Projeto Memória nos Bairros
Depoimento de Hélio Takio Otake
Entrevistado por Marina e Stella
São Paulo, 11/10/2000
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: MT_HV040
Transcrito por Marília Eira Velha
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1- Eu vou perguntar de novo para o senhor o seu nome, local e data de nascimento, por favor.
R- Meu nome é Takio Otake, nasci em 27 do sete de 39, no Japão, Fukuoka.
P/1- Como chama a cidade?
R - Fukuoka.
P/2- Então, o senhor tinha dito o nome do senhor e que tinha nascido em... O senhor nasceu em Fukuoka?
R - Fukuoka, isso.
P/1- Em que ano, por favor?
R- 1939.
P/1- E o nome dos seus pais?
R- Meu pai é Takissuki Otake e minha mãe era Oia Otake.
P/1- Certo. E seus avós todos eram da mesma cidade?
R- Bom, devido a essa bendita Segunda Guerra Mundial, eu andei em vários lugares nesta época, quando nasci. E os meus pais eram da província de Yamagata, lá no norte do Japão. De Fukuoka tem distância de quase três mil quilômetro.
P/2- Três mil?
R- É, atravessando todo o país do Japão.
P/1- E por que atravessaram?
R- Devido a Segunda Guerra Mundial, para ir para a base da Coreia, para a China... Era mais perto, mais próximo. Então era Fukuoka...
P/1- Mas por que vocês tinham que ir para a base mais embaixo, na...
R - Meu pai estava servindo o Exército.
P/2- Qual era a atividade do seu pai antes de servir o Exército?
R- Ele era lavrador. Formou-se em Agronomia também.
P/2- O que eles faziam de atividade de lavoura? Qual era...
R- Era um arrozal. Plantavam... A principal cultura é o arroz. Então tinha de tudo, tinha que plantar de tudo, desde alface, cheiro verde... Mas a principal cultura é arroz.
P/2- O senhor se lembra da sua casa de infância?
R- Eu lembro, mas eu, de vez em quando, ia também na casa do avô. Era casa antiga, não tinha ainda telhado feito de telha, não.
P/2- Do que era?
R- Tudo era palha de arroz.
P/1- E no inverno, não era muito frio?
R- Então... Não,...
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Depoimento de Hélio Takio Otake
Entrevistado por Marina e Stella
São Paulo, 11/10/2000
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: MT_HV040
Transcrito por Marília Eira Velha
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1- Eu vou perguntar de novo para o senhor o seu nome, local e data de nascimento, por favor.
R- Meu nome é Takio Otake, nasci em 27 do sete de 39, no Japão, Fukuoka.
P/1- Como chama a cidade?
R - Fukuoka.
P/2- Então, o senhor tinha dito o nome do senhor e que tinha nascido em... O senhor nasceu em Fukuoka?
R - Fukuoka, isso.
P/1- Em que ano, por favor?
R- 1939.
P/1- E o nome dos seus pais?
R- Meu pai é Takissuki Otake e minha mãe era Oia Otake.
P/1- Certo. E seus avós todos eram da mesma cidade?
R- Bom, devido a essa bendita Segunda Guerra Mundial, eu andei em vários lugares nesta época, quando nasci. E os meus pais eram da província de Yamagata, lá no norte do Japão. De Fukuoka tem distância de quase três mil quilômetro.
P/2- Três mil?
R- É, atravessando todo o país do Japão.
P/1- E por que atravessaram?
R- Devido a Segunda Guerra Mundial, para ir para a base da Coreia, para a China... Era mais perto, mais próximo. Então era Fukuoka...
P/1- Mas por que vocês tinham que ir para a base mais embaixo, na...
R - Meu pai estava servindo o Exército.
P/2- Qual era a atividade do seu pai antes de servir o Exército?
R- Ele era lavrador. Formou-se em Agronomia também.
P/2- O que eles faziam de atividade de lavoura? Qual era...
R- Era um arrozal. Plantavam... A principal cultura é o arroz. Então tinha de tudo, tinha que plantar de tudo, desde alface, cheiro verde... Mas a principal cultura é arroz.
P/2- O senhor se lembra da sua casa de infância?
R- Eu lembro, mas eu, de vez em quando, ia também na casa do avô. Era casa antiga, não tinha ainda telhado feito de telha, não.
P/2- Do que era?
R- Tudo era palha de arroz.
P/1- E no inverno, não era muito frio?
R- Então... Não, por isso. Devido a isso, no norte do Japão cai dois, três metros de neve no meio do ano. Então o inverno era pesado, tinha que ser coberto dessas palhas de arroz, palha de trigo... Bem grosso, dessa grossura assim, inteirinho.
P/1- E aí aguenta?
R- Aguenta. E aí conserva caloria.
P/2- E fica aquecido?
R- Fica aquecido. Aquecido dentro.
P/1- A cultura de todo mundo, o principal era arroz. E as outras coisas, quem plantava?
R- Toda casa tinha que plantar o que consome em casa. Todos plantavam desde nabo, cebola, essas coisa. Todos. O que eles consomem em casa, praticamente, eles que plantavam em casa.
P/2- Era uma horta?
R- Horta.
P/1- E tinha criação de animais?
R- Tinha criação de animais, desde frango, galinha, porco, gados. Alguns gados para poder... Naquele tempo era tudo... Não tinha trator, então tudo... Vaca, boi, cavalo, que cultivavam a terra. Não tinha trator, nada.
P/1- Em quantos irmãos vocês eram? Quantos filhos eram?
R- Era oito filhos.
P/1- E o senhor se lembra da sua...
R- Oito irmãs.
P/1- Como era a convivência com mãe, pai, os irmãos?
R- Como é época de... Justamente como passei a infância na época da Segunda Guerra Mundial, então sofri bastante. Porque, inclusive, caiu uma bomba em casa e perdi mãe, mano e duas irmãs. Quatro pessoas evaporaram numa bomba.
P/1- Nossa Senhora!
R- Entende? A minha irmã que estava no Científico salvou eu e a irmãzinha, que estava no porão. Nisso eu fui salvo.
P/1- E o teu pai?
R- O meu pai estava no campo de batalha, e ele se salvou.
P/1- Salvou?
R- Salvou. Voltou vivo (risos).
P/1- Ele não morreu na Guerra?
R- É.
P/2- Quem achou vocês lá, no porão?
R- Então, o pessoal vizinho. Como o porão era o depósito de comida, então o pessoal desceu para ver se tinha alguma sobra no porão e começou a abrir. Tinha vizinho que sabia que era depósito de comida.
P/2- Quantos anos o senhor tinha?
R- Tinha acho que quase seis anos, no máximo, por aí. Então eu e a irmãzinha, uns tempo, ficamos perdidos no meio do espaço.
P/1- Lá no porão?
R- Não, depois de ser salvo do porão.
P/1- Quem tomou conta de vocês, depois?
R- Eu tive que... Bom, quase seis meses que ficamos perdido no espaço (risos).
P/1- Como é isso de ficar perdido no espaço?
R- Depois acharam.
P/1- Vocês ficaram andando?
R- É, ficamos andando.
P/1- Vocês foram embora?
R- É, porque não tinha ninguém para cuidar, não tinha nem casa, mais.
P/2- Não tinha um parente, nada?
R- Bom, depois de quase seis meses eu consegui comunicar com o avô, aí o avô veio buscar.
P/2- Quantos anos tinha a sua irmã, seu Hélio?
R- Eu tinha seis anos e ela tinha três anos.
P/1- E os dois sozinhos, andando para lá e pra cá?
R- É.
P/2- Em que ano foi isso, o senhor sabe?
R- Acho que foi há 55 anos atrás (risos).
P/1- Mas o senhor se lembra bem, né?
R- Lembro. Mas não lembro tão bem, como eu era pequeno.
P/1- E o senhor lembra quando o seu pai voltou da Guerra?
R- Lembro.
P/1- E como foi isso dele ter voltado?
R- Porque depois que terminou Guerra, voltou.
P/1- E o que o seu pai achou do Japão ter perdido? Como foi essa coisa da...
R- Isso aí é um impacto. Deixou praticamente o mundo acabado, entende? Então, por exemplo, era um campo tudo queimado. Onde fui criado, tinha casa, por exemplo, cidade de Fukuoka, era beira mar de ponta a ponta, e teve invasão de bomba, então queimou tudo. Praticamente virou tudo cinza. Isso porque Fukuoka é entre Nagasaki e Hiroshima. Então é aquele espaço aí. Onde caiu bomba, por exemplo, então você vê... De repente, se cai uma bomba, desaparece sessenta mil pessoas.
P/1- Vocês estavam perto de... Entre Nagasaki e Hiroshima?
R- Entre Nagasaki e Hiroshima, quando...
P/1- Mas não pegaram a radiação?
R- Não. Ainda é longe.
P/1- É longe?
R- É longe. Naquele tempo, aquela bomba não espalhava tão longe assim.
P/1- O senhor era menino quando caiu a bomba em Hiroshima?
R- É, então... Mas só que não sei (risos). Não estava no lugar, né?
P/1- Não, quer dizer... O senhor, nessa época, era menino?
R- Era menino, criança de tudo. Tinha cinco anos.
P/2- Seu Hélio, como foi reencontrar o seu pai?
R- Bom, ele voltou, foi para casa, não tinha nada, então foi onde nasci. Nós estávamos esperando lá onde nasci.
P/2- Onde era?
R- Era em Yamagata, casa do avô.
P/1- Então, seu avô pegou vocês e seu pai voltou para lá?
R- Isso.
P/1- Meu Deus...
P/2- E sobraram só dois irmãos?
R- É.
P/2- O senhor e a sua irmã?
R- É.
P/2- Qual é o nome dela?
R- Harumi.
P/1- E ela está aqui no Brasil?
R- Não. Ela morava em Nagasaki e faleceu esse ano, mês de Março.
P/1- Então ficou só o senhor agora?
R- É, basicamente, porque... Agora, a minha irmã mais velha, que é sete anos mais velha, que estava no Científico, foi salva, está viva ainda. Eu tinha oito irmãs, morreu tudo e ficou só dois. Agora só tem a minha irmã mais velha e eu (risos). Ela está no Japão e eu estou aqui (risos).
P/1- Depois o senhor foi estudar?
R- Eu tive uma irmã, tratou de mim como mãe. Foi a irmã que praticamente me criou.
P/1- O senhor e a pequenininha?
R- É, minha irmãzinha. Então a minha irmã parou de estudar e já juntou com pai, ajudando o pai e foi criando esses dois irmãos.
P/1- O seu pai veio bem da Guerra, ou veio doente...
R- Não, era forte, então não tinha... Voltou vivo (risos), só que ele chegou magro. Ele tinha força, era forte, praticava judô, kendô, ele era faixa preta. Era forte.
P/1- Ele era do que? Da Infantaria? Era o que no Exército?
R- Não sei (risos).
P/2- Ele contava histórias antes da Guerra?
R- Não, ele evitava contar esse negócio aí. Era desagradável, não era para contar. Não tem condição de contar essa barbaridade que aconteceu ali em Manchúria, no norte de Coreia. Nós também estávamos... Ele ficava no campo de batalha, Manchúria e norte da Coreia, sul da Coreia... Andamos tudo ali.
P/1- Vocês estiveram lá?
R- Nós estivemos. Quando começou lá, o meu pai levou família toda para lá. Antes de perder a Guerra. Como era oficial, então... Diz que é oficial, né? (risos) Então tinha o direito de levar a família pra perto da base.
P/1- Isso daí foi depois que morreu sua irmã?
R - Não, antes.
P/1- Então quando caiu a bomba, vocês estavam lá na Manchúria?
R- Não, não estava...
P/1- Já tinha voltado?
R- É, já tinha.
P/2- Quanto tempo vocês ficaram lá na Manchúria?
R- Não sei quanto tempo que era. Pouco tempo. Deve ser... Cada vez é um ano, são dois ano.
P/2- Entendi.
R- Na verdade... Porque os meus pais casaram, foram lá para Fukuoka, depois tinha costume de... Quando estava no campo de batalha no norte da Coreia, minha mãe engravidou de mim, e quando elas engravidavam voltavam para casa do avô. Nascia lá e depois de alguns meses voltava (risos). Assim que aconteceu.
P/2- Ia só para ter o filho?
R- Só para ter filho.
P/2- E vocês ficaram vivendo em Yamagata depois?
R- É, uns tempo eu fiquei na casa do avô, mas só que era... Devido a esse acontecimento… O que acontecia, era meio violento, e eu era menino. Então me colocaram numa academia.
P/1- De quê?
R- Academia de criança.
P/1- Na escola?
R- É, uma escola lá em Fukushima, norte de Japão. Era academia famosa, Academia de Handi Kato.
P/2- Handi Kato?
R- Handi Kato, Academia de Handi Kato. Esse é um homem famoso que levantou após a Segunda Guerra Mundial.
P/1- Levantou o quê?
R- Levantou moral da vida agrícola. Antes ele já era famoso, mas depois, também, ele trabalhou bastante. Nós temos uma colega de escola de... Acho que deve ter sessenta mil, pelo menos, espalhado no Japão e no mundo. Esse é onde formou essa... Eu fiquei quase seis anos nessa escola, era época de infância, entre sete a doze anos.
P/1- Era interno?
R- É, internado ali. Interno.
P/2- Como era lá, seu Hélio? A vida cotidiana, o que vocês faziam?
R- Acho que era escola normal, mas só que tinha um ensinamento meio rigoroso, porque você tinha que levantar já às seis horas da manhã, às sete horas tinha café da manhã, como diz aqui. Lá é almoço (risos).
P/2- Almoço?
R- (risos) Sete horas almoço. Depois, meio dia, outra refeição e às sete horas da tarde tem jantar. Logo de manhã cedo vinha uma tigela de arroz, três pedaços de conserva e uma sardinha.
P/2- Todo dia?
R- Todo dia. De manhã cedo vinha isso aí. E uma sopa. Então vinha dois tigelões, uma sopa e um arroz, e aqueles pedaço de conserva de nabo e uma sardinha. Só. Hora de almoço também, a mesma coisa praticamente.
P/2- Sempre a mesma comida?
R- É. E jantar. Só que no meio do arroz tinha metade de batata doce ou batatinha.
P/2- Ah é?
R- É.
P/1- Isso era consequência da Guerra?
R- É, porque devido à falta de arroz, misturava tudo.
P/2- Entendi.
P/1- E o senhor saiu de lá com quantos anos?
R- Eu saí de lá com doze anos, acho que onze anos, por aí. E eu fui para… [Meu] pai conseguiu levantar outra casa nova. Estava tudo cinza, virou cinza, mas eu fui lá e ele conseguiu fazer outra casa nova, em Fukuoka e eu fui lá, eles me levaram, começou a reunir toda a família de novo.
P/2- Em Fukuoka?
R- É, Fukuoka. Minha irmãzinha, eu, irmã e o pai.
P/2- Como chamava a irmã mais velha?
R- Tamai.
P/2- A que criou vocês, né?
R- É.
P/1- E ele não se casou de novo, seu pai?
R- Devia ter namorada, como diz. Eu sei que tinha (risos), mas só que...
P/1- Mas não casou?
R- Não casou. Homem está no auge de... (risos). Sem mulher não passa, né?
P/1- Não passa, não.
R- Eu sei, eu reconheço que ele tinha namorada, mas não conseguiu formar... Não formou...
P/1- Mas no Japão não costumava casar porque ficou viúvo? Ele ficou viúvo, podia casar?
R- Podia.
P/1- Mas não conseguiu.
R- Devido à minha irmã mais velha que tinha, não trouxe para casa.
P/2- Entendi.
R- Não trouxe para casa.
P/1- E depois o senhor foi estudar na faculdade, né?
R- É. Já estava formando para Colegial.
P/1- Mas seu pai, voltando da Guerra, ele fez um serviço para ganhar um dinheiro? Como é que foi?
R- Voltou, como ele tinha... Ele começou o trabalho tudo de novo. Começou a fazer lavoura de novo.
P/1- Ele fazia o quê?
R- Plantava arroz. Agricultura.
P/1- Mas o militar que veio da Guerra não tinha um salário?
R- Não. Acabou o dinheiro, acabou... Nada. Não tem nada disso aí, não. Não tinha nada, nada. Isso aí... Aqui no Brasil, tem _______ Marechal e não sei o quê. Lá acabou o dinheiro, acabou. Manda de volta tudo para a casa e se vira.
P/1- E se vira?
R- É (risos).
P/2- Não tinha uma ajuda do governo, nada?
R- Nada, nadinha. Nada. Depois da Segunda Guerra Mundial, militar era o que sofreu mais. O meu pai, por exemplo, ele era militar, ele tinha um subordinado, tinha bastante colegas de... Então, em casa era... Quando foi para Fukuoka era uma família grande, porque tinha aqueles que voltaram de campo de batalha, que perderam famílias, então...
P/1- O seu pai?
R- O meu pai, em casa. Então tinha uma colega de Exército lá. Tinha tempo que tinha trinta pessoas mais ou menos.
P/1- E ele sustentava todo mundo?
R- Sustentava todo mundo em casa.
P/2- Puxa vida!
P/1- Mas ele era assim, meio graduado, né?
R- É, não sei, deve ser. Então vinha tudo à procura de pai: “Você tem que dar um jeito na minha vida, eu estou perdido, perdi tudo.” Quando voltou para casa, não tinha mais nada. Perdeu casa, virou cinza. E vinha tudo na minha casa. Vinha e meu pai arrumava serviço, comprava roupa para eles...
P/1- Dava comida?
R- Dava comida, para poder até se virar.
P/2- E era normal os jovens irem para a faculdade?
R- Claro, era normal. Mas só que nesse campo de... Durante a Segunda Guerra Mundial eu tive que largar tudo. Por exemplo, ele parou de estudar, tinha que ir trabalhar lá na indústria de armas, avião, navio, essas coisa aí (risos).
P/2- Como é que ela chama? O senhor está se referindo a...
R- O seu Nakano, aí.
P/1- Mas que coisa! Agora, o senhor era pequeno, mas ouviu dizer, assim... Teve pessoas que se suicidaram porque o Japão perdeu?
R- Não é que se suicidaram. Isso aí é porque, aquele que jurava Império e acreditava na coisa... Aí é um desespero. Quando perdeu a Guerra, o imperador declarou que era o término de Segunda Guerra Mundial e acabou... Ele queria entregar para Macarthur, era americano, teve gente que praticou Haraquiri na frente do Palácio.
P/1- Palácio Imperial?
R- É.
P/1- Muita gente?
R- Não foi muita gente, não. Isso [aconteceu com] alguns que...
P/2- E o que significava isso?
R- Isso aí é amor de país. Por exemplo, aqui no Brasil, alguém que pratica, jurando bandeira, cortar a barriga.
P/1- Nossa!
R- É, então. O espírito era isso, no Japão.
P/1- Era muito amor ao país?
R- Era amor ao país, porque era um desespero total. Está louco!
P/1- Mas, também, o Japão tem uma tradição de Haraquiri, não é? Já anterior...
R- Então, se praticou algo errado, você reconhece que está errado mesmo, [você] pratica.
P/1- Ah, sim?
R- Sim senhora. Não vou esperar o julgamento para resolver. Reconheço que eu estou errado, então eu vou praticar Haraquiri.
P/1- Mas ainda usava, nesse tempo...
R- Usa.
P/1- Ainda hoje?
R- É, usa.
P/1- Não sabia. Pensei que era...
R- Claro. Quando eu estou errado... (risos).
P/2- Admite...
R- Admite que eu estou errado.
P/1- Aí se suicida?
P/1- Mas o significado disso seria não passar pelo julgamento dos homens? É isso?
R- É, mas isso é que eu vi que o negócio está perdido mesmo, está errado e eu pratico. (risos)
P/1- Quer dizer que essa coisa dos japoneses se matarem diante do Palácio é verdade?
R- Verdade. Aconteceu isso. Esse que matou milhares e milhares, levou no campo de batalha e morreram colegas e irmãos, matou o filho dos outros. Esse que se sentiu culpado, então...
P/1- Entendi. Isso aí, o senhor viu por contar, soube por contarem...
R- Tem reportagem.
P/1- Só para terminar essa parte do Japão na Guerra, como é que... O senhor sabia da história dos kamikaze?
R- Sabia. Se fosse na altura, eu também ia fazer a mesma coisa.
P/1- Ia ser kamikaze?
R- Ia ser kamikaze.
P/1- O que quer dizer um kamikaze?
R- Um kamikaze... Como era falta de armamento, falta de bomba, você carregava bomba e era para...
P/1- Ia ser o míssil, né? Mas kamikaze em japonês, o que quer dizer?
R- Vento de Deus.
P/1- O quê?
R- Kamikaze é o Vento de Deus.
P/1- Eu nunca soube dessa tradição.
R- É, Vento de Deus. Então eles carregavam o fusível e atiravam no navio do adversário. Aí ele explodia junto com ele.
P/1- O avião?
R- O avião fazia isso. O avião já não tinha mais...
P/1- Bomba?
R- Bomba. Então sobrou um só, uma bomba, última bomba que estava lá, então...
P/1- Eles iam dirigindo a bomba?
R- É, dirigindo a bomba. Para não errar...
P/1- Não errar o alvo.
R- É, não errar.
P/1- Fora esse do avião, também havia por terra?
R- Isso aí aconteceu no campo de batalha... Quando via que era a última bomba, então sabia que essa aí não podia desperdiçar. Teve três meninos que carregaram uma bomba para destruir um tanque, três carregaram isso aí, para atravessar uma cerca da... Para estourar aquela cerca lá, três menino foram lá, bateram lá e explodiu...
P/1- Ah, não era só pelo avião. Era também...
R- Não, era aviãozinho, naviozinho, barquinho, aconteceram várias vezes.
P/2- Seu Hélio, quando o senhor fala menino, são jovens?
R- É, de quinze anos. Já com quinze anos servia Exército.
P/2- A maioria que fazia kamikaze era jovem?
R- Tudo entre quinze e dezessete anos. Avião é... Quem consegue dirigir avião é tudo adulto, mas só que esse aí apareceu por isso. Contaram histórias só principal, então ninguém sabia que ainda aconteciam outras coisas (risos).
P/2- E os jovens não tinham... Como eram? Eram corajosos, tinham medo?
R- Claro que tem medo, mas... (risos), medo tem, né?
P/1- Mas ia?
P/2- Mas se tiver que ir, vai?
R- Se tiver que ir, vai.
P/1- Faz parte da cultura, né?
R- É.
P/1- Porque senão o jovem ia fugir, né?
R- Ninguém queria fugir, não. Vai mesmo (risos). Então o Macarthur tinha medo de subir para o território japonês. Tinha medo. Meninas andam só com um bambu, com uma lança de bambu, e ia mesmo.
P/2- Uma lança de bambu?
R- Uma lança de bambu.
P/2- As meninas?
R- Meninas, ainda.
P/1- Meu Deus, que luta!
P/2- Então as mulheres participaram, também?
R- Meninas, todos. Meninas que já passaram de doze, já estavam com tudo preparado para... Vai com bambu.
P/2- Para defender o país?
R- É.
P/1- E vocês lutaram? Se não fosse a bomba, acho que...
R- Senão não ia terminar isso aí.
P/1- Não ia terminar nunca.
P/2- O senhor estava antes contando da sua formação escolar. O senhor foi para a faculdade?
R- É.
P/2- Do quê?
R- Agronomia.
P/2- Por que o senhor escolheu?
R- Eu queria Agronomia, seguindo o pai.
P/1- Sim.
R- Seguindo o pai. Então me interessei em Agronomia.
P/1- Mas ele não tinha estudado, né?
R- Estudou. Meu pai também é agrônomo.
P/1- Não era assim, que nem no Brasil, que vai lá, planta e pronto?
R- Não. Hoje lavrador tem que ser agrônomo, senão não dá para plantar.
P/1- E como foi a sua escola lá? Como foi a vida na faculdade?
R- Isso aí maravilha. Depois que terminou, já começou... Mas conforme ia crescendo, conforme ia graduando, eu comecei a sentir que minha terra era pequena. Quando vai ao cinema, então o americano já... Primeira coisa que vinha era aquela imagem lá, de mil hectares de trigo, que passa menino vinha com aquele carro vermelho, esporte, ia correndo com a loira com os cabelo desarrumado (risos). Eu via aquela imagem. Então cada vez que ia no cinema americano aparecia aquela imagem. Então: "Puxa vida!" E voltava em casa. E em casa, eu tinha só uma produção de arrozal, de arroz. E ainda tinha que catar mato, tudo com a mão, para cultivar tudo com burro. Burro, vaca ou cavalo, porque não tinha trator, não tinha nada. Então quando veio aquela notícia americana, eu: "Puxa..." Primeira coisa que eu faço é: "Eu vou cair fora." Eu queria estudar nos Estados Unidos. Eu fui lá. Primeiro dia, no meio de aula, ainda um ano antes de formar escola, faculdade, eu ganhei uma bolsa de um ano para Estados Unidos.
P/2- Ah, é?
R- É.
P/2- Para que lugar?
R- Era Los Angeles.
P/2- Los Angeles?
R- Califórnia.
P/2- Qual Universidade?
R- Não era Universidade, era... Quando foi lá, era camarada, era "aprendização". Me mandaram lá numa fazenda.
P/1- Para estudar?
R- É, aprender. Eu tinha quinhentos hectares de cebola, quinhentos hectares de tomate. Mas bem organizado, o americano. Ou seja, cada vez que... Cada lote organizado. Aqui, quinhentos hectares de arroz, quinhentos hectares de alface, quinhentos hectares de tomate e assim por diante. Tudo já contratado, ou seja, antes de plantar já sabe quanto é lucro.
P/1- Aí o senhor fez lá?
R- Eu fui aprender esse negócio.
P/1- Foi lá?
R- É.
P/1- Passou quanto tempo em Los Angeles?
R- Eram dez meses de contrato. Então eu fiquei lá dez meses.
P/2- Quantos anos o senhor tinha?
R- Dezenove anos.
P/2- Era a primeira vez que estava saindo do Japão?
R- Primeira vez que saí fora do Japão.
P/1- Aí voltou para o Japão?
R- Voltei. Mas aí eu falei para o papai: "Olha, pai, lavoura não dá para continuar assim." Para mim, muito pequena para seguir profissão [do meu] pai. "Eu quero ser agrônomo". Então eu queria sair, eu era louco para sair para fora (risos).
P/2- O senhor já tinha casado, não?
R- Não, que nada. Ainda era arteiro, menino arteiro, cheio de ideias... (risos). Mas, naquele tempo...
P/1- Você estava falando pro seu pai que não dava...
R- Eu falei para o papai: "Olha pai, faz de conta que está... Servir Exército, agora. Me dá três ou quatro anos de..." Porque ainda [o meu] pai estava forte, ainda podia se virar sozinho.
P/2- Mas, seu Hélio, era obrigação o filho continuar junto com o pai?
R- Claro, era obrigação. Mas eu vim para cá, eu comecei trabalhar no...
P/1- Veio aqui para o Brasil?
R- Vim para o Brasil.
P/1- Como é que o senhor veio? Pagou a sua passagem?
R- Claro, eu...
P/1- Não veio pela imigração nenhuma?
R- Vim pela imigração, mas agora que vai entrar nesse projeto cotiano. Aquele tempo era Kubitschek, né?
P/2- Juscelino Kubitschek.
R- Isso, era Juscelino Kubitschek, ele queria trazer agrônomo para o Brasil. Ele tinha um projeto de trazer seis a sete mil agrônomos para o Brasil.
P/1- De todos os países?
R- É, de todos os países. Então o Japão aceitou [enviar] 2500 pessoas.
P/2- E como o senhor ficou sabendo desse projeto?
R- Isso aí tinha campanha, de projeto cotiano.
P/2- Projeto cotiano?
R- É, projeto cotiano. A Cooperativa Cotia que aceitou esse programa do governo federal com a ideia de renovar, porque a Cotia fazia, naquele tempo, quarenta anos de imigração, então há quarenta, cinquenta ano atrás... É estava fazendo cinquenta anos de imigração naquele tempo.
P/1- Da imigração japonesa?
R- É.
P/2- O que eles ofereciam para os agricultores que viessem para cá?
R- Bom, não ofereciam... Praticamente só ordenado, salários. Mas quando vinha aqui, era época de inflação, era contrato de três cruzeiros. Quando cheguei aqui três cruzeiros não comprava nem cigarro mais.
P/2- Três cruzeiros por dia?
R- Não, mensal.
P/2- Por mês?
R- Por mês (risos).
P/2- E aí?
R- E aí... Só que o pessoal aproveitou essa situação desgraçada, né? Como era contrato, patrão falava assim: "Olha, Otake, o contrato que está assinado são três cruzeiros" (risos). Mas mesmo assim, conforme... Gradativamente eles também sentiam a... (risos), então eles colocavam um pouquinho a mais. Só que, como era Nazaré Paulista, era Bragantina, fica a setenta quilômetros, era em volta de São Paulo, sentia assim... Já no terceiro dia senti: "Pô, mas isso aí não estava no programa, não." Meu sonho era ser agrônomo. Isso aí é praticamente continuação do Japão.
P/2- O senhor sonhava com uma lavoura grande?
R- É. Aí eu reclamei para a Cooperativa: "Vocês falaram que o Brasil tem lavoura grande, não era para fazer lavoura pequena, igual ao Japão." Mas num raio de duzentos quilômetros aqui de São Paulo, era tudo lavoura pequena. Isso é uma continuação do Japão. Eu não gostei. Aí fui para Cotia. Lá em Cotia falaram: "Então, vem cá. Você vai trabalhar no fomento agrícola." Como eu era formado, falaram: "Vou dar uma cadeira de engenheiro agrônomo aqui na Cooperativa." Mas fui lá, mais três meses, pela terceira vez era esse ministro Fábio Yassuda...
P/2- Fábio...?
R- Fábio Yassuda.
P/2- Era Ministro da Agricultura?
R- É.
R- Ele era... Servia como diretor executivo de Cotia. Aí me mandou embora. Outro dia começou a explicar alguma coisa. Terceiro dia de entrevista, já me mandou... "O que aconteceu? Por que é que está me mandando embora?" "Não, é porque você não está servindo." "Por que não estou servindo?" "Porque você não está formado no Brasil”.
P/2- O diploma não valia?
R- Não valia nada. O diploma era estrangeiro.
P/1- Não deu para fazer a revalidação?
R- Então, me deram uma chance de revalidação. Eu vivia brincando: "Ministro desgraçado!" Ele era bravo (risos). Ele me deu a chance disso aí: "Olha, eu estou te mandando embora, mas..." (risos).
P/2- "Eu te dou uma chance".
R- É. Só que queria que eu revalidasse esse diploma aqui. "Porque, infelizmente, não está servindo aqui no Brasil."
P/2- E aí?
R- Aí me mandaram lá em Viçosa, em Minas.
P/2- Na faculdade?
R- Faculdade. Para revalidar esse diploma.
P/1- E aí você fez...
R- Aí alguns candidatos, também... Tinha colegas... Aí foi lá, mas só que não tinha custo, ajuda de nada. Como é que faz?
P/2- Não tinha o quê?
R- Custo de vida, não tinha ajuda financeira.
P/2- O senhor falava português?
R- Não falava nada. Dificuldade total. Eu vim para São Paulo, que tinha... Aqui na Galvão Bueno tinha pensão, a pensão era bem vagabunda, uma tal de pensão Yamamoto. E agora tem restaurante, esse Yamamoto, na Galvão Bueno.
P/2- Ah, é?
R- Na frente. Ao lado da casa Mizumoto tinha uma pensão. Pensão bem vagabunda, lá no...
P/1- Porão.
R- É, porão. Aí levei lá, vim aqui em São Paulo para conhecer São Paulo... Porque como não tinha dinheiro, o dono do restaurante era veterano cotiano. Era o primeiro veterano, mas como ele tinha uma profissão de cozinheiro, era craque.
P/2- Craque?
R- É, craque de cortar sashimi (risos). Então eu fui atrás dele e falei para o veterano: "Olha, eu vim para São Paulo, mas não sei onde vou." Aí o Yamamoto falou assim: "Dorme aqui, vai." E de manhã cedo ia lá no Santa Rosa, no mercado. Fui catar cabeça de peixe.
P/2- Para quê?
R- Para fazer comida, oras. Não tem o que comer (risos).
P/1- Ah, você catar para comer?
R- Tive que... Para servir de mendigo não serve (risos).
P/2- A cabeça de peixe não precisava comprar?
R- Não precisava pagar porque eles jogavam fora aquele negócio. Aí vinha, sobra de peixe, é um desperdício total. E a gente catava cabeça grande, só escolhia cabeça grande e trazia aqui na pensão Yamamoto e cozinhava. Mas saía cada prato gostoso. Era peixada, era a melhor peixada que dava, viu? Nunca mais consegui comer peixada tão gostosa assim. Não tem.
P/2- E tinha outras pessoas na mesma condição do senhor?
R- É, na mesma condição. Agora aprendi. De vez em quando, quando era Domingo ou um feriado, eu vinha para São Paulo, vinha na pensão Yamamoto, ia catar cabeça de peixe lá no Santa Rosa (risos), pescar (risos).
P/2- E como é que o senhor ia daqui até lá?
R- À pé.
P/2- À pé?
R- Tudo à pé.
P/2- Como é que era a cidade nessa época?
R- Ainda não tinha nada aqui. Essa, por exemplo, 23...
P/1- De Maio?
R- 23 de Maio. Esse lugar... Inclusive, esse lugar não tinha esse Minhocão. Não tinha. Era emendado aqui, era uma montanha.
P/1- Um morro?
R- É, morro aqui. Justo em cima, onde abre o...
P/1- A Radial?
R- Não, esse Minhocão, era o antigo cinema.
P/2- Cinema? Que cinema que era?
R- É, cinema. Era Cine Niterói. Hotel Niterói e Cine Niterói. Era luxo, naquele tempo.
P/2- O senhor conseguiu ir?
R- Ia, mas só que no hotel não tinha dinheiro, então não dava para ir. A gente ia ao cinema pelo menos.
P/1- E por que deram o nome de Cine Niterói?
R- Eu não sei. Já tinha esse nome Cine Niterói, aqui.
P/1- Eu ouvi uma história que era Nipo Herói, em vez de Niterói. É isso?
R- É, acho que sim.
P/2- E o que passava no Cine Niterói, seu Hélio?
R- Já vinha filme vagabundo, importado. Filme japonês importado.
P/1- Só passava japonês?
R- É. Aí que atraiu o Oriente isso aqui. Como esse seu Tanaka - depois que soube... Esse senhor Tanaka montou Cine Niterói e tinha outro, mais dois cinemas japoneses. Eles importavam filmes japonês e começou a passar no cinema. Aí atraiu essa... Começou a formar essa Liberdade, bairro Liberdade Oriental.
P/1- Mas o pessoal vinha assistir o filme e acabava morando aqui?
R- É, acaba comprando, ou estudantes. Então por perto do cinema, iam fixando pensões ou apartamentos pequenos e assim por diante. Aí, começou a abrir casa de Mizumoto, não sei o quê... Aquelas lembranças orientais que...
P/1- E antes de começar a atrair os orientais, o que tinha no bairro?
R- Era normal, comum. Aqui era como a Liberdade, como era na da Catedral, então era...
P/2- Perto da Sé?
R- Perto da Sé. Esse pessoal vinha tudo à pé, isso aí, para...
P/1- E como era o cinema dentro, era de luxo, era simples?
R- Não. Comparando agora, não tem comparação. Mas era bem vagabundo (risos), era tudo cadeira de madeira.
P/1- Mas para a época era um bom cinema?
R- Era bonzinho. Na época, para nós, era uma novidade. Como tinha três cinema e era Domingo... Domingo, então, assistia três cinemas de uma vez. Ia no cinema Cine Nippon, que tinha atrás... Três cinemas.
P/1 - Jóia e Nippon?
R- É, Jóia, Nipon e Niterói.
P/1- E Niterói.
R- É, três cinemas.
P/1- E todos eles só passavam filme importado?
R- É, tudo diferente, importado.
P/1- Nada de americano?
R- Não.
P/1- E quando ia para o cinema, como era? Na porta tinha alguém vendendo comida?
R- Pipoca, vendia. Era pipoqueiro com carrinho.
P/1- E vocês encontravam gente conhecida?
R- É. Esses 2500 rapazes que vieram nesse projeto de imigração cotiana, aí começou a encontrar, começou a comunicar. Era o primeiro encontro com os colegas aí no cinema.
P/2- Seu Hélio, quando vocês vieram para o projeto cotiano, vieram todos os amigos juntos?
R- Não era amigo, nada. Vinha espalhado do Japão todo.
P/2- Do Japão inteiro? Mas como é? Veio tudo junto?
R- Não. Cada vez vinha... Algumas vezes vinham, assim, duzentos...
P/1- Num navio?
R- Um navio. Outra vez veio trezentas... Mas quando veio no meu navio, veio 1100 de uma vez.
P/1- 1100 japoneses?
R- 1100, é.
P/1- Para o projeto cotiano?
R- É, mas está misturado. Vinha...
P/2- O senhor lembra da viagem?
R- Lembro. Eu saí de...
P/1- O senhor tinha quantos anos?
R- 21 anos. Já completei 21 anos. Eu me formei no mês de Março, quinze de Março já formei, já...
P/1- De que ano?
R- Ano 61.
P/1- Mas a passagem foi o senhor que pagou?
R- Não, passagem... Como esse projeto era do governo ainda...
P/1- Pagavam a passagem?
R- Pagavam a passagem pros imigrantes.
P/2- Seu Hélio, como foi a viagem dentro do navio?
R- Quarentas dias sem fazer nada, está louco. Em cada porto tinha que arrumar namorada, senão, não... (risos), senão enlouquecia (risos).
P/1- Mas com tantos jovens dentro do navio, não dava festa, não fazia...?
R- Ah, mas tudo...
P/2- Só homem?
R- Não, vinha já família, já tinha algumas moças, mas fazia... A noite fazia baile, alguma coisa.
P/1- Ah, tinha?
R- Tinha. Tinha bastante diversão.
P/2- E a comida?
R- Comida era boa no navio.
P/1- O navio era japonês?
R- Navio japonês.
P/1- Saiu de que porto?
R- Saiu de Kodo. É perto de Osaka.
P/1- E veio pra onde? Santos?
R- Foi via Los Angeles e veio para Santos. Chegou em Santos.
P/1- Quarenta dias de viagem?
R- Quarenta dias de viagem. Uma barbaridade. Mas todo dia está deitado. Comia e deitava. Então sobrava energia que não é brincadeira (risos).
P/2- O senhor estava falando do Cine Niterói, aqui, né? Tinha outro ponto de encontro dos rapazes?
R- O primeiro encontro aconteceu no cinema. Depois começou a organizar. Aí formou a Associação de Jovens Cotianos.
P/1- Ainda existe?
R- Existe, mantém.
P/2- E o que acontece na Associação?
R- Então, a primeira coisa que aconteceu foi pra arrumar noiva, porque era uma dificuldade de arrumar companheira.
P/2- Ah, é? Por quê?
R- Éramos jovens, meninos malucos. Todo mundo achava que era maluco, que estava cheio de ideia, cheio de coisa, mas eu não tinha nada. Eu, quando cheguei em Santos, tinha cinco dólares no meu bolso. Não tinha mais nada.
P/2- Não dava para nada?
R- É, dava para nada. Eu fui no sítio lá e compramos... Trabalhando. Não tinha o que gastar, também. O que ganhava, não dava nada. Então ia no baile, mas era menino, não tinha nada. Não pagava para as meninas, porque elas gostam que pague algumas coisas... (risos).
P/2- Tinha que ser um bom partido?
R- É, bom partido. Mas eu não tinha, eu vou fazer o quê?
P/2- Aí vocês montaram essa Associação?
R- É, Associação para... É, ia lá e dizia: "Olha, tem uma bomba para todos os dirigentes da Colônia." Aí ia o cônsul geral e o presidente de cooperativas, presidente do Banco de Tóquio, Banco América do Sul... Acordou, né? Porque nós gritávamos: "Está louco, assim não dá. Nós vamos embora, todo mundo."
P/2- Eles ajudaram?
R- Ajudaram para...
P/1- De que jeito eles ajudaram?
R- O Banco começou a financiar para independência, começou a alugar terra para cada um poder realizar.
P/1- O Banco arrendou terras?
R- É, a Cooperativa que garantiu, ajudou para...
P/2- Seu Hélio, o senhor conseguiu arrumar alguma noiva?
R- Eu era, por exemplo, um dos melhores que tinha naquele tempo (risos). Então eu não sofria tanto.
P/2- Não? Era o mais...
R- Eu, cada esquina que encontrava já arrumava namorada, não tinha problema (risos). Mas pros outros colegas não era fácil.
P/1- Aí arrumava? Mas e para vocês viverem enquanto a plantação não dava?
R- Então, o pessoal começou a plantar e ficou independente, começou a ganhar dinheiro. Ora, plantava alface e metade de arroz, então... Eu, por exemplo, a primeira safra eu plantei apenas uns cinco alqueires, eu tinha alugado cinco alqueires... Arrendou cinco alqueires e eu plantei melancia, deu capital e eu comprei adubo e semente e deu para o veterano mais cinco alqueires, mas só deu para três alqueires, só. Não deu para tudo. Só que tive sorte, porque a primeira safra que eu plantei de melancia deu uma super safra. Só que aquele ano, ano 62, por aqui, Santa Rosa. Não sei se vocês lembram disso. Aqui no Santa Rosa, quando chegava fim do ano, época de chuva, inundava tudo. Essa Santa Rosa, aí.
P/1- O mercado?
R- É, o mercado aqui. Quando dava chuva inundava tudo aqui, naquela época. Ainda não trabalhava direito (risos).
P/2- Mas como foi que a inundação prejudicou a sua safra?
R- Prejudicou todo lado. Mas só que como eu tinha plantado mais alto, lugar alto, então deu super safra. Só que os vizinhos perderam muito, aquele que chegava no Santa Rosa, Ceasa. Mercadoria perdia tudo.
P/1- Como assim? Por que perdia?
R- Por causa da inundação, ou se descarrega tudo no chão.
P/2- Tinha outros japoneses que vendiam lá também?
R- Tinha vários. Mas só que eu cheguei lá e vi que o negócio estava feio, estava cheio de água. Nem cheguei a descarregar a mercadoria. Aí fiquei lá no Santa Rosa. Fiquei no caminhão, parado. Aí chegou um senhor lá e do jeito que eu estava, já estava com fome, quebrando melancia para passar a fome.
P/1- Para comer?
R- Comer.
P/2- Em que lugar o senhor morava nessa época, seu Hélio?
R- Morava ali em Bragança Paulista.
P/1- Eu queria perguntar o seguinte, os japoneses trouxeram técnicas novas?
R- Essa técnicas aí, todos trouxeram essa técnica nova.
P/1- Como era essa técnica nova?
R- Não, era apenas... Você quando vê em Atibaia, em Arujá, onde cultiva plantas, dá para perceber. Aquele tempo, quando veio aqui, a variedade de verdura era bem pequena. A variedade de alface, naquele tempo, só tinha alface aberta. Então você comprava uma cabeça de alface e mandava para a família toda. Agora, você comprando uma alface é uma bola. Você quebra lá e já passou... Sobra...
P/1- Isso é técnica japonesa?
R- É, trouxeram nova variedade e nova técnica.
P/2- E o que mais, além do alface que o senhor teria para citar?
R- Por exemplo, arroz, arrozal aqui, conseguia produzir quinze sacos por hectare. Na época, quando eu cheguei aqui no Brasil, era batata. Conseguia produzir 250 sacos por hectare. Hoje se produz dez vezes mais. Porque conforme a técnica que aplica, ou se começa a usar adubo, inseticida, fungicida, aí começou a produzir mais.
P/1- Quer dizer, os japoneses introduziram os agrotóxicos?
R- É.
P/1- É isso?
R- Não é agrotóxico, apenas. Começou a aproveitar matéria orgânica para adubar, adubar a terra.
P/1- Ninguém adubava?
R- Quando nós chegamos aqui, era simplesmente derrubada do mato e já tratava. Largava semente e só sabia puxar, cortar mato.
P/1- Como vocês trouxeram a técnica de, por exemplo, um morango ficar maior, o tomate ficar maior...
R- Quando cheguei em Atibaia era... Morango só plantava na Baixada, porque eu não sabia irrigar. Então como eu não sabia irrigar, só plantava na beira da água. Hoje planta lá no morro.
P/1- Técnicas de irrigação, né?
R- É, técnica de irrigação.
P/1- Novas espécies...
R- É, então nós começamos a selecionar mudas e...
P/1- Traziam do Japão?
R- É. Essa primeira safra de melancia, por exemplo, eu trouxe cinco quilos de sementes do Japão. Estava na minha bagagem.
P/1- Mas antigamente corria uma ideia que dizia que quando o japonês plantava numa terra, nada mais dava ali, esgotavam a terra. O que há de verdade nisso?
R- É porque a primeira técnica era você derrubar o mato, queimar o mato e só dava para plantar uma, duas safras, já abandona e vai para frente. Então, começou em São Paulo, primeiro, aqui em São Paulo, depois foi para Atibaia e Sorocaba, depois vai para Itapetininga, vai para Capão Bonito, no fim vai para Ponta Grossa de Paraná, Jacarezinho e assim por diante. E vai passando para o interior. Em volta de São Paulo não produzia mais nada.
P/1- Entendi.
R- Eu só deixava na terra o formigueiro de cupim. E virou pasto em volta de São Paulo.
P/1- Aí vocês é que introduziram...
R- É. Aí quando a gente entrou, começou a produzir, introduzir cultura com nova técnica, começou a plantar verdura, por exemplo, então revolucionou totalmente a área de verdura e de frutas. Primeiro foi morango, depois veio de pêssego, caqui, essas coisa. Por exemplo, em Mogi, o pé de caqui dava uma... (risos). É, antigamente, só dava algumas. Ou seja, quando tem ataque de passarinho lá, eu não conseguia produzir mais.
P/1- Depois que o senhor fez tudo isso na Cooperativa, o senhor parou, um dia, e veio fazer outra atividade. É isso?
R- É, mas não era ideia deles. Era um mercado tão explorado, mas era tão explorado. Você mandava a mercadoria para São Paulo, você tinha que pagar comissão.
P/2- Para quem?
R- Para o atacadista, aqui em São Paulo. Eu pensei: “Desgraçado! Isso aí, eu que produzo e você não sabe como é que vende, não...” Aí eu acabei ficando na Praça da Santa Rosa. Eu aluguei uma área.
P/2- Para vender?
R- Para vender.
P/2- E aí? Foi bom o resultado?
R- A Cooperativa, então, virou funcionário público. Aqueles vendedores são vagabundos, ele não vendia, ele vendia... Funcionário recebia mercadoria e passava para o atravessador e o atravessador vendia para outro atacadista. Então eu comecei a vender sozinho. Aí que eu tive que morar em São Paulo, eu tinha que ficar... Eu deixava gerente no sítio, eu tinha vários zeladores naquele tempo, e eu fiquei em São Paulo. Comprava, vendia. Então o gerente telefonava para cá: “É, patrão. Precisa de adubo, precisa de dinheiro, precisa de mantimento e não sei o quê.” Mandava tudo para cá e eu comprava e mandava. Aí chegava a mercadoria e eu vendia.
P/2- O senhor vinha na Liberdade nessa época?
R- Eu morava aqui embaixo, aqui no Santa Rosa, aí eu comecei a trabalhar à noite, porque o mercado funciona só à noite. De dia não tem nada para fazer, então vou paquerar e... (risos). Então vivia na Liberdade. Primeira coisa que fazia era vir na Liberdade, porque a única diversão que tinha era aqui na Liberdade.
P/1- Era que ano, mais ou menos?
R- Entre 63 a 65.
P/1- Como era o bairro nessa época?
R- Ainda era começo do bairro, ainda não tinha nada. Algumas casas aí, lembro... Só tinha três cinema e tinha a casa Mizumoto, ali.
P/2- E tinha bonde?
R- Bonde ainda na... Como é que chama? A São João. Avenida São João, por aí. Aqui não tinha bonde, não.
P/2- Aqui não?
R- Não.
P/2- Mas o senhor chegou a tomar o bonde?
R- Ah, sim.
P/2- Como que era?
R- Ia dar a volta. Quando o bonde parava, eu pulava lá de cima. Aí vinha cobrador. Então era na São João. Na São João tinha bastante moça, né? (risos). Ia atrás de moça (risos).
P/1- E na Avenida Liberdade, não tinha bonde?
R- Não, não tinha bonde.
P/2- E ônibus?
R- Ônibus tinha. Mas só que, naquele tempo, era economia total. Era andar a pé por aqui.
P/2- O senhor andava a pé?
R- É.
P/1- Mas aí o senhor já tinha saído da pensão?
R- Já tinha saído de pensão e como tinha uma boa safra eu consegui comprar um apartamento aqui, em cima daquele Banco Bradesco. Número 107.
P/1- 107?
R- É. Número 107 da Praça Liberdade. Ali é no 14º andar. Eu tinha um apartamentozinho, meu esconderijo (risos). Era uma vitória, está louco. Tudo nosso colega, que nem andava de bicicleta. Eu tinha carro e apartamento, aqui na Liberdade.
P/2- E tinha já sedimentado as tradições japonesas aqui no bairro?
R- Não. Não tinha nada ainda, aquele tempo.
P/2- Ainda não?
R- Não, bem depois disso aí.
P/1- Mas tinha muito japonês no bairro?
R- Não. Aí começou entrar. Como disse antes, devido a esse cinema, começou fixar.
P/2- Tinha menos, então?
R- É. Aí começou a aparecer pensão. Pensão de japonês. Aí começaram só três jornais. Tinha três jornais aí. São Paulo Shimbun, Jornal Paulista, Jornal Nippak..
P/1- Jornal da Paulista?
R- Jornal Paulista.
P/1- Mas se não tinha tanto japonês no bairro, quem morava no bairro?
R- É misto.
P/1- Tinha muitos negros, não?
R- Negro... Mais embaixo, ali na baixada...
P/1- Do Glicério?
R- É, Glicério. Aqui em cima não tinha tanto.
P/2- Tinha uma pensão que chamava Assahi? O senhor conheceu?
R- Tinha, ali na Conde.
P/2- Na Conde?
R- É, Conde de Sarzedas, pensão Assahi. Tinha mais uma pensão ali. Aqui na ladeira, lá. Tá louco. Tinha duas lojas que vendiam coisas de japonês.
P/1- Duas lojas?
R- É, duas lojas. Tinha a Livraria Sol.
P/2- Ali na Praça da Liberdade? Tem até hoje, né?
R- Tem. Isso é uma filial. Era a matriz lá na Conde de Sarzedas.
P/1- Livraria o quê, mesmo?
P/2- Sol.
P/2- E as festas, seu Hélio?
R- Festa começou a aparecer bem depois, viu?
P/2- Que festas?
R- Isso aí... Bom, quando eu participei, a primeira festa era festa da Igreja. Budismo. Quando chegava mês de Julho aí eu fazia festinha da Igreja.
P/2- Como é que era essa festa?
R- Tinha... Criançada começou esse negócio de sumô.
P/1- Espera aí. Então começou com o sumô?
R- É, começou com o sumô.
P/1- E como é que era?
R- Primeira diversão. Juntava todos, a criançada. Estava tudo peladinho, colocava a faixa e começou a lutar sumô. Porque isso aí, também... Todas as colônias aconteceram assim. Primeira coisa, formou a Associação para educar filhos.
P/1- Por causa de quê?
R- Para educar filhos. Primeira coisa. Então fazia uma Associação, fazia uma república anexa e Cai Can. No interior aconteceu isso. República anexa e Cai Can. Era uma Associação com uma sala de reunião. Aí toda a criançada que morava no interior, sítio, dormia ali, na República da Associação.
P/1- Mas isso no interior?
R- No interior. Aqui também, em Cotia. No município de Cotia, Ibiúna, em todos aconteceu. Atibaia também. Todas as Associações... Primeiro formou a Associação Cultural Nipo- Brasileira por causa de filhos.
P/1- E aqui na Liberdade também?
R- É. Aqui na Liberdade aconteceu o contrário.
P/2- Como é que foi?
R- Interior, começou a passar Primário, Ginásio, Científico, depois Colegial. Termina no Colegial. Todo mundo quer estudar na faculdade. Aí começou a povoar aqui de estudantes. Aí começou a alugar pensão aqui por perto. Por que tem todos os apartamento aí? Todos começaram assim.
P/2- Mas no sumô as crianças vinham bem pequenas?
R- É, mas esses estudantes... Primeira diversão era ir no templo para lutar sumô. Começou a praticar...
P/2- E tinha um espaço?
R- É.
P/1- Qual era o Templo? Da São Joaquim?
R- É, da São Joaquim. Também ali no Jabaquara.
P/1- E como é que era isso de jogar sumô?
R- Começou a praticar judô, kendô, karatê, aikidô, sumô... Mas a primeira coisa é que para praticar outro esporte precisa de muito dinheiro. Comprar roupa de judô, armação de kendô... Mas sumô não precisa de nada disso. Só faixa já resolvia o problema. Então a primeira diversão que aconteceu aqui, no Brasil, era sumô mesmo.
P/2- Quando foi?
R- Noventa anos atrás. É, noventa anos atrás, quando o primeiro imigrante que veio na Mogiana, aí a primeira diversão que programaram foi o sumô, campeonato de sumô.
P/1- A Associação de Sumô tem noventa anos?
R- Não, Associação já mudou várias vezes, mas o primeiro esporte que surgiu no colônia era sumô.
P/2- Seu Hélio, o senhor sabe quem foi o fundador do sumô aqui na Liberdade? O primeiro mestre de sumô...
R- Bom, na Liberdade, acho que quem fundou sumô aqui na Liberdade mesmo foram eles, que são amantes de sumô aqui em São Paulo.
P/2- Sei. O senhor participou disso?
R- Participei.
P/1- E essas festas eram na rua?
R- Não, eram sempre numa área verde da Templo ou da Associação. Começou assim.
P/1- E era ao ar livre?
R- Área livre, porque quando eles armaram a primeira área lá no Bom Retiro era área livre. Só fez uma arena, fez um montante de terra, trouxe alguns caminhões de terra lá e fez uma plataforma. Área livre. Começou assim.
P/2- E as pessoas iam assistir?
R- Como não tinha outra diversão, ia todo mundo.
P/1- O senhor largou a lavoura, depois?
R- É, tive que largar.
P/1- Por que o senhor largou?
R- Eu comecei a escrever matéria na Página Agrícola, no Jornal Paulista, naquele tempo. Aí acabou me tomando tempo, porque eu tinha que escrever toda semana uma página.
P/2- Que jornal era esse?
R- Jornal Paulista. Esse, agora, como mudou para Nikkey.
P/1- É o mesmo? É o nome que mudou?
R- Mudou.
P/1- Virou Nikkey?
R- É, Jornal do Nikkey.
P/1- Aí o senhor virou jornalista?
R- É, virei jornalista.
P/1- E o senhor escreve em japonês?
R- Escrevo em japonês (risos).
P/1- Até hoje o senhor escreve?
R- Agora eu não escrevo mais. Agora virei... Então, primeiro eu escrevia matéria agrícola.
P/1- Mas o senhor conseguiu substituir a atividade agrícola pelo jornal? E o dinheiro deu para o senhor se sustentar?
R- Escrevendo, dando assistência como agrônomo, dava, mesmo. Porque, cada projeto que dava, a pessoa paga.
P/1- E o que o senhor fez com a lavoura?
R- Projetava, eu analisava a terra. Ia em cada fazenda, ia analisar terra, dava fórmula de adubo, dava fórmula de...
P/1- O senhor passou a ser consultor?
R- É, virei consultor agrícola.
P/1- E aquela parte o senhor vendeu? Como que é?
R- Não. Como era terra alugada...
P/1- Simplesmente devolveu?
R- Simplesmente devolvi.
P/1- E dentro do jornal, fora o senhor fazer os artigos técnicos, o senhor fez coberturas?
R- Sim.
P/1- O que, por exemplo, o senhor cobriu como jornalista? Quer dizer, para as reportagens que o senhor fez?
R- Bom, cada... Aí tinha que... (risos). Tem que contar um monte de história (risos). Está difícil, né?
P/2- Uma mais importante, que tenha marcado mais.
P/1- O senhor não foi para o Pará para cobrir a chegada do Akihito?
R- Não, isso… Cada vez que fazia reportagem na área agrícola, aí já acontece... Começa acontecer aniversário, casamento, funeral, vinte anos de cidade, quinze anos da Associação, trinta anos de... Coisas assim. Aí teve o cinquentenário de colônia japonesa. A primeira marcante, que me emocionou tanto, foi há quarenta anos atrás, era cinquentenário do Japão, colônia japonesa - veio o príncipe Akihito, é o atual imperador - e nós íamos receber lá no Pará, ele desceu lá no Pará.
P/2- O senhor foi até lá?
R- É, fui lá dar cobertura através do Jornal Paulista.
P/1- Que ano foi esse? O senhor se lembra?
R- Uns quarenta anos atrás.
P/1- 1960 e pouco?
R- É.
P/1- E como foi essa chegada dele?
R- Ele chegou lá e começou a Associação, a receber... Festa de cinquentenário de colônia. Pará ainda não tinha essa história toda. Passou no Pará, depois veio para Brasília, de Brasília para São Paulo.
P/2- E o senhor veio junto? Veio acompanhando?
R- É, vim acompanhando naquele avião.
P/1- Por que ele começou no Pará? Lá não tinha uma colônia grande japonesa?
R- Não, não tinha colônia. Era para preparação para chegar... Antes de chegar em Brasília, era para... Recebido no Pará. Porque o avião fazia ponte.
P/1- Mas lá não tinha uma colônia, que foram plantar especiarias?
R- Tinha, naquele tempo tinha pimenta do reino. Pimenta do reino dava… Algumas famílias enriqueceram tanto, porque aqui no Brasil acho que não tinha pimenta do reino. Então o japonês que veio, entrou com semente de pimenta do reino escondido no pão, na hora de emigrar para cá... Naquele tempo era antigo imigrante, vinha via África. Então trouxe sementes de pimenta do reino escondido no pão, senão não ia passar na alfândega.
P/1- E aí plantava...
R- É, eles punham no meio do pão, embrulhavam e vinha de sanduíche (risos). Aí começou plantar lá.
P/1- E aí foi bem?
R- Aí foi bem. Só que algumas famílias... Não era muito grande a família, não. Acho que eram cem, 150 famílias, mais ou menos.
P/1- Que chegaram lá?
R- Que chegaram lá e plantaram pimenta do reino. Acertou, né?
P/1- E desenvolveram bem lá?
R- Desenvolveram bem, mas...
P/1- Por isso que o príncipe parou lá?
R- Não. Só queria apenas conhecer a Amazônia.
P/1- Ah, pensei que tinha...
R- Não. A propaganda do Brasil era o Amazonas, não tinha outra coisa. Ele queria conhecer o jacaré e a cobra, só. Não era nada de encontrar tanto a colônia de Belém do Pará. Naquele tempo, o povoado era pequeno, a colônia do Pará. Pouca coisa.
P/1- E conta como é que foi essa visita dele.
R- Nós chegamos lá no aeroporto, tudo normal. Chegou lá no aeroporto, foi recebido pelo governador e a colônia toda veio abanando bandeira brasileira e a bandeira japonesa. Fazia fila. Passou uma noite lá e um dia do passeio ele conheceu aquela famoso Catedral, visitou alguns...
P/1- E foi para Brasília?
R- É, foi para Brasília. Eles assustaram que o Brasil não era a Amazonas. Brasília é uma... No meio daquele deserto. Era praticamente deserto aquilo lá, por bem dizer. Brasília não tem nada. Mas só que nasceu, é uma cidade nova, é um projeto novo e... Não sei se você já conhece Brasília.
P/2- Não.
R- Então, era um...
P/1- Descampado.
R- É, teve técnica moderna. Fizeram uma cidade nova.
P/2- Seu Hélio, como é que foi a recepção deles aqui no bairro da Liberdade?
R- Não conseguiram fazer nada aqui no bairro da Liberdade.
P/2- Não?
R- Não. Só passou aqui. É porque não podia fazer festa, porque o governo proibiu.
P/2- Ah, é?
R- É, só recebia aí no...
P/1- Que ano era isso que ele veio?
R- É, veio o príncipe. Mas aqui no bairro da Liberdade, só passou de carro.
P/2- Mas como é que foi isso? As pessoas observavam de onde?
R- Da rua lá, da Galvão Bueno, saía de lá da São Joaquim. Colocaram uma corda grossa lá porque não podiam avançar para a frente... Só passou por dentro dela abanando mão. Acabou (risos).
P/2- Não tinha gente nas janelas?
R- Tinha sim. Estava tudo pendurado na janela ali, mas não podia chegar perto.
P/1- Não, né?
R- Não.
P/2- Me conta essa história. Por que foi proibido?
R- Devido à segurança, porque era a fama de que era cheio de assaltantes aqui no bairro de Liberdade (risos).
P/2- Era pela segurança?
P/1- Era o tempo da ditadura?
R- É, mas o pessoal da segurança tinha tanta precaução, eles não... Só para não acontecer nada, eles colocaram aquela corda toda, de fora a fora. Era para não chegar perto. Então a cada cinco metros, colocou guarda lá para não avançar.
P/1- E foi a única vez que ele veio?
R- Não, veio várias vezes. Depois veio esse príncipe, depois veio a segunda irmã do príncipe. Irmã dela também veio. Depois que assumiu, coroado imperador, última vez veio já como imperador.
P/1- Aí teve festa?
R- Aí teve festa, mas só que no Bandeirantes, Palácio dos Bandeirantes, não aqui na Liberdade. Liberdade aconteceu a mesma coisa. Só abanando mão quando ele passou aqui (risos).
P/2- Mas, seu Hélio, falando em festa, eu queria que o senhor falasse um pouquinho mais das festas da Liberdade. Além dessas...
R- Porque a festa da Liberdade faz... Virou tradicional, graças a essa Associação ACAL da Liberdade, praticamente a cada dez meses está fazendo festa. É a Festa de Verde, Festa de Flor, Festa de não sei o quê... Festa de Tanabata, Festa de... Fazem várias festas.
P/2- O senhor participa de todas?
R- Porque está perto, então praticamente, a gente está participando de todos. Mas isso aí, o pessoal da Associação começou assim: “Poxa, se não vier ninguém, não tem freguês” (risos).
P/1- É para valorizar o comércio?
R- É. Então eles começaram a fazer esse movimento aí.
P/2- O senhor já voltou para o Japão desde que o senhor veio?
R- Bom, pelo menos uma vez por ano estou lá.
P/2- Ah, é?
R- É.
P/1- O senhor volta?
R- Volto, porque, por exemplo, tiveram duas vezes campeonato mundial de sumô no Japão. Então termina o campeonato brasileiro aqui e participa do mundial aquele que foi campeão. Mês de Agosto tem juvenil, mês de Dezembro tem adulto. Agora, antes disso, nós tínhamos a Miss Colônia Nikkey. Por que eu faço isso? Porque eu quero que meus filhos, pelo menos uma vez na vida, conheçam a minha terra natal. Então nós fazemos esses concursos: Miss Colônia, campeonato de sumô, campeonato de judô, campeonato... Melhor coisa são esses campeonatos, aquele que ficou em primeiro lugar vai para o Japão como prêmio, para ele conhecer Japão, dá oportunidade como prêmio, para conhecer melhor. Mas só que nós temos falta de verba, não podemos levar todo mundo. Só dá para levar um ou dois, só, porque eles mesmos... Ele é um sofredor, por exemplo (risos). É, arrecada tanto, e ele tem que abaixar a cabeça para todo mundo pra conseguir prêmio.
P/1- E quem é que colabora para dar o prêmio?
R- Então, no fim eles acabam soltando do bolso (risos).
P/1- É mesmo?
R- É, muitas vezes. Por exemplo, eles aprontaram uma menina que praticamente era... Não é da favela, mas praticamente tinha custo de vida baixo. Empregada doméstica. Começou a treinar a menina, menina que é de sumô, e hoje é campeã brasileira.
P/2- É mesmo?
R- É, é uma moça. Queria dar uma medalha para eles, porque eles já sofreram tanto. Todo domingo eles levam tudo, pagam de bolso. E leva pão, linguiça, aquela coisa toda, mantimento.... Leva tudo. Aí junta toda aquela criançada para dar comida no dia do treino.
P/2- São brasileiros?
R- São brasileiros, 90%. Por exemplo, a minha academia, eu tenho academia, filhos de japoneses são 10%. 90% são filhos de brasileiros.
P/1- Mas vão pegar na favela?
R- Não.
R/2 - Pega aonde for preciso?
R- É, aonde for.
R/2 - Não vem exclusivamente da favela, mas se vier gente da favela, é bem vindo.
P/1- E entra no concurso, tudo?
R/2 - Se ele tiver habilidade ele vai..
P/1- Se ganhar, vai para o Japão?
R- É, então. Eu levei para o Japão, levei para Alemanha. Nossa senhora.
R/2 - A Fernanda já esteve na Alemanha.
R- É um belo prêmio. Mas quem é que esperava ganhar uma viagem pra Alemanha?
R/2 - Ela nunca havia saído nem de São Paulo, até que um dia colocamos no avião e mandamos para a Alemanha.
R- É, então.
P/1- E quem é que financia essas viagens?
R/2 - Federação...
P/1- De sumô?
R- É.
P/1- E as lojas ajudam, os lojistas?
R- Não, eles só... (risos) Ajudar, ajuda, mas não é fácil dar ajuda, entende? Porque para ajudar nós temos que fazer... Tem que trabalhar, senão...
P/2- E aqui, a Confederação é só de judô ou é de outro esporte?
R- Não, tem vários até... Aqui é sumô, né?
P/1- Não tem uma que são de todas as artes marciais, não?
R/2 - Tem. Tem uma Confederação... Ele abriga várias federações de artes marciais, mas não tem muita representatividade, não. Cada esporte cuida de si.
R- É. Por que nós fazemos essa loucura? Só esperando nosso filhos para eles aprenderem a nossa cultura.
P/2- Para seguirem as tradições?
R- É, mas no fim acabou transmitindo tudo pro Brasil. Atual campeão de feminino e masculino são brasileiros. Eu, por exemplo, a minha academia já formou centenas de milhares de alunos brasileiros.
P/2- O senhor tem uma academia de sumô?
R- É.
P/2- Como é que chama?
R/2 - Não é que ele tem uma. Ele participa da Academia de Sumô, Associação de Sumô da Sudoeste. Da região Sudoeste de São Paulo.
R- Começou assim...
R/2 - A minha Associação é da região de São Paulo, Centro de São Paulo. Aí tem na nova central que pega de São Miguel Paulista e vai até Caraguatatuba.
R - Osasco, por exemplo, eu moro num apartamento em Osasco. Então Osasco, há trinta anos atrás ficou independente de São Paulo. E eu morava lá, praticamente, quase... Depois que fez a casa foram quase trinta anos lá. Então 27 anos atrás não tinha nada na colônia, nem Associação, nem nada. Aí começou a formar Associação e começou a fazer atividade. Só que Osasco pertencia a Sudoeste, aí Sudoeste mandou convite para participar desse campeonato, só que não tinha nada. Aí eu falei: “Pelo menos sumô dá para participar. Não precisa de muito investimento, não precisa de muita preparação.” Aí juntamos criançada, aí começou a Associação. Formou a Associação e o presidente me chamou lá: “Oi, japonês, vem cá. Você sabe fazer o que?” “Eu não sei fazer muita coisa, não.” (risos) Mas ele queria dar aula e chamou japonês. “Não, mas dar aula de japonês eu não quero. Não dá. Não dá tempo.” “Mas sábado ou domingo você pode ajudar a Associação e dar aula de judô e sumô.” Aí comecei lá em Osasco. Porque há 27 anos, Osasco não participava de nada, porque não tinha nem Associação ali.
R/2 - Não era só Osasco que não participava. Há 27 anos foi fundada a Federação Paulista, porque existiam outros torneios. Por exemplo, Santo Amaro fez o 50o torneio de sumô.
R- Mas Osasco...
R/2 - Não existia uma federação representando.
R- Só que quando eu morava em Bragantina, antigamente, a Federação Paulista tinha já. Era uma linda Associação.
P/1- Pulando um pouquinho, hoje em dia, como é o seu dia a dia?
R- Bom, o dia a dia... Eu não estava pensando em ajudar tanto, participar até o pescoço nessa atividade. Não estava no programa, mas conforme foi crescendo, meus filhos foram participando dessa atividade, aí acabei assumindo a diretoria de algumas Associações, assim por diante. Eu era apenas técnico, ajudante do técnico da Sudoeste. Depois como técnico, e depois acabei numa diretoria.(risos). Sudoeste é um dos sócios da Federação Paulista, então conforme foi participando, acabou assumindo diretor. Depois, este ano, consegui montar Confederação e comecei a participar como Federação.
P/1- Hoje em dia o senhor mora com quem?
R- Morar?
P/1- É.
R- Moro com a família (risos).
P/1- Filho, esposa? Quantos filhos?
R- Então, eram quatro filhos. Mas só que um já casou e está fora.
P/1- Então são três filhos?
R- É, três filhos.
P/2- O senhor tem netos, também?
R- Ainda não. Esse primeiro neto que aparecer, já [vai] começar a praticar sumô (risos).
P/1- E o senhor está sempre nesse almoço aqui, nas terças-feiras, porque o senhor tem um bom relacionamento com esse pessoal da ACAL e tudo. Como é isso?
R- Como sempre junto com esse pessoal aí, então participo da maioria das... Não são em todos ainda. Eu não estou conseguindo participar de todos, mas a maioria está...
P/2- Seu Hélio, o senhor lembra da época da construção do metrô aqui na Liberdade?
R- Lembro.
P/2- Como foi?
R- Quando começou... Inclusive, eu morava no 107. Começou a construção do metrô e eu tive que mudar dali.
P/2- Ah, é? Por quê?
R- Porque um buraco ali. Era uma bagunça aqui. Praticamente durante cinco anos o comércio parou. Está louco. Eu não podia nem encostar o carro, eu não podia entrar mais na garagem.
P/2- O senhor morava bem na Praça?
R- É, eu morava aqui na Praça Liberdade, 107. Mas eu não tinha mais... Ali é contra-mão, tinha que fazer uma volta. Eu tive que mudar. Eu fiz uma casa lá em Osasco.
P/2- E tinha muitos operários na obra, trabalhando?
R- Sim, tinha bastante operário, conforme ia avançando o serviço. É que ao invés de abrir túnel, abriu valeta.
P/2- Abriu o quê? Valeta?
R- Valeta, valetão. Fez uma, duas paredes lá e começou... Eu pensei que era um túnel (risos). Não era um túnel, não. (risos)
P/2- O senhor lembra do dia da inauguração? Como é que foi?
R- Aí, não lembro mais. Essa hora eu já estava morando em Osasco.
P/2- O senhor não veio?
R- Não vim, não. Porque eu tinha apartamento, mas eu já aluguei o apartamento (risos).
P/1- Ainda conseguiu alugar o apartamento?
R- Consegui, mas bons tempos ele ficou sem nada. Não conseguia nem alugar, porque parou cinco anos aqui, na Liberdade. Isso estava esquecendo o pessoal da Liberdade. Era uma barbaridade. Aqui era um comércio praticamente... Desde Jabaquara para atravessar esse... Parou o comércio aqui.
P/1- E as lojas faliram ou fecharam?
R- Muita gente fechou e parou.
P/1- E nunca mais voltou?
P/2- O senhor sabe se houve desapropriação de imóveis?
R- Não, porque era avenida. A desapropriação foi pouca coisa, não foi muita coisa.
R/2 - Praticamente não houve.
R- Não houve praticamente. Só que parou com o movimento.
P/1- As lojas continuaram abertas ou fecharam?
R- Abertas, mas só que... Uma mixuruca, como diz, né? Por causa daquilo lá atrasou muito. Depois que terminou a obra aí começou a crescer. Até lá não tinha feito nada aqui.
P/2- O que o senhor acha que o metrô trouxe para o bairro?
R- Bom, metrô... Para a Liberdade, não sei, não, porque como tinha parado durante cinco anos, todo mundo sofreu aqui.
P/2- Mas e depois?
R- Depois? Bom, depois voltou... Mas para voltar é difícil. Agora que começou mais ou menos... Mas até lá, olha lá!
P/1- Quem saiu não deu para voltar?
R- Não deu para voltar. Eu, por exemplo, eu não vou voltar mais aqui no apartamento. Era uma... (risos).
P/2- A primeira vez que o senhor andou de metrô foi no Brasil ou foi no Japão?
R- Eu nunca andei no metrô.
P/2- Nunca andou no metrô?
R- É.
P/1- Nem aqui nem no Japão?
R- Nem aqui nem lá.
P/2- O senhor não tem curiosidade de saber como é que é?
R- Não, eu não sei (risos). Porque eu ando de carro, eu tenho três carros. No dia de rodízio, troco meu carro, encosto na minha garagem aqui. Mas praticamente eu não ando de metrô. Eu não conheço o metrô.
P/2- Seu Hélio, a gente já está encaminhando para o final de entrevista. Eu queria que o senhor falasse o que o senhor mais gosta no bairro da Liberdade.
R- Bom, não sei. Depois que terminou essa obra mudou completamente esse bairro. Mudou. Depois surgiu esse Minhocão, desapareceu essa... Embaixo, aqui... Como chama?
P/1- Avenida...
R- 23. Aqui eram favelas, tudo aí, a 23. Era mato. Essa 23, tudo era mato. Até tinha medo de atravessar isso aqui. Essa 23, atrás aqui, era mato.
P/2- E a iluminação? Mudou também a iluminação do bairro?
R- Ainda não. Não mudou muita coisa na iluminação.
P/2- O senhor acha que era igual?
R- É. Isso aqui tem que melhorar bastante, ainda. Você saiu um pouquinho da Liberdade, você... Já escuro aí.
P/1- As ruas?
R- É, ruas.
P/2- E essa decoração oriental?
R- Não, decoração oriental é... Mas isso aí... Você vendo daqui, por exemplo, não significa nada isso aí.
P/2- Não?
R- Não. Decoração ainda tem que ser mais... Isso não é decoração, isso aí.
P/2- Não?
R- Não.
P/1- O que é isso?
R- Isso aí é uma... Não sei. Isso aí para mim ainda é quebra galho (risos).
P/2- Precisava fazer uma coisa mais...
R- Não está como decorando o bairro...
P/1- Não está bom?
R- Não está bem decorando o bairro.
P/1- Como seria para estar bom?
R- Tem que ser diferente, porque você, quando vai lá no Japão, é um negócio lá. É uma iluminação total. Cada casa tem uma iluminação diferente, as coisas são mais destacadas, a rua é toda coberta. Por exemplo, a Rua Galvão Bueno tem que ser tudo coberto.
P/1- Coberto?
R- Coberto. A área comercial, por exemplo, é uma...
P/1- No Japão é coberto?
R- Tudo. Porque essa travessa, que nem a Galvão Bueno, é toda coberta.
P/2- Tipo um telhado?
R- É, cobre de...
P/2- Aros?
R- É.
P/1- Não toma chuva se passar?
R- Não, você pode... Rua, em bairro de Tóquio, por exemplo, não pode passar de carro. Tudo a pé.
P/1- Porque é um bairro comercial?
R- É, bairro comercial, mas comparando com aquele lá, não dá nem para comparar.
P/2- Tá longe ainda?
R- Longe.
P/2- E como o senhor gostaria que o bairro fosse no futuro?
R- Porque se fosse verdadeiro bairro oriental, então tem que mudar muita coisa. Por isso eu reclamo cada vez que eu vou na reunião: "Mas não é isso! " (risos). Eu sempre estou enchendo o saco (risos).
P/2- E o que eles falam?
R- É difícil para convencer. Porque é um laço diferente, está entrando muito chinês, coreano, aqui. Mas, eles ainda não tem... Não conseguem unir.
P/1- Não?
R- Não.
P/1- Coreanos e chineses?
R- É, não consegue ainda. Para chegar união, acho que ainda faltam algumas coisas para unir tudo.
P/1- O senhor acha possível unir os coreanos, os japoneses e os chineses?
R- Por exemplo, em Nova Iorque, ali no bairro oriental, ali em Chinatown, por exemplo, os chineses têm uma união que é barbaridade!
P/1- Mas com os outros também? Os japoneses e os coreanos?
R- É, ali em Chinatown. Em Los Angeles, por exemplo, no bairro oriental, eles vivem bem com os chineses, japoneses, coreanos. É o verdadeiro bairro oriental.
P/1- Aqui ainda estão tentando?
R- É, aqui ainda não chegou na...
P/1- Está certo.
R- Depois de surgir metrô começou o bairro oriental, mas ainda falta, porque aqui ainda tem que dobrar para a habitação lojas japonesas e orientais, senão não dá, não tem força ainda.
P/2- Entendi.
R- Ainda é tudo pobre.
P/2- Tem que ter mais orientais para...
R- É, tem que ter. Isso aí é projeto, tem que ser bem estudado. Aí nasce outro verdadeiro bairro oriental.
P/2- Bom, como a gente está indo para o final, eu tenho uma última pergunta. O senhor tem algum sonho que gostaria de realizar na sua vida?
R- Vida?
P/2- É.
R- Agora chegou a idade, não tem muito sonho (risos).
P/2- Como não?
R- É, agora espero já meus filhos (risos). Já está chegando, mais três, quatro anos, já tem que aposentar. Então meus filhos já estão oferecendo para [eu me] aposentar: "Olha, velho, para aí. Você não precisa trabalhar mais." Ele tem sítio em Minas, ele quer que eu tome conta lá no sítio (risos).
P/2- E o senhor tem vontade ou o senhor quer continuar?
R- Não, porque está na hora de... Já está chegando. Daqui a três, quatro anos, eu vou ter que parar e começar a cuidar dos meus netos.
P/2- E o sumô? O sumô continua?
R- O sumô continua, mas passa para filhos, porque os meus filhos já estão começando a assumir o diretório de sumô lá de Osasco, por exemplo. Meus filhos já começaram a fazer atividade na Associação, entende?
P/2- Está jóia.
R- Agora, eu passo para o filho.
P/1- Para os filhos, né?
R- É, porque eu já eduquei quatro filhos, tudo formado, faculdade. Então eu não tenho muita... Não sei se dá tempo de fazer algumas coisa, ainda (risos).
P/1- Muito obrigado pela entrevista. Foi ótimo!
P/2- Obrigada, viu, seu Hélio?
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