Meu nome é Adauto Carneiro Pereira, eu nasci no dia primeiro de março de 1955, em São Paulo, na capital.
Sou geólogo e me formei em 1978. Estudei em São Paulo, na USP.
Eu terminei a faculdade, mudei para o Rio e fui trabalhar para a Esso, na área de exploração, em um contrato de risco. Trabalhei quatro anos na Esso no Rio e depois fui para os Estados Unidos. Quando terminaram os contratos de risco no Brasil fui pra rua. Fui demitido, fui parar no mercado e comecei a procurar emprego. Vim trabalhar na Braspetro, a subsidiária internacional da Petrobras. Vim pro Rio, deixei a família em São Paulo, e estava procurando emprego. A “Petróleo” era aqui no Rio. Fui contratado e perguntei pro meu chefe: “Bom, e agora, o que eu faço? Trago a família pro Rio?”. Ele falou: “Não, só se for pro Galeão, porque daqui você já vai pra Líbia”. Eu fui contratado, passei um mês no Rio Grande do Norte com uma equipe sísmica, e embarquei pra Líbia. Na época não era exigido o concurso. O concurso só foi exigido depois da constituição de 1988. Então, não era por contrato, eu fui contratado normalmente como empregado.
Eu não tinha a menor idéia do que ia ser a Líbia. Eu não sabia nem que tipo de roupa a minha mulher poderia usar lá. Por acaso, eu tinha um amigo que o tio dele trabalhava na Engesa, uma companhia que vendia tanques de guerra pra Líbia, e eu conversei com ele. Ele disse: “Pode ficar tranqüilo porque na Líbia, a mulher ocidental usa roupa normal. Não precisa ter o véu, nada disso, mas tem que ser roupa folgada, meio comprida, mas normal”. E eu fui pra Líbia. A minha filha nasceu nos Estados Unidos, quando eu morava lá. Quando nos mudamos pra Líbia, ela tinha cinco meses. Então, eu cheguei à Líbia sem saber exatamente o que estava acontecendo, com uma mulher e uma filha de cinco meses. Por sorte havia muitos brasileiros da Braspetro e eles sabiam que eu estava chegando com uma criança pequena. Eles...
Continuar leituraMeu nome é Adauto Carneiro Pereira, eu nasci no dia primeiro de março de 1955, em São Paulo, na capital.
Sou geólogo e me formei em 1978. Estudei em São Paulo, na USP.
Eu terminei a faculdade, mudei para o Rio e fui trabalhar para a Esso, na área de exploração, em um contrato de risco. Trabalhei quatro anos na Esso no Rio e depois fui para os Estados Unidos. Quando terminaram os contratos de risco no Brasil fui pra rua. Fui demitido, fui parar no mercado e comecei a procurar emprego. Vim trabalhar na Braspetro, a subsidiária internacional da Petrobras. Vim pro Rio, deixei a família em São Paulo, e estava procurando emprego. A “Petróleo” era aqui no Rio. Fui contratado e perguntei pro meu chefe: “Bom, e agora, o que eu faço? Trago a família pro Rio?”. Ele falou: “Não, só se for pro Galeão, porque daqui você já vai pra Líbia”. Eu fui contratado, passei um mês no Rio Grande do Norte com uma equipe sísmica, e embarquei pra Líbia. Na época não era exigido o concurso. O concurso só foi exigido depois da constituição de 1988. Então, não era por contrato, eu fui contratado normalmente como empregado.
Eu não tinha a menor idéia do que ia ser a Líbia. Eu não sabia nem que tipo de roupa a minha mulher poderia usar lá. Por acaso, eu tinha um amigo que o tio dele trabalhava na Engesa, uma companhia que vendia tanques de guerra pra Líbia, e eu conversei com ele. Ele disse: “Pode ficar tranqüilo porque na Líbia, a mulher ocidental usa roupa normal. Não precisa ter o véu, nada disso, mas tem que ser roupa folgada, meio comprida, mas normal”. E eu fui pra Líbia. A minha filha nasceu nos Estados Unidos, quando eu morava lá. Quando nos mudamos pra Líbia, ela tinha cinco meses. Então, eu cheguei à Líbia sem saber exatamente o que estava acontecendo, com uma mulher e uma filha de cinco meses. Por sorte havia muitos brasileiros da Braspetro e eles sabiam que eu estava chegando com uma criança pequena. Eles providenciaram a casa para eu ficar, inclusive, com o supermercado inicial. Na Líbia tinha esse problema, não havia nada pra vender. Quer dizer, esporadicamente, havia suprimentos, mas era completamente irregular, tanto que depois que eu cheguei lá demorei 15 dias pra conseguir comprar carne.
Eu dizia que era a socialização do supermercado, todo mundo tinha que ter um em casa. Açúcar: ou você comprava saco de 50 quilos, ou não comprava. Eu comprei açúcar duas vezes nos dois anos que morei lá e ainda deixei meio saco. Na hora que nós chegamos um colega que já estava lá há dois anos falou: “Vou levar você pra conhecer o supermercado e como funcionam as coisas aqui”. No primeiro dia, ele falou: “Olha, vamos a um supermercado, porque dizem que vão vender sabão em pó” – pra quem está chegando, acha meio estranho. Eu e minha mulher fomos, e tinha uma fila enorme, cheio de gente, uma bagunça. Na hora que o supermercado reabriu umas cinco horas da tarde, porque à tarde ele ficava fechado, foi aquele mundaréu de gente entrando, se amontoando. Eu peguei uma caixinha, minha mulher pegou outra, e saímos andando pelo supermercado. Aí nós víamos as pessoas saindo com aqueles carrinhos de supermercado cheios de sabão em pó: “Eu acho que aqui não é exatamente igual ao Brasil. Tem algo diferente, é melhor pegar mais uma caixinha”. Na hora que voltamos pra prateleira, não tinha mais. Em 10 minutos se esgotou. Depois nós ficamos sabendo que há cinco meses não tinha sabão em pó na cidade, por isso o pessoal saiu comprando. Daquele supermercado nós fomos pra outro, num instantinho você fica esperto. Chegamos ao outro e só tinha bolachinha de limão e pandeiro. Pandeiro, porque tinha tido uma festa popular uns quinze dias antes. A minha mulher olhou pra mim: “E agora?”. Nós entendemos por que o pessoal já tinha deixado lata de leite em pó pra gente, essas coisas todas, porque simplesmente não tinha. Mas aos poucos fomos aprendendo, todo mundo estocava tudo. Você andava pela cidade, via uma fila, entrava na fila, depois você se preocupava em saber o que estavam vendendo; o importante era entrar na fila e comprar o que tivesse pra vender, se você ia usar ou não, era irrelevante. O que tinha e era de altíssima qualidade, eram os queijos suíços, as carnes australianas. Quando tinha era ótimo, o problema era ter.
Eu fazia geofísica, eu trabalhava na parte de interpretação de dados e ia muito pro campo pra fiscalizar o levantamento. O interessante é que era bem no meio do deserto mesmo, tinham coisas maravilhosas: dunas de areia de quatrocentos metros de altura. Você dava voltas com o jipe em torno das dunas. Tive oportunidade de ver cratera de meteorito. Nós estávamos sobrevoando e, de repente, eu vi um negócio meio redondo. Pedimos pro piloto pousar – era um aviãozinho pequeno, um monomotor. Quando ele pousou, tiramos fotos, coletamos amostra. Era uma cratera de meteorito perdida no meio do deserto, que dificilmente alguém iria achar. Tiveram coisas muito interessantes.
Quando eu fui, já era a terceira vez que a Petrobras estava na Líbia, porque tiveram vários ciclos. Hoje está na quarta ou quinta. A exploração de petróleo era numa baía chamada Marzuk, bem meio do deserto, no sul da Líbia. Essas dunas que eu falei de 400 metros de altura, hoje com satélites, com o Google Earth, todo mundo pode ver. Com satélites de altitude muito grande, você vê as dunas, porque elas são enormes. Era uma área de operação bastante difícil. O objetivo era fazer exploração de petróleo; era a continuação de uma exploração anterior. Na segunda fase, tinham descoberto muito pouco óleo, mas não era comercial. Então, assinaram um novo contrato e era isso que a gente estava fazendo lá.
Tive experiências muito boas. Nós fomos pra Líbia quando minha filha estava com cinco meses. Como não havia nada para fazer – não tinha esse negócio de sair pra shopping, pra cinema, pra nada disso, porque não havia –, eu tive muito tempo para dedicar a ela, isso foi muito bom. Agora, era um país muito difícil. Eu cheguei até a ser seqüestrado por um policial, fiquei algumas horas ali; foi um negócio que me rendeu uns anos de análise depois que voltei. Eu estava sem documento, mas até explicar... Eu até aprendi um pouquinho de árabe, mas já faz 20 anos e eu já me esqueci. Mas para o dia-a-dia, você começa a aprender a ler, escrever e falar. Com a minha filha, era engraçadíssimo, os feirantes a adoravam. Ela era pequenininha, nós saímos de lá ela tinha dois anos. Mas ela chegava na feira e começava: “Guidash?”. “Quanto é”, ela perguntava pros feirantes e eles adoravam.
Têm coisas surreais na Líbia. Uma vez eu estava no deserto e ia voltar pra Trípoli. O nosso avião ia fazer manutenção na Europa, e pensei: “Vou pegar uma carona”. Peguei uma carona e fomos. No meio da tarde tinha um campo de petróleo no meio do nada, nós pousamos, o piloto foi lá e nós reabastecemos o avião. Colocaram a gente no alojamento, que seria um hotel 3 estrelas no meio do deserto; ninguém me pediu nada, ninguém perguntou meu nome. Almoçamos, jantamos e, no dia seguinte, fomos embora. Na Líbia, isso é impensável, porque qualquer lugar em Trípole ou em Sebha, uma cidade que a gente ia muito, você andava dois passos e as pessoas queriam saber quem você era, o que você estava fazendo ali, cheios de autoridade, e lá não aconteceu nada. Bom, no dia seguinte continuamos indo pra Trípole, e eu perguntei pro piloto: “Escuta, nós vamos chegar aonde?”, “Nós vamos pousar direto na pista principal”. Eu falei: “Ih, isso aí vai dar problema”. Eu já tinha tido uma outra experiência, tinha perdido a minha mala indo pra Trípole, porque eu perdi o vôo. Para recuperar a mala, eu tive que procurar no “achados e perdidos”, que era junto à pista principal do aeroporto. Pra chegar lá, me revistaram, tive que apresentar documento, deixar documento, e tinha canhão antiaéreo, metralhadora, tinha tudo. Eu falei: “Esse negócio não vai dar certo. Eu só vou sair de lá se você for comigo”. O piloto era suíço, mas parecia brasileiro: “Pode ficar tranqüilo que não tem problema nenhum”, “Olha, eu já tive essa experiência e eu só saio de lá com você”, “Tá bom”. Então, o avião posou, ele desabasteceu, desamarrou e falou: “Se você quiser ir embora é por ali”. Eu falei: “Não, só saio daqui com você. Eu sei como é a questão de entrar no aeroporto”. Ele falou: “Pode ficar tranqüilo”. Na hora que ele estava pronto, falou: “Vamos embora?” Tinha um buraco no meio da cerca, fomos pelo buraco, passamos pelo estacionamento, pegamos o carro dele e fomos embora. Ou seja, tinha toda uma parafernália pra dar uma impressão de segurança, de repressão, mas na realidade não funcionava, tinha um buraco no meio da cerca que todo mundo entrava e saía.
Um fato curioso também nesses países todos é o celular. Hoje até celular do Irã funciona no Brasil, e do Brasil no Irã. Quando eu morava na Líbia, falar com o Brasil era uma calamidade, porque às vezes o [Muamar] Kadafi não pagava o satélite e nós ficávamos 15 dias completamente isolados. Eu não tinha a menor idéia do que estava acontecendo aqui ou em qualquer lugar do mundo. A gente pegava aqueles radinhos de ondas curtas, colocava pilha e ficava escutando no ouvido pra ver se tinha acontecido alguma coisa, se o mundo ainda existia.
Outra coisa curiosa. Quando eu estava lá, acho que em 1983, uns aviões líbios que iam pra Nicarágua, levando armamentos contrabandeados para os revolucionários de lá, foram pegos em Recife. Eles pegaram os contrabandos na hora de passar pela alfândega brasileira apresentados como “equipamentos médicos”. A polícia federal foi olhar, e criou-se um incidente internacional: “o que fazer com os líbios?”, “O que fazer com esse negócio?”. Então ficou aquele impasse. Bom, o Kadafi falou: “O que fizerem com os líbios, eu vou fazer com os brasileiros na Líbia”. Só que o pessoal estava aqui em hotel 5 estrelas, assim eu também queria. Então, ficou aquilo: “O que vai acontecer?”. Porque com o Kadafi, de vez em quando, acontecia isso. Por exemplo, prendia um líbio na Alemanha, e ele baixava a ordem: “Alemão não sai”. Eu tinha um amigo que era holandês e a mulher francesa. Aí aprenderam um líbio na Holanda. Eles chegaram ao aeroporto, deixaram a mulher sair, mas ele não. Tinha esse tipo de represália. Então, ficou aquele impasse. Eu não tive dúvidas, peguei minha família e mandei pro Brasil: minha mulher e minha filha. Eu fiquei sozinho, eu falei: “Em último lugar eu fujo pelo deserto”. Sozinho é uma coisa, mas com a família não dá. Esse foi um momento muito tenso e meio longo. Isso durou uns dois meses meio até que se resolveu a situação aqui. Mandaram os aviões líbios de volta com os armamentos. Resolveram tudo, tranqüilo. Foi até interessante, porque a Globo foi entrevistar os brasileiros na Líbia e perguntaram pras pessoas: “Como está tudo?”, “Ah, aqui está normal. Está todo mundo pronto, de mala, pra fugir”. E todo mundo falando: “Está tudo tranqüilo, não tem problema nenhum”.
Continuei trabalhando na Braspetro, como geofísico ainda, até que num certo momento resolvi fazer uma pós-graduação em Engenharia Econômica. E um dia me convidaram pra fazer a avaliação econômica dos projetos de exploração de petróleo. Mudei e comecei a trabalhar como o negociador dos contratos. Nos contratos, existe um anexo chamado “procedimentos contábeis”; depois de uns quatro anos trabalhando nessa parte de contratos e procedimentos contábeis, um diretor financeiro perguntou: “Você não quer ser gerente de contabilidade?”. Como era uma maluquice, e eu não recuso maluquices, eu falei: “Topo”. Eu sou um geólogo que já foi gerente de contabilidade. Fiquei dois anos como o gerente de contabilidade da Braspetro. Se for olhar o balanço da Braspetro da época, você vai encontrar o meu nome como o gerente de contabilidade. Foi uma experiência muito difícil, não foi fácil, porque era uma cultura muito diferente do contador em relação ao geólogo, geofísico. O contador é preciso na terceira casa decimal, o geofísico é mais ou menos cinqüenta por cento pra cima ou pra baixo. Fiquei dois anos como gerente.
Quando abriu o mercado brasileiro para empresas estrangeiras me convidaram pra ir pra Petrobras - ainda tinha a Braspetro - para ser o gerente de negociações dos contratos de parceria. Aceitei e participei muito dessa fase inicial da abertura do Brasil. Nós conseguimos fechar cinqüenta contratos em dois anos; foi necessário organizar e treinar as pessoas. Foi muito interessante, porque nós montamos um curso pra treinar as pessoas que iam negociar as parcerias e cuidar delas depois. Foi uma oportunidade que eu tive de conhecer o Brasil inteiro, todas as unidades do E&P Brasil, porque eu dava aulas sobre as negociações dos contratos, e como eles iam ter que administrar os contratos depois. Muito gratificante, nesse processo todo, foi treinar as pessoas. Outro dia, eu fiz as contas, e constatei que dezoito ex-subordinados hoje são gerentes da Petrobras, sendo que cinco ganham mais que eu.
A Braspetro foi criada por um decreto do Geisel, então presidente, em 1972. Foram várias fases de crescimento. Teve a fase de descoberta de um campo no Iraque, chamado Majnoon, considerado o maior campo do mundo; fala-se em até 20 milhões de barris, que estão lá quietinhos. A primeira operação foi na Colômbia e Iraque, depois teve uma fase de crescimento na África, na primeira fase da Líbia, Argélia e Egito, mas nenhum desses lugares apresentou resultados significativos. Depois estivemos no Iêmen, Noruega e Reino Unido. Houve uma fase de grande expansão. Nos anos 90, quando se discutiu o fim do monopólio da Petrobras, isso teve conseqüências na Braspetro. De certa forma era uma contradição: como eu tenho um monopólio no Brasil, e estou investindo lá fora em outros países? Com isso a Braspetro ficou praticamente quatro anos sem assinar um contrato. Nesse período, eu fui ser gerente de contabilidade, porque não tinha nada pra fazer. Depois de dois sem fazer um contrato, fizeram esse convite para a gerencia de contabilidade. Até que se resolveu a questão no Brasil, houve a quebra do monopólio, e eu fui trabalhar na área da E&P Brasil como gerente de negociações.
Houve uma expansão muito grande da Braspetro, mas chegou a um ponto que houve problema de orçamento; o orçamento da Braspetro era pequeno. A solução que os diretores acharam foi absorver a subsidiária, criando uma área internacional dentro da Petrobras. Nesse momento, em maio de 2000, mais ou menos, se criou uma diretoria internacional e se mudou, primeiro fisicamente: as pessoas foram para a sede da Petrobras. A orientação era: “Todo mundo tem que estar aqui junto pra passar essa cultura e resolver todos os problemas da internacionalização”. Os primeiros meses foram muito difíceis, porque a Petrobras não estava preparada pra ser uma empresa internacional. Tinha até um detalhe de procedimentos de como pagar contas, essas coisas, que na Braspetro, pelo histórico de mais de 20 anos, já estavam resolvidos. Na Petrobras foi difícil. Aliás, foi difícil, porque quando se teve essa decisão de criar a área internacional, o objetivo era trazê-la para dentro da Petrobras, para ter os problemas resolvidos, porque senão a empresa nunca seria internacional. Então, 90% dos problemas já estão resolvidos, temos muitos problemas para resolver ainda, mas realmente essa estratégia funcionou. E com isso o orçamento da Área Internacional e o da Petrobras passou a ser um só. Temos uma facilidade muito maior de contratar gente. No meu caso, eu era empregado da Braspetro, hoje eu sou da Petrobras.
Eu era um caso estranho, porque era um dos poucos na Braspetro que já tinham sido cedidos à Petrobras. O normal era o contrário, o pessoal da Petrobras era cedido à Braspetro. Como eu já tinha trabalhado na Petrobras, o que poucos empregados da Braspetro tinham feito, essa transição foi tranqüila. Quando eu voltei, já era a área internacional e não mais Braspetro. Eu já sabia como funcionava o outro lado, por isso foi muito mais fácil.
A indústria do petróleo é globalizada desde seu início, desde 1901, quando a British Petroleum encontrou óleo no Irã. Na verdade, isso não mudou tanto, sempre foi o normal da indústria do petróleo. A idéia era ir pelo mundo afora, para exploração e produção. O que surgiu de novo foi a área de refino. A Petrobras não tinha nenhum refino fora do Brasil – só nos anos 70, quando ela alugou duas refinarias na Córsega, mas foram operações de mais ou menos três anos. Depois disso, só a compra das refinarias na Bolívia, depois na Argentina e, agora, nos Estados Unidos. Esse processo de internacionalização da Petrobras em todos os seus segmentos é novo, tem no máximo cinco anos.
Fora do Brasil, petróleo produzido é vendido no mercado. Produz e vira dinheiro. Pra começar, depende da qualidade do petróleo, pra ver se ele se ajusta às nossas refinarias, mas em alguma refinaria do mundo ele se ajusta. Produziu, bota no navio tanque, leva e vende. Na época, quando a gente importava, a gente comprava petróleo do Irã, da Arábia Saudita, de onde fosse, paras refinarias brasileiras. É dinheiro.
Hoje, começando pela América Latina, estamos na Argentina, no Uruguai, onde atuamos em distribuição de gás. No Paraguai, tem distribuição de gasolina; na Bolívia, tinha de tudo, mas parou, porque está sendo nacionalizado; no Chile, a gente tem um escritório; no Peru, a gente produz petróleo; no Equador produz petróleo; na Colômbia, nós temos petróleo e distribuição também, temos fábrica de lubrificantes. Na Venezuela, tem exploração de petróleo; no México, temos um contrato de serviço. Bom, na América, eu acho que é só. Em Angola, temos exploração e produção. Nigéria, Senegal, Líbia. Depois, do outro lado, Irã, Paquistão, Moçambique, Tanzânia. Acho que é isso. Ela já esteve em outros lugares, furou poço em outros lugares. Esteve nas Filipinas, no Iemêm, no Egito, na Argélia. Ela já esteve presente em muitos outros lugares, encolheu e hoje está em expansão de novo.
O principal objetivo da área de E&P é ganhar dinheiro. Então, principalmente, se foca onde existe potencial e onde o custo para entrar é mais baixo. Ou seja, são áreas que a gente chama de fronteiras, áreas novas. A gente ainda coloca alguma coisa em áreas mais tradicionais, mas isso significa assumir riscos maiores, riscos do ponto de vista técnico-exploratório; isso hoje é muito comum. O preço do petróleo está alto e nos locais tradicionais são muito caros. Como a Petrobras não tem preocupação de ter óleo bruto para abastecer refinarias pelo mundo afora, como uma Shell, uma Esso, nós temos esse conforto de poder fazer gradualmente.
A Petrobras tem todos os tipos de sócios: os nacionais, outras estatais. A preferência é sempre ter um sócio, inclusive, como uma estratégia de reduzir o risco político. Quando se está num país desses com outra companhia, principalmente um que tenha uma sexta frota pra ser melhor, já facilita bastante; ajuda a mitigar o risco político. Nem sempre a gente tem, mas na maioria dos países é a preferência. Desde o início, quando participamos de uma licitação, como em Angola ou na Nigéria, procuramos fazer sociedade com alguma companhia. Em muitos países nós somos sócios da companhia estatal local. Nós trabalhamos, realmente, com dois chapéus diferentes: um como uma estatal – onde é vantagem dizer somos uma estatal –, e outro quando é vantagem ser uma companhia privada, você se diz uma companhia privada. A verdade é que nós somos as duas coisas, somos tanto o braço petrolífero do Itamaraty, quanto uma companhia de petróleo internacional que tem que satisfazer seus acionistas. E nós conduzimos isso com muita habilidade.
Existem [consultorias técnicas] em várias regiões, porque é mais ou menos o padrão da indústria. Tem certos serviços que você tradicionalmente terceiriza, porque não compensa desenvolver serviço próprio. Até a perfuração de poços, na maioria das vezes, se contrata terceirizados pra esse tipo de serviço Alguns serviços, para nós na área internacional, são sempre necessários, como a consultoria jurídica. Se vamos pra qualquer país novo, temos que ter um consultor jurídico local, porque existem detalhes escondidos na lei que você não vai descobrir, só alguém que trabalha no país realmente conhece.
Muita gente vai dizer que será os Estados Unidos; eu acho que vai ser Angola e Nigéria. Os Estados Unidos já está mais ou menos estabilizado, não tem tantos desafios técnicos. Mas Angola e Nigéria têm todos os desafios possíveis, desde a segurança das pessoas que estão trabalhando lá até conseguir gente pra trabalhar lá. Os desafios técnicos são maiores do que nos Estados Unidos.
Hoje as companhias chinesas estão gastando muito dinheiro pelo mundo. Se a China fosse tão boa, eles investiriam lá. Tem alguma coisa ainda? Tem: o mercado pra produtos, isso é inegável. Na Índia, é a mesma situação. A Índia hoje tem uma classe média de 300 milhões de habitantes, o que dá um Brasil e meio só de classe média. Nesses dois países, China e Índia, qualquer percentual, o número absoluto é enorme.
Temos um escritório na China, para procurar negócios tanto na parte de E&P, como na parte de refino. Na Índia, nós estamos procurando um escritório, já estamos namorando a uns dois anos, esperando uma oportunidade pra entrar. Entramos no do lado, no Paquistão, mas os indianos ficaram com ciúmes. “Porque estão no Paquistão e não vem pra cá?”. Tendo projeto, a gente vai a qualquer lugar.
Até dois anos atrás, o foco da Petrobras era a costa oeste da África, América Latina e Golfo do México. Há dois anos nós começamos a expandir: fomos pro Irã, depois fomos pra Líbia, Turquia. Hoje nós estamos expandindo. Existe um primeiro momento que é a parte técnica, a exploração da geologia desses países. É isso que nós estamos fazendo, coletando amostras das formações, analisando. Nós queremos – se não for até o final desse ano – no começo do próximo ano [2008], começar a ver algumas possibilidades na Ásia, na Oceania. Indonésia. Já participamos de uma licitação no Timor Leste, perdemos, mas tivemos a oportunidade de saber mais sobre a região. Nós temos um foco muito bem definido entre o Pólo Norte e o Pólo Sul; fora isso, a gente não pensa. Ou seja, onde tiver oportunidade do ponto de vista técnico, a probabilidade de ganhar dinheiro.
Todos os projetos desses lugares remotos ou até exóticos que a gente leva pra diretoria, nós sempre tivemos o maior apoio. Eles têm consciência que existem menos áreas disponíveis pelo mundo pra exploração, e elas vão acabar. Então, o momento de pegar é agora. A Petrobras tem tecnologia, tem experiência para enfrentar esses desafios e achar o que os outros não viram. Essa é uma máxima da indústria do petróleo: você ganha dinheiro quando vê o que os outros não viram. Tem “n” históricos de companhias que mostram como isso funciona. Nossas vantagens competitivas são as de termos descoberto maneiras diferentes de acumular petróleo até hoje no Brasil, e nós queremos replicar esse modelo procurando formas semelhantes mundo afora.
Em cada novo país que vou, normalmente, eu quero saber mais informações sobre responsabilidade social e ambiental, a gente usa como marketing. É o que todo mundo pergunta: os projetos de responsabilidade ambiental e social, e biodiesel, álcool, essas coisas. Até em países complicados, como a Colômbia, que tem problema de guerrilha, muito sério, nós aprendemos a conviver com isso. Todo campo de petróleo nosso tem ao lado um quartel do exército pra fazer a segurança. Mas nós aprendemos, temos um convívio muito grande com a comunidade local. Quando eu era geofísico, faz tempo, eu estive na Colômbia e participei de um levantamento e fizemos exatamente isso: a comunidade do vilarejo vizinho veio pedir um trator emprestado pra fazer um acerto da rua, e eu autorizei. “Pode ir”. Esse dinheiro não é nada, face ao risco político de um ataque de guerrilha. Isso é de uma importância muito grande, porque muitas companhias de petróleo pagaram um preço muito alto por não fazerem coisas do gênero.
A primeira dificuldade mais simples e óbvia é a língua, porque existe o inglês da Inglaterra, existe o inglês dos Estados Unidos e aquele que a gente chama de global english. Um iraniano quando fala inglês, o vocabulário dele é tão limitado quanto o meu, ele não tem a vivência, porque não é a língua natural dele, assim como também não é a minha. Mas é curioso como na comunidade do petróleo, principalmente, existem certos termos que todo mundo conhece. Se você quiser discutir mais profundamente, usando um linguajar mais rebuscado, 80% das pessoas não vão entender. Mas existe um conjunto, talvez de 2000 palavras, que todo mundo fala, que todo mundo entende, e com isso há essa comunicação. A primeira barreira é a língua, tanto pro meu lado quanto pro outro, isso no ambiente internacional em geral, porque se eu vou pra qualquer país desses, para a Líbia ou para um Egito da vida, tenho que me comunicar com eles.
Não é só uma linguagem técnica, não. É mais ou menos o inglês de aeroporto, de hotel, que também é usado em negócios. A técnica é específica em cada profissão. Isso existe também, mas tem a comunicação diária, até pra contar uma piada, existem certas palavras que você consegue usar pra fazer o outro lado entender. Se for usar um vocabulário mais sofisticado, o outro lado não vai te entender. Essa é a primeira barreira. A outra é realmente a barreira cultural, de saber que você não está no seu país. Não adianta achar que o outro deveria fazer de uma maneira diferente, porque eles fazem aquilo há dois, cinco mil anos, a muito mais tempo do que o Brasil existe, e nós não vamos mudar, porque estamos lá. Eu via muitos brasileiros com esse problema na Líbia: “Ah, porque eles não fazem isso daqui de outra maneira?”. Não adianta Os caras fazem isso há séculos e não vão mudar porque você acha que deveria ser desta maneira. A questão do islamismo, às vezes, é complicada, as pessoas não percebem as sutilezas de certos comportamentos, de como devem se portar, principalmente, em relação à mulher. Por exemplo, no Irã, eu já negociei, inclusive, com uma engenheira iraniana, mas tem coisas sérias. Você não pode dar a mão pra ela, e ela sabe disso, mas nós estamos acostumados com o Brasil, que a gente aprende a dar beijinho. Imagina dar beijinho no Irã Alguns caras até dariam, porque pra eles é normal. Mas automaticamente você estende a mão, e vê que ela fica constrangida. Tem algumas regras. Eu dou aula de negociação na Fundação Getúlio Vargas e eu treino, também, o meu pessoal. Uma das coisas que eu sempre passo é: se você vai pra um país novo, diferente, que não sabe nada, seja o mais comportado possível, não dê a mão pra ninguém, olhe pra baixo, só olhe a pessoa nos olhos quando for dada certa confiança, porque às vezes pode ser complicado, principalmente, em relação à mulher. Na Líbia, quando eu morei lá, tinha um brasileiro que dava aula de árabe pra gente, e ele falava: “Se você estiver andando na rua e uma mulher na sua frente deixar cair a bolsa, passe por cima, não queira ser educado, porque se ajudá-la, outros vão bater em você, porque vão achar que você está cantando uma mulher líbia. Passe por mal educado”. Outra coisa, ele falava: “Não olhe nos olhos das mulheres, porque isso pode ser mal interpretado por ela e pelos outros líbios em volta”. No Irã, foi engraçadíssimo, porque eu estava no restaurante e uma menina iraniana de 20 anos começou a me encarar, e eu perguntei pra um colega espanhol, que morou seis anos no Irã: “Escuta, tem alguma coisa errada aqui”. Ele falou: “Não, é o normal delas, elas vêem quem é estrangeiro. Pode ficar tranqüilo que não vai acontecer absolutamente nada. Ela nem vai conversar com você, mas é o momento do ego dela se expressar, olhando pro estrangeiro”. O Irã é um país muçulmano mais radical do que a Líbia. A Líbia não é muito radical, realmente, o Irã é muito mais radical do ponto de vista islâmico.
Eu já perdi as contas de quantos países eu conheci. Vou falar dos mais exóticos, porque vale mais a pena. Paquistão, por exemplo, é um país muito interessante. Eu fui parar no Paquistão, porque o presidente veio ao Brasil, conversou com o Lula, e perguntou: “Porque a Petrobras não vai pro Paquistão?”. O Lula falou: “A Petrobras vai ao Paquistão”. Era pra ir o presidente, o diretor, mas foi descendo, até que fui eu. Fui muito bem recebido lá. Quando eu cheguei, depois de 26 horas de vôo, às sete horas da manhã, estava numa sala VIP do aeroporto e, na hora que eu saí, veio um monte de soldados armados, eu pensei: “Aqui a coisa é perigosa ou, então, está chegando algum big shot aí”. E falaram: “O seu carro está ali”. Eu entrei no carro e os soldados entraram juntos; a segurança era pra mim Aí eu fiquei preocupado. No outro dia me perguntaram se eu tinha medo de voar de avião, eu disse: “Não, eu tenho medo quando o avião pousa. Enquanto está voando, eu não tenho medo. Mas os lugares que a gente aparece aí...”. Então, no Paquistão, eu fiquei 15 dias. Na verdade, eles estavam preocupados porque eu estava como um convidado oficial do governo, e eles tinham medo de algum ataque terrorista. Mas é um país absolutamente tranqüilo. Islamabad é uma cidade como Brasília, de avenidas largas. Para um país islâmico, o Paquistão é muito liberal, tanto que nos hotéis você pode tomar bebida alcoólica. No último dia fizeram um coquetel pra mim, onde era o clube inglês, quando ainda era colônia; só que era à noite e o meu vôo saia às quatro horas da manhã. Eu falei: “Se eu beber uma gota de álcool eu não acordo amanhã pro vôo”. Os paquistaneses ficaram meio sem graça, porque eles estavam tomando uísque, me oferecendo, e eu não bebi, porque se eu tomasse não conseguia embarcar. Eu vi muitas mulheres de burca, tanto quanto no Afeganistão; burca é aquela veste azul com uma telinha no rosto. Um dia, no hotel, apareceu uma artista de televisão de origem indiana, ela estava só com uma saia e um top, como se estivesse em Ipanema. Então, você vê de tudo
Um outro lugar curioso foi São Tomé e Príncipe. É uma ilha no Golfo da Guiné, entre a Nigéria e Guiné Equatorial, ali no sovaco da África. É uma ilha de 150 mil habitantes. Lá, nós fomos muito bem recebidos. Fatos curiosos: fomos jantar, no final, falamos: “Café, café, café”. Daí um senhor que era assistente do presidente da república falou: “O meu é carioca”. Achei curioso, porque lá eles usam o termo “café carioca”, como nós, pra falar de um café mais fraco. Carioca é uma palavra brasileira de origem indígena, só pode ter sido novela que foi parar nesses tempos lá, não consegui nenhuma outra explicação. O idioma falado é português, inclusive, muito mais parecido com o nosso do que o de Portugal. E é um país muito pobre. Então, no último dia, fizeram um almoço pra gente no melhor restaurante de São Tomé e Príncipe, uma comida maravilhosa, mas não tinha ar condicionado, o chão era de cimento, as cadeiras meio tortas, a mesa só com uma toalha xadrez como a gente vê em pé sujo aqui no Rio. É bem rudimentar, porque é um país pobre. A comida é excelente, mas eles realmente não têm recursos.
Outro lugar onde eu vi mudanças muito grandes, nas várias vezes em que estive lá, foi em Angola. Eu estive num período de paz durante a guerra civil em que ninguém pedia documento, ninguém pedia nada, fui para dentro do avião com a maior tranqüilidade. Depois voltou a guerra, e havia problema pra circular na cidade. Era paupérrimo. A guerra já acabou há uns quatro anos. Hoje há numa explosão econômica fantástica, é um grande canteiro de obras. Quando eu estive na primeira vez, o melhor lugar era o Hotel Meridien, mas faltava água quatro dias por semana, era dificílimo. Hoje tem restaurantes fantásticos e a elite de Angola mora muito bem. É lógico que a grande maioria é favela, mas você vê que está surgindo uma atividade econômica muito grande. Me contaram uma história que a Ferrari levou um carro pra fazer uma demonstração em Luanda, depois da exposição eles resolveram: “Ah, vamos vender por aqui. É muito melhor do que levar de volta pra Itália”. Apareceram 30 candidatos pra comprar essa Ferrari em Luanda. Tem gente com muito dinheiro. A gente sabe que tem dinheiro de contrabando de diamantes, mas o dinheiro está começando a circular. O que acontecia? Em Angola, tudo o que era construído era destruído pela guerra, de repente parou, então aquele esforço de construir continuou. Hoje tem um crescimento muito grande.
Outro lugar interessante é Moçambique. Moçambique é muito menor que Angola, a população é mais distribuída. Você anda em Moçambique, parece que está andando em Cabo Frio, é a maior tranqüilidade. Em Luanda é meio congestionado, deve ter uns sete milhões de habitantes. Maputo deve ter uns 300 mil. Você percebe uma diferença muito grande. Moçambique é um país que foi democratizado há mu
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