Projeto: Programa Conte Sua História
Entrevista de Jorge Hamilton
Entrevistado por Teresa Carvalho e Mathilde Rousseaux
São Paulo, 09 de novembro de 2022
Código da entrevista: PCSH_HV1199
Transcrita por Gabriele Araujo
Revisada por Grazielle Pellicel
P/1 - Tá bom, Jorge, a gente vai começar com você falando o seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Eu sou o Jorge Hamilton de Oliveira Velino, é… Data de nascimento? 11 de fevereiro de 1997, e a… profissão?
P/1 - Local de nascimento.
R - O local de nascimento… São Paulo.
P/1 - E, agora, se você puder fechar o olho assim, dar uma concentrada, e tentar resgatar na sua memória a sua primeira lembrança.
R - A minha primeira lembrança… Da vida? Quando… Uma vez quando eu era criança eu tava num shopping com meus pais e eu tinha um balão de hélio, de gás hélio, e para mim aquilo era incrível, ver o balão flutuando no ar e não caindo nunca! E eu lembro de chegar em casa segurando aquilo e soltar e ele ficar parado no teto, e eu brincava, pulava pra pegar e soltava de novo e voava, mas eu não tinha muita noção de que aquilo… O teto que era o que segurava aquilo e mantinha aquele balão comigo. E eu lembro de ir pra fora com meu pai, pra brincar, levar o balão, e eu solto o balão, esperando que eu fosse conseguir pegar de novo, e ele foi embora pra sempre. Essa é a minha lembrança mais antiga que eu tenho da vida, eu não sei nem se essa era a pergunta, na verdade, se era a primeira lembrança da vida, mas é o que veio na cabeça.
P/1 - E você fala dos seus pais. Como eles chamam?
R - Minha mãe chama Ivanci, e meu pai chama Oscar.
P/1 - O que eles fazem? Conta um pouquinho.
R - Minha mãe, ela… Ela trabalha… Quando eu nasci ela trabalhava como… No hospital, como secretária, mas ela saiu do emprego assim que ela engravidou de mim, por que ela quis… É… Ela queria sair do emprego para poder cuidar de mim, porque eu sou o segundo filho dela e o primeiro...
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Entrevista de Jorge Hamilton
Entrevistado por Teresa Carvalho e Mathilde Rousseaux
São Paulo, 09 de novembro de 2022
Código da entrevista: PCSH_HV1199
Transcrita por Gabriele Araujo
Revisada por Grazielle Pellicel
P/1 - Tá bom, Jorge, a gente vai começar com você falando o seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Eu sou o Jorge Hamilton de Oliveira Velino, é… Data de nascimento? 11 de fevereiro de 1997, e a… profissão?
P/1 - Local de nascimento.
R - O local de nascimento… São Paulo.
P/1 - E, agora, se você puder fechar o olho assim, dar uma concentrada, e tentar resgatar na sua memória a sua primeira lembrança.
R - A minha primeira lembrança… Da vida? Quando… Uma vez quando eu era criança eu tava num shopping com meus pais e eu tinha um balão de hélio, de gás hélio, e para mim aquilo era incrível, ver o balão flutuando no ar e não caindo nunca! E eu lembro de chegar em casa segurando aquilo e soltar e ele ficar parado no teto, e eu brincava, pulava pra pegar e soltava de novo e voava, mas eu não tinha muita noção de que aquilo… O teto que era o que segurava aquilo e mantinha aquele balão comigo. E eu lembro de ir pra fora com meu pai, pra brincar, levar o balão, e eu solto o balão, esperando que eu fosse conseguir pegar de novo, e ele foi embora pra sempre. Essa é a minha lembrança mais antiga que eu tenho da vida, eu não sei nem se essa era a pergunta, na verdade, se era a primeira lembrança da vida, mas é o que veio na cabeça.
P/1 - E você fala dos seus pais. Como eles chamam?
R - Minha mãe chama Ivanci, e meu pai chama Oscar.
P/1 - O que eles fazem? Conta um pouquinho.
R - Minha mãe, ela… Ela trabalha… Quando eu nasci ela trabalhava como… No hospital, como secretária, mas ela saiu do emprego assim que ela engravidou de mim, por que ela quis… É… Ela queria sair do emprego para poder cuidar de mim, porque eu sou o segundo filho dela e o primeiro ela não teve a oportunidade de cuidar como ela gostaria, dar toda a atenção que a criança merece e precisa, e quando eu nasci foi uma gravidez planejada, ela tinha intenção de fazer diferente em relação ao que ela tinha feito com o meu irmão, então ela optou por sair do emprego e poder se dedicar a maternidade integralmente. Ela queria dar uma criação diferente da que ela deu pro meu irmão. E aí, desde então, desde quando eu nasci até meus dez anos, ela ficava em casa e trabalhava em casa, cuidando de casa e cuidando de mim, era o trabalho dela. E aí, quando eu tinha dez anos ela começou a trabalhar na área de limpeza num outro hospital, no Hospital das Clínicas e ela… Foi a primeira vez que eu a vi trabalhando fora e também foi a primeira vez que eu passei a ficar sozinho em casa, porque eu sempre tive essa presença materna em casa, integralmente, e aí quando ela começou a trabalhar fora, eu precisei me virar também, nas horas que eu ficava sozinho, né? Então eu ia pra escola de manhã, voltava, e aí eu ficava algumas horas sozinho, tinha que lavar a louça, arrumar a casa. Eu lembro que, inclusive, quando ela começou a trabalhar, meu pai e ela conversaram comigo e disseram que eu tinha essa… Teria essa responsabilidade, que ela ia trabalhar o dia inteiro e ela não tinha obrigação de lavar a louça do meu almoço, por exemplo, então aí eu comecei a me virar como eu podia, aos dez anos. Ela ficou pouco tempo trabalhando na área da limpeza, depois ela ficou mais tempo em casa, trabalhando em casa, aí ela passou a trabalhar com… Como cozinheira, fez alguns outros trabalhos, mas sempre rápidos, por pouco tempo, e hoje, atualmente, ela trabalha em casa, novamente. E meu pai, ele sempre trabalhou com telefone, arrumando telefone… Não em casa, pessoa, era mais empresa, ele trabalhava na Telefônica, Telesp primeiro, depois Telefônica, e trabalhou na Vivo sempre na mesma área. E atualmente ele é aposentado, ele faz Uber, eventualmente.
P/1 - E me conta um pouquinho mais dessa casa que você cresceu, onde que era, como que era a casa.
R - É um apartamento de Cdhu, lá na Zona Sul no Jardim São Luís, e eu nasci… Eu moro lá desde que nasci até hoje, e é um apartamento bem pequeno, então são dois quartos, eu cresci com o meu irmão, então a gente dividiu um quarto… Sala, banheiro, cozinha. É um apartamento bem pequeno. Cdhu, pra quem não conhece, é um conjunto residencial público, é do Estado, então é pra família de baixa renda, têm isenção de alguns impostos para que aquelas pessoas tenham onde morar, né? Então eu moro lá desde sempre.
P/1 - E o seu irmão… Conta um pouquinho dele, como ele chama, quantos anos ele é mais velho…
R - O meu irmão, ele chama Edson. Ele é treze anos mais velho que eu, então… Hoje ele tem vinte e… 38! Eu tenho 25, ele tem 38. E ele sempre foi uma pessoa muito presente na minha vida, porque ele sempre fez questão de estar… de me levar pra sair, de ir me levar pra onde ele ia, então ele foi uma presença masculina, por exemplo, mais do que meu pai, porque meu pai trabalhava o dia inteiro, então meu irmão era a pessoa, o homem que eu tinha mais contato. Mas quando eu tinha nove, ele se mudou para Portugal. Então eu passei a primeira infância convivendo com ele, mas aos nove eu passei a viver como filho único até os meus quinze anos. E aí quando ele voltou de Portugal, foi um pouco estranho pra mim, porque eu vivi alguns anos… Bom, seis anos, pra quem era muito novo, seis anos é bastante tempo, né? Então eu fiquei boa parte da minha vida morando sem ele, eu deixei de estar acostumado com aquela presença, então foi meio conflituoso depois da volta dele, inclusive, ele ficava de mudar… Ele estava pra mudar de casa já tinha algum tempo e eu sempre ficava ansioso, querendo que ele conseguisse finalizar essa casa pra que ele saísse e eu voltasse a viver como filho único. E agora ele mora nessa casa que estava previsto pra ele morar há um tempo, já. Eu sempre fiquei nessa ansiedade. Até por o apartamento ser pequeno também, é meio complicado dividir um quarto que já é minúsculo, as manias ficam diferentes, né, o seu modo de vida muda, e aí uma pessoa, qualquer pessoa há mais ali muda a dinâmica, então… foi conflituoso.
P/1 - E você falou, começou falando do balão, né? Você lembra de outras brincadeiras que você fazia quando era criança, com quem você brincava, quem eram os seus amigos?
R - Eu gostava muito de brincar de… Eu lembro de brincar muito de esconde-esconde, pega-pega, pular elástico. Eu tinha… Eu tinha bastante amigos no condomínio, e especialmente meninas, então eu não brincava muito, por exemplo, com brincadeiras típicas consideradas masculinas, né? Empinar pipa, bolinha de gude, futebol, essas coisas eu não gostava. Então eu brincava… Acho que brincadeiras que não são associadas a gênero, na verdade, talvez pular elástico, mas eu gostava bastante de sair, eu moro, nesse condomínio do Cdhu é um espaço bastante amplo, então eu conseguia ter uma liberdade que eu acho que crianças de hoje geralmente não tem, de ter um grande espaço para brincar com outras crianças e tal. Então [quando] eu não estava na rua, correndo risco de ser atropelado, qualquer coisa do tipo, eu estava dentro do condomínio, mas era uma área bastante grande, então dava para explorar bastante, correr de um lado para o outro, se esconder e dava para aproveitar bem o espaço.
P/1 - E outras pessoas da sua família, assim… Como que era a convivência? Um avô, uma avó, alguém que foi importante para você, que é.
R - Eu sempre fui muito próximo da minha família materna, principalmente. Então eram muito comuns festas, por exemplo, minha madrinha todo ano ela faz uma festa em agosto, que é o aniversário dela, e ela adorava reunir centenas de pessoas, às vezes centenas, duzentas pessoas, assim, na casa dela. Ela mora numa casa grande, num quintal grande, então ela adora reunir os amigos, a família, então sempre cresci muito próximo dessa família nesses eventos, é aniversário, natal, ano novo a gente sempre passava junto também, fazendo ceia, né, então sempre tive… Eu era muito, muito próximo da minha família mesmo. A minha família materna um pouco menos, então era mais natal, por exemplo, então a noite de natal a gente passava com a minha família materna, até hoje é assim, na verdade, e no dia seguinte que é o almoço, que é o dia 25, de fato, a gente passa com a família paterna, mas, em geral, a família materna era onde eu tava sempre, assim, em Osasco, que é onde a minha tia mora. Então a minha tia, ela meio que a casa dela é meio que a convivência, é o espaço comum da família toda, todo mundo vai para lá quando quer se reunir com a família. Pessoal do interior tem família em Piracicaba, tem a família em outros lugares de São Paulo, e Osasco é para onde a gente vai para se reunir com o restante da família. Então eu era bem próximo, mas quando eu me tornei adolescente, com os dezesseis anos, eu… Na verdade com quinze, eu comecei a questionar a minha sexualidade e a minha família, eu via minha família como homofóbica, assim, né? É uma família que tinha muitos comentários preconceituosos, inclusive eu reproduzi muito quando era criança, mas eu comecei a me afastar deles quando eu comecei a questionar essa minha sexualidade e pensar o quanto eu poderia ser algo que eles não gostavam, e isso me afastava deles tanto com medo, era mais medo, na verdade, mas também tinha essa ideia de “eles não me merecem”, mas era, primeiro de tudo, medo de como seria essa reação, né, então calhou de coincidir com o momento de eu estudar para vestibular, de querer entrar na faculdade, e aí foi um momento propício para eu me afastar, e aí a desculpa era sempre que eu estava estudando. Então deixei de ir para reuniões familiares, às vezes no final de semana meus pais iam para lá e eu deixei de ir, porque… Eu tinha medo, tinha vergonha, eu comecei a me podar muito em relação o comportamento, gestos, jeito de falar, coisas que eu acho que estão associados à sexualidade, eu não acho que é só alguma coisa que tem a ver com a sua privacidade e intimidade, eu acho que tem várias outras questões que extrapolam isso e… Jeito de se vestir e etc., então eu achava que por esses motivos, eu sendo quem eu era, eu estaria entrando em aflito com a família e eu tinha medo disso. Então, na adolescência, eu acabei me afastando desse ambiente familiar. Então na infância era muito família, adorava estar com a família e só tenho lembranças positivas, de muita alegria, risada e tal, mas na adolescência isso passou a ser mais doloroso, esse contato com a família.
P/1 - Eu vou voltar um pouquinho pra infância ainda…
R - Uhum.
P/1 - É… Como que foi sua primeira escola? Como que era? Você lembra? A primeira escola que você foi…
R - Eu lembro, eu só estudei em duas escolas, então eu tenho uma memória forte das duas. Eu tinha cinco anos quando entrei no Jardim II, foi quando eu comecei, e do Jardim II eu estudei, dos cinco eu estudei até os onze anos nessa escola. Era uma escola particular, mas era uma escola particular de bairro, hoje eu trabalho numa escola também, é uma escola de elite, né, é uma escola que a mensalidade é mais de 5.000, mas essa escola que eu estudava era… Sei lá, na época devia ser uns trezentos reais, então não era pública, mas não chegava a ser nem de perto uma escola de elite, mas era um ambiente bastante branco, por exemplo, apesar de ser barato e ter mais pessoas negras do que tem onde eu trabalho, não era um ambiente em que, era um ambiente que eu era minoria, né, então eu lembro de alguns episódios de racismo, mas no geral eu tinha um bom convívio com as crianças. Eu lembro de uma menina que eu me apaixonei, de quando eu tinha seis anos até meus quinze anos, foi uma paixão longuíssima, e que me fez viver situações de racismo, ela provocou, mas ela era minha amiga, ela passou a maior parte do tempo sendo minha amiga, minha melhor amiga, aliás, e é engraçado inclusive porque ela era… Eu tava nessa zona de amizade, pra ela, mas para mim eu, eu… Era misturado, era uma coisa confusa, mas, enfim, eu fiquei apaixonado por ela por bastante tempo e ela é uma das maiores marcas eu acho dessa primeira escola que eu estudei, foi a pessoa mais marcante. Mas também uma das melhores amigas minhas [até] hoje, [que] eu conheci também nessa escola, aos cinco anos, a minha amizade mais antiga é com ela, vinte anos de amizade, também vem de lá.
P/1 - E você lembra dessa sua segunda escola que você entrou? Quantos anos você tinha? Como foi?
R - Eu tinha doze e também era uma escola particular, um perfil parecido, uma escola de bairro, e lá eu vivi um outro momento, porque eu já estava mais maduro, eu estava entrando na adolescência, então… Eu mudei com essa menina, o nome dela era Carol, então eu mudei com ela, a minha melhor amiga também, que é uma pessoa não binária e era Larissa o nome dela, a gente mudou juntos, e Gabriela, essas três pessoas eram minhas melhores amigas, eu comentei que as minhas amizades eram majoritariamente mulheres, né, e essas meninas eram as minhas melhores amigas no primeiro colégio e aí a gente mudou juntos para esse segundo. E lá eu consegui fazer boas amizades também, meu primeiro ano foi um dos melhores da minha vida, inclusive, foi um momento de muitas mudanças, mudei de colégio, mudei de… Eu acho que a minha mentalidade também, porque criança também muda muito de um ano para o outro, né, mas doze anos foi uma transição boa, assim, eu tenho boas lembranças, foi quando eu também fui visitar meu irmão pela primeira vez e única na verdade, fui para Portugal, foi muito marcante essa viagem também, então foi, foi… Enfim, foi um ano incrível nesse colégio. E aí lá eu tive primeiro beijo, perdi a virgindade também com uma pessoa de lá, grandes amigos, então foi um colégio, acho que me marcou mais tanto por ser mais recente em comparação ao outro quanto por eu ter vivido uma fase mais marcante, não sei se mais marcante, mas uma fase de transição que é a adolescência, né, então eu tenho fortes lembranças de lá.
P/2 - E eu queria, já que você falou do seu irmão também, eu queria perguntar, existe treze anos de diferença, né?
R - Aham!
P/2 - Espero que, durante um tempo, e talvez até hoje, ele é uma referência, assim, pra você, ou foi, né, e aí eu queria saber se você lembra de alguma coisa específica, alguma experiência, que você viveu, né, com ele, assim, não sei se a palavra é admiração… algum momento que foi marcante nessa relação de estar seguindo alguém mais velho, assim.
R - Hum… Eu tinha ele como uma referência, ele é uma pessoa… é, bom, uma coisa fútil, mas que me marcou desde pequeno é que ele era uma pessoa que a gente chamava de galinha, né, uma pessoa que fica com várias pessoas e tal, enfim, uma pessoa que… várias mulheres, né, ele é hetero, então essa eu acho que é a minha primeira referência dele como essa pessoa que eu queria ser como ele, um pegador, isso era admirável pra mim. Então tem essa referência com mulheres para mim era algo importante na infância. Eu me lembro de… eu também sempre o admirei como uma pessoa… Na verdade, isso é mais recente, como uma pessoa que é muito, ele tem uma oratória fantástica… Ah, é que hoje eu o admiro de muitas formas. Pode falar de hoje ou você prefere da Infância? É que hoje eu admiro muito em relação a oratória, como ele se expressa, a gente pensa muito parecido, mas eu gosto de como ele põe isso para o mundo, o quanto as pessoas conseguem compreender o que ele tá falando, acho que eu tenho muito [a] aprender em relação à comunicação com ele. Eu também acho que ele aprende muito comigo, de diferentes formas, mas em relação à comunicação, né, mas eu gosto da comunicação dele, o quanto ele consegue convencer pessoas inclusive daquilo que ele não tem certeza, isso foi uma coisa que eu fui entendendo com o tempo, porque eu tendo a falar mais aquilo que eu tenho certeza, então eu demoro muito para me expressar, pra falar as coisas, eu penso muito antes de falar, ele já é uma pessoa que ele é um oposto de mim em tudo e nisso também, então ele é uma pessoa que ele não pensa tanto para falar, ele é mais impulsivo, mas eu gosto da certeza com que ele fala as coisas, então eu acho isso fantástico também. Ele é uma pessoa muito preocupada com o social, ele tem projetos sociais que estão bastante grandes hoje, ele impacta a vida de muitos jovens com… Ele é chefe de cozinha, então, educando jovens na gastronomia, então o impacto que ele tem nas periferias também, o foco dele é esse, né, também admiro bastante, então ele é uma pessoa que, acho que hoje mais do que nunca, ele é uma grande referência para mim. Acho que antes, mais novo, tinha questão de ser competição, sabe, ser irmão mais velho, essa coisa da comparação. Acho que meus pais nem fazem tanto, acho que é uma coisa muito minha. Meus pais não me comparam muito com ele, mas eu me comparava muito, então demorou para ele se tornar uma admirável para mim como ele é hoje. Então, hoje, estando mais maduro, eu consigo valorizar mais esse lado positivo dele.
P/1 - Eu vou voltar um pouquinho. E como foi a sua viagem para Portugal? Você falou que foi bem marcante, tem alguma história?
R - Nossa! Portugal… Eu sempre tive vontade de viajar o mundo todo, desde pequenininho eu gostava muito de trocar, eu queria muito falar outras línguas e conhecer novos lugares, então a experiência de estar num país… eu nunca fui muito de viajar, demorei pra sair do estado de São Paulo, então estar num lugar em que as pessoas falam de uma forma, por mais que seja português, que eu custava entender, para mim era fantástica. Eu podia não entender o que a pessoa estava falando, mas é aquela sensação de estar num mundo diferente, pra mim era mágico! Então as interações que eu tive lá, e só de conversar no mercado, a experiência de ir ao mercado, para mim já era válida porque era muito diferente daquilo que eu vivia. E e a experiência de, dessa questão do português também, né, porque é uma mesma língua, mas eu não entendia nada, eu pedia para as pessoas repetirem toda hora porque eu não conseguia entender o português de Portugal. Era engraçado também, me chamou a atenção, por ser a mesma língua, mas essa dificuldade de comunicação, né? Eu lembro de ter saído com o meu irmão pela primeira vez, eu tive a visão do meu irmão, que não tá nesse âmbito familiar, a gente tem muito uma relação de amizade e ele sempre conseguiu se abrir mais do que eu com ele, ele se abria mais comigo do que eu com ele, e então lá foi a primeira vez que eu tive a visão do meu irmão fora desse âmbito familiar, porque as pessoas acabam tendo visões, elas se aparentam de formas diferentes dependendo do ambiente, né, e eu lembro de ficar chocado, de sair com ele e ver aquele Edson, porque, até então, eu conhecia o Edson irmão e não o Edson amigo, porque eu saí com vários amigos dele, né, e ali a face que ele tava mostrando pra mim era a face que ele mostra pros amigos dele. Então o jeito de falar, os assuntos, o jeito que ele falava de mulher, inclusive ele mudou muito, porque ele era… Hoje ele é uma pessoa… Sei lá, a gente tem o termo “macho escroto” de falar daquele cara, enfim, ele era um pouco, hoje eu não vejo ele como essa pessoa, mas o jeito que ele falava de mulher também eu me assustei até, porque sei lá, eu tinha doze anos, ele nunca tinha falado de mulher comigo, eu vi ele falando daquele jeito para mim foi um pouco esquisito. Beber, foi a primeira vez que eu bebi também, foi com ele, foi lá em Portugal. Então, sair pra praia; antes de ir para praia, passar no mercado, comprar bebida, comprar comida e tal e depois ir para praia e vivenciar a praia com ele, foi muito legal! E a primeira vez, nessa experiência de ir à praia com ele, a gente conheceu umas duas meninas holandesas e elas estavam… Você é europeia, né? Você deve, enfim, não sei se já foi à Portugal, mas eu ouço falar que Portugal, as praias de Portugal, são bastante visitadas por europeus e aí essas meninas holandesas foram no verão para Lisboa e elas foram para Cascais, acho que é Cascais o nome da cidade, elas foram para lá para a praia e aí a gente começou a conversar com elas. Meu irmão é muito comunicativo e ele também é muito, ele é pegador, como eu falei, e sempre tava tentando dar ideia nas meninas, e aí ele puxou assunto com elas e tal, ele sempre foi também, dificilmente tem alguém mais extrovertido que ele nos ambientes, então ele que começou a conversa e aí conversando, tentando falar inglês ali com elas, a gente puxou assunto e elas queriam… Elas tinham algumas imagens superficiais do Brasil, de Cidade de Deus, é o que elas conheciam, então elas associavam o Brasil à violência, à favela e essas coisas, então isso foi uma coisa que marcou a visão de estrangeiros sobre o Brasil, e conversa vai conversa vem elas decidem ir ao McDonald's comer e elas… Eles queriam ir junto, porque eles estavam afim delas, né, eram meninas bonitas e tal, e aí elas falaram que elas queriam que eu fosse com elas, só eu, elas não queriam que eles fossem, e aí eu fiquei animado, né, eu tinha doze anos, elas tinham dezesseis. E aí eu achei que ia rolar alguma coisa e tal, e eles ficaram frustrados e me colocando expectativa de que alguma coisa poderia acontecer entre a gente, e aí a gente foi pro McDonald’s e eu não sei como, uma delas falava português, mas a outra não e aí eu tentava me comunicar com a outra que eu achava mais bonita, mas precisava… A intermediária era essa menina que falava português, e aí eu tentava dar ideia nelas com referência do meu irmão e o meu irmão se tornou a referência de como chegar nas mulheres também, eu consegui no final um selinho que para mim foi, nossa! Eu achava que tinha ganhado o dia tendo dado um selinho nas duas. Uma delas quis dar um selinho em mim facilmente, a outra eu precisei pedir de novo porque ela não queria me beijar, mas aí eu pedi mais uma vez, ela me deu um selinho e pra mim, nossa, eu fiquei super feliz. Contei pro meu irmão e os amigos dele como se fosse a melhor coisa do mundo! E eu saí com a sensação de que eu tinha conseguido mais do que eles, e que eu era mais interessante do que eles com doze anos de idade. Foi uma experiência engraçada, assim, que eu não me esqueço dessa viagem. E uma outra coisa sobre essa viagem que eu, e aí não tão positiva assim, me lembro e que me marca até hoje, é o racismo de Portugal. Eu vi muitos africanos lá porque Portugal… São sete países, se eu não me engano, no mundo, que falam português, então tem muitos africanos que vão para lá, né, de Angola, Moçambique, Cabo Verde, que falam português e buscam melhores condições de vida. Para eles é fácil ir para Portugal, é Europa, tem uma economia melhor, eles vão em busca de oportunidade, falam a língua deles. Então eu lembro de um racismo que eu não via no Brasil, que é, por exemplo, muito comum eu ver escrito nos lugares nas ruas “pretos vão embora”, mandando as pessoas irem embora, os pretos, né, que para mim era chocante que eu nunca tinha visto no Brasil isso, por mais que eu soubesse que o Brasil era racista, não era dessa forma explícita, e mercado também, às vezes eu ia sozinho, tinha um mercado perto de onde meu irmão morava, que eu perguntava… Enfim, eu tava lá comprando coisas, e eu sentia o tratamento diferenciado nas pessoas que estavam me atendendo ali no caixa, coisa que também no Brasil isso nunca… Não tinha percebido, não que nunca tivesse acontecido, mas para uma criança de doze anos não era perceptível isso no mercado, mas em Portugal era perceptível, eu sabia que estava sendo tratado de uma forma desagradável e eu sabia que era por eu ser negro. Assim, talvez ser brasileiro também tivesse contribuído, mas eu tinha certeza de que ser negro foi, era um fator determinante para eles me tratarem daquela forma. Então tenho muitas boas lembranças de Portugal, mas tenho essas negativas também com as pessoas portuguesas, não foram todas, mas eu me lembro muito disso. Eu acho que é a primeira vez que eu tive contato com o racismo… Que eu tive consciência de que isso acontecia comigo, que antes meio que passava batido, em Portugal ficou mais evidente.
P/1 - Como foi essa volta pra escola? Você falou que esses doze anos, quando você tinha doze anos foi bom mudar de escola, você foi viajar, e essa volta assim? Depois dessa experiência dos selinhos…
R - (risos) Então, foi muito louco, porque era pandemia também, era a pandemia da gripe suína, né, H1N1. Então, foi em 2009 que eu fui pra Portugal. Inclusive, eu fiquei mais tempo lá em Portugal porque a minha escola aqui no Brasil adiou o início das aulas, eu fui em julho, que era férias escolares, e aí eu voltaria no início de agosto, mas, por causa da H1N1, eles adiaram e aí eu pude entender a minha estadia lá. Voltei em setembro, então foi meio esquisito, assim, porque foi uma rotina completamente diferente. Eu voltei tendo que ir para escola de sábado, para mim isso era impensável. Eu tive aula de sábado porque eles ficaram muito tempo sem ter aula, então, para repor as aulas, eles começaram a oferecer de sábado também, então meus finais de semana eram menos curtos. Minha rotina de estudos era intensa, porque eu estudava muito esse ano achando que essa escola era mais rígida, então eu quis estudar. Aquele ano foi o que mais estudei na escola, para manter boas notas e tal, então estudava muito, passava, lembro de passar o dia inteiro estudando, eu lembro de ficar com a perna inchada e o pé inchado de tanto ficar sentado lá, estudando, então foi muito intensa essa volta, mas eu voltei com muita história para contar também, com os meus amigos, né? Como eu moro em Cdhu, as pessoas têm baixa renda, não tinha nem perspectiva de ir pra fora do Brasil, ter ido e passado um mês e meio, para os meus amigos, principalmente, que eram crianças, pra eles era… Eles queriam muito ouvir as histórias, o que eu tinha vivido lá e eu falei do meu irmão, eu falei dessas experiências dando rolê com ele e tal, então foi legal ver essa… Eu fui visto de uma forma diferente, sabe, tipo como se fosse algo chique, assim: “Ah, nossa, ele foi para Portugal”, uma coisa incrível para eles, então foi… E eu acho que eu voltei com uma outra postura também, porque para mim era algo que eu achava que eu tinha… Eu me achava melhor, de alguma forma, porque, e não lembro de desprezar os outros, eu não me lembro disso, pelo menos, mas de achar que era algo muito foda, assim, ter ido para outro país, e eu deixei o cabelo crescer, também, eu nunca tinha deixado, lá eu deixei o cabelo crescer, então eu voltei com o cabelo maior, com óculos escuro que eu comprei lá, eu voltei me achando, achando que era muito foda ter ido para a Europa! Eu lembro que no MSN eu coloquei, antes a gente colocava umas frases no MSN, né? Antes de ir eu coloquei: “Europa me espera”, que eu queria divulgar e era para ser segredo, meu pai pediu para não contar pra ninguém, eu falei: “Não, pode deixar, não vou contar para ninguém”, eu só coloquei no MSN lá “Europa me espera”. E então eu acho que eu voltei também, falando diferente, andando diferente, foi por causa dessa experiência, então é por isso que eu acho que ela foi tão marcante pra mim.
P/1 - E aí como que foi essa vida na escola, a relação com suas amigas, com os outros amigos a partir daí, entrando mais já na adolescência mesmo, né?
R - É… Bom, aos quinze anos a minha relação, as minhas amizades mudaram muito. Eu comecei a sair mais, eu comecei a beber mais, com pessoas ainda do colégio, mas eu comecei a me relacionar com outras pessoas que eu não era amigo antes, e pessoas mais velhas, uma série mais velha, um ano mais velhas, então eu acho que quinze anos é um marco. Dos doze aos catorze, eu mantive as mesmas amizades e pouco, poucos amigos também, não poucos de me sentir solitário, mas aos quinze se tornou muito numeroso, eu comecei a me relacionar com muita gente e eu comecei a ser meio que considerado popular, sabe, essa imagem da pessoa popular que é amigo de todo mundo e tal, com quinze anos foi quando eu me tornei essa pessoa. É… então a minha adolescência foi com essas amizades assim. Aos quinze, eu tive no meu primeiro PT também, eu bebi muito. Um dia eu saí com um amigo meu que era um amigo que já era antigo, mas ele conhecia pessoas mais velhas. Aliás, esse foi o marco dessas novas amizades. Então ele me chamou para jogar um jogo de tabuleiro, com esses amigos que ele conhecia, mais velhos. Na verdade, eram amigas, então a intenção era ficar com essas meninas também, era tipo jogar, mas tinha uma segunda intenção também. E a gente comprou vodka! E eu nem… Apesar de já ter bebido aos doze anos com meu irmão, eu nunca tinha ficado bêbado, de fato, fiquei altinho no máximo, mas nunca bebi muito, eu nem conhecia vodka, e aí a gente saiu, fomos para adega, compramos Smirnoff, e fomos jogar esse jogo tabuleiro. E a ideia era que quem perdesse ia tomando um shot de vodka pura, e eu não tinha noção nenhuma da quantidade que, para mim, era tolerável, assim, e eu só fui bebendo, bebendo, bebendo, até que eu sem perceber eu… Do nada, eu lembro de estar jogando normal, meio sóbrio, e passa para uma lembrança completamente bêbado, dançando, cantando, e eu nunca tinha ficado louco daquele jeito e eu não parava de beber, porque eu não tinha experiência, então eu não sabia qual que era meu limite e não sabia que eu vomitaria em algum momento e que eu perderia a consciência e isso aconteceu, mas até isso acontecer eu comecei a tentar, porque a ideia, como a ideia era a gente ficar com aquelas meninas e tal, eu estando bêbado, comecei a ter coragem de chegar nelas, mas eu era completamente sem noção, assim, de como chegar na pessoa, de como me tratar, me comportar com essas meninas, então na adolescência eu tenho essa lembrança de ser essa pessoa zoada, também, de beber muito e primeiro, forçar situações, a pessoa não tava afim de mim e eu tava querendo forçar de alguma forma, agarrar mesmo, coisas que são chocantes assim, que hoje a gente repudia muito e que são inemagináveis para mim, mas, antes, na adolescência, eu fazia. Eu achava que eu conseguiria alguma coisa me comportando dessa forma. Então eu tenho essa lembrança de querer ficar com essas meninas, não fiquei, obviamente, ninguém ia ficar com uma pessoa se comportando dessa forma, primeiro completamente bêbado e forçando a situação desse jeito, mas eu tentava muito, tentei ficar com as três e tinha essa também, porque eu não tinha critério nenhum! E aí eu… enfim, não rolou nada. E aí eu também, passa para outra imagem, outra lembrança minha, deitado, era uma quadra de futebol, eu deitado só falando o número da minha mãe para os meus amigos, porque eles precisavam ligar para ela porque eu tinha vomitado, e eu não percebi que eu tinha vomitado, eu lembro desse momento de passar o número e perceber que minha roupa tava completamente suja de vômito, o chão do lado completamente sujo e eu sem conseguir levantar, sem falar, sem nada, e aí apagão de novo. Eu lembro de outro momento sentado: a mãe da minha amiga tentou dar café, nem sei se café é bom para quando a pessoa tá bêbada, mas tentou me dar café; eu odiava café, cuspi; tentou me dar água e tal. E aí passa para outra imagem, outra lembrança, da minha família: meu irmão e minha mãe, indo me buscar e meu irmão falando um monte para mim, bravo, que eu tava naquele estado e aí eu só lembro de eu acordando no dia seguinte e aí eu acordei com muita vergonha, porque eu nunca tinha… Meus pais não faziam ideia que eu bebia e eu tinha vomitado, minha mãe ia lavar aquela roupa. Aliás, eu acho que hoje ela teria feito eu lavar, mas na época ela acabou lavando aquela roupa nojenta no tanque, com vômito, e eu acordei muito envergonhado porque eu lembrava mais ou menos do que tinha acontecido e eu tava com medo daquilo que eu não lembrava, que eu podia ter feito, né? E aí eu levantei em algum momento, acho que eu precisava ir ao banheiro, não dava para segurar mais, eu levantei, e na verdade a reação deles nem foi tão grave quanto eu achava, mas minha mãe ficou muito preocupada, porque a minha família é uma família de alcoólatras, todos os irmãos dela praticamente, ela tinha oito irmãos e todos alcoólatras, só ela e minha tia não são, mas todos os homens eram, e ela tinha muito medo, até hoje ela fica me controlando para eu não beber tanto porque ela tem medo de que eu me torne alcoólatra, então para ela, mais do que querer ficar me dando sermão e tal, por ela ter ido me buscar ou ter que lavar minha roupa, até, eu acho que para ela o que mais pesava era o medo de eu ficar viciado naquilo. Então, foi um marco assim, mas também foi um momento que foi uma história para contar e o motivo de risada entre os meus amigos e foi quando eu me tornei amigo de outros também, da galera mais velha, então tem esse marco assim, da adolescência minha. Quando… Você perguntou sobre essas minhas relações, eu lembro que quando eu tinha, isso foi com quinze, dezesseis, eu continuei tendo todos esses amigos, mas com dezessete eu comecei a fazer cursinho, eu também mudei muito a minha mentalidade, me tornei, eu fiquei mais politizado, me interessei mais por política, comecei a pensar mais sobre o racismo, sobre… Me interessei muito por história. Eu estudo história hoje, né, e no cursinho foi onde eu peguei gosto por história, e aí eu comecei a achar essas pessoas fúteis, eu me afastei de todo mundo com dezessete anos. Foi uma nova fase também que eu iniciei, porque eu achava que essas pessoas não me agregavam muito e eu queria estar em volta de pessoas que me acrescentavam na vida, e então essas amizades duraram pouco também.
P/1 - E como foi essa… Esse início no cursinho, essa transição da escola pro cursinho, a escolha de carreira?
R - Hum… O cursinho foi ótimo, é… Até hoje, já faz 7 anos que eu saí do cursinho, até hoje o cursinho, eu acho que foi a melhor fase, eu gosto de ficar pensando sobre a minha vida, pensar sobre bons anos e tal, eu faço essa comparação, eu acho que o cursinho foi a melhor fase da minha vida e é um período que ninguém gosta, todo mundo tem trauma, ninguém gosta de lembrar, todo mundo quer passar rápido, mas foi quando, acho que foi quando eu comecei a construir o que eu sou hoje em questão de… claro, eu tô construindo desde que eu nasci, mas em questão de pensamento político, de visão de mundo, gosto musical, repertório artístico, cultural, tudo isso veio do cursinho. Na escola, eram coisas mais superficiais, eu acho. Então foi uma época muito da hora, assim, na minha vida, de muito aprendizagem, então valorizava muito isso, o quanto eu tava aprendendo e vivendo com pessoas de histórias de vida, de repertório, tudo muito diversos também, diferente da minha, né, eu acho que entre eles eram homogêneo, porque era todo mundo, era um cursinho também meio caro, então eram pessoas de classe média alta e eu não era desse meio, então acho que entre eles não tinha muita novidade, mas para mim tinha muito, e eu achava que aquelas pessoas eram muito interessantes. Depois eu também comecei a ver que não tanto assim, mas na época para mim era muito bom estar com pessoas que me apresentavam músicas que ninguém nunca tinha me apresentado antes e que eu escuto até hoje, filmes, as conversas que se tinha ali, então o cursinho foi muito importante para mim nesse sentido. E a escolha de carreira, eu queria fazer jornalismo, porque eu gostava muito de escrever, sempre gostei muito de escrever, da área da comunicação, e eu queria cursar isso, mas, aí eu tentei o primeiro ano, jornalismo eu queria na USP, porque a USP também eu sabia da existência do Crusp, que é o conjunto residencial lá da USP, e como eu estava começando a me entender como uma pessoa bissexual e eu achava que minha família não me aceitaria, eu achava que o Crusp seria a minha liberdade, porque eu conseguiria sair de casa, de graça, então não precisaria da preocupação de buscar ainda um emprego. Eu achava que passar na universidade resolveria todos os meus problemas. E então eu foquei na USP, e eu estudei muito também, porque eu só tinha esse objetivo, eu até prestei Enem, o Enem abriria a porta para outras universidades, mas eu não prestei nenhuma outra estadual, nada, nenhum outro vestibular, era USP e o Enem, só para ter uma carta na manga, assim, se não der certo a USP, né? E aí o primeiro ano não deu certo… Ah, esqueci de falar, o jornalismo é um dos cursos mais concorridos da USP, então eu estudava no domingo a domingo, tava lá no cursinho de domingo a domingo, religiosamente. Eu acho que grandes exceções me faziam não estudar, tipo o aniversário da minha tia, que eu comentei que todo agosto ela faz, eu fui também quando eu tava no cursinho. Mas eram eventos como esses que eu deixava de ir, pro resto, eu ia sempre. Mas no primeiro ano não rolou e no segundo também não rolou. No segundo, eu me aproximei muito, mas não cheguei lá, eu tinha muita defasagem do colégio e aprendi muita coisa que eu nunca tinha nem ouvido falar no colégio, eram coisas novas, assim, então, apesar de ter chegado muito próximo, esse curso não roda muito a lista, então passou a primeira, passou a segunda, na segunda já entraram poucas pessoas, e a lista vai rodando conforme, sei lá, a pessoa desiste ou não faz a matrícula, etc, mas todo mundo faz, tem poucas vagas, são sessenta, e como é um curso muito concorrido, não roda muito. Então passou a primeira, eu não tava lá… Nossa, eu lembro de, 2 de fevereiro de 2016, lembro até hoje, eu fui sair pra correr, aí eu voltei, sabia que estava no horário de sair a lista, voltei todo esperançoso, a energia ali a mil, tinha acabado de correr, tava muito eufórico assim, eu abri a lista, procurei o J, não vi meu nome, para mim foi muito… Nossa, meu mundo caiu, assim! Procurei uma, procurei duas, achava que eu não tava vendo certo, e eu via o nome dos meus amigos, todo mundo, a grande maioria dos meus amigos tinha passado, eu via o nome de todo mundo lá, e o meu eu não via, para mim foi muito… Nossa, dois anos de cursinho nessa, querendo viver, né, eu passei dois anos sem viver, praticamente. Assim, eu vivi muito na verdade, mas não fora dali, né, eu vivi dentro, ali dentro o que era possível, mas não saía, não fazia nada e eu queria muito viver outras coisas. Eu tinha muitos planos, muitos sonhos, muita esperança, e eu achava que seria a minha libertação, mas não foi. E aí fiquei muito frustrado, tinha certa esperança de na segunda lista talvez tivesse meu nome, mas eu sabia que o jornalismo não era, não rodava muito, aí chegou a segunda lista também, não tinha meu nome. A partir dali eu já tinha certeza que eu não tinha passado. E aí eu lembro que meus pais tavam viajando, eu falei com eles, minha mãe me ligou: “E aí, você passou?” e tal e todo mundo botava muita fé em mim, porque via meu esforço, né, e todo mundo me achava inteligente, falava: “Jorge, é certeza que já tá lá!”. E aí todo mundo me ligava: “E aí, passou?”, todo mundo feliz já, né, tendo a certeza que eu passei, eu não tinha passado, e aí minha mãe me ligou e eu tava arrasado! Eu falei:”Nossa, esse vai ser o pior aniversário”, porque meu aniversário é dia 11, a lista saiu dia 2… 2 ou 9, agora fiquei em dúvida, mas enfim, saiu muito próximo do meu aniversário e o carnaval também tava chegando, eu falei: “Vai ser meu pior aniversário, meu pior carnaval da vida!”, porque eu não passei na… Não realizei meu sonho, que eu vivi pra isso, né? E aí meu pai me matriculou, ele sempre me apoiou; em relação à educação, meu pai sempre me deu muito, me incentivou muito, a ler. O gosto por ler eu devo muito à ele, o gosto, prazer, por estudar foi graças ao meu pai. E o incentivo, né? Ele sempre pagou escola, sempre pagou cursinho e ele se dispôs a pagar mais um ano de cursinho, e era um cursinho caro assim, como eu falei, era de classe me
dia alta, então ele fazia esforço pra pagar. E eu até me matriculei, mas eu tava de saco cheio, eu tava muito sequelado assim, de tanto tempo estudando exaustivamente, e aí o que eu fiz foi tentar o processo de reescolha, na USP tem essa possibilidade, você não passa no curso, mas você pode escolher um outro que esteja sobrando vaga, porque às vezes a pessoa escolhe outra faculdade, ou perdeu o dia da matrícula, às vezes sobram algumas vagas no curso e aí você se candidata para ela e concorre com outras pessoas que estejam interessadas. E foi quando eu entrei na história. Então história não foi uma escolha, sei lá, eu não sou aquela pessoa que conta a história: “Ah, história, eu gosto desde que eu me entendo por gente”, não, foi uma coisa que veio… Sei lá, foi ao acaso, e eu comecei a gostar muito. Não me arrependo de ter cursado, mas não foi uma escolha, nem prestei história no vestibular, mas foi quando eu entrei no curso que eu tô hoje.
P/1 - Eu vou voltar um pouquinho (risos), só porque você tava falando que nessa época do cursinho você também… Enfim, percebeu que era bissexual. E como que foi esse caminho assim, com dezesseis anos? O que aconteceu? Se aconteceu alguma coisa.
R - Então, com quinze… Desde que eu me entendo por gente, eu sabia que gostava de meninos e meninas, isso não era uma novidade para mim, inclusive eu lembro de… eu era noveleiro, muito noveleiro, e eu gostava de Laços de Família, que é uma novela que passou em 2000 e tinha o Reynaldo Gianecchini, que ele era o galã, o protagonista, e eu achava ele muito bonito, e os meus amigos mais velhos que eu, que eram adolescentes, eu era criança… Olha que loucura, eu tenho imagens, lembranças muito antigas, assim, [de] quando eu assisti Laços de Família, mas eu lembro de muita coisa, mas eu não lembro que eu brincava com eles de Laços de Família, a gente brincava de atuar e cada um era um personagem de Laços de Família e eles me contam, eles eram mais velhos que eu, que eu insistia em ser a Helena, que é quem faz o primeiro par romântico com o Reynaldo Gianecchini,e eu falava que eu não brincaria se eu não fosse a Helena, ficava bravo mesmo, eu falava: “Eu quero ser a Helena. Se eu não for, eu não brinco”, e eu só brincava se fosse ela. E eu acho, lembro que achava ele bonito, acredito que eu tinha esse desejo de ser a Helena por causa do Reynaldo Gianecchini, até porque eu acho que a Camila, que é a filha da Helena e quem fica com o Reinaldo Gianecchini depois, eu achava ela mais interessante do que ele, então acho que o único motivo para eu querer ser Helena era porque ela fazia par com o Reynaldo Gianecchini. Mas eu quando era criança acreditava muito em Deus, era muito crente, então toda noite eu rezava antes de dormir, não deixava de rezar o Pai Nosso, Ave Maria e depois eu conversava com Deus um pouquinho, e eu pedia para Deus para que eu gostasse só de menina, porque eu achava, eu tinha certeza que um dia eu só gostaria de alguém, de um gênero, né, e eu pedia para Deus todo dia para gostar só de meninas quando eu viesse a gostar só de um gênero, que eu tinha muito medo de virar gay. E aí, com quinze anos, um grande amigo meu de infância, ele me contou que ele era bi e eu fiquei muito… Eu era muito, eu reproduzia muito preconceito, eu tinha preconceito com a homossexualidade e tal, e ele… então para mim aquilo foi um pouco, ao mesmo tempo que eu não gostei da ideia de ter um amigo que era bissexual, eu acho que, apesar de ter esse sentimento, a sensação de ter alguém que tinha a orientação sexual que explicava aquilo que eu sentia desde pequeno, o prazer de ter essa possibilidade foi maior assim, então foi um divisor de água para mim porque ele me falou da bissexualidade, eu nunca tinha pensado sobre isso, porque eu sempre tinha a certeza de que só existia gay, ou no caso de meninos, gay ou hétero, e eu falei: “Nossa! Eu tenho essa possibilidade também” - pensei comigo, não falei pra ele - “Eu posso gostar dos dois”. E aí, beleza, continuamos amigos e tal, e aí desde então comecei a pensar na possibilidade de ficar com ele para experimentar, né? E aí quando eu tinha dezesseis, ele tava na minha casa e eu comecei a entrar no assunto, perguntei das experiências que ele já tinha tido e tal, e aí ele perguntou se eu queria experimentar, e aí eu falei que sim, e eu tava sozinho na minha casa e aí a gente foi para o meu quarto, eu lembro que a janela estava aberta, eu fechei a janela, mas mesmo fechando a janela e estando no escuro e não tendo ninguém olhando, eu tinha muita a ideia de que eu tava fazendo alguma coisa errada, sabe? E o medo de ser visto, não era possível assim eu ser visto, mas eu tinha a ideia, um certo receio, de que alguém estava me vendo, mas, nossa, muitos sentimentos passavam assim por mim. E aí a gente se beijou, eu tava muito hesitante, assim, mas a gente se beijou e foi o primeiro beijo com menino, foi com ele. E eu lembro de ter gostado, foi meio esquisito porque tudo é diferente, né, o cheiro é diferente, a textura é diferente… Ah, o corpo é diferente, é tudo diferente! Então era muito esquisito assim, mas era bom, foi bom, e eu tinha a certeza que eu queria continuar aquilo. A gente beijou e tal, e aí a gente tirou a roupa, mas eu não queria perder a virgindade… Olha a ideia, eu sempre fui muito sincero, assim, eu não gosto de mentir até hoje, e eu não queria, a minha ideia era: eu quero perder a virgindade com mulher, porque quando numa conversa alguém me perguntar com quem eu perdi a virgindade, eu quero falar que foi com mulher, porque eu não quero mentir, eu não gostava de mentir. E aí eu não queria perder com ele, eu queria segurar, então eu pensei: tudo bem beijar, porque beijar eu já fiz com menina, então tá tudo bem fazer com menino, mas transar, eu não queria transar com menino naquela oportunidade, porque eu ainda era virgem, tinha feito nada. Então a gente não fez muita coisa naquele dia porque eu parei e falei: “Não, não quero continuar”. E aí ele foi embora, tal. E aí naquele ano eu conheci uma menina… na verdade, a gente era amigo e aí a gente acabou ficando e transando. Na verdade, a gente marcou de transar sem nunca ter se beijado, eu sabia que ficaria sozinho e tinha muita vontade de perder a virgindade e ela, imagina, adolescência, os hormônios da flor da pele e tal, e ela tinha uma… Era uma pessoa mais liberta sexualmente falando, ela falava muito de sexo, ela já tinha perdido a virgindade e ela estava, tinha vontade também de transar comigo, estava aberta pra isso, aí eu sabia que eu ficaria, meus pais não estariam em casa, meu irmão tava morando comigo e seria a única pessoa, empecilho. Como a gente tinha um diálogo mais aberto, eu pedi para ele sair de casa que eu ia levar uma menina lá, mas, assim, apesar de a gente ter um diálogo mais aberto, não foi tão fácil pra mim, foi meio custoso falar pra ele isso, mas eu nem precisava na verdade ter falado, porque ele já ia viajar de qualquer forma. Então eu fiquei sozinho, chamei ela para ir para minha casa, aí a gente foi e eu perdi a virgindade. E aí foi meio complicado, assim, porque tipo, eu broxei algumas vezes, tava muito nervoso, mas, enfim, consegui ficar ereto, ter a ereção. Perdemos a virgindade, perdi a virgindade, e aí desde esse momento eu pensei: “Ah, então agora eu posso ter qualquer experiência sexual porque já perdi a virgindade com mulher”. E aí com ela eu falei: ”Ó, não quero mais. Tivemos essa experiência, mas acho que eu não quero repetir, quero continuar sendo seu amigo”. Mas enfim, a segunda vez que ela foi lá em casa, eu falei: “Ó, não vamos transar, tá? Você só veio aqui pra me ajudar”, porque eu ia fazer… Quando eu perdi a virgindade foi aniversário da minha tia, minha mãe não tava em casa porque ela foi sair para almoçar com a minha tia. Na segunda vez que ela foi lá em casa era o aniversário da minha mãe e minha mãe também não tava em casa, acho que ela foi almoçar também com a minha tia ou qualquer coisa assim, e eu chamei a minha amiga para me ajudar a fazer uns biscoitos para minha mãe, essa amiga que com quem eu tinha perdido a virgindade, e eu falei: “A gente não vai transar, você só vai me ajudar a fazer o biscoito”, só que ela me ajudou a fazer o biscoito e a gente acabou transando também e a segunda vez foi muito boa. A primeira não foi uma experiência boa, mas a segunda foi gostosa! E desde então a gente começou a transar sempre. E aí naquele ano foi o ano do sexo, assim, para mim, porque fiz de tudo, oral, anal, tipo, explorei muito, eu era muito curioso assim e tava com pessoas que estavam dispostas a explorar também, então o meu primeiro ano de vida sexual foi muito ativo, foi um ano que eu explorei vários fetiches que eu tinha, vários desejos, foi bem gostoso. E aí, com dezesseis anos, foi quando eu tive a certeza que eu era bissexual, e aí essa certeza ela mudou ao longo desses anos, às vezes eu achava, duvidei da minha sexualidade várias vezes, porque a bissexualidade ela também é muito questionada pela as pessoas, né, então quando eu me assumia as pessoas questionavam: “Ah, mas você tem certeza?” e tal, tem essa questão da indecisão, então às vezes eu passei por fases indecisas, mas hoje é como eu me identifico, como bissexual mesmo. Então no cursinho eu já tinha perdido a virgindade, mas eu transei sempre com essa amiga que eu, com quem eu perdi a virgindade, porque a gente fez cursinho junto, então a gente tava sempre junto e era com quem eu transava, basicamente, com quem eu explorava. E com o meu amigo, queria também que fosse frequente, mas ele brecou em algum momento, ele falou: “A gente não é amigo… Não é amizade colorida, tá, é só uma amizade”, então ele colocou uma pedra, assim, ele não quis continuar, mas por mim eu continuaria com os dois sempre. Mas acabei explorando mais com meninas nesses primeiros anos de vida sexual.
P/1 - E namoro, se apaixonar? Você falou de uma paixão bem duradoura, se puder falar um pouquinho mais dela e depois…
R - Então, paixão, eu falei da bissexualidade, mas eu não sei se esse termo é tão famoso, não converso com as pessoas sobre isso, mas tem gente que fala em bissexual, por exemplo, e homorromântico que é como… o que eu acho que faz sentido para mim, porque eu me apaixonei por essa menina por muitos anos, mas paixão dificilmente eu sinto por meninas hoje em dia. Eu me apaixonei por outras meninas também, inclusive, uma senha minha que eu uso até hoje é o nome de uma outra menina que me apaixonei na infância, mas, depois de adulto, eu não me apaixonei por menina. Então, quando eu entrei na faculdade, no cursinho, eu me apaixonei várias vezes, foi o ano que eu me apaixonei muitas vezes, mas não concretizava, não ficava com a pessoa, né? Quando na minha primeira faculdade eu me relacionei com um menino por quem me apaixonei, a gente teve um relacionamento de uns três meses. Me apaixonei perdidamente. Quando ele terminou comigo, para mim foi um baque, fiquei arrasado. Ele terminou porque ele tinha começado a namorar; nosso relacionamento não era um namoro fechado, nem nada, mas eu não estava me relacionamento com outras pessoas e eu não sabia que ele estava se relacionando com outras pessoas, então ele terminou falando que tava namorando e para mim foi um choque. E foi minha primeira paixão. Depois disso, eu me apaixonei por uma outra pessoa e essa foi a última que é por quem, até hoje, eu sinto alguma coisa. Assim, não é uma paixão, sei lá, que me destrói, nem nada do tipo, que muda muito meu cotidiano, mas até hoje eu penso nele, que foi no meu terceiro ano de faculdade. Eu tava numa aula de dança, de dança afro, e ele tava nessa aula de dança. A gente começava tocando instrumentos, para depois dançar. A primeira parte era sempre instrumento, tambor, né, e a gente se olhou muito, começou a se olhar, trocar olhares e tal, e ele tava tocando tambor e tal, eu achei ele bonito, gostei do porte dele, do jeito que, enfim, do jeito que ele tocava, tudo eu achei muito bonito. E dançando também, gostava do jeito que ele dançava. Eu não conseguia parar de olhar para ele, ele também não parava de olhar para mim, mas ele parecia muito hétero, então eu não entendia muito bem, tipo, ele tava me olhando, mas não condizia muito com o jeito dele assim, o jeito que ele se vestia também parecia hétero. E aí a gente saiu da aula, ele puxou assunto comigo, a gente trocou contato, mas eu tinha muita dúvida se ele tava interessado mesmo, porque ele era novo em São Paulo, ele é do Rio de Janeiro, e ele queria conhecer melhor São Paulo e tal, e nosso contato era no sentido de apresentar para ele alguns lugares de São Paulo, mas, em algum momento, ele quis, demonstrou interesse em ficar comigo, a gente ficou e eu acabei me apaixonando nas primeiras vezes já que a gente ficou, eu me apaixonei por… Primeiro, eu não consigo dizer porque eu me apaixonei exatamente. Apesar de a gente ter gosto parecido em relação à música e filmes, cultura e tal, eu não sei dizer muito se era… Não me parece suficiente a lembrança que eu tenho do que a gente se identificava. Eu não entendo porque eu me apaixonei, mas esse outro, eu lembro de ter, do marco, assim, quando eu me apaixonei por ele, que foi um dia que eu chamei ele para ir no aniversário de um amigo, que eu fiz uma surpresa para esse amigo meu, eu fiz um bolo para ele e tal, e ele foi sem conhecer ninguém, ele chegou com um chocolate que ele comprou no trem, tipo, ele é uma pessoa muito aleatória, deu esse chocolate para esse amigo e a gente conversando juntos e tal, e a mãe e a irmã desse meu amigo chegaram e eram as pessoas mais velhas que estavam no ambiente. Até então, era eu, ele, meu amigo e uma amiga minha, nós quatro, jovens e tava comentando coisas que são da nossa idade. E aí esses dois chegaram e geralmente essa presença de pessoas mais velhas meio que altera o ambiente, e esse menino que eu tava ficando, ele levanta, ele vai até a cozinha e, meu amigo tinha assado pão de queijo, ele foi até a cozinha, pegou a forma de pão de queijo, levou até a sala e começou a oferecer para as pessoas, perguntando se as pessoas ali queriam. E aquilo me chamou muita atenção, porque eu não faria aquilo, tipo, ele tava na casa de uma pessoa que ele não conhecia, ele só me conhecia e não fazia muito tempo também, ele se sentiu confortável para ir até a cozinha sem pedir licença, ele só levantou e foi buscar, e não só pegou o pão de queijo, mas levou até a sala e ofereceu para as pessoas. Eu achei aquilo muito diferente de mim e essa diferença dele em relação a mim foi o que me cativou, e aí desde então… eu até falei para uma amiga, eu falei: “Nossa, eu tô ficando com um cara, eu conheço há pouco tempo, mas sinto que eu tô me apaixonando por ele”, e realmente isso aconteceu. E isso faz quatro anos já. Até hoje eu sinto alguma coisa para ele. A gente terminou já faz três anos. Então, é uma pessoa que, por mais que eu não esteja mais me relacionando e a gente nem conversa, me marcou, e eu tenho medo até de ser… Eu não acredito muito em coisas predestinadas, nem nada, mas eu fico com medo dele ser a pessoa, eu ouço muito de amor da vida, né, que marca para sempre, você nunca sente algo parecido [de novo]. Eu acho que pode ser ele essa pessoa, e o medo é porque eu gostaria de viver algo tão bom quanto e ter essa pessoa do meu lado, porque era uma coisa muito… Eu me sentia vivo, eu me sentia muito vivo. Foi um momento que eu tive contato com o Jorge que eu não conhecia, eu não sabia que ele existia. Então essa diferença dele, eu me apaixono muito por essa comparação também, acho que nem é uma coisa muito saudável, mas eu me comparava muito com ele e essa comparação me fazia querer agir, muitas vezes, parecido com ele, e eu alcançava pessoas dentro de mim que eu não sabia que eram possíveis e eu gostava, porque são traços que eu admirava, mas eu achava que não tinha nada a ver comigo. Mas com ele eu comecei a fazer coisas que eu não imaginava que eu fizesse ou que gostasse, então foi um momento de também me descobrir e de me sentir muito vivo, muito vivo, e eu gostaria de sentir isso de novo com outra pessoa e ter essa pessoa comigo, né? Foi a última paixão.
P/1 - Vocês ficaram quanto tempo juntos?
R - Nem um ano, uns seis meses juntos, mas me marcou muito.
P/1 - E seus pais conheceram ele?
R - Não! Minha mãe conheceu, na verdade, mas eu não pude apresentar como um namorado, nem nada do tipo, porque meus pais, por mais que eles saibam da minha sexualidade, eu me assumi para eles aos dezoito, soubessem quando eu tava junto com ele, eles não querem conhecer, eles sempre falaram: “Ó, tudo bem, a gente aceita como você é, você não precisa sair de casa”, inclusive foi uma conversa importante que eu tive ainda no cursinho, já no final do ano, na verdade, mas eu entendi que eu não precisava sair de casa quando eu passasse da faculdade, porque eu associava uma coisa a outra, e meu pai me acolheu muito, mas que minha mãe inclusive, ele foi até o cursinho conversa comigo. Ele trabalhava na época. Ele parou de trabalhar, foi até o cursinho, me chamou para conversar e ele chorou, falou que ele me aceitaria da forma que eu fosse, me amaria da forma que eu era, e que não tinha motivo nenhum pra eu sair de casa, que eu continuaria sendo filho dele e que ele continuaria me amando independente de qualquer coisa. Ele falou que eu poderia me assumir, contar pra quem eu quisesse, que não seria um problema. Minha mãe já tentou me podar e ela pedia para não falar para ninguém, como se não fosse nítido em mim a minha sexualidade, mas eles nunca quiseram conhecer a pessoa com quem eu estivesse me relacionando, então eles colocavam essa barreira, esse limite, né: “Não tem problema nenhum você ser, enfim, mas a gente não quer conhecer se você se relacionar com alguém”, então nunca apresentei. Não fazia questão também. Hoje eu até gosto da ideia de apresentar pra minha família, mas antes eu nem fazia questão, então não fazia diferença. Minha mãe conheceu por acaso porque eu levei ele pra evento, dois eventos que a minha mãe também compareceu, e aí ela conheceu ele. Ela não sabia que a gente estava junto, na verdade, a gente não ficava de mão dada, não se beijava, eu não ligava, mas ele não quis, ele não se sentia confortável de fazer isso perto da minha mãe, mas ela percebia. Depois, a gente teve uma conversa mais tarde, ela falou: “Era óbvio que você estava ficando com ele, o jeito que vocês estavam juntos”. Ela falou: “Ninguém anda de patinete no mesmo… Nenhum homem anda de patinete um com o outro”, na visão dela, né, “no mesmo patinete e não tem nada”, né, porque a gente teve essa oportunidade de andar no mesmo patinete junto e tal, e a gente ficou agarrado, e ela sabia que a gente estava junto. Mas eu, na verdade, não sabia que ela tinha essa noção porque eu não agarrei ele enquanto ela tava perto. A gente foi para longe e aí a gente ficou mais próximo, né? Mas ela já sabia. Minha mãe também, ela é mais esperta.
P/1 - E aí, como foi essa entrada na USP, no curso de história, assim, bom, você não foi morar no Crusp, mas como foi?
R - Então, foi muito diferente das outras pessoas que estudavam história, porque, aliás, qualquer curso, qualquer calouro, porque como não era um curso que eu desejava desde o começo, eu achava as pessoas muito bobas, tipo: “Ai, todo mundo muito feliz de estar na USP, de estar no curso que queria e as pessoas querem ir pra festa”, e eu achava tudo aquilo muito bobinho, sabe? Eu entrei com outra cabeça, eu acho. E logo de cara, eu fiz amizade com pessoas mais velhas, porque como eu não entrei na primeira lista, eu não vivi calourada, eu não vivi, não fiz as amizades com pessoas, aquelas pessoas que tinham acabado de chegar, as pessoas que fazem amizade fazendo matrícula, nada disso eu vivi. Então eu cheguei num momento em que as aulas já estavam rolando, por exemplo, então eu cheguei mais tarde, fiz amizade com pessoas mais velhas, então eu acho que a minha experiência universitária também é particular, é bem diferente do comum. Então eu cheguei na USP com poucas perspectivas, eu tinha a ideia de mudar de curso, eu tinha a ideia de transferir para jornalismo no final do ano, então, ao longo do ano, eu transferi, olha, eu estudei pra prova de transferência e eu achava que no final do ano abriria vaga, mas não abriu. O jornalismo tem isso, né, o jornalismo não abriu vaga porque ninguém saiu do curso, então como não roda muito e tal, não teve, não abriu vaga e meu estudo foi meio que inútil, mas no segundo semestre eu já peguei gosto pelo curso. O primeiro foi difícil, fui muito mal eu tirei seis em tudo, mas o segundo semestre eu comecei a gostar porque eu peguei as matérias que eu queria mesmo. Porque o primeiro você pega matérias que escolhem para você e aí a partir do segundo semestre você pode optar pelas disciplinas, daí comecei a escolher coisas que eu me identificava e comecei a gostar daquilo que eu tava fazendo. E aí como não abriu vaga, eu também estava gostando de história, eu decidi fazer até o fim, e aí eu abandonei essa ideia de jornalismo até esse ano, quando eu comecei a voltar a pensar na ideia de atuar no jornalismo de novo.
P/2 - Uhum. E aí você terminou já a faculdade?
R - Ainda não, termino esse ano, em dezembro.
P/1 - A gente tava falando da USP, enfim, você tava falando um pouco da faculdade, então eu queria te perguntar se teve algum professor que te marcou na sua graduação? Algo mais relacionado às disciplinas mesmo, em história.
R - Sim, alguns professores me marcaram. Por exemplo, uma que dá aula de história do Brasil independente. Desde o cursinho, eu gosto muito de história do Brasil, muito mais do que história da Europa, história geral que falam, né, mas geral é sempre a Europa. E história do Brasil sempre me cativou mais porque está mais próximo da nossa realidade, e foi quando eu também comecei a refletir sobre questões raciais, que foi no cursinho. Eu comecei a entender o racismo brasileiro, como que é isso, de onde vem, né, de onde meus ancestrais vieram e etc., então história do Brasil sempre me pegou mais. E na faculdade, a professora que dava aula de história do Brasil independente, pra mim foi uma das melhores que eu tive, porque ela trouxe abordagens muito diferentes do que eu tava acostumado. Então, ela falava sobre como o Império Brasileiro se organizava politicamente, porque, na USP, não sei se é assim nas outras faculdades, mas em história na USP, cada professora dá, tem uma abordagem diferente, então a mesma matéria é dada por mais de um professor, e aí cada um é especialista em uma área dentro daquela matéria, então história do Brasil independente tem uma outra professora que ela é especialista em escravidão, então ela fala mais sobre o cotidiano escravista do que sobre uma política institucional e essa professora com quem eu fiz, não, ela dava essa abordagem da política institucional. Então o jeito que ela tratava, a didática dela era ótima, as reflexões que ela trazia em relação à elite, eu comecei a pensar, por exemplo, em como a elite é diversa também. Geralmente a gente fala: “Ah, elite”, mas tem elite política, elite cafeicultura, no caso do Brasil Império, né, tem aqueles que dominavam a academia, que eram mais acadêmicos, os intelectuais, né? Então cada um era parte de uma elite diferente e tinha interesses diversos, então essas reflexões também sobre essa diversidade na sociedade imperial e também na sociedade de hoje me interessaram. Eu gostei muito dessa professora. Gostei de um outro professor também de ensino da história, que aí já era da área de licenciatura, mas ele também trouxe reflexões muito boas sobre narrativas, formas de se contar a história, porque, enfim, na história a gente tem uma abordagem que muitas vezes ela não é para divulgação, então as pessoas que não são historiadores têm dificuldade de ler um texto de história e não se interessam muitas vezes, então a gente discutiu muito sobre isso, sobre como o contar da história pode ser alternativo, e como isso também não invalida os nossos estudos, a academia, né, então a gente avaliou filme histórico e, enfim, você tem um preconceito em relação ao tipo de contar história que ele tentou desconstruir durante esse curso. Acho que esses dois professores foram mais marcantes para mim na faculdade, tive outros bons professores, mas acho que nenhum me marcou tanto quanto esses dois.
P/1 - Bom, e aí falar um pouco sobre sua profissão, sobre as suas atividades, então, Poucas Ideia, que eu já recebi alguns spoilers.
R - Aham! Atualmente, eu to fazendo várias coisas diferentes, né, então eu tinha falado, por exemplo, do jornalismo, quando eu prestei o vestibular, prestei jornalismo, tinha esse sonho de ser jornalista. Esse ano eu voltei a pensar sobre isso, e eu entrei para um portal de notícias, então foi quando eu atuei profissionalmente com jornalismo pela primeira vez esse ano. E eu tô na escola que eu comentei também, fazendo estágio nessa escola de elite, eu acompanho aulas, tiro dúvidas, corrijo atividades, e aí é um público também que eu… É muito distante de mim, origem social, comportamentos e tal, então também foi bastante desafiador. Tem a Poucas Ideia, que é a cerveja artesanal que o meu irmão tem. Então, meu irmão, que eu tinha comentado do chefe de cozinha, projetos sociais que ele tem, ele também criou essa cerveja que vai de encontro com a proposta que ele tem na cozinha, que é desperdício zero de alimentos, aproveitamento total de alimentos e voltado para a população de baixa renda, então a ideia da cerveja era criar um produto que fosse com o Panc, porque… Que são plantas alimentícias não convencionais, e as pessoas em geral não conhecem o que é uma Panc, e são plantas de fácil acesso, elas são… Dá às vezes em jardim, dá muito fácil e as pessoas não sabem que elas podem ser, que elas são comestíveis. Então a ideia dessa cerveja era apresentar a Panc. Ele fez com a azedinha, que eu mesmo, não por trabalhar com ele, mas eu acho que a combinação é perfeita, é um tipo de Panc, que chama azedinha, que ela é uma planta bem azeda mesmo, por isso o nome dela, ela tem um sabor que lembra o limão, até, você faz salada com ela [e] nem precisa colocar limão; é um azeite, um sal e já tá suficiente, já. E aí ele queria que Poucas Ideia, o nome, também já é ligada a essa gíria, né, de periferia e tal, e ele criou essa marca para dar sustentação, parte dos recursos que se arrecada lá, é… É… Como fala? Transferido para Gastronomia Periférica, que é o negócio social que ele tem. Então, a Gastronomia Periférica, parte do financiamento dela vem dessa cerveja. E aí ele me chamou para trabalhar com ele em 2020. A cerveja foi criada em 2017, mas eu só comecei a trabalhar com ele em 2020. Eu fiz um intercâmbio para Jerusalém, e aí quando eu voltei em agosto de 2020, no meio da pandemia, não tinha nada, não apareceu nenhuma vaga de emprego, e ele me chamou para tocar essa cerveja porque ela ainda tava em atividade e ele precisava de ajuda, porque ele tem vários outros projetos. E aí eu entrei com ele. A princípio eu fazia tudo, então eu tava responsável pela comunicação, pela parte financeira, pelas vendas, eu ia até a cervejaria para produzir, porque era uma cerveja pequena ainda, agora já crescemos um pouco, mas até então ela não tinha, não tinham outros funcionários, então era eu para tudo! Eu lavava azedinha, são quatorze quilos para uma produção, então é muita folha! Passava o dia inteiro lavando a planta, engarrafava, tudo isso era eu que fazia. E aí eu fiquei um tempo trabalhando com ele, mas eu não achava que era para mim essa coisa de negócio, de estar à frente de um negócio, eu tenho preguiça na verdade dessa área de comercial e tal, mas, apesar de acreditar muito na proposta da cerveja, né, essa posição de estar cuidando de uma marca não me atrai muito. E aí eu decidi sair, porque eu também comecei a, nesse semestre que eu tava sem trabalho, eu comecei a, sem trabalho na minha área, eu comecei a dar aula de inglês e aí peguei muito por aula de inglês, dava em projeto social também. E aí eu achava que era muito mais a minha cara do que a cerveja. E a cerveja tava ocupando muito do meu tempo, porque eu fazia tudo isso, e aí eu acabei abrindo mão, eu falei para ele que não ia dar para continuar. E esse ano eu voltei a trabalhar com ele dentro de um edital, que é o edital do Vaitec, [que] é [um] edital da prefeitura que oferece um dinheiro para pequenos negócios para que eles se desenvolvam. E não só dinheiro, na verdade, eles oferecem várias assessorias, eles oferecem vários cursos, várias oficinas para nos formar enquanto empreendedores para que a gente desenvolva esse negócio, então é um projeto fantástico assim. Eu continuo com o posicionamento de que eu não quero me tornar um empreendedor, mas eu senti que eu aprendi muita coisa nesse Vaitec que eu acho que vai me trazer uma experiência, que eu acho que são bastante úteis para outras áreas também da minha vida e, caso eu queira entrar no meio empreendedor, eu compreendo muito mais esse universo do que antes. E eu tô gostando bastante de estar participando dessa área e já tá sendo diferente porque eu não tô tendo que gerenciar o negócio. Eu participo dessa parte do relacionado ao edital, mas a cerveja ela tá em outros ramos também. Ela é vendida hoje no Carrefour, então a gente conseguiu e o que é para a gente é muito bom, foi um grande passo, porque é um hipermercado e mais pessoas estão tendo contato com a cerveja, né, conhecendo e consumindo. A gente também tá vendendo num hotel que chama Hotel Pullman, e essa parte eu não gerencio. Então, eu não tô responsável por toda a cerveja, eu tô mais ligado ao que envolve esse edital, então agora esse mês vai ter um lançamento da cerveja no dia 20, lançamento na periferia, porque a cerveja tem essa proposta, mas a gente acabou entrando em mercados maiores e passando por públicos de classes mais elevadas e a gente tá querendo concretizar essa proposta social dessa cerveja. Então a gente vai colocar agora, começar a ser vendido nas periferias, então a gente vai fazer esse lançamento nesse mês e tá encerrando já o edital, né, o edital está no final. Eu recebi a última bolsa já, inclusive, e o evento vai marcar o encerramento disso. Mas a minha atuação na Poucas Ideia é essa, eu não sei se eu vou continuar, eu tenho outros planos voltados, mais ligados na minha área, mas a cerveja em si eu acho muito, muito interessante, ela é muito gostosa e eu acho que ela vai longe, ela tem tudo pra ir longe.
P/1 - E agora, ligado a sua área, o que você está fazendo, tá pensando?
R - A minha área?
P/1 - Isso, que você falou.
R - Então, para o ano que vem tá muito “não sei”, tá muito incerto, porque eu acho que a minha área nem é só história, eu acho que a minha área, eu acho não, a minha área é inglês também, eu continuo gostando muito de dar aulas de inglês, gosto da área de educação, me identifico em dar aulas de inglês. Agora eu me tornei examinador também de Cambridge e isso foi bastante importante para minha carreira, então eu acho que eu tenho essa outra possibilidade, de investir mais nessa parte de ser professor de idiomas. Comecei a fazer teatro, cursar teatro, tô fazendo, fiz uma propaganda mês passado e é uma possibilidade também essa área de ser modelo e fazer comerciais e tal, infelizmente é uma área que é muito valorizada, não infelizmente por ser muito valorizada, mas de pensar que em relação à educação o quanto de dinheiro eu ganhei fazendo uma propaganda com duas diárias e na área de educação eu não ganho quase nada, então esse é um dilema que eu tô também, porque eu gostaria de ter uma vida mais confortável do que a que eu tenho hoje, mas para eu ter essa vida vai ser com algo que eu acho que não tem um impacto tão interessante na vida das pessoas, fazendo comercial de, enfim, eu fiz um comercial de um refrigerante e, tipo, não é algo que eu acho que eu tô fazendo uma diferença no mundo assim, e na área de educação eu tô. Então é um dilema que eu tô, eu não sei se eu, o quanto eu penso no financeiro, o quanto eu penso naquilo que eu gosto, como balancear as duas coisas porque também tem a questão de diferenças de público dentro da área da educação. A escola que eu trabalho atualmente, o público é bastante complicado, mas se eu me tornasse professor lá, eu ia ganhar muito bem, é uma das escolas que melhor pagam no Brasil, mas eu não sei se estaria tão feliz lá como eu acho que eu estaria em outras instituições que tenham mais a ver com que eu acredito, com minha visão de mundo. Então também tem isso. Se eu for escolher na área de educação, tem uma diversidade muito grande dos caminhos que eu posso percorrer, então eu não sei. Mas para o ano que vem, eu acho que o mais provável é que eu concretize meu sonho de fazer um mochilão na América do Sul, é um sonho que eu tenho de infância, então eu não sei se eu vou seguir tanto a minha área profissional imediatamente assim que eu me formar, talvez demore um pouquinho mais.
P/1 - E o seu intercâmbio para Jerusalém? Conta.
R - Nossa, o intercâmbio pra Jerusalém foi outra coisa que foi maravilhosa, nossa! Eu fui para lá em 2020, em março, final de fevereiro, a pandemia começou no início de março, então eu fiquei tipo duas semanas lá convivendo normalmente, tendo aula na universidade, o intercâmbio era ligado a USP, né, a universidade era ligada à USP, então eu fui lá para estudar um semestre como se fosse um semestre na USP, mas fora, então eu ia estudar história mesmo, na faculdade e tal, e aí eu fiquei duas semanas tendo essa vida de estudante, normalmente, né, e aí a pandemia foi decretada nessa minha segunda semana e foi uma loucura porque as aulas foram suspensas, presenciais, comecei a ter aula remota pela primeira vez, tive que ficar em casa e eu tava lá para viver novas experiências fora e falar outra lingua e, enfim, viver a vida de um turista, de um brasileiro no Oriente Médio, mas eu tive, me vi na situação de ter que ficar em casa, então, a principio, foi muito… Assim, na verdade, a princípio eu achei que ia acabaria rápido, então não foi tão deprimente, mas passou duas semanas bateu uma depressão, eu falei: ”Mano, não acredito que eu vou passar o meu intercâmbio todo dentro de casa”, então eu comecei a ficar mal, mas também esse período mal durou pouco porque eu comecei a ver que, mesmo a experiência em casa, era muito diferente da que eu tinha no Brasil e eu comecei a valorizar isso também, então eu tava ali vivendo com outros estudantes intercambistas, falando em outro idioma, em nenhum momento eu falava português, então eu tava falando inglês, não falo hebraico, nem árabe, que são as línguas locais, mas eu vivi falando inglês, tava praticando a língua que eu gosto todos os dias, ia ao mercado e, sei lá, ver os produtos na prateleira com algarismos que eu não conhecia assim, tipo, tudo era muito da hora, valorizava cada detalhe assim, para mim, o cheiro, o ar, a diferença de… Lá era inverno ainda quando eu cheguei e logo depois começou a primavera, a diferença de, lá é muito seco, tipo, tudo isso eu gostava de observar e de viver. Então mesmo no período em casa, que não foi exatamente dentro do apartamento, que eu tava em condomínio e no condomínio a gente já conseguiu socializar um com o outro e já tava muito bom, então a gente fazia festa, a gente comprava vinho, ficava bêbado, então eu vivi muita coisa mesmo nesse período de isolamento. E a minha sorte foi que lá eles controlaram melhor a pandemia do que o Brasil, a situação deles na pandemia. Então, Israel foi um dos países considerados melhores para se estar durante a pandemia no momento que eu tava lá, muitas variações ao longo desses dois anos de pandemia, mas naquele momento Israel era um exemplo de como eles estavam lidando. Eles tiveram lockdown, adotaram lockdown, as crianças pararam de ir pra escola, fechou igreja, sinagoga, tudo isso é muito polêmico num país muito religioso, numa cidade religiosa como Jerusalém, então fecharam tudo, então foi muito rigoroso! Então, depois de um mês e meio, eu consegui sair de casa e viver outras coisas fora, então pude viajar, conhecer o país todo, fui para Palestina, então eu tive ótimas experiências muito novas, aprendi muito sobre mim mesmo, sobre uma pessoa brasileira, uma pessoa negra, também comecei a refletir muito sobre o racismo lá, o racismo que eu vivi lá também foi muito diferente do daqui do Brasil, o meu diário tem muitos relatos sobre isso porque era uma coisa que tava me pegando muito, essa questão de como as pessoas locais me tratavam, os meus amigos europeus que eu gostava muito, mas eles tinham essa questão da branquitude também, de pessoas europeias que também tem outra relação com o racismo, então foi muito difícil, mas como Portugal, mais do que Portugal na verdade, foi tão bom quanto foi ruim, e essas duas experiências, esses dois extremos eu acho que me fizeram crescer muito também. E então a minha experiência lá, o saldo que eu destacaria, eu acho que o é mais importante é a questão da racialidade, pensar em Israel, Palestina, também é pensar sobre essas questões e me pensar como uma pessoa negra mudou também muito, eu comecei a entender o quanto eu, assim, depois que eu voltei, eu fiz um curso também sobre Malcolm X, que foi um autor que eu li numa livraria lá, passei um dia, não comprei o livro, fui muito burro. Depois eu voltei e não achei de jeito nenhum, porque era um sebo e os livros estavam todos abarrotados, assim, não achei o livro, mas o que eu li do Malcolm X lá e depois eu fiz o curso dele, sobre ele, dialogaram muito com o período que eu vivi lá, então eu comecei a ter um outro olhar sobre como eu me portava no mundo e sobre as minhas relações, mesmo com pessoas brancas que eu era amigo, tipo… Aliás, eu sempre tive muitos amigos brancos pelos meios que eu vivi, né, pelos meios que eu passei, mas mesmo amigos, assim, eles não estão isentos de serem racistas e é importante ter esse olhar sobre isso. E eu li Fanon também nesse curso; lendo, tendo o curso do Malcolm X, eu passei por Fanon, e eu li Pele negra, máscaras brancas, que foi um livro também que mudou a minha vida, e… Nossa, tudo eu associo muito a Israel, porque lá foi quando foi a virada, assim, da minha vida, eu era uma outra pessoa e eu me relacionava de uma outra maneira também, do que eu me relaciono hoje, então eu… É engraçado, porque quando eu falo nessa minha experiência, as pessoas não… Eu vou para um lado, essa questão do racismo e tal, não precisaria assim ser em Israel, né, quando as pessoas me perguntam acho que elas esperam que eu fale de outras coisas, mas eu acho que isso para mim impactou mais do que as outras experiências que eu tive lá que também foram muito, muito importantes. Mas eu acho que o legal também foi me ver como uma pessoa ocidental com essa mentalidade cristã que a gente vive no Brasil. Eu sou ateu, mas mesmo não acreditando em Deus hoje eu cresci num meio cristão, a maioria dos brasileiros são cristãos, né, muitos não praticantes, mas são, se identificam como, e aí, lá, tendo conversas com judeus, eu vi também o quanto a nossa, a minha mentalidade foi moldada por esse cristianismo. Então, por exemplo, uma vez eu tava na praia, sozinho, eu gosto muito de sair sozinho e conhecer novas pessoas, eu não queria muito me fechar no grupo de estrangeiros ali e ter a experiência só com eles, eu queria viver com pessoas locais, né, então eu saía muito sozinho, e uma vez eu fui à praia e eu conheci dois judeus que puxaram assunto comigo, eu nem tinha intenção de conversar com eles, na verdade, e aí a gente começou a conversar sobre vários assuntos e eles me surpreenderam em vários momentos diferentes. Então quando eles falaram, uma das coisas que me surpreenderam foi quando eles falaram sobre relacionamentos, eles já tinham quase trinta anos, acho que um deles tinha 32 e eles não faziam sexo. Eles… Porque os judeus eles também tem essa associação das práticas sexuais com o casamento, e apesar de eles não serem virgens mais, hoje mais sendo mais praticantes na religião eles preferem se abster do sexo e a gente conversou sobre isso. Porque eles eram pessoas que falavam muito [de] sexo, não tinha esse moralismo, sabe, de tipo: “Ai, não vamos, isso é pecado, eu não vou falar sobre isso”, eles pelo contrário, na verdade eu acho que eles falavam demais, mas eles tinham essa coisa de não praticar e a gente conversou o porquê, né, que eles faziam isso. E eles me explicaram que eles não faziam porque eles não viam sentido em você fazer sexo com uma pessoa e trocar uma intimidade tão grande com um desconhecido só pelo prazer carnal, ele começou a explicar sobre a espiritualidade atrelada a esse sexo, porque não é o sexo pelo sexo, mas a intimidade, a relação que você queria com aquela pessoa, e a gente foi desenvolvendo o assunto e tal. Aliás, eu entrei na sessão do sexo, mas nessa conversa o que me chocou foi eles falando sobre eles serem, como eles veem a religião, porque eles fazem todos esses sacrifícios, e o sexo é um deles, porque eles queriam muita estar fazendo sexo, mas eles não tem uma pessoa com quem eles queiram casar, eles fazem todo esse sacrifício, mas eles não precisariam a princípio, em teoria, fazer. Porque um judeu, na visão do judeu, o judeu é um povo escolhido por Deus, eles vão para o céu de qualquer forma, porque eles foram o povo escolhido, outras pessoas, enfim, correm o risco de não ir, tal, mas o judeu já o povo que tem, de certa forma, seria um povo favorito. Eu acho que eles não gostariam desse termo “favorito”, na verdade, mas eu acho que é uma boa forma de explicar, os filhos favoritos de Deus. Mas eles têm muitas obrigações também. E aí um deles me falou: “Eu sei que vou pro céu, eu não tenho medo de ir para o inferno, mas eu não gostaria de magoar o meu pai”, né, tipo o meu pai carnal mesmo, pai biológico, “um pai biológico. Você pode até fazer aquilo que ele não gosta e tal, mas eu odeio a ideia de fazer alguma coisa que deixe meu pai infeliz, e é assim que eu vejo Deus, por mais que eu saiba que ele não vai me punir na vida após a morte, enfim, depois que eu morrer, eu sei que ele não vai me punir me mandando para o inferno, eu quero fazer isso porque eu quero alegrar o meu pai”. E isso me chamou muita atenção para o cristianismo, assim, essa mentalidade cristã que a gente cresce, meio que numa troca de favores assim, muitas vezes a gente faz coisas pelo o que a gente quer em troca e não pela importância no gesto em si, né, mas pelo medo das consequências que a gente vai ter. E, em geral, os cristãos fazem as coisas porque a justificativa é quase sempre “eu quero ir pro céu, eu não quero pecar e tal”, e não quer pecar porque não quer ir para o inferno, é o medo de ir pro inferno. E eu achei aquilo impressionante, eu falei: “nossa!”. Porque o judeu tem muito isso, do entender o porquê das coisas, de ter uma racionalidade muito forte atrelada a religiosidade e isso achei muito interessante. E aí essas coisas me faziam refletir muito sobre esse ocidente cristão e sobre mim, sobre mim mesmo, né, sobre coisas que a gente toma como verdade, mas são só uma possibilidade de se viver. A gente é muito pequeno no mundo, existem várias outras formas completamente diferentes de se viver a vida.
P/2 - É, voltando um pouco, você estava falando desse dilema de trabalhar com alguma coisa que realmente faz sentido e trabalhar com algo que faz menos, mas paga, e eu queria saber se você tem uma experiência justamente como professor…
R - Uhum.
P/2 - Com alunos, alguma história que você queira deixar registrada aqui de, desse insight, assim, tipo, pode ser na textura, mas do cotidiano de pensar “nossa, é por isso que eu estou aqui”, sabe? Alguma experiência no dia a dia de justamente estar com alunos…
R - Sim, no meu primeiro estágio foi quando eu tive oportunidade de dar aula pela primeira vez, eu tinha 22 anos. E lá também era uma escola particular, cara, era uma escola bilingue, e eram alunos brancos, quase todos, mais do que, inclusive, a escola que eu trabalho hoje apesar de ser menos cara, não tinha bolsa, nem nada, então era quase todo mundo branco, e nessa escola eu tive a oportunidade de fazer diversas intervenções pra se refletir sobre escravidão e tal, porque eu trabalhei com oitavo ano. Eu trabalhei o ano todo com o mesmo ano, com a mesma sala. E aí, oitavo ano vê a parte de história… Dentro do Brasil eles veem escravidão e veem história indigena também, e aí eu tive a oportunidade de falar sobre essas questões para esse ano que eu tava acompanhando, então foi ótimo. Na aula de história, a professora me ofereceu, e eu achei que seria uma ótima experiência pra falar sobre um assunto que os alunos que frequentam aquela escola não teriam acesso. Na verdade, eles teriam, mas, tipo, eu acho que eu como uma pessoa negra, seria diferente do que a professora daria, e aí lá eu consegui dar uma sequência de aulas sobre o assunto, foram aulas que foram muito boas, eu tive um retorno muito bons, assim, dos alunos falando o quanto eles aprenderam e quantas reflexões as aulas trouxeram para eles que eles nunca tinham pensado sobre, e no final eles precisavam fazer trabalho sobre aquilo, um trabalho visual para expor na escola. E esse processo foi muito gratificante para mim, por estar… Sentir que eu estava quebrando a bolha de alguma forma naquele ambiente, e aí foi uma das experiências marcantes, depois dessa sequência de aulas, eu dei outras nesses colégio também sobre esse assunto e, aliás, sobre questões raciais, mas em outros períodos da história brasileira, então nessa escola foi legal por esse motivo. Aí eu tive a experiência de dar aula de inglês quando eu voltei do intercâmbio, como eu falei, só que esse período foi dando aula para as pessoas de baixa renda. Eu dei aula no projeto “A ponte para pretos”, que é um projeto de educação para pessoas negras, então… Aliás, é um projeto de profissionalização de pessoas negras, então tem várias cursos diferentes que contribuíram para o currículo de pessoas negras, porque o idealizador do projeto ele é da FGV, e ele era um dos únicos estudantes negros naquela faculdade e ele começou a repara que alunos da FGV, que é uma universidade de elite, tinham um currículo muito parecido com pessoas negras, como ele, por exemplo, mas essas pessoas da elite elas tinham outras habilidades extracurriculares, então, por mais que tivesse o mesmo diploma da mesma universidade, ainda faltava o acesso a outras coisas que essas pessoas brancas tinham. E aí ele cria esse projeto para que as pessoas negras, elas compunham o currículo com cursos adicionais. E aí eu entrei na parte de inglês, mas tem vários outros lá, e lá foi uma outra diferença porque já não era uma questão de quebrar a bolha, porque eu estava falando sobre questões sociais que aquelas pessoas compreendiam, mas a marca para mim daquela experiência foi estar dando aula de inglês, que é uma idioma que é considerado um idioma necessário pra você… Enfim, é tomado como uma língua franca, né, uma língua de comunicação entre pessoas internacionais, é a língua internacional,
e aquelas pessoas, eu sabia que aquelas pessoas teriam tantos acessos na vida, e graças aquele curso que, enfim, mudaria completamente a vida delas, como mudou pra mim o inglês. Eu tive grandes acessos com o inglês que não consigo imaginar como seria minha vida se não fosse o domínio da língua. E então foi uma experiência na área docente, mas a importância foi completamente diferente da que eu tive nesse primeiro estágio, e eu me identifiquei muito com o público, né, foi o momento mais feliz da minha carreira foi dando aula para essas pessoas porque eram pessoas que também valorizavam a educação, porque no Brasil, eu não sei como é em outros países, mas no Brasil se associa muito a educação à mudança de vida, então pessoas ricas já estão no topo e elas sabem que são herdeiras e que vão ter sucesso na vida, independente de qualquer coisa. Então, nas minhas experiências em escolas de elite, é isso, as pessoas não valorizam a educação, para elas. Elas também carregam essa mentalidade de mudança de vida, mas a vida dela já tá suficiente, elas não vão… Elas não têm muitos desejos de avançar na carreira. Assim, avançar, elas vão avançar, mas não vai mudar completamente a classe social delas, elas já são classe A. Então o comportamento é péssimo. As pessoas falam muito de escola pública, mas o comportamento em escola particular é péssimo, os alunos não respeitam os professores, eles não estão nem aí, eles conversam o tempo todo, eles usam o celular, eles, enfim, são indisciplinados demais, demais! E para esses alunos de baixa renda que eu tive do inglês, eles valorizam aquilo, então eu estava dando aula para pessoas que estavam valorizando aquilo que eu estava fazendo - pra mim fez toda a diferença também -, eles sabiam que aquilo faria a diferença na vida deles. Então, nossa, foi… Eu acho que a importância da docência, consegui viver essas duas importâncias muito diferentes e muito marcantes, eu acho tem muitas outras também, eu sou ainda muito novo, né, acho que na minha carreira eu vou viver outras, mas essas duas eu colocaria em destaque.
P/1 - E Jorge, quais são os seus sonhos hoje?
R - Meu sonho? Hoje, eu tenho o sonho de fazer um mochilão, esse mochilão pela América do Sul, eu quero muito entender nosso continente. E eu me vejo muito como… Brasileiro não se vê como latino, né, a gente não tem essa identidade, essa latinidade, pra gente, enfim, a gente é só brasileiro. Mas a gente tem tantas relações com nossos vizinhos, históricas, culturais, e eu queria muito viver isso, eu tenho certeza que eu vou aprender muito, eu queria… Fazer diferença politicamente, também, sabe? E eu fico pensando… Esse meu sonho tem muito a ver com um filme Diário de Motocicleta, que é um filme do Che Guevara que conta a história dele saindo da Argentina e percorrendo países da América do Sul como médico, tratando pessoas e tal, e eu fico pensando nessa história dele, fico pensando na história de Luiz Carlos Prestes também, que era um comunista, líder comunista brasileiro, que foi o líder da Coluna Prestes, e eles percorreram também parte do Brasil e da América Latina, eles chegaram à Bolívia e politizando as pessoas, né? Eles eram comunistas, eles sabiam que o povo brasileiro, sul-americano, tinha um potencial político e revolucionário muito forte, mas a ação, a prática política é essa, no cotidiano mesmo, conversando com pessoas e talvez despertar dessa consciência da opressão que elas sofrem. Eu não tenho nem essa intenção de ser professor, mas aprender muito também, e entender como se faz isso na prática, [já que] eu nunca fui organizado politicamente. Então eu associo muito, eu me imagino muito nesse mochilão, também como esse ser político e me politizando cada vez mais e compreendendo a realidade do povo latinoamericano de perto, porque a gente ouve aqui, principalmente em São Paulo, que é uma bolha, né, o que a gente vive aqui é completamente diferente da realidade da maior parte da América Latina, os acessos que a gente tem aqui e tal. Então eu não quero saber das coisas só por livros, por filme, eu quero viver. Então eu queria aproveitar esse ano que eu estou me formando, não constituí família, nem nada do tipo, eu quero aproveitar esse período para viver essa experiência que eu tenho certeza que vai ser transformadora. Esse é o meu grande sonho até! No momento. Mas se eu for pensar a longo prazo, aí eu já tenho mais dificuldade de falar. Eu realmente não sei. Antes, quando eu era criança, fazia muitos anos a longo prazo, assim, tipo, teve uma época que meu pai comprava jornal pra mim todo domingo, que eu pedi pra ele, eu vi uma vez uma notícia de que estava se reduzindo o número de leitores de jornal e eu queria contribuir para o jornalismo brasileiro, e aí eu pedi pro meu pai comprar jornal para mim todo domingo. E tinha uma sessão de imóveis lá, né, sempre tem a sessão de imóveis à venda, dentro do jornal, e aí eu ficava brisando naquela sessão de imóveis, pensando na casa que eu teria quando eu… Na época, eu queria publicidade. Sabia que queria comunicação, mas pensava em publicidade. Aí eu buscava quanto que um publicitário ganhava e eu tinha certeza que eu ia ganhar o salário mais alto, tipo, eu via lá, na época, o salário era 25000 reais que um publicitário poderia ganhar, e aí eu tinha certeza que eu ganharia aquele dinheiro. Eu não pensava, tipo, num salário inicial, porque pensava que vou ser o melhor em tudo que eu fizer, eu vou ser o melhor como publicitário e eu vou ganhar bem. Pra mim era lógico aquilo. E aí eu via os imóveis caríssimos, assim, eu queria morar na Paulista, eu buscava na Nove de Julho, Jardins, eu olhava esses imóveis e eu tinha certeza que um dia eu moraria nesses lugares. Hoje, eu vejo a condição do jovem na sociedade, no mundo, assim, não é nem só Brasil. A gente tá com uma, a gente vive uma realidade completamente diferente das dos nossos pais e os planos que eu fazia era dentro da realidade dos meus pais, que eles me contavam, né? Meu pai casou aos 21, teve o primeiro filho com aos 22, então eles se tornavam adultos, de certa forma, mais cedo do que a gente se torna hoje, em relação à independência financeira, em relação à independência no geral. Eu dependo muito deles hoje ainda, eu moro com meus pais, e a nossa realidade é completamente diferente. Então eu tenho muita dificuldade de fazer sonhos, fazer planos a longo prazo porque eu sei que a nossa realidade é tão instável. O que é hoje, amanhã pode não ser mais, pode ser completamente diferente, não tem mais essa ideia de emprego por décadas, o mesmo emprego por vinte anos. Eu realmente não sei o que vai ser de mim. A gente explora mais áreas, isso tem o lado positivo de você ser um ser humano múltiplo mesmo, mas também é muita motilidade por essa instabilidade que a gente vive. Eu recorri ao inglês, eu recorri ao teatro, eu recorri a cerveja mesmo, principalmente a cerveja, por necessidade, não é porque eu gostava daquilo, é porque eu precisava me reinventar para poder garantir que eu teria renda daqui a um mês, então a nossa realidade é muito diferente. Não sei mesmo, não consigo ter um sonho a longo prazo agora, então meu sonho mais próximo é do ano que vem, que vai se realizar na América do Sul.
P/1 - E tem alguma história…
P/2 - Ou alguma coisa.
P/1 - Que você não contou, que você acha que seria legal deixar?
R - Eu posso pensar nas coisas que eu trouxe.
P/1 - Se você quiser mostrar os objetos.
R - Eu trouxe… Bom, isso aqui eu já falei, eu trouxe esse… Eu tava pensando como falar da minha viagem de Jerusalém, a princípio eu peguei um diário meu, que foi um diário que eu criei lá pra registrar todas as experiências escritas, os sentimento, né, e não só a imagens, eu não queria ficar tirando foto e gravando e nem entender o que é que se passou pela minha cabeça naquela época, mas eu achei que seria muito íntimo… Não é nem pra contar aquilo, enfim, eu moro com meu pais e minha mãe vai ver esse vídeo, ela vai saber onde que tá meu diário, enfim, eu não quis trazer meu diário. Mas eu trouxe isso aqui que eu acho que representa muito essa viagem, eu comprei numa cidade que chama Acre em Israel, que é uma cidade Palestina, e os palestinos eles ganham muito dinheiro vendendo incensos, e isso aqui é uma base para incenso, e hoje, quando eu sinto cheiro de incenso, eu associo muito a esse período de Israel. Eu acendo um incenso hoje e eu volto para aquela época, assim, aquele período que eu passei, [que] aquilo foi muito bom! Apesar do país ser muito… Eu falei só da parte boa, né, mas o país é muito complicado, várias questões relacionadas a Israel, a opressão, o massacre que os palestinos sofrem, é o lado crítico de lá, mas, pessoalmente, eu vivi uma experiência muito boa lá, então eu acho que isso aqui me leva muito ao período que eu vivi lá então, mas eu já falei da minha viagem. Isso aqui eu trouxe porque foi o diário que eu criei quando foi para Portugal, e de Portugal eu também já falei, e aqui também tem alguns textos que eu escrevi na adolescência, eu escrevia contos, e aqui tem algumas coisas também que eu adoro voltar para elas e, enfim, mas eu também já falei dessa questão do jornalismo, de gostar de escrever e tal, então acho que eu não tenho a acrescentar sobre isso. Eu acho que isso aqui é muito legal, talvez eu escolha isso pra falar. É um cartãozinho que eu dei pra minha mãe quando eu era criança, de 2005, maio de 2005. Eu escrevi um textinho para ela, provavelmente de dia das mães, e aí eu escrevi: “Mãe, eu te amo muito, você é o meu tesouro, e não quero te perder nunca! Beijos com carinho, Jorge, maio de 2005”. E apesar de ser um texto que parece bobo, né, de criança, toda criança escreve isso, eu realmente não tenho a lembrança de escrever esse bilhete, de quando, da época que eu escrevi, do momento eu escrevi, mas esse “não quero te perder nunca”, me parece muito autêntico daquela época. Eu, a primeira vez que eu passei em psicólogo, já passei por alguns terapeutas, a primeira vez foi nessa época em 2005, entre 2005 e 2006, eu comecei a passar na psicóloga porque eu chorava todos os dias antes de ir para escola com medo de perder minha mãe, eu tinha certeza que ela ia morrer, porque eu perdi muito familiares, muitos tios. Minha mãe, como eu falei, ela tinha muitos irmãos e muitos morreram quando eu era criança, então eu adquiri esse hábito de ir a velório, ir a enterro, então essa coisa da morte, eu já tive contato desde muito cedo. E eu tinha muito medo de que acontecesse com a minha mãe, e eu não saberia como, o que seria de mim sem ela, se eu não tivesse ela, para mim a minha existência, e como uma criança dependia muito dela, de fato, mas, emocionalmente também para mim ela era tudo. E eu ficava imaginando, toda vez antes de sair de casa, de ir para a escola, eu ficava imaginando ela morta, num caixão. E minha família fazia muito velório no quintal de casa, antes tinha muito essa prática, né, agora as pessoas fazem só no cemitério, mas a minha família fazia no quintal de casa, velava lá e depois levava pro cemitério para enterrar, então eu imaginava ela naquele cenário, na varanda, deitada num caixão e as pessoas em volta e aquilo me ‘matava’, imaginar aquela cena. E ela é uma pessoa que eu tenho um grande, um forte vínculo até hoje, é uma pessoa que, até hoje, aos 25 anos de idade, sendo uma pessoa adulta, eu não consigo imaginar eu perdendo ela. Tipo, me dói na alma imaginar. Assim, é uma pessoa que é extremamente importante pra mim, e é uma pessoa que, por exemplo, ela não é uma pessoa que eu associo ao financeiro, por exemplo, porque ela nunca, ela trabalhou poucas vezes fora, né, formalmente, então não é uma pessoa que eu recorro por dinheiro, aliás, ninguém eu recorro só por dinheiro, né, mas ela não tem nada atrelado a dinheiro nela, não tem nada atrelado… Ela não é a pessoa que eu destacaria em relação a educação, quem me incentivou muito à educação foi meu pai, quem teve o papel mais forte sobre isso foi meu pai, mas a minha mãe, ela é uma grande referência. Ela não é uma pessoa que chegou nem ao ensino médio, ela não tem um estudo também, formal, longo, mas é uma grande pessoa, um grande ser humano, ela é uma pessoa muito admirável, forte. É uma pessoa que se envolve nas coisas. Eu adoro ver como ela é ativa na vida, como ela atua sobre o ambiente que ela vive. Ela não é uma pessoa politizada, ela se diz leiga, mas, para mim, ela é uma pessoa super política, ela participa da reunião de condomínio, ela se envolve em absolutamente tudo que diz respeito a ela e que vai influenciar na vida dela, ela tá ali atuando. Eu acho que é assim que a gente deve viver no mundo, acho que a gente precisa estar ciente que o nosso papel, que a gente tem poder de mudança nas coisas por menor que elas sejam e minha mãe, ela me incentiva muito nesse sentido, então é uma grande referência que eu tenho na vida, por mais que ela seja uma pessoa que não tem atributos que a maioria das pessoas valorizem a princípio, essa questão do financeiro, da educação formal e etc., mas, para mim, é uma pessoa que eu não me imagino sem, ela forma grande parte do que eu sou.
P/1 - Muito lindo! E… Para finalizar, então, eu queria te perguntar o que você achou de estar aqui hoje, de dar essa entrevista?
R - Nossa, eu gostei muito! Eu tava meio nervoso, a princípio, eu não sabia… Acho que eu me cobro muito em relação ao que o outro espera, e isso dando aula, por exemplo, enfim, tudo que eu faço, na verdade, e eu não sabia muito o que se esperava aqui, né, então eu não sabia em que pontos tocar, o que falar e, enfim, então, no começo, eu tava meio tenso porque minha cabeça ela passa por várias coisas, vários questionamento e várias questões. Mas, ao longo do tempo, eu fui relaxando e fiquei preocupado em relação ao que… A qualidade daquilo que eu tava falando, eu só tava falando, então teve essa mudança ao longo da conversa, mas foi bem gostosa, eu gostei de recuperar esses acontecimentos da minha vida e que, enfim, são a construção que eu sou hoje, né?
P/2 - Bom, obrigada!
R - Obrigado. Eu que agradeço!
P/1 - Obrigada!
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