigava muito a opinião pública contra certos fatos. E acabou dando no suicídio dele infelizmente, né? Depois logo veio a questão da eleição do Juscelino. Uma época muito conturbada politicamente. 54, 55, 56. Foi duro. Aquela época foi muito dura. E a escola era uma escola, digamos assim, de uma projeção. Veja bem, ali no Largo São Francisco, para de bondes, ônibus, igreja e tudo mais era um ponto nevrálgico para essas manifestações. O que se queria fazer levava-se muitas vezes lá para o Largo São Francisco. A nossa escadaria era muito própria para pessoas que vinham fazer discursos inflamados e aí já sabe. Parava aula, começava aula.
P/1 – Você pessoalmente participou de alguma campanha?
R – Não, nunca, nunca, nunca fui dado. Eu achava que isso aí era, era digamos assim, pessoas que tinham um dom de sensibilidade. Alguma sensibilidade maior na definição dos desígnios do país. Eu me julgava realmente incapaz de poder julgar melhor esse ou aquele caminho naquela ocasião. Não tinha ainda uma convicção disso ou daquilo. Eu achava que devíamos ser mais calmos, não nos atermos muito a essas inflamações políticas que haviam. Eu e um grupo de colegas, né?
P/1 – E Gomes, você termina a faculdade você permanece na GE ou você parte direto para a Alemanha?
R – Não, foi interessante. Aí tem alguns fatos que são interessantes da minha vida. Eu cheguei ao fim do terceiro ano da Escola de Engenharia trabalhando na GE. Mas em janeiro ou fevereiro de 53, eu passando para o quarto ano da Escola de Engenharia eu pedi demissão da GE. Pedi demissão da GE e fiquei só estudando. Um período de dois, três meses. Foi muito bom. Deu para acertar melhor as coisas na escola. Mas logo em seguida um professor meu do curso de eletricista me convidou para ir trabalhar no Instituto de Eletrotécnica. Para eu ser estagiário como aluno no Instituto de Eletrotécnica. Então eu estudava e trabalhava no mesmo lugar ali na Praça da República. E daí eu fiz com esses professores, com esse professor espacialmente e com outros, eu fiz uma amizade quase que de pai para filho. Eles já eram colegas do meu pai, gostavam, tinham um bom contato. E eu me afeiçoei muito a todos eles. E fiz o curso todo como estagiário do Instituto de Eletrotécnica da Universidade Brasil. Nós fazíamos trabalho em todas as unidades da Universidade Brasil. Era na universidade aqui na Praia Vermelha, era nos hospitais, eram em vários outros lugares, em várias outras universidades. Universidade de Arquitetura. Onde tinha problema de eletricidade eles recorriam naturalmente ao Instituto de Eletrotécnica e nós éramos mandados para resolver os problemas. E aí me formei. Acabamos nos formando. E logo em seguida que eu me formei o nosso professor Doutor Hernani da Mota Resende, que era o mentor do Instituto de Eletrotécnica me indicou para ser Engenheiro da Companhia Hidroelétrica do São Francisco. Eu estive lá com o Coronel Hamilton Magalhães, mas eu não gostei do que eles estavam antevendo para mim em termos de trabalho na Hidrelétrica São Francisco. Eu continuei desempregado um mês ou dois, já formado. E aí apareceu a oportunidade também de meu pai. Meu pai falou com colegas da Brown Boveri, que tinham feito trabalhos em termos de eletromecânicos lá onde meu pai trabalhava, na Central do Brasil e eu então me aproximei do pessoal da Brown Boveri. Fui lá e me ofereci. Ele disse: “Não, nós temos trabalho de montagem aqui.” Aí entrei fazendo montagem de máquina de papel, de subestações. __________ de serviço, fazendo operação. E eles aí tiveram o discernimento muito importante que foi de dizer: “Bom, nós queremos montar uma indústria de material elétrico pesado fora da Europa.” E escolheram o Brasil. E aí eles me perguntaram se eu teria interesse em ir para o exterior. Eu digo: “Não, eu vou para o exterior. Vou para o exterior, não tem problema nenhum.” E sempre em contato com o pessoal do Instituto de Eletrotécnica, a campanha, a Capes, né? E o que aconteceu foi justamente que nessa época toda se juntaram, o pessoal da Brown Boveri - querendo que eu fosse lá para a Europa - e o pessoal do Instituto de Eletrotécnica. O Doutor Hernani, Doutor Rudolph Sauer e o Oliveira Castro e outros professores dizendo: “Não, você vai com uma bolsa de estudos da Capes. Nós vamos fazer indicação sua para isso.” Eu digo: “Olha, eu de qualquer maneira vou tocando para frente a minha vida", e fui embora. Fui-me embora para a Europa e aí passei lá, justamente na Alemanha, de setembro até fevereiro de 56. Em Heidelberg. Eu estudava em Heidelberg e trabalhava em Mannheim, na fábrica. Na fábrica da Brown Boveri. E em fevereiro de 56 eu então fui para a sede. Fui para a sede da Brown Boveri que ficava em Baden. ______________. Pertinho de Zurique. Bom, aí nós pulamos um fato importante na minha vida que foi o seguinte, eu já era noivo, trabalhando na Brown Boveri aqui no Brasil e perguntei a minha mulher: “Você quer ir comigo para a Europa? Vamos nos casar? Vamos embora para a Europa?” E nós assim o fizemos, nos casamos em setembro de 55 e nos mandamos lá para a Alemanha.
P/2 - Como é o nome dela?
R – Ione.
P/1 – E o alemão como foi, você já sabia alemão?
R – Ela... Não, eu sabia. Eu sabia alguma coisa. Porque no Instituto de Eletrotécnica nós tínhamos o professor Rudolph Sauer e nós tínhamos o Doutor Hernani da Mota Resende, da mesma forma que pessoas que são assim dirigentes de ideia, o Doutor Motta Rezende sempre dizia: “Olha, vocês tem que procurar conhecer bem o inglês. Tem muitos livros bons em inglês, mas vocês tem que estudar também alemão porque tem muitos livros de eletricidade que são alemães.”
P/1 – Hum.
R – E ele nos dava, um professor que era o Rudolph Binding era um filólogo alemão que nos deu aula. Nos dava aula. Durante uns dois, três anos que eu estive lá no ___________, eu estudei alemão. E a minha mulher por sorte minha, a minha mulher fazia faculdade de _________ germânicas.
P/2 – Sorte (risos).
R – Então ela sabia mais alemão do que eu quando nós fomos para lá. Mas eu estudava alemão. Eu gostava de alemão. Como a formação latinista do alemão e tudo mais. Eu gostava do alemão e me dei bem. Absorvi bem aquelas... Não sou filólogo, falo regularmente o alemão, fluentemente, mas não sou filólogo. Faço os erros da mesma forma que os alemães dizem "o mesa", "a pé", não é? Eles erram em gêneros e tudo mais. Da mesma forma eu faço. Eu não sou filólogo, não sou...
P/1 – E como era a Alemanha? Eram dez anos depois da guerra. E como era a Alemanha nessa época?
R – Ah, bom.
P/1 – Ainda era...
R – Você vê, nós chegamos lá e nós fomos para um bairrozinho que ficava entre Mannheim e Heidelberg esse bairro se chamava ___________. E ele passava pela estação terminal ferroviária de Heidelberg. Heidelberg não foi bombardeada durante a guerra, como sendo o monumento mundial, mas ela não foi bombardeada na parte do castelo, na parte da universidade. Aquelas pedras bonitas. Eu tenho um quadro até hoje dos portões de Heidelberg, mas ela não foi bombardeada nem nada. Mas na parte de transportes, a parte ferroviária estava ainda bastante retorcida, destruída e queimada. Eu encontrei muitos escombros na Alemanha. E a outra coisa que impressiona, em termos até de evolução do povo alemão é de que o povo alemão, em 55, quando eu cheguei na Europa, era um povo, digamos, sofrido. Um povo que se trajava mal, quer dizer, não é que se trajasse mal. Mas as roupas eram roupas batidas, surradas...
P/1 - ___________
R - ...lutadas, compreendeu? A gente viu o sapato dele era, a roupa de domingo era talvez uma roupa só, dos colegas. Eles, por exemplo, faziam as refeições, todos eles faziam as refeições no trabalho. Levando aquele sanduíche tipicamente alemão, comendo. Comiam no trabalho, vivam no trabalho. Quer dizer, não saíam para gastar nada. Você via a economia, no sentido, senso de responsabilidade que eles tinham. E depois disso, anos depois, quando eu voltei lá várias vezes pela Brown Boveri, pela Vale do Rio Doce, digamos assim, em cinco anos, seis anos, dez anos é que você começou a ver: puxa, como o povo alemão começou a sair, como começou a comer em restaurante, como começou a se trajar bem. A ter roupas boas e tudo mais. Quer dizer, eles saíram de uma situação de pós guerra pobres, destruídos, para uma situação de pujança que eles estão hoje, né? Totalmente pujantes.
P/1 – E em Baden, você passa quanto tempo?
R – Em Baden eu passo de fevereiro de 56 até dezembro de 57.
P/2 - Em termos de conhecimento? Quer dizer, você chega com a sua formação brasileira, quer dizer, como foi isso? Você acompanhou bem a... Vocês tinham mais ou menos o mesmo nível? Você sentiu diferença nesse sentido?
R – É, isso aí é um prazer que eu posso responder essa sua pergunta. Porque eu nunca, em momento nenhum eu me senti aquém do conhecimento dos meus colegas no setor da Brown Boveri, dentro da Brown Boveri. Nunca. Quer dizer, eu dizia assim: “Puxa, como os nossos professores lá, como eles conseguiram alicerçar as coisas para a gente poder chegar aqui e ombrear com essas pessoas.” É claro que eles tinham pessoas que davam banho em uma porção de matérias, né? Em porção, em uma porção de assuntos. Mas digamos assim, na fundamentação, ah eu me sentia perfeitamente bem. Me sentia bem linguisticamente, me sentia bem com a própria mentalidade alemã. A mentalidade suíça um pouco mais restritiva, sem muita abertura. Me dei bem. Me dei bem com o pessoal eu fiz grandes amizades lá. Eu mantenho amizades ainda hoje lá. Depois disso, depois mesmo que eu deixei a Brown Boveri eu tive oportunidade de voltar a Baden e ir abraçar os meus antigos chefes, colegas. Fui lá. E ainda nos escrevemos, nos correspondemos. Trocamos cartas, correspondência. Alguns já faleceram, mais velhos. Mas eu me sentia bem. É uma coisa importante, né? Não só na universidade como também na vida profissional. Me sentia bem. E completamente bem e, digamos, paralelo com eles.
P/1 – E na verdade você volta para o Brasil ainda para a Brown Boveri?
R – Volto para a Brown Boveri. Eles aí já tínhamos inaugurado em 57 uma oficina lá em São Paulo, que era: IDEB – Indústria Dínamo Elétrica do Brasil, que se transformou naquele ano de 57 em Indústria Elétrica Brown Boveri – IEB. E quando eu cheguei eu fui trabalhar no escritório. Aqui no escritório do Rio que era sede da Brown Boveri. E aqui eu fiquei trabalhando como Engenheiro durante 56, 57, 58, 59, 60, 61. E aí eu me tornei Gerente Diretor da Brown Boveri no Rio de Janeiro. Foi daí que em 63 eu fiz o contrato com a Vale do Rio Doce.
P/1 – Que contrato foi esse?
R – Um contrato de suprimento, construção e colocação em serviço da usina térmica de Tubarão, que veio a ser inaugurada em 66. Então em 63 eu fiz esse contrato pela Brown Boveri e acompanhei todo o trabalho de construção dos geradores e das máquinas dos quadros e aí em fevereiro de 66 eu deixei a Brown Boveri. E aí foi que essas máquinas foram lá para Tubarão, foram instaladas e deram defeito.
P/1 – Ah.
R – (risos) Eu aí estava, eu não estava na Brown Boveri e estava na Vale. E o pessoal da Vale com quem eu tinha discutido esses contratos e tudo mais, me chamaram e: “Não, você vai ver o que o pessoal lá da Brown Boveri fez”. Eu digo: “Olha, é uma situação constrangedora, mas vou.” Fui para lá e passei lá uns dois dias. Examinei as máquinas tudo e digo: “Olha, o problema é esse, esse, esse, assim e assado.” Aí o pessoal da Vale disse: “Qual é a solução?” Aí eu encaminhei a solução. Eu tinha contato com o pessoal da Caeb. Tínhamos uma unidade móvel da Caeb disponível. Eu levei essa unidade móvel, coloquei lá em Tubarão. Ela passou a suprir no lugar das máquinas da Brown Boveri a todo o terminal de Tubarão. Desmontamos as máquinas e levamos para São Paulo, lá para a Brown Boveri fizemos os reparos. Voltaram, instalamos e passaram a funcionar perfeitamente.
P/1 – E foi uma mudança essa, digo em termo de cultura de empresa, sair da Brown Boveri e passar para a Vale do Rio Doce?
R – Olha, é uma coisa interessante. É, há uma, há uma diferença muito grande entre a disciplina européia de trabalho e a maneira de trabalhar de empresas brasileiras. Uma, muito grande. Muito grande mesmo. A disciplina européia é uma disciplina muito fundamentada justamente nessa parte educacional, nessa parte disciplinar, nessa parte tecnológica, de produtividade, de produção. Enquanto que a gente encontra na Vale do Rio Doce, quando eu entrei para lá, a gente encontrava pessoas muito burocráticas. Muito burocráticas. Muito grande. E isso foi um pouco de choque. Onde nós levamos para a Vale do Rio Doce uma mentalidade nova de trabalho. Não que não houvessem pessoas lá e engenheiros e funcionários da Vale do Rio Doce que são exemplares. Mas existia uma outra caterva também de pessoal muito, muito burocrático. Mas foi...
P/1 – Mas que inovações, por exemplo, vocês trouxeram, contribuições positivas para a empresa você considera?
R – Olha, a gente pode considerar que essa questão da... Eu fui para lá como engenheiro só para trabalhar no Grupo de Executivos da Usina de Pelotização, no Geup e a senhora vê que eu comecei a fazer dentro da Vale a formação de uma ideia e de um plano de alimentação energética para a Vale do Rio Doce, que viria a estar ligado com o desenvolvimento de fornecimento de eletricidade a Vitória ao Espírito Santo, ao norte do Estado do Rio. Isso por quê? Eu tinha trabalhado muito com empresas aqui como a Eletrobras, como a Excelsa, como a Light, como a Cerj e tudo mais. E eu conhecia os planos de cada uma dessa empresas, e eu levei para a Vale essa visão um pouco mais ampla de não ficarmos apenas com uma usina termoelétrica lá em Tubarão. Aí logo comecei a fazer um estudo para uma alimentação segura de energia elétrica lá do terminal de Tubarão. Depois fizemos a ligação e o estabelecimento de pontos de apoio como foi a usina térmica de Campos e Cachoeiro do Itapemirim. Chegávamos a Vitória com um linhão de Furnas. Fizemos depois a ligação de Vitória e daquela região toda central do Espírito Santo, com a região da Cemig através da usina de Mascarenhas que nós também colocamos o dedo para ela vir a se estabelecer. E o que aconteceu foi que o estado do Espírito Santo, que era um estado precariamente alimentado energeticamente com esse trabalho que a Vale do Rio Doce fez no sentido de desenvolver essa logística de formação, essa logística de suprimento de energia elétrica para todo o estado, o estado do Espírito Santo ressurgiu das cinzas. Essa é uma contribuição importante que nós levamos lá para a Vale do Rio Doce. Então é uma dos pontos altos que você vai ver na evolução do meu trabalho na Vale. Depois no fim da minha permanência na Vale eu tive oportunidade também de fazer depois alguns trabalhos já em conjunto com o pessoal de Furnas onde, novamente, nós tivemos uma participação fundamental no desenvolvimento de usinas hidrelétricas no Brasil. Quer dizer, isso aí são coisas que remontam ao tempo escolar, ao tempo de Europa, ao tempo de evolução de tudo isso. São conhecimentos que a gente diz: “Bom, mas da onde está surgindo essa ideia?” Eu digo: “Do tempo." Poxa, essa ideia está surgindo de uma coisinha que se viu lá em (Valena?), na Suíça, que surgiu lá no Ródano na França, ou que surgiu aqui? Compreendeu?
P/1 – Você pensava nisso?
R – Nunca, você não pensa. Você não... Quando você vai grupando memória você nunca pode imaginar que você, hoje, ao estar estabelecendo uma coisa ou outra que aquilo vá redundar para bem ou para mal, né? Depois é que você vai ajustando a sua memória ao raciocínio do engenheiro de transformação das coisas e poder então depois dar uma flor bonita como resultado final.
P/1 – Mas em termos energéticos o Brasil, nessa época, tinha capacidade para...
R – Não, não tinha.
P/1 - ...para se desenvolver ou não?
R – Não tinha, não tinha. Era uma deficiência total. Na época de cinquenta e poucos, e vê bem o vislumbre do pessoal, inclusive suíço-alemão ao tentar, ao trazer para cá uma indústria _____ de material elétrico pesado como é a Brown Boveri. É que eles, quando eu estava lá na Alemanha e na Suíça, eles diziam para mim... Você vê o professor, professor Emil (Videman?), que é um dos expoentes de projeto de máquinas elétricas no mundo ele dizia para mim o seguinte – ele era baixinho e nós nos afeiçoamos muito – e ele dizia o seguinte: que o país no futuro que ia ter os maiores potenciais do mundo a serem aproveitados era o Brasil.
P/1 – Hum.
R – Então ele, que era um dos Diretores Técnicos da Brown Boveri, foi um dos responsáveis pela vinda da Brown Boveri para cá. Você vê. Ele dizia: “Não adianta você procurar a África? Não tem jeito. Estados Unidos? Não é muita grande coisa. Canadá? Gelo, tem reticências. China? Tem lá o Yang-Tsé que agora que está sendo falado. O país que está pronto para isso é o Brasil.” Então para você ter uma ideia a Vale do Rio Doce chegou a ser obrigada a construir uma usina hidrelétrica para suprir as suas minas de Itabira. Chamava-se a usina de Santa Luzia. Uma usinazinha pequena. De três mil quilowatts. Porque Minas Gerais não tinha energia para suprir as suas indústrias. Então daí é que ao ter voltado à Suíça e ao ter contado com (John Reginald Cotrin?) de Furnas, com Léo Pena da Caeb-Eletrobras, com John ______, com Bendito Dutra, esse pessoal todo, Lúcio Meira, que foram as pessoas que viram a grandeza que o Brasil podia ter em termos energéticos. Então em 55 Minas Gerais não tinha energia. Nós aqui no Rio e em São Paulo já estávamos sofrendo problemas de racionamento. Então você vê, o que foi feito em termos energéticos no Brasil nessa ocasião? O que foi feito foi o seguinte, é de que uma das Companhias que mais ajudou o Brasil em termos de energia foi a Light. American (Lighted Power?). ____ tinha também um outro ramo. Não sei o nome, se eu estou enganado. É a Canadian (Lighted Power?). Esse pessoal da Light é que ao explorar os potenciais de Ribeirão __________, de Cubatão, da elevatória lá de Piraí. Explorar a energia do rio Paraíba eles verificaram que o Rio Paraíba ainda era pequeno para suprir de energia o Brasil. Então a Light, em quarenta e tantos, cinquenta. Eles disseram: “Nós temos que ir explorar o Rio Grande.” E eles previram, naquela época, praticamente com oito, dez anos de antecedência o estabelecimento da hidrelétrica de Furnas. Então eles tinham estudado Furnas, Estreito, Marimbondo, todas essas usinas do Rio Grande. Porque você vê, o Rio Grande ele é em cima de São Paulo, está perto do Rio e praticamente dentro de Minas Gerais. Só com o estabelecimento dessas usinas todas do Rio Grande, depois do Rio Paranaíba, está certo? E aí nós começamos a fazer para o Sul também. O pessoal de São Paulo fez muita coisa lá no Paranapanema, no Tietê. Pessoal do Paraná também fez muita coisa lá no Iguaçu. O Pessoal do Sul fez alguma coisa lá no Rio Uruguai. O pessoal do norde... Veja bem, outro marco importante aí foi a Usina Hidrelétrica do São Francisco. Feita em 48, cinquenta que sem aquilo nós não… Sem essa Usina Hidrelétrica do São Francisco nós estaríamos hoje com o Nordeste muito mais depauperado do que ele é. Então se fez, se estruturou a energia no Brasil em termos hidráulicos, hidrelétricos. Como diziam os professores lá na Suíça, como diziam os engenheiros na Suíça, como diziam os engenheiros da Light aqui no Rio: “Nós temos que fazer diversidade.” E você vê, chegamos à esta questão, essa possibilidade de apagão ______. Por quê? Porque eles não investiram paulatinamente nesses últimos anos a fim de que nós tivéssemos a progressão necessária do suprimento de energia elétrica no Brasil. Que já, aqui no Sul, já está acabando. Você vê, nós temos que procurar energia lá na região Norte.
P/1 – E por falar no Norte, é...
R - Ah, bom. Aí quando eu estava na Assessoria Executiva de projetos eu trabalhei muito em Tubarão, Vitória, usinas de pelotização e trabalhei também no desenvolvimento das minas de Itabira. Minas de Itabira, minas de Piçarrão, várias minas. Mina de Conceição. Concentração de itabirito. Quer dizer, eu trabalhei realmente em um conjunto de projetos muito grande da Vale. Projetos também ligados à problema ferroviário, problemas portuários. E aí eu tive a oportunidade, através justamente de um vice-presidente da Vale de ir fazer o curso da Escola Superior de Guerra. Eu fiz curso da Escola Superior de Guerra em 71. Fiquei um ano lá, estudei os problemas do Brasil.
P/1 – Mas incentivado pela empresa?
R – Ah, fui. A empresa me indicou para ficar tempo integral na Escola Superior de Guerra. Eu fiz, eu consegui o diploma, fiz a minha tese.
P/2 - Era o que você gostava e queria?
R – Eu gostava, queria e realmente é uma escola, digamos, muito democrática. Muito bem organizada também. Nos moldes militares. Isso, tem sempre essa colocação de disciplina, de organização, de dever cumprido. Fiz e voltei à Vale. Quando eu voltei à Vale aí eu fui ser, eu fui ser Assessor da Diretoria da Amazônia Mineração. Era o projeto Carajás. E nessa época _________ uma importante contribuição na Vale do Rio Doce, que eu fui designado engenheiro da Vale do Rio Doce para suportar as atividades de levantamento dos afluentes da margem esquerda do Tocantins. Para construção da Usina de Tucuruí, que foi construída, que foi idealizada por um colega meu de escola. César Caos de Oliveira Filho. O Ministro César Caos ele, ____ ele era um meu colega. Colega de turma, colega de banco.
P/1 – Do Colégio Militar ou do, não...
R – Da Escola...
P/1 – Da Escola de Engenharia?
R – Já era Escola de Engenharia.
P/1 – Ah.
R – Ele era engenheiro militar e fazia o Ime, e ele fazia a Escola de Engenharia na minha turma da tarde na Escola de Engenharia. Daí que nós tivemos essa afinidade. Aí eu tive no curso de engenharia, voltando um pouco atrás eu quero dizer a você que eu tive uma participação organizacional do curso também boa. Porque eu fui representante de turma e meus colegas me colocaram: “Não, você representa nossa turma nas discussões da congregação, nas discussões de assuntos de educação.” E eu representava a turma do curso de eletricista, só. Nós éramos quatorze. Então o César Caos era uma pessoa que se referenciava muito a mim. Quando ele chegava do IME - que era bastante difícil, né? - ele me procurava para saber como que iam os trabalhos, as aulas, essas coisas todas. E chegou a ir lá na minha casa várias vezes para discutirmos problemas de provas e tudo mais. Ele e outros colegas, o Natalino Brito, o Lourival Ribeiro González que era meu primo irmão. Ele chegou a diretoria da Embratel. Eram vários colegas que iam lá de vez em quando. Estavam fazendo curso no IME e complementavam também alguns cursos lá na Escola Nacional de Engenharia. Mas, bom aí fui para a Amazônia Mineração. E em Tucuruí eu passei lá digamos uns dois meses, suportando toda a equipe e levantando todos os afluentes do Tocantins da margem esquerda.
P/2 - Como é que foi um pouquinho esse trabalho, trabalho de campo?
R – Trabalho de campo. Todo ele trabalho de campo.
P/2 - Um pouquinho dessa diferença Ribeiro. Como é?
R – Foi extremamente, digamos assim, elucidativo e também exploratório. Porque você vê, naquela época, em 1972, o Projeto Carajás não tinha nada. Tinha um acampamento em cima da Serra de Carajás. Nós íamos de avião para lá e passávamos lá a semana trabalhando com um helicóptero. Eu justamente tinha um helicóptero a nossa disposição e uma equipe de apoio também. E nesse helicóptero a gente ia para lá de manhã. O nosso piloto chamava-se Juarez. Ele era um bom piloto. E nós fizemos uma programação e mandamos abrir clareiras ao longo desses rios todos. Clareiras em que a gente pudesse… Pelos mapas que nós tínhamos para fazermos uma clareira aqui, outra ali, acolá. Mandamos esses batedores por terra, eles fizeram as clareiras e nós íamos de helicóptero. Pousávamos e fazíamos o levantamento dos rios. Quer dizer, fazíamos verificações do caudal do rio, da área do rio, da declividade, da parte geológica do rio. E passamos nisso, digamos aí, bem uns dois meses fazendo esse trabalho todo. Fatos, eu tenho fotografias disso, é de que nessas clareiras que nós abríamos era interessante que a população daquela região... Pensasse aqui no Sul que não existem povo naquela região amazônica. Pois bem, nas margens dos rios que nós visitamos, que eu visitei, a cada quinhentos metros, de um lado e de outro, tinha sempre uma pequena casa ou casas. _________ combinação de população. E nessas clareiras que nós abríamos, o nosso helicóptero chegava, dentro de duas horas, tinha ali umas cinquenta, cem pessoas que vinham pelo rio nas suas canoas e apanhavam lá com o nosso piloto, apanhavam com o Juarez, remédios. E nós íamos fazer o trabalho, o Juarez ficava tomando conta lá com o pessoal da segurança no helicóptero e dava remédio. Remédios caseiros, né? E nós fazíamos o trabalho, depois voltávamos. E fazíamos as nossas alimentações. Levávamos muitas coisas, sempre condimentadas, sempre concentradas. E de vez em quando nós fazíamos incursões em casas de colonos. Nós saiamos com os barcos. Nós tínhamos barcos mesmo, barco de remo, levávamos remadores e levávamos aquele barco lá. Nós íamos lá fazer a verificação de contraforte, da parte geológica, disso e daquilo. Passava um tempo. E nós quando voltávamos muitas vezes aportávamos num desse conjunto de casas e nós, muitas vezes, chegávamos e estava sempre vazio. Estavam vazios porque eles estavam lá no helicóptero apanhando remédio e apanhando outros socorros. E nós muitas vezes ficávamos com fome. Eu posso dizer a vocês o seguinte: eu me lembro que eu apanhei na casa de um homem e deixei cinquenta reais. Apanhamos duas pencas de banana. Eu queria lembrar do tamanho da banana, chamava-se banana pacova. Pois bem, eu trouxe de lá, de Carajás aqui para o Rio e pesei uma dessas bananas.
P/2 - (risos)
R – Pesou 310 gramas. Era uma banana mais ou menos dessa grossura e desse tamanho. Uma coisa impressionante. Apanhamos, comemos banana. Comíamos muito castanha. Castanha, castanha do Pará, não é, eles tinham...
P/2 – De alguma forma essas populações mais ribeirinhas, quer dizer, contribuíram para o seu trabalho? Algum conhecimento específico que eles tivessem que tenha te dado alguma dica em termos físicos?
R – Não, não, aí eles sempre diziam com muita precisão como eram essa questão de elevações, de contrafortes em pedras. Os canoeiros, por exemplo, sabiam perfeitamente. E eles: “Nós vamos passar aqui agora na garganta, por exemplo, do Itacaiúnas.” E nós passamos na garganta do Itacaiúnas e verificamos que era um ponto de represamento muito favorável.
P/1 – E a sua função, o seu trabalho era de projetar essa hidrelétrica, as instalações?
R – Não, eu não tinha, nós tínhamos… Nessa comitiva nossa tinha eu como engenheiro eletricista, como engenheiro de energia, mas nós tínhamos colocado pela Eletrobras, nós tínhamos uma equipe de uma empresa que era a Servix Engenharia. Que era um fluviógrafo, um homem que conhecia rios, que era um geólogo, que era um geólogo austríaco que nos acompanhou nisso tudo. Tínhamos um layoutista e mais outras pessoas auxiliares para fazer coleta. Coleta de amostra, coleta de pedra, coleta de solo. E era uma equipe bem montada. O pessoal sabia o que estava fazendo. E naturalmente eu conhecia um pouco esse problema todo de águas e de energia e a gente sempre discutia depois, a noite como ia ficar isso, como podia ser aquilo. Os layoutistas que são pessoas que têm concepções arquitetônicas dessas formações todas, eles faziam ideias rapidamente com pequenos desenhos. Eles nos davam e nós corrigíamos dizendo: “Não, isso aqui não pode ser assim, isso tem de ser assado.” Compreendeu? E fizemos um trabalho bom. Surgiu a Usina de Tucuruí, que foi, – veja bem o que acontece – que foi a salvação do Nordeste. Porque Tucuruí está ligada hoje ao Nordeste. Está ligada a Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso. Então Paulo Afonso já acabou. Já está exaurida. Não tem mais. E Paulo Afonso um, dois, três e quatro. Se não viesse Itaparica, Sobradinho e agora viesse Xingó lá no Rio São Francisco, acabou. Exauriu praticamente o potencial do Rio São Francisco. Então grande parte da energia veio transferida da região Norte, de Tucuruí para o Nordeste. Você vê, hoje Tucuruí já está alimentando o Sul. Está alimentando nós. Quer dizer, você vê a visão de uma pessoa como César Caos. Ele teve essa visão futura muito bem colocada, né? Por outro lado eu sempre critiquei muito a ele. Ele era meu colega eu dizia: “Caos, eu acho que Tucuruí você fez para sua coroação como homem. Como homem político, como homem técnico.” Ele já tinha feito a Usina de Boa Esperança. “Mas você deu uma furada...” eu dizia para ele, “...você deu uma furada desgraçada quando você fez a Usina de Uatumã.” Lá no Rio Uatumã. A Usina de Balbina. Eu disse: “Você não devia ter feito Balbina, você devia ter feito Cachoeira da Porteira.” Bom, isso eram coisas de discussão entre colegas, né?
P/1 – (risos) Mas você não participava da implantação dessa... Era do projeto?
R – Não, não. Nem de Tucuruí. Quer dizer, de Tucuruí eu não participei nada.
P/2 - E de Carajás você participou?
R – De Carajás eu participei. De Carajás eu fui durante acho que dois anos Assessor da Diretoria. Eu tinha sempre, digamos, que dar parecer sobre projetos. Sobre ideias de Carajás e tudo mais. Eu acompanhei muito de perto Carajás.
P/1 – E você ia à Carajás?
R – Ia à Carajás. Passava lá uma semana, voltava. Fiz o desenvolvimento do pré-projeto do manganês de Carajás. É trabalho nosso. Pré-projeto do manganês de Carajás.
P/1 – E os projetos previam então expansão em termos energéticos?
R – Ah, previam. Ah, você vê, por exemplo, a parte de energia sempre foi assim, né? Tucuruí começou a alimentar, alimentou a nós. Alimentou depois as usinas não só de São Luís, da Alcoa, de alumínio, como alimentou também as usinas de bauxita e de alumina da Albrás Alumar. Então você vê, Tucuruí é uma pedra de toque importantíssima no desenvolvimento e na integração da Amazônia no Brasil. Como nós estamos perdendo tempo, ao meu ver, em não desenvolver os projetos do Rio Xingu. Nós, hoje, já devíamos estar com as usinas no Rio Xingu que são usinas do porte do tamanho de Itaipu para poderem alimentar a nós aqui, no Sul.
P/1 – E qual o critério que norteava esses projetos da Vale do Rio Doce? Tinha algum critério digamos assim de expansão, de economia, qual era o critério que prevalecia?
R – Olha, é uma pergunta muito importante, complexa e interessante de se responder pelo seguinte: porque quando você vê uma empresa particular qualquer desenvolver um projeto – por exemplo uma Shell, uma Grupo Gerdau, uma Siderúrgica Gerdau, uma Ferro e Aço de Vitória – essas empresas fazem o desenvolvimento desses projetos com a finalidade única de auferir lucros. E o que acontece é que os projetos da Vale do Rio Doce tinham uma conotação, digamos assim, múltipla, muito importante. Você vê, por exemplo, que o estabelecimento de Carajás, para chegar a ter rentabilidade econômica, ele foi preciso trabalhar durante dois ou três anos no vermelho para no quarto e no quinto ano virem a dar lucro. Um outro _________. Aí _______, você vai ver que eu fui coordenador pela Vale do Rio Doce, logo depois que eu saí de Carajás eu fui designado para ser o coordenador, pela Vale do Rio Doce, do Projeto Trombetas. E aí tem história. A história é a seguinte: o pessoal da Alcan descobriu bauxita do Trombetas. Fez toda parte de estudo geológico e fechou o projeto. Fechou o projeto. O Ministro Dias Leite chamou o pessoal da Alcan e disse: “Olha, vocês reativam o Projeto Trombetas ou vocês perdem a concessão.” Isso até por direito legal constitucional brasileiro, né? Você vê a estratégia da Alcan, disse: “Não, nós podemos reabrir o Projeto Trombetas desde que haja uma co-participação da Vale no projeto.” Por quê? Porque o Projeto Trombetas, da mesma forma em que vários outros em que a Vale entra, ela não vê imediatamente o lucro econômico ________ ou aspecto econômico. Ela vê também aspectos estratégicos. Então a Vale do Rio Doce tinha, quando era Federal, essa conotação de que ela não era uma empresa só de fazer dólar. Ela era uma empresa também de implementação e desenvolvimento regional. Então você vê, nós estabelecemos… Eu trabalhei na mineração Rio do Norte, Projeto Trombetas de 72, 73 até 77. Cinco, seis anos. E fizemos a implantação. E com isso você vê o que acontece, nós começamos a produzir bauxita, a exportar bauxita, e hoje é um dos projetos de maior rentabilidade para o país e para a mineração Rio do Norte. E baseado justamente nessa bauxita do Rio Trombetas foi que a Vale enveredou pelo setor do alumínio no Brasil. E eu fiquei muito ligado com o alumínio, porque eu trabalhei no Projeto Trombetas, depois eu fui trabalhar e fui Coordenador Geral e fui dirigir o projeto todo da Vale Sul. Trabalhei na Vale Sul de 78, 79 até 86.
P/2 - Aqui em Santa Cruz? A implantação da Vale Sul?
R – Aqui em Santa Cruz. Fui eu que implantei. Fui eu quem implantei isso. Implantei a Vale Sul, coloquei em funcionamento, fiz estudos depois aí para você ver, de novos empreendimentos. Lá tem tudo isso feito pela Vale, aí em 86 voltei à Vale. Voltei à Vale, fiz alguns estudos de florestas e __________, isso e aquilo. Mas o importante depois de alguns anos meio, meio ___________, meio colocado de lado, eu comecei e fui reintegrado ao setor de energia elétrica. E passei a dirigir o desenvolvimento dessa atividade de energia elétrica na Vale do Rio Doce.
P/1 – E a Vale Sul?
R – A Vale Sul foi de 79 até 86. Depois de 86 até noventa, 91 eu fiquei na Vale fazendo a parte de energia elétrica.
P/1 – E o que é que você...
R – Bom, eu aí sugeri uma série de empreendimentos hidráulicos. Começaram a ser feitos, começaram a ser aproveitados alguns empreendimentos hidráulicos pela Vale do Rio Doce, pela Vale Sul. Pela Vale do Rio Doce também. E tivemos uma participação muito grande com o pessoal de Furnas no estabelecimento de uma modificação de projetos no médio Paraíba, que ________ as usinas de Anta, Sapucaia e Simplício, onde Furnas tinha uma determinada concepção e nós sugerimos uma concepção diferente de projeto com reduções de custo e de potência, mais muito interessante. Então isso foi, para mim, um fecho de ouro na Vale do Rio Doce. Aí em 91 eu me aposentei por uma, como é que eles chamavam? Medida especial para aposentadoria, aposentadoria...
P/2 - Incentivada.
R – Incentivada e eu aí saí. Saí e não parei. Continuei. Eu organizei. Minha filha toma conta de um escritório de engenharia meu. Meu, dela e do meu filho.
P/1 – Você tem quantos filhos?
R – Eu tenho dois filhos hoje vivos. A minha filha mais velha que nasceu na Suíça morreu. Nasceu, morreu em 1990. Deixou uma netinha. Mas meus dois filhos nós temos essa firma de engenharia. Eu fiz a parte de representação internacional dessa firma, fizemos alguns trabalhos lá com o pessoal do Governo de São Paulo. E eu fui vendo que um chamamento que eu tinha muito grande é que eu tenho uma propriedade lá em Campos, que é a origem da minha família e eu fui para Campos. Comecei a tomar conta da família, mas aos poucos, aos pouquinhos, compreendeu? Eu ia para lá, passava um fim de semana com os filhos, voltava para o Rio. Passava outro fim de semana lá, voltava para o Rio. Aí um dia eu fiquei lá uma semana, esperei por eles lá e comecei a ficar por lá. E em 94 uns colegas lá, uns outros produtores rurais me convidaram para ocupar a presidência lá do Sindicato Rural e eu aceitei. Fui reeleito já uma vez, a segunda vez. Organizamos uma cooperativa de produtores também. Produtores de álcool. De cana, açúcar e álcool lá na região. Uma cooperativa que está funcionando muito bem. E ao mesmo tempo comecei a ter esses contatos com a área política. Eu faço parte lá em Campos da Câmara, da Câmara Técnica da Prefeitura e dos Conselhos Municipais de Agricultura e de Emprego e Renda. Então estou bem lá. estou me sentindo útil. Estou me sentindo ativo. Estou me sentindo contribuindo para o desenvolvimento da região. Tenho muitas ligações com Brasília e discussões com essa área rural e agrícola, e Reforma Agrária, essas coisas todas. A gente tem sempre uma postura importante nesse setor, de forma que a gente tem esse acesso a esses Ministros todos. Alguns são conhecidos nossos, outros já são mais novos. Mas é uma coisa interessante.
P/1 – E como é um dia seu hoje em dia?
R – Ah, hoje em dia eu acordo bem cedo lá na fazenda. Eu acordo normalmente as cinco horas. Cinco e meia, seis horas a gente já está agindo lá nas coisas da fazenda. Nós temos lá varias máquinas. Temos lá uns quinze empregados. A gente distribui ali a tarefa do dia, faz a retirada do leite, congelasse o leite, faz aquela trapizongada toda. E normalmente aí por volta de onze horas, meio dia, normalmente meio dia, eu entro e me arrumo, almoço. Aí faço o segundo dia.
P/1 – (risos).
R – Descanso um pouco e quando eu acordo eu faço o segundo dia. Eu vou lá para a cidade e ocupo lá a minha ________.
P/1 – E qual a distância da cidade para a fazenda?
R – Ah, são vinte quilômetros. É pertinho. Estrada asfaltada, boa. Eu tenho lá o celular. O celular fica por lá, né?
P/1 – (risos).
R – Tenho o celular, a Telemar ficou de colocar um telefone fixo lá na fazenda. Tem tudo lá. Tem televisão, tem essas coisas todas. A gente assistiu todo esse negócio dessa questão do World Trade Center lá. Quer dizer, a gente tem tudo. Tem jornais, tem tudo. Telefonia tem boas ligações. Então de tarde a gente vai, quando não se tem reuniões, né? A gente participa muito de reuniões lá. Discussão de uma porção de assuntos. São assuntos pululantes. A questão social lá é vital. A questão do desenvolvimento é vital. A questão de água, por exemplo, hoje é um problema seríssimo. Eu tenho até alguns anteprojetos colocados lá na prefeitura cujas ideias, conceituais, estão sendo desenvolvidas para aproveitamento da água em irrigação, em abastecimento de cidades e tudo mais em toda a região.
P/2 – Ribeiro, você comentou também que você foi professor muitos anos. Você foi professor da Faculdade de Engenharia?
R – Fui.
P/2 - Da nacional?
R – Da Nacional de Engenharia.
P/2 - Está aposentado?
R – Não, eu quando chego em 81 eu estava na Vale Sul, dirigindo projeto, o nosso professor, o professor Hernani da Mota Resende ele se aposentou. Ele estava com setenta e poucos anos e se aposentou. Aí aquela equipe que seguia o professor Motta Rezende se afastou da escola. Aí eu me afastei também. Pedi demissão. Pedi demissão na universidade e eu deixei. Eu não sou aposentado, não sou nada. Eu sou só aposentado do INSS e recebo pela Valia uma complementação. E a fazenda. A fazenda que me dá outro tanto que a Vale me dá.
P/2 – Então para irmos finalizando, né?
P/1 - ________
P/2 - Eu gostaria de fazer duas perguntinhas: uma, quer dizer, você tem uma trajetória profissional bacana, bonita, né? Alguma coisa nessa trajetória você teria mudado, alguma coisa que você não fez e gostaria de ter feito profissionalmente?
R – Olha, eu diria a você que não. Eu acho que as oportunidades que apareceram foram bem captadas por nós. Se não como pleno êxito, mas com êxito devido às restrições pessoais que se tenha, essas coisas todas. Mas eu diria a você que não tenho nada a mudar dessa trajetória. Nada. Absolutamente anda. Muitas vezes se tem realmente na vida profissional, digamos, pessoas que são ciumentas. Você viu, por exemplo, essas ideias conceituais lá de desvio do Paraíba, essas ideias do aproveitamento das águas do Paraíba, a gente sente que existem pessoas que procuram destruir a ideia mater que você está lançando na surdina. Subrepticiamente. Isso acontece todo dia. Você não pode evitar. Então você tem que saber viver com isso mesmo. Se a sua ideia for boa ela vai superar toda essa dificuldade, se não for boa ela vai ser colocada de lado. Mas não tenho nada para mudar. Segunda pergunta?
P/1 – Segunda, o que achou de participar desse Projeto Vale Memória e de dar o seu depoimento?
R – Olha, eu acho importantíssimo especialmente, por exemplo, com relação àquela pergunta do que são projetos fora da Vale e dentro da Vale. Você vê que aí tem uma conotação que nós hoje, como brasileiros, podíamos, devemos dizer, eu digo isso abertamente é de que a Vale nunca poderia ter sido privatizada. A Vale do Rio Doce tinha que continuar com a sua proeminência de líder no estabelecimento não só de projetos que tenham rentabilidade, sempre nós fazíamos o estudo da rentabilidade, mas também fazer ele propiciar o desenvolvimento. Você vê por exemplo, olha o Espírito Santo hoje e se não fosse a Vale do Rio Doce com a nossa contribuição, em ter feito a alimentação elétrica bem feita do Espírito Santo, onde é que essa província estaria colocada hoje? Então tem-se que tirar o chapéu para o que Vale fazia. A Vale realmente explora minério, vende minério, faz dinheiro e tudo mais, mas ela também fazia o ali… Muito importante. Então a Vale não podia… Da mesma forma que uma empresa como Furnas, uma empresa como a Petrobras, elas não se devem pensar em privatizar. A Petrobras tem uma porção de radicalismos e coisas demais? Tem. Mas a grande parte do que ela faz hoje é meritória. É meritória para nós todos e para o país e, e assim foi a Vale. Eu acho que hoje ela está um pouco mais direcionada para o lado econômico, o que vai deixar uma lacuna nesse desenvolvimento de uma porção de atividades.
P/1 – Está ótimo. Muito obrigada.
P/2 - Muito obrigada pela sua participação.
R – De nada. Qualquer coisa que vocês precisarem mais, qualquer outro esclarecimento..
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